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Document 62022CO0611

Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de março de 2023.
Illumina, Inc. contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Intervenção — Artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia — Interesse na resolução do litígio — Concorrência — Concentrações — Mercado da indústria farmacêutica — Decisão da Comissão Europeia de examinar uma operação de concentração remetida pela autoridade da concorrência de um Estado‑Membro — Decisão da Comissão que aceita que outros Estados‑Membros se juntem ao pedido de remessa inicial — Associação de empresas ativas no setor em causa que tem por objeto a defesa dos interesses dos seus membros — Admissão.
Processo C-611/22 P.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:205

 DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

10 de março de 2023 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Intervenção — Artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia — Interesse na resolução do litígio — Concorrência — Concentrações — Mercado da indústria farmacêutica — Decisão da Comissão Europeia de examinar uma operação de concentração remetida pela autoridade da concorrência de um Estado‑Membro — Decisão da Comissão que aceita que outros Estados‑Membros se juntem ao pedido de remessa inicial — Associação de empresas ativas no setor em causa que tem por objeto a defesa dos interesses dos seus membros — Admissão»

No processo C‑611/22 P,

que tem por objeto um recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 22 de setembro de 2022,

Illumina, Inc., com sede em San Diego (Estados Unidos), representada por D. Beard, BL, P. Chappatte, avocat, F. González Díaz, abogado, J. Holmes, barrister, G. C. Rizza, M. Siragusa, avvocati, e L. Wright, advocate,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por G. Conte, N. Khan e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

Grail LLC, com sede em Menlo Park (Estados Unidos), representada por A. Giraud, avocat, J. M. Jiménez‑Laiglesia Oñate, abogado, D. Little, solicitor, J. Ruiz Calzado, abogado, e S. Troch, advocaat,

República Helénica,

República Francesa, representada por T. Stéhelin e N. Vincent, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bulterman e P. P. Huurnink, na qualidade de agentes,

Órgão de Fiscalização da EFTA, representado por C. Simpson, M. Sánchez Rydelski e M.‑M. Joséphidès, na qualidade de agentes,

intervenientes em primeira instância,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

vista a proposta de N. Wahl, juiz‑relator,

ouvido o advogado‑geral N. Emiliou,

profere o presente

Despacho

1

Pelo seu recurso de decisão do Tribunal Geral, a sociedade Illumina Inc. solicita a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de julho de 2022, Illumina/Comissão (T‑227/21, doravante acórdão recorrido, EU:T:2022:447), pelo qual este negou provimento ao recurso destinado à anulação, em primeiro lugar, da Decisão C(2021) 2847 final da Comissão, de 19 de abril de 2021, de aceitar o pedido da Autoridade da Concorrência francesa para examinar a operação de concentração que tem por objeto a aquisição do controlo exclusivo da Grail, Inc., pela Illumina, Inc. (processo COMP/M.10188 — Illumina/Grail), em segundo lugar, das Decisões C(2021) 2848 final, C(2021) 2849 final, C(2021) 2851 final, C(2021) 2854 final e C(2021) 2855 final da Comissão, de 19 de abril de 2021, de aceitar os pedidos das Autoridades da Concorrência grega, belga, norueguesa, islandesa e neerlandesa para se associarem a esse pedido de remessa, e, em terceiro lugar, do ofício da Comissão de 11 de março de 2021 que informa a Illumina e a Grail do referido pedido de remessa.

2

Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de dezembro de 2022, a Biocom California, associação profissional de defesa das empresas do setor económico das ciências da vida, que inclui um número significativo de membros, pediu, ao abrigo do artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e dos artigos 130.o e 190.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Illumina.

3

Na sequência da notificação às partes pelo secretário do Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 131.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 190.o, n.o 1, do pedido de intervenção apresentado pela Biocom California, a Illumina, a Grail e a Comissão apresentaram observações sobre esse pedido no prazo fixado.

