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Document 52010IE0465

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Aplicação do Tratado de Lisboa: Democracia participativa e a iniciativa de cidadania (art. °11. °)» (parecer de iniciativa)

JO C 354 de 28.12.2010, p. 59–65 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

28.12.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 354/59


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Aplicação do Tratado de Lisboa: Democracia participativa e a iniciativa de cidadania (art.o 11.o)» (parecer de iniciativa)

2010/C 354/10

Relatora: Anne-Marie SIGMUND

Em 16 de Julho de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, emitir um parecer de iniciativa sobre a

Aplicação do Tratado de Lisboa: Democracia participativa e a iniciativa de cidadania (art. 11.o).

O subcomité incumbido da preparação dos correspondentes trabalhos emitiu parecer em 11 de Fevereiro de 2010.

Na 461.a reunião plenária de 17 e 18 de Março de 2010 (sessão de 17 de Março), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 163 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   As disposições do Tratado da União Europeia (TUE), relativas aos princípios democráticos da União, e em particular o art. 11.o do TUE, são, do ponto de vista do Comité, uma etapa histórica na criação de uma Europa dos cidadãos concreta que funcione na prática. Entretanto, é necessário definir com mais precisão os diferentes processos democráticos e dotá-los das estruturas necessárias.

1.2   Quanto ao diálogo civil horizontal (art. 11.o, n.o 1, do TUE) e vertical (art. 11.o, n.o 2, do TUE), o Comité reclama uma definição mais clara dos instrumentos e a adopção de regras para o seu funcionamento na prática e a participação das partes implicadas. Recomenda que a Comissão, por analogia com o procedimento seguido para o art. 11.o, n.o 4, do TUE, lance um processo de consulta através da publicação de um Livro Verde relativo ao diálogo civil e proponha a regulamentação necessária com base nos resultados obtidos.

1.3   O Comité, como o fez já em várias ocasiões, afirma-se disposto a dar um contributo decisivo, como parceiro e como intermediário, para o desenvolvimento do diálogo civil e a consolidar o seu papel como fórum para o intercâmbio de ideias. O Comité põe à disposição de todas as instituições da União a sua rede e a sua infra-estrutura para acompanhar o diálogo civil com a sociedade civil organizada de forma construtiva.

1.4   O art. 11.o, n.o 3, do TUE insere as consultas da Comissão (que já eram frequentes anteriormente) no contexto da vertente participativa ora reforçada do modelo europeu de democracia. O Comité apela a regras mais claras também para este instrumento, em conformidade com os princípios da transparência, da abertura e da representatividade.

1.5   Através da iniciativa de cidadania europeia introduzida pelo art. 11.o, n.o 4, do TUE, os Tratados criam pela primeira vez na História um processo de participação democrática a nível transfronteiriço e transnacional. O Comité apoia enfaticamente esta nova possibilidade e gostaria de contribuir de forma concreta para essa inovação histórica. O Comité apresenta recomendações mais específicas quanto às disposições de aplicação na prática, que deverão ser adoptadas ainda em 2010. A esse respeito, recorda que:

Os cidadãos não devem sofrer quaisquer entraves injustificados ao exercício do seu direito de participação, uma vez que se trata apenas de uma iniciativa destinada a colocar temas na ordem do dia;

Devem ser adoptadas regras e disposições claras que facilitem aos organizadores o lançamento da sua iniciativa nos 27 Estados-Membros sem entraves indevidos a nível nacional;

Deve ser concedido apoio financeiro aos iniciadores, caso necessário, assim que a iniciativa tenha atingido uma determinada meta.

1.6   O Comité oferece os seus serviços enquanto elemento central de uma estrutura democrática transnacional na Europa e compromete-se a desempenhar de forma orientada e eficiente o seu papel no âmbito do art. 11.o do TUE. Dispõe-se igualmente a funcionar como serviço de informação, a apoiar as iniciativas de cidadania sempre que necessário através de pareceres sobre o tema, a organizar audições sobre iniciativas bem-sucedidas e a contribuir, eventualmente através de um parecer, para a avaliação das iniciativas pela Comissão.

