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Document 62019CC0584

Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 16 de julho de 2020.
Processo penal contra A. e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesgericht für Strafsachen Wien.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão europeia de investigação — Diretiva 2014/41/UE — Artigo 1.o, n.o 1 — Artigo 2.o, alínea c), i) e ii) — Conceitos de “autoridade judiciária” e de “autoridade de emissão” — Decisão europeia de investigação emitida pelo Ministério Público de um Estado‑Membro — Independência em relação ao poder executivo.
Processo C-584/19.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:587

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 16 de julho de 2020 ( 1 )

Processo C‑584/19

Staatsanwaltschaft Wien

contra

A e o.,

sendo interveniente:

Staatsanwaltschaft Hamburg

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesgericht für Strafsachen Wien (Tribunal Regional Penal de Viena, Áustria)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão europeia de investigação — Magistrado do Ministério Público que exerce as funções de autoridade de emissão — Independência do Ministério Público relativamente ao poder executivo — Diretiva 2014/41/UE — Autoridade judiciária competente para a emissão — Conceito autónomo — Diferenças entre a regulação da Diretiva 2014/41/UE e a da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Proteção dos direitos fundamentais — Necessidade de intervenção judiciária»

1.

Os Ministérios Públicos da Alemanha e da Áustria são, respetivamente, autoridades de emissão e de execução das decisões europeias de investigação (a seguir «DEI») tratadas em conformidade com a Diretiva 2014/41/UE ( 2 ).

2.

Neste processo, o Staatsanwaltschaft Hamburg (Ministério Público de Hamburgo, Alemanha) emitiu uma DEI para que o Staatsanwaltschaft Wien (Ministério Público de Viena, Áustria) lhe fornecesse determinados dados de uma conta bancária domiciliada na Áustria. Como o direito deste país exige, para a prestação dessas informações, a autorização prévia de um juiz, o Ministério Público de Viena pediu‑a ao Landesgericht für Strafsachen Wien (Tribunal Regional Penal de Viena, Áustria).

3.

Esse órgão jurisdicional pergunta, em suma, ao Tribunal de Justiça, se a jurisprudência proferida sobre a independência do Ministério Público no âmbito dos mandados de detenção europeus (a seguir «MDE») ao abrigo da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI ( 3 ), é transponível para as DEI.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União. Diretiva 2014/41

4.

O artigo 1.o («A decisão europeia de investigação e a obrigação de a executar») dispõe:

«1.   A decisão europeia de investigação (DEI) é uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro (“Estado de emissão”) para que sejam executadas noutro Estado‑Membro (“Estado de execução”) uma ou várias medidas de investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova em conformidade com a presente diretiva.

Também pode ser emitida uma DEI para obter elementos de prova que já estejam na posse das autoridades competentes do Estado de execução.

2.   Os Estados‑Membros executam uma DEI com base no princípio do reconhecimento mútuo e nos termos da presente diretiva.

3.   A emissão de uma DEI pode ser requerida por um suspeito ou por um arguido, ou por um advogado em seu nome, no quadro dos direitos da defesa aplicáveis nos termos do processo penal nacional.

4.   A presente diretiva não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o do TUE, incluindo os direitos de defesa das pessoas sujeitas a ação penal, nem prejudica quaisquer obrigações que nesta matéria incumbam às autoridades judiciárias.»

5.

Nos termos do artigo 2.o («Definições»):

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Estado de emissão”, o Estado‑Membro no qual a DEI tenha sido emitida;

b)

“Estado de execução”, o Estado‑Membro que executa a DEI, no qual a medida de investigação deva ser executada;

c)

“Autoridade de emissão”:

i)

um juiz, tribunal, juiz de instrução ou magistrado do Ministério Público competente no processo em causa; ou

ii)

qualquer outra autoridade competente definida pelo Estado de emissão e que, no caso em apreço, atue enquanto autoridade de investigação num processo penal com competência para ordenar a obtenção de elementos de prova no processo de acordo com a lei nacional. Além disso, antes de ser transmitida à autoridade de execução, a DEI é validada por um juiz, por um tribunal, por um juiz de instrução ou por um magistrado do Ministério Público no Estado de emissão, após análise da sua conformidade com as condições de emissão de uma DEI ao abrigo da presente diretiva, designadamente as condições previstas no artigo 6.o, n.o 1. Se a DEI tiver sido validada por uma autoridade judiciária, esta também pode ser equiparada a autoridade de emissão para efeitos de transmissão da DEI;

d)

“Autoridade de execução”, uma autoridade com competência para reconhecer a DEI e garantir a sua execução de acordo com a presente diretiva e com os procedimentos aplicáveis num processo nacional semelhante. Esses procedimentos podem exigir uma autorização do tribunal no Estado de execução, nos casos previstos na lei desse Estado.»