4

Enquanto a Illumina e a Grail indicaram ser favoráveis ao pedido de intervenção da Biocom California, a Comissão, por seu lado, pediu que esse pedido fosse julgado improcedente.

Quanto ao pedido de intervenção

5

Nos termos do artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, qualquer pessoa que demonstre interesse na resolução de uma causa submetida ao Tribunal de Justiça, que não seja um litígio entre Estados‑Membros, entre instituições da União Europeia ou entre esses Estados, por um lado, e as referidas instituições, por outro, tem o direito de intervir nessa causa.

6

Segundo jurisprudência constante, o conceito de «interesse na resolução de uma causa», na aceção desta disposição, deve ser definido à luz do objeto do litígio e ser entendido como um interesse direto e atual no destino reservado aos próprios pedidos, e não como um interesse relativo aos fundamentos ou argumentos invocados. Com efeito, os termos «resolução do litígio» remetem para a decisão final pedida, conforme consagrada no dispositivo do acórdão a proferir (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de fevereiro de 2019, Bayer CropScience e Bayer/Comissão, C‑499/18 P, não publicado, EU:C:2019:107, n.o 5 e jurisprudência aí referida).

7

A este respeito, importa, nomeadamente, verificar se o requerente da intervenção é diretamente afetado pelo ato impugnado e se o seu interesse na resolução da causa é certo. Ora, em princípio, um interesse na resolução da causa só pode ser considerado suficientemente direto na medida em que essa solução seja suscetível de alterar a posição jurídica do requerente da intervenção (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 27 de fevereiro de 2019, Uniwersytet Wrocławski e Polónia/REA, C‑515/17 P e C‑561/17 P, não publicado, EU:C:2019:174, n.o 8 e jurisprudência aí referida).

8

Todavia, resulta igualmente de jurisprudência constante que uma associação profissional representativa, que tenha por objeto a proteção dos interesses dos seus membros, pode ser admitida a intervir quando o litígio suscite questões de princípio suscetíveis de afetar os referidos interesses (Despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2019, Comissão/Ville de Paris e o., C‑179/19 P, não publicado, EU:C:2019:836, n.o 7, e de 1 de setembro de 2022, Google e Alphabet/Comissão, C‑48/22 P, não publicado, EU:C:2022:667, n.o 7 e jurisprudência aí referida). Por conseguinte, a exigência de que essa associação disponha de um interesse direto e atual na resolução da causa deve ser considerada preenchida quando essa associação demonstre que se encontra nessa situação, independentemente da questão de saber se a solução do litígio é suscetível de alterar a posição jurídica da associação enquanto tal.

9

Com efeito, tal interpretação ampla do direito de intervenção em favor das associações profissionais representativas visa permitir uma melhor apreciação do enquadramento em que se inserem os processos submetidos ao juiz da União, evitando ao mesmo tempo uma multiplicidade de intervenções individuais que comprometam a eficiência e a boa tramitação do processo [v., neste sentido, Despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 17 de junho de 1997, National Power e PowerGen/Comissão, C‑151/97 P(I) e C‑157/97 P(I), EU:C:1997:307, n.o 66, e de 1 de outubro de 2019, Comissão/Ville de Paris e o., C‑179/19 P, não publicado, EU:C:2019:836, n.o 12]. Ora, diferentemente das pessoas singulares e coletivas que atuam por conta própria, as associações profissionais representativas são suscetíveis de pedir para intervir num litígio submetido ao Tribunal de Justiça não para defender interesses individuais, mas antes para defender os interesses coletivos dos seus membros. Com efeito, a intervenção dessa associação oferece uma perspetiva de conjunto desses interesses coletivos, afetados por uma questão de princípio de que depende a resolução do litígio, e é assim suscetível de permitir ao Tribunal de Justiça apreciar melhor em que contexto um processo lhe é submetido.