2.   Antecedentes

2.1   Em Dezembro de 2001, em Laeken, os chefes de Estado e de governo da UE chegaram a acordo sobre uma nova metodologia para a elaboração dos Tratados europeus e decidiram convocar uma «Convenção sobre o Futuro da Europa», a qual, mercê da sua composição (1), desencadeou um processo de trabalho particularmente democrático e adoptou, em Junho de 2003, um texto com propostas inovadoras no sentido de maior transparência e participação.

2.2   Após o fracasso do «Tratado Constitucional para a Europa» proposto pela Convenção, na sequência da derrota nos referendos em França e nos Países Baixos, foi assinado, em 13 de Dezembro de 2007, em Lisboa, um Tratado da União Europeia revisto, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2009.

3.   Introdução

3.1   A entrada em vigor do Tratado de Lisboa racionaliza uma série de procedimentos e os torna mais transparentes, clarifica a repartição das competências, aumenta os poderes do Parlamento Europeu e reforça o papel interno e externo da União Europeia.

3.2   Para além da democracia parlamentar (indirecta) (2), o modelo europeu de democracia é alargado e reforçado no TUE, embora de modo algum substituído, pelo reconhecimento da democracia participativa (directa).

3.3   As disposições concretas relativas à democracia participativa abrangem:

O diálogo civil horizontal,

O diálogo civil vertical,

A continuação das amplas consultas da Comissão e

A nova iniciativa de cidadania europeia.

3.4   Fiéis ao espírito do Tratado da União Europeia, as disposições do artigo 11.o do TUE não passam de normas gerais que deverão ser definidas, elaboradas e transpostas por actos legislativos e aplicadas na prática pelas partes implicadas.

3.5   A Comissão deu já um passo importante com a publicação de um Livro Verde sobre a iniciativa de cidadania europeia (3); após as consultas necessárias, a Comissão apresentará um projecto de regulamento para dar seguimento ao disposto no art. 11.o, n.o 4, do TUE. Dessa forma, a Comissão está a dar um claro sinal de abertura ao diálogo com vista à elaboração do novo instrumento, sobretudo com os intervenientes da sociedade civil organizada e com os cidadãos interessados de toda a União, que serão mais tarde os organizadores destas iniciativas.

4.   Tratado de Lisboa – Art. 11.o do TUE

4.1   Diálogo civil horizontal

Art. 11.o, n.o 1, do TUE: «As instituições, recorrendo aos meios adequados, dão aos cidadãos e às associações representativas a possibilidade de expressarem e partilharem publicamente os seus pontos de vista sobre todos os domínios de acção da União».

4.1.1

Esta disposição constitui a base jurídica do «diálogo civil» horizontal, sem no entanto o definir com mais precisão. O Comité já emitiu vários pareceres sobre o diálogo civil (4)  (5)  (6), que descreveu como um dos elementos fundamentais da participação no modelo europeu de democracia. Também salientou já repetidas vezes que está disposto a agir como plataforma e catalisador deste diálogo e a contribuir para a criação de uma opinião pública europeia. A esse respeito, o Comité também realçou reiteradamente a sua intenção de contribuir para o desenvolvimento do diálogo civil na sua qualidade de parceiro e intermediário desse diálogo. Para isso, dispõe-se a desenvolver o seu papel de ponto de encontro e a dar apoio prático, nomeadamente pela disponibilização das suas infra-estruturas. O Comité julga muito importante contribuir para que o diálogo civil seja o mais possível aberto ao público (europeu) e se torne numa comunicação verdadeiramente interactiva.

4.1.2

O Comité torna a frisar que este instrumento da democracia participativa deve ser definido de forma clara e que importa esclarecer igualmente como funcionará na prática. Por exemplo, conviria clarificar os critérios de representatividade que as associações citadas neste número terão que cumprir para participarem no diálogo. Ainda sobre a representatividade dos intervenientes da sociedade civil organizada, o Comité já referiu (7) a importância de distinguir entre representatividade quantitativa (representação legítima da maioria dos implicados) e qualitativa (provas da experiência necessária). No entender do Comité, as associações a envolver no diálogo deverão ser tanto quantitativa como qualitativamente representativas.

4.1.3

Além disso, importa que o legislador clarifique que medidas concretas serão necessárias por parte das instituições para assegurar os «meios adequados» (ver art. 11.o, n.o 1, do TUE).

4.1.4

A este propósito, o Comité julga necessário recordar a diferença entre diálogo civil europeu e diálogo social europeu, e alerta para qualquer possível confusão entre os dois termos. É evidente que o diálogo social europeu também é um elemento importante para uma participação adequada, mas as regras que se lhe aplicam são diferentes quanto ao conteúdo, à participação, aos procedimentos e ao impacto. O facto de se encontrar juridicamente consagrado no Tratado espelha a sua importância.

4.2   Diálogo civil vertical

Art. 11.o, n.o 2, do TUE: «As instituições estabelecem um diálogo aberto, transparente e regular com as associações representativas e com a sociedade civil».

4.2.1

Este número reconhece a importância do diálogo civil vertical e obriga as instituições da União a praticá-lo regularmente. O Comité já emitiu parecer sobre este tipo de diálogo civil (8), e apela agora a que a Comissão defina com mais precisão o seu conteúdo e os procedimentos para a sua execução na prática.

4.2.2

O Parlamento Europeu criou há já algum tempo, em antecipação desta disposição do Tratado, a iniciativa «Ágora», lançando assim um instrumento de diálogo civil vertical.

4.2.3

Uma vez que o art. 11.o, n.o 2, do TUE, obriga todas as instituições a um diálogo com a sociedade civil, o Comité exorta essas instituições, sobretudo o Conselho, a dar a conhecer quanto antes a sua posição sobre a aplicação desta disposição.

4.2.4

O Comité põe à disposição de todas as instituições da União a sua rede e a sua infra-estrutura para activar este diálogo vertical com a sociedade civil organizada e para o acompanhar de forma construtiva.

4.3   Consultas da Comissão Europeia

Art. 11.o, n.o 3, do TUE: «A fim de assegurar a coerência e a transparência das acções da União, a Comissão Europeia procede a amplas consultas às partes interessadas».

4.3.1

Esta disposição coloca as consultas da Comissão (que já eram correntes anteriormente) no contexto da vertente participativa ora reforçada do modelo europeu de democracia. O Comité recorda (9)  (10) que estas consultas são, na prática, um elemento essencial da iniciativa «Governança Europeia» (11), lançada pela Comissão em 2001, e que originalmente, por se tratar de uma medida «do topo para a base», permitia apenas uma intervenção indirecta da sociedade civil. Salienta igualmente que importa distinguir entre a «consulta» enquanto medida governativa e a «participação», que é um direito dos cidadãos. A integração da sociedade civil organizada pela sua própria vontade («da base para o topo») não é afectada por esta medida.

4.3.2

O Comité está disposto a apoiar a Comissão Europeia, no âmbito do seu mandato, sempre que esta pretenda fazer consultas (em geral pela Internet), nomeadamente pela organização de audições conjuntas sobre temas específicos ou pela realização de consultas públicas no âmbito de fóruns das partes interessadas segundo o método do espaço aberto.

4.3.3

As consultas por si sós não equivalem, porém, a um verdadeiro diálogo com a sociedade civil organizada. Por isso, o Comité insta a Comissão a rever e a reestruturar o quadro das suas actuais consultas: por um lado, o espaço de tempo para as consultas deve ser mais adequado, a fim de que as organizações da sociedade civil e os cidadãos disponham do tempo necessário para elaborar as suas respostas e de que a consulta não seja apenas uma formalidade; por outro, o processo de avaliação deve tornar-se mais transparente. A Comissão deveria responder aos contributos e explicar os seus pontos de vista e por que motivo esta ou aquela proposta foi aceite ou recusada, a fim de permitir um verdadeiro diálogo. A Comissão deveria debater esta e outras alterações com a sociedade civil organizada.

4.4   A iniciativa de cidadania europeia

Art. 11.o, n.o 4, do TUE: «Um milhão, pelo menos, de cidadãos da União, nacionais de um número significativo de Estados-Membros, pode tomar a iniciativa de convidar a Comissão Europeia a, no âmbito das suas atribuições, apresentar uma proposta adequada em matérias sobre as quais esses cidadãos considerem necessário um acto jurídico da União para aplicar os Tratados».