10

Assim, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 8 do presente despacho e, mais concretamente, como resulta da jurisprudência do Tribunal Geral (v. Despacho do presidente da Terceira Secção alargada do Tribunal Geral de 6 de outubro de 2021, Illumina/Comissão, T‑227/21, não publicado, EU:T:2021:672, n.o 24 e jurisprudência aí referida), uma associação pode ser admitida a intervir num processo se, em primeiro lugar, for representativa de um número importante de empresas ativas no setor em causa, se, em segundo lugar, o seu objeto compreender a proteção dos interesses dos seus membros, se, em terceiro lugar, o processo puder suscitar questões de princípio que afetem o funcionamento do setor em causa e se, em quarto lugar, os interesses dos seus membros puderem ser afetados numa medida importante pelo acórdão a proferir.

11

É à luz destas condições, que há que confirmar, que deve ser examinada a procedência do pedido de intervenção apresentado pela Biocom California.

12

No caso em apreço, há que observar, em primeiro lugar, que esta associação representa um número importante de empresas ativas no setor dos dispositivos farmacêuticos e médicos. Ora, a concentração em causa no presente processo diz respeito ao setor dos testes sanguíneos de despistagem precoce de cancros que utilizam a nova geração de sequenciação genómica (next‑generation sequencing, denominada «NGS») e, mais amplamente, ao setor farmacêutico e/ou ao setor dos dispositivos médicos.

13

A este respeito, a Biocom California indicou no seu pedido de intervenção que tem mais de 1365 membros ativos no setor dos dispositivos farmacêuticos e médicos, dos quais 155 empresas especializadas na genómica e no diagnóstico, bem como numerosas empresas implicadas em testes de despistagem dos cancros baseados no sangue com a ajuda da nova geração de sequenciação genómica. A Biocom California representa, portanto, um número importante de empresas ativas no setor económico afetado pela concentração em causa no presente processo e pode, por conseguinte, ser considerada uma associação profissional representativa na aceção do que foi decidido no n.o 10 do presente despacho.

14

Em segundo lugar, resulta do pedido de intervenção da Biocom California, bem como dos documentos a ele anexados, que esta é dotada de personalidade jurídica e que os seus estatutos a autorizam a «praticar qualquer ato lícito necessário ou desejável para realizar o seu objeto específico», ou seja, fazer progredir, favorecer e encorajar o setor das ciências da vida. Os estatutos da Biocom California, que indicam que esta tem por objeto a proteção dos seus membros, permitem‑lhe agir judicialmente para defender os interesses dos seus membros.

15

Em terceiro lugar, há que salientar que, no presente processo, o Tribunal de Justiça pode, designadamente, pronunciar‑se sobre a questão de saber se, por força do artigo 22.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 24, p. 1), a Comissão é competente para deferir um pedido de remessa de um processo de concentração que emana de um Estado‑Membro que dispõe de um sistema nacional de controlo das concentrações, quando a concentração em causa não está abrangida pelo âmbito de aplicação do referido sistema nacional.

16

Tal como a Biocom California alegou, este processo suscita, portanto, uma questão de princípio que pode revelar‑se essencial para o setor das ciências da vida e, em especial, para as empresas farmacêuticas, entre as quais figuram os membros da Biocom California que pertencem a este setor. Com efeito, como resulta das Orientações da Comissão sobre a aplicação do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o do Regulamento [n.o 139/2004] para determinadas categorias de casos (JO 2021, C 113, p. 1), o setor farmacêutico é um dos setores específicos da economia para os quais a Comissão tenciona incentivar e aceitar mais remissões por parte das autoridades de concorrência dos Estados‑Membros ao abrigo do artigo 22.o desse regulamento. As operações de concentração no setor farmacêutico, que estão abaixo dos limiares de competência previstos pelo referido regulamento e os sistemas nacionais de controlo das concentrações, são, portanto, ainda mais suscetíveis de ser fiscalizadas de perto por essas autoridades e de serem objeto de uma remessa ao abrigo desta disposição se o Tribunal de Justiça vier a confirmar a interpretação adotada no acórdão recorrido.