4.4.1

O Comité concorda que a nova iniciativa de cidadania europeia contribuirá para a integração europeia de uma forma que ultrapassa em muito a dimensão puramente jurídica e pode ser vista como o primeiro exemplo de democracia directa a nível transnacional, embora esteja, nos termos do Tratado, limitado aos cidadãos da União. Numa futura revisão do Tratado seria de contemplar alargar esse direito aos nacionais de países terceiros com domicílio fixo na União Europeia.

4.4.2

Importa salientar que a iniciativa de cidadania europeia não é o mesmo que uma «iniciativa popular», tal como esta existe em vários Estados-Membros e que implica a realização de um referendo vinculativo, e sim uma forma de colocar temas na ordem do dia e de levar a que a Comissão apresente propostas legislativas. Trata-se de um instrumento das minorias, que permite apenas influenciar a ordem do dia política. O direito de iniciativa legislativa continua a pertencer à Comissão, e o processo legislativo que eventualmente se lhe siga continuará a decorrer segundo os procedimentos previstos.

4.4.3

Como é óbvio, um tal instrumento deve estar sujeito a regras e normas. Uma vez, porém, que os instrumentos da democracia directa ainda estão por criar a nível europeu, a iniciativa de cidadania europeia deveria funcionar num quadro que permita o seu desenvolvimento futuro. O regulamento sobre a aplicação do art. 11.o, n.o 4, do TUE deveria definir limiares mínimos e de elegibilidade o mais baixos possível e deixar margem para interpretação em domínios nos quais não haja experiência prévia a nível europeu, uma vez que a iniciativa de cidadania europeia se destina apenas a colocar um tema específico no programa de trabalho da Comissão.

4.4.4

No entanto, o Comité não pode concordar com o Parlamento Europeu quando este considera (12)«que compete politicamente ao Parlamento acompanhar [N.T.: o termo do original alemão é «controlar»] o processo de uma iniciativa de cidadania» e opõe-se a qualquer forma de controlo do processo pelo legislador europeu na fase pré-legislativa. Esse «controlo» violaria o princípio da repartição de competências; em vez dele, o Comité recomenda a criação de uma «instância consultiva» independente ou de um serviço de apoio que auxilie os organizadores a preparar e lançar uma iniciativa de cidadania europeia, a fim de evitar, quando não excluir, incompatibilidades patentes com as disposições em matéria de admissibilidade e de execução.

4.4.5

Na resolução referida, o Parlamento salienta, acertadamente, a importância de não confundir as petições, que se dirigem ao Parlamento Europeu, com a iniciativa de cidadania, que se destina à Comissão. Nessa continuidade, os procedimentos e as regras a aplicar a esses dois instrumentos de participação dos cidadãos também devem ser fundamentalmente diferentes.

4.4.6

A iniciativa de cidadania europeia enquanto instrumento da democracia directa também será uma forma eficaz de promover processos deliberativos a nível transnacional. Os cidadãos europeus, actualmente bastante alheados das políticas europeias, passarão a interessar-se mais por iniciativas e objectivos concretos. Quanto mais forem chamados e encorajados a participar numa iniciativa sem entraves administrativos desnecessários, mais perderão a impressão que têm de serem meros espectadores de decisões incompreensíveis, e passarão de destinatários passivos a intervenientes activos na vida europeia. Um processo semelhante, encetado gradualmente e capaz de promover a discussão sobre temas importantes para a Europa, conduzirá necessariamente à formação de uma consciência e de uma opinião pública europeias.

4.4.7

No que ao conteúdo diz respeito, importa destacar que uma iniciativa de cidadania europeia não pode, como é evidente, ser incompatível com o Tratado ou com a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais. Todavia, e tal como na democracia parlamentar/indirecta, pode suceder no processo de formação da opinião pela democracia directa que grupos extremistas se sirvam das vias legalmente previstas, por vezes abusivamente, para os seus próprios fins. Este é um dos principais desafios enfrentados por qualquer democracia, mas também uma das suas principais vantagens em relação a regimes não democráticos. Uma democracia representativa moderna, nas suas vertentes directa e indirecta, deve estar preparada para debater mesmo temas desconfortáveis e até extremistas de forma aberta e transparente.

4.5   Livro Verde da Comissão Europeia relativo a uma iniciativa de cidadania europeia

4.5.1

Embora o Comité não tenha sido um dos destinatários imediatos do processo de consulta, já concluído, gostaria, antecipando-se ao exame pelo Parlamento Europeu e no Conselho das propostas de regulamento previstas, de contribuir para os debates e apresenta em seguida os seus pontos de vista sobre as questões tratadas no Livro Verde.

4.6   Número mínimo de Estados-Membros de que devem provir os cidadãos

4.6.1

O Comité concorda com a Comissão em que o limiar deve ser definido segundo critérios objectivos. Não concorda, porém, com a posição da Comissão de que apenas um terço dos Estados-Membros, ou seja, 9 países, asseguraria a representatividade para os interesses da União, nem com a de várias organizações que pretendem que 4 Estados-Membros bastariam para garantir essa representatividade.

4.6.2

O Comité considera mais defensável a posição do Parlamento Europeu, segundo a qual um quarto dos Estados-Membros, ou seja, actualmente, 7 países, representa um limiar adequado. Este valor baseia-se no artigo 76.o do TUE, que prevê que os actos no domínio da cooperação judiciária em matéria penal e da cooperação policial podem ser adoptados por iniciativa de um quarto dos Estados-Membros. O Comité entende que este limiar também seria o mais adequado para assegurar que as iniciativas de cidadania tenham uma dimensão verdadeiramente europeia.

4.7   Número mínimo de assinaturas por Estado-Membro

4.7.1

Uma vez que o Tratado de Lisboa só fala de «um número significativo de Estados-Membros», seria igualmente possível não prever um número mínimo de assinantes por país. Contudo, o Comité, esteando-se na obrigação de dupla maioria amiúde referida no Tratado, concorda com a Comissão em que a rejeição de um limiar mínimo de assinantes por Estado-Membro contradiria o espírito do Tratado.

4.7.2

Em vez de uma percentagem fixa de 0,2 % por Estado-Membro, o Comité propõe um sistema flexível capaz de permitir um equilíbrio adequado entre os Estados-Membros. Assim, poderia prever-se um limite mínimo de 0,08 % (13) para que o número de assinaturas por Estado-Membro seja aceite. No total, uma iniciativa de cidadania deve recolher no mínimo um milhão de assinaturas. A combinação destes dois critérios permite um equilíbrio automático que respeita os objectivos de representatividade e de um interesse genuíno pan-europeu previstos no Tratado.

4.7.3

Uma regulamentação flexível com vista a uma aplicação mais fácil também é tanto mais justificada quanto a iniciativa de cidadania europeia não conduz em última análise a uma decisão vinculativa, e sim apenas a um estímulo a que a Comissão actue.

4.8   Elegibilidade para apoiar uma iniciativa de cidadania

4.8.1

O Comité faz sua a opinião da Comissão de que a condição geral deveria ser cumprir o critério de idade para votar nas eleições europeias no seu Estado-Membro de residência, a fim de evitar encargos administrativos injustificados. Apesar de o envolvimento dos jovens (eventualmente pela redução da idade mínima para 16 anos) ser um objectivo meritório, afastar-se da idade mínima para participar nas eleições europeias dificultaria sobremaneira a verificação das assinaturas, uma vez que quase todos os Estados-Membros teriam que manter dois registos diferentes.

4.9   Forma e redacção de uma iniciativa de cidadania

4.9.1

Sobre este aspecto, o Comité considera mais uma vez que disposições demasiado rígidas não seriam adequadas. Basta definir os requisitos formais indispensáveis a todos os dados administrativos e outros requisitos mínimos específicos (ver igualmente o ponto 4.13). O conteúdo da iniciativa e da decisão requerida deve ser conciso e inequívoco. Deve tornar-se imediatamente claro o objectivo dos assinantes de cada iniciativa de cidadania europeia.

4.10   Requisitos relativos à recolha, verificação e autenticação das assinaturas

4.10.1

Não há razão para não elaborar a nível europeu regras e normas processuais comuns para a recolha, verificação e autenticação das assinaturas que divirjam das legislações nacionais sobre a matéria, uma vez que a iniciativa de cidadania europeia é um novo instrumento transnacional de participação democrática.