17

O facto de o presente processo dar origem a um acórdão que tem uma influência especial sobre o modo como determinadas concentrações do setor das ciências da vida podem ser tratadas no futuro ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 é suficiente para considerar que o referido processo suscita questões de princípio que afetam o funcionamento do setor específico, no qual operam determinados membros da Biocom California.

18

Do mesmo modo, há que declarar, em quarto lugar, que a resposta que poderia ser dada às questões de princípio suscitadas no caso em apreço tem interesse para os membros da Biocom California. Em especial, como esta última evocou, a interpretação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 defendida pela Comissão é mais suscetível de visar as operações de concentração de empresas não europeias, nomeadamente as de empresas ativas em setores como o das ciências da vida, caracterizados pela presença no mercado de um grande número de empresas em fase de arranque (start‑ups). Aliás, as sociedades implicadas nessas operações são geralmente mais suscetíveis, atendendo tanto ao seu local de estabelecimento como ao facto de realizarem um volume de negócios limitado na União, de se situarem abaixo dos limiares do volume de negócios para a notificação dessas operações, tanto a nível europeu como a nível nacional.

19

A este respeito, a Biocom California alegou que representa principalmente empresas do setor das ciências da vida estabelecidas nos Estados Unidos e, mais especificamente, na Califórnia, incluindo empresas em fase de arranque (start‑ups) à procura de financiamento e grandes empresas à procura de oportunidades comerciais para investir nessas empresas em fase de arranque.

20

Resulta de todas estas considerações que, tendo em conta a interpretação ampla do direito de intervenção das associações profissionais representativas de empresas do setor em causa num processo, se deve considerar que a Biocom California fez prova bastante, no caso em apreço, de que tem um interesse direto e atual no desfecho reservado aos pedidos da Illumina que visam a anulação do acórdão recorrido e, portanto, um interesse na resolução da causa submetida ao Tribunal de Justiça no âmbito do presente recurso, na aceção do artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

21

Por conseguinte, há que admitir, em conformidade com essa disposição e com o artigo 131.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 190.o, n.o 1, desse regulamento, a intervenção da Biocom California em apoio dos pedidos da Illumina.

Quanto aos direitos processuais da interveniente

22

Sendo admitido o pedido de intervenção, a Biocom California receberá a comunicação, nos termos do artigo 131.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 190.o, n.o 1, deste regulamento, de todos os atos processuais notificados às partes, na falta de pedido destas para que determinadas peças ou documentos sejam excluídos dessa comunicação.

23

Tendo este pedido sido apresentado no prazo de um mês previsto no artigo 190.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a Biocom California poderá, em conformidade com o artigo 132.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 190.o, n.o 1, apresentar um articulado de intervenção no prazo de um mês a contar da comunicação referida no número anterior.

24

Por último, a Biocom California poderá apresentar observações orais se for organizada uma audiência de alegações.

Quanto às despesas

25

Nos termos do artigo 137.o do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do n.o 1 do artigo 184.o do mesmo Regulamento, a decisão sobre as despesas é tomada no acórdão ou despacho que ponha termo à instância.

26

No caso em apreço, tendo sido deferido o pedido de intervenção da Biocom California, há que reservar para final a decisão quanto às despesas relativas à sua intervenção.

 

Pelos fundamentos expostos, o presidente do Tribunal de Justiça decide:

 

1)

A Biocom California é admitida a intervir no processo C‑611/22 P em apoio dos pedidos da Illumina Inc.

 

2)

Uma cópia de todos os atos processuais será notificada à Biocom California pelo secretário.

 

3)

A Biocom California dispõe do prazo de um mês, a contar da data da notificação referida no ponto 2 desta parte dispositiva, para apresentar um articulado de intervenção.

 

4)

Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas relativas à intervenção da Biocom California.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua de processo: inglês.

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