4.10.2

Devem ser autorizadas todas as formas de recolha de assinaturas que permitam o controlo da identidade, e a recolha de assinaturas deve ser possível tanto pela Internet como directamente junto do público. Impor o reconhecimento das assinaturas pelas autoridades nacionais ou por um notário afigura-se ao Comité um encargo incomportável. Contudo, importa assegurar, para além do controlo da identidade, que os assinantes tenham aposto a sua assinatura por sua livre e espontânea vontade. Para esse efeito, haverá que tomar disposições adequadas, sobretudo para a recolha de assinaturas por via electrónica.

4.10.3

O nome, a morada e a data de nascimento, assim como um endereço de correio electrónico no caso de assinatura em linha, devem ser garantias suficientes de segurança e de autenticação. O objectivo deve ser garantir que cada iniciativa que cumpra as normas mínimas para a recolha de assinaturas previstas no regulamento não se depare com novos encargos em qualquer Estado-Membro. As assinaturas dos cidadãos europeus que residam noutro Estado-Membro devem ser atribuídas ao Estado de residência.

4.10.4

A verificação das assinaturas recolhidas deve competir aos Estados-Membros, usando, por exemplo, o método da verificação por amostras, que já deu provas em certos Estados-Membros.

4.11   Prazo para a recolha de assinaturas

4.11.1

A experiência com iniciativas de cidadania anteriores ao Tratado de Lisboa demonstra que o lançamento de uma iniciativa pode demorar muito tempo. Por isso, o Comité julga demasiado curto o prazo de um ano proposto pela Comissão e recomenda que o mesmo passe a ser de 18 meses. Recordando a sua anterior afirmação de que a iniciativa vai muito além do seu objectivo imediato e contribui para criar uma verdadeira opinião pública, o Comité considera que seria de lamentar se esse impacto positivo fosse comprometido, com todas as consequências sociais e jurídicas que daí adviriam, pela imposição do prazo demasiado curto de um ano.

4.12   Registo das iniciativas propostas

4.12.1

Como a Comissão, o Comité entende que deve competir aos organizadores demonstrar previamente a legalidade e a admissibilidade das iniciativas. O registo deve ser possível através de um sítio Web específico criado pela Comissão Europeia, o qual deve colocar igualmente à disposição de todos os cidadãos informações sobre as iniciativas em curso.

4.12.2

A este respeito, o Comité recomenda que a Comissão, para além desse sítio Web específico para as iniciativas de cidadania europeia, disponibilize igualmente um instrumento em linha que permita recolher assinaturas. Além disso, o sítio também deveria ser aproveitado como fórum de discussão sobre as várias iniciativas e contribuir, assim, para a formação da opinião pública europeia.

4.12.3

Por outro lado, o Comité entende que os organizadores também devem ter acesso a um ponto de contacto capaz de ajudá-los não só com questões processuais como também com o conteúdo das iniciativas. O Comité está disposto a funcionar como serviço de apoio.

4.12.4

Poderia pensar-se ainda num sistema de cartões amarelos e vermelhos para indicar aos organizadores de uma iniciativa de cidadania, relativamente cedo, que a sua iniciativa pode não ser admissível, nomeadamente com base em critérios formais como o facto de a Comissão não dispor de competências no domínio em questão ou a violação flagrante de direitos fundamentais.

4.13   Requisitos aplicáveis aos organizadores – transparência e financiamento

4.13.1

O Comité defende que os organizadores de uma iniciativa devem apresentar as seguintes informações:

Instância que organiza a iniciativa e seu representante no exterior,

Eventuais apoiantes,

Plano de financiamento,

Descrição sucinta dos recursos humanos e estruturas.

4.13.2

O Comité opõe-se terminantemente à posição da Comissão de não prever a concessão de qualquer financiamento público específico a favor das iniciativas de cidadania, e em particular a opinião de que só assim se pode salvaguardar a independência e a natureza específica de iniciativas próprias dos cidadãos. A Comissão Europeia apoia financeiramente as estruturas e actividades de muitas ONG eficazes, e seria abusivo inferir desse facto que esses representantes da sociedade civil co-financiados pela Comissão se tornam dependentes dela. Além disso, a proposta da Comissão faria com que só grandes organizações com amplos apoios financeiros poderiam contemplar uma iniciativa de cidadania.

4.13.3

Por isso, o Comité propõe que a UE conceda apoio financeiro assim que tenha sido atingida uma primeira meta (por exemplo, 50 000 assinaturas em três Estados-Membros), a fim de excluir as campanhas sem perspectivas ou mal concebidas. O sistema sugerido de cartões amarelos e vermelhos também poderia ser útil neste caso.

4.14   Exame das iniciativas de cidadania pela Comissão

4.14.1

O prazo de seis meses proposto pela Comissão parece um limiar absoluto, pelo que o Comité apoia a abordagem a dois níveis sugerida pelo Parlamento Europeu na sua resolução (2 meses para exame dos critérios formais e 3 meses para decidir sobre a iniciativa em si) (14). A Comissão deve velar por que este processo de decisão interno seja o mais transparente possível.

4.14.2

Após a recepção da uma iniciativa de cidadania bem-sucedida, importa ainda determinar definitivamente a sua admissibilidade.

4.14.3

Durante a fase de avaliação política pela Comissão, o Comité organizará (eventualmente com a participação do Parlamento Europeu e da Presidência em exercício do Conselho) audições nas quais os organizadores poderão apresentar a sua iniciativa à Comissão. Caso necessário, o CESE poderá enriquecer este processo através de um parecer exploratório ou de iniciativa.

4.14.4

A aceitação, total ou parcial, ou a rejeição da iniciativa pela Comissão deve ser justificada em publicamente e em pormenor junto dos organizadores. Em caso de rejeição, a Comissão deve publicar uma notificação formal, da qual deverá ser possível apelar perante o TJUE.

4.15   Iniciativas sobre o mesmo tema

4.15.1

No entender do Comité, é aos próprios organizadores que deve competir determinar se querem prosseguir com uma iniciativa sobre um tema similar ao de outras iniciativas. Recorde-se mais uma vez que a iniciativa de cidadania europeia se destina apenas a colocar uma questão na ordem do dia. Por isso, não há motivo para prever interdições ou entraves.

4.16   Observações adicionais

4.16.1

O Comité entende que a Comissão deveria assegurar a tradução para todas as línguas oficiais do texto de todas as iniciativas de cidadania que já tenham recolhido 50 000 assinaturas em três Estados-Membros.

5.   Observações finais

5.1   As disposições relativas aos princípios democráticos da União, e em particular o art. 11.o do TUE, são, do ponto de vista do Comité, uma etapa histórica na criação de uma Europa dos cidadãos concreta que funcione na prática. Entretanto, é necessário definir com mais precisão os diferentes processos democráticos e dotá-los das estruturas necessárias.

5.2   Por isso, o Comité exorta a Comissão a apresentar, na sequência do Livro Verde relativo à iniciativa de cidadania europeia, um Livro Verde sobre o diálogo civil e a aplicação na prática do art. 11.o, n.os 1 e 2, a fim de examinar as práticas actuais, definir melhor processos e princípios, avaliá-los e, juntamente com a sociedade civil organizada, propor melhorias, sobretudo com vista à criação de estruturas claras. O CESE reitera, neste contexto, a sua disponibilidade para intervir no quadro das suas competências.

5.3   Apela igualmente a que as outras instituições anunciem, por sua vez, de que forma tencionam aplicar na prática as novas disposições do Tratado.

5.4   O art. 11.o, n.o 4, do TUE constitui uma inovação democrática sem precedentes à escala mundial. É a primeira vez na História da democracia que os cidadãos de diferentes Estados podem exercer conjuntamente um direito transnacional de participação.

5.5   Este novo direito cívico democrático encerra um enorme potencial e contribuirá para consolidar a democracia participativa na Europa. Antes de mais, consagra o elemento participativo do modelo europeu de democracia. Mas a mais longo prazo pode contribuir igualmente para a integração e o reforço da UE, para a criação de uma opinião pública europeia e para uma maior identificação dos cidadãos com a UE. Devido sobretudo às dimensões e à diversidade da Europa, importa garantir que todos os cidadãos, mesmo os que não dispõem de muitos recursos ou não pertencem a grandes organizações bem implantadas, possam ter acesso a todas as opções democráticas. O exercício dos direitos democráticos não deve depender da posse ou não de meios financeiros consideráveis.

5.6   O Comité, que o Tratado de Lisboa confirma como órgão consultivo incumbido de auxiliar o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão, continuará a desempenhar a sua missão fundamental e a emitir pareceres de acordo com as obrigações que lhe são cometidas pelo Tratado. Fiel à sua vocação de intermediário, empenhar-se-á ainda mais do que até à data em desempenhar um papel fundamental numa estrutura democrática global a nível europeu.

5.7   Com o fito de apoiar, através da sua actividade consultiva, as referidas instituições da União e de optimizar os trabalhos, o Comité propõe ainda, a propósito da iniciativa de cidadania europeia:

A elaboração de um parecer sobre uma das iniciativas de cidadania formalmente aceites pela Comissão dentro do prazo de avaliação;

A elaboração eventual de um parecer em apoio de uma iniciativa de cidadania em curso;

A organização de audições sobre iniciativas bem-sucedidas (organizadores, Comissão, Parlamento, Conselho);

A criação de um serviço informativo de apoio como ponto de contacto para ajudar os cidadãos sobre questões processuais, etc.;

Informação acessória (publicação de um guia sobre a democracia participativa, organização de conferências sobre a aplicação na prática, etc.).

Bruxelas, 17 de Março de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu,

Mario SEPI


(1)  A Convenção contou, para além do seu presidente, Valéry Giscard d'Estaing, e dos dois vice-presidentes, Giuliano Amato e Jean-Luc Dehaene, com os seguintes membros:

15 representantes dos chefes de Estado ou de governo dos Estados-Membros,

13 representantes dos chefes de Estado ou de governo dos países candidatos,

30 representantes dos parlamentos nacionais dos Estados-Membros,

26 representantes dos parlamentos nacionais dos países candidatos,

16 eurodeputados,

2 representantes da Comissão Europeia,

a que vieram acrescentar-se 13 observadores do CESE, do CR, dos parceiros sociais e do mediador europeu. Os observadores pelo CESE foram Göke Frerichs, Roger Briesch e Anne-Marie Sigmund.

(2)  O art. 10.o do TUE dispõe que «o funcionamento da União baseia-se na democracia representativa».

(3)  COM(2009) 622 final, de 11.11.2009.

(4)  Parecer sobre A sociedade civil organizada e a governação europeia — contributo do Comité para a elaboração do Livro Branco, de 25.4.2001, JO C 193 de 10.7.2001.

(5)  Parecer sobre A representatividade das organizações europeias da sociedade civil no quadro do diálogo civil, de 14.2.2006, JO C 88 de 11.4.2006.

(6)  Parecer exploratório sobre o tema Para um novo programa europeu de acção social, de 9.7.2008, JO C 27 de 3.2.2009 (pontos 7.6 e 7.7).

(7)  Cf. nota 5.

(8)  Parecer sobre A Comissão e as organizações não governamentais: reforço da parceria, de 13.7.2000, JO C 268 de 19.9.2000, e parecer sobre O papel e o contributo da sociedade civil organizada na construção europeia, de 24.9.1999, JO C 329 de 17.11.1999.

(9)  Parecer sobre A sociedade civil organizada e a governação europeia — contributo do Comité para a elaboração do Livro Branco, de 25.4.2001, JO C 193 de 10/07/2001.

(10)  Parecer sobre Governança Europeia — Um Livro Branco, de 20.4.2002, JO C 125 de 27.5.2002.

(11)  COM(2001) 428 final, de 25.7.2001.

(12)  Resolução do Parlamento Europeu de 7 de Maio de 2009, relatora: Sylvia-Yvonne Kaufmann (T6.0389/2009).

(13)  Esta percentagem segue o limite mínimo de 0,08 % requerido para uma iniciativa de cidadania em Itália.

(14)  O procedimento deve ser análogo ao seguido para as iniciativas do Parlamento Europeu nos termos do art. 225.o do TFUE; ver Resolução do Parlamento Europeu, de 9 de Fevereiro de 2010, sobre a revisão do Acordo-Quadro entre o Parlamento Europeu e a Comissão para a próxima legislatura (P7_TA(2010)0009).


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