6.

O artigo 6.o («Condições de emissão e de transmissão de uma DEI») dispõe:

«1.   A autoridade de emissão só pode emitir uma DEI se estiverem reunidas as seguintes condições:

a)

A emissão da DEI é necessária e proporcionada para efeitos dos processos a que se refere o artigo 4.o, tendo em conta os direitos do suspeito ou do arguido; e

b)

A medida ou medidas de investigação indicadas na DEI poderiam ter sido ordenadas nas mesmas condições em processos nacionais semelhantes.

2.   As condições referidas no n.o 1 são avaliadas pela autoridade de emissão, caso a caso.

3.   Se a autoridade de execução tiver razões para considerar que as condições previstas no n.o 1 não estão preenchidas, pode consultar a autoridade de emissão quanto à importância de executar a DEI. Após essa consulta, a autoridade de emissão pode decidir retirar a DEI.»

B.   Direito nacional

1. Direito alemão. Gerichtsverfassungsgesetz ( 4 )

7.

O § 146 enuncia:

«Os agentes do Ministério Público devem cumprir as instruções oficiais ditadas pelos seus superiores hierárquicos.»

8.

O § 147 dispõe:

«O direito de supervisão e direção incumbe:

1.

Ao ministro Federal da Justiça no que respeita ao procurador‑geral Federal e aos procuradores federais;

2.

À Administração de justiça do Land no que respeita a todos os agentes do Ministério Público do Land em questão;

3.

Ao mais alto funcionário do Ministério Público junto dos Tribunais Regionais Superiores e dos Tribunais Regionais, no que respeita a todos os agentes do Ministério Público da área de competência do tribunal em questão.»

2. Direito austríaco

a) Strafprozessordnung ( 5 )

9.

O § 4‑1, atribui ao Ministério Público a instrução penal.

10.

Na condução desta missão, o Ministério Público deve dispor de uma autorização judicial prévia para proceder a certas medidas de investigação particularmente invasivas (§§ 101 e 105).

11.

Entre essas medidas figura a recolha de informações sobre contas e transações bancárias (§ 109 Z 4, em conjugação com o § 116 Z 4).

b) Bundesgesetz über die justizielle Zusammenarbeit in Strafsachen mit den Mitgliedstaaten der Europäischen Union ( 6 )

12.

O § 55c declara competente para a execução de uma DEI o Ministério Público em cuja circunscrição a medida solicitada deva ser concretizada.

13.

O § 55e prevê que a decisão do Ministério Público que dá execução a uma DEI deve conter: i) as informações relativas à designação do magistrado do Ministério Público, a identificação do suspeito, sendo possível, a descrição dos factos e a sua qualificação, bem como informações relativas aos direitos da pessoa afetada pela medida; ii) uma descrição da medida objeto de execução; iii) a fundamentação que justifica a sua licitude; e iv) uma cópia da DEI.

II. Matéria de facto e questão prejudicial

14.

O Ministério Público de Hamburgo instaurou um inquérito contra A e outras pessoas não identificadas ( 7 ), em que, para efeitos da clarificação da matéria de facto e, em especial, para identificar os infratores, enviou uma DEI ao Ministério Público de Viena. Solicitava‑se o envio de cópias de determinados documentos relativos a uma conta bancária austríaca, respeitantes ao período compreendido entre 1 de junho e 30 de setembro de 2018.

15.

Nos termos dos §§ 109 Z 4 e 116 do StPO, o Ministério Público de Viena pediu ao Landesgericht für Strafsachen Wien (Tribunal Regional Penal de Viena), que autorizasse o acesso às informações sobre as contas e transações bancárias, com o objetivo de obrigar a instituição bancária a entregar os documentos referidos na DEI.

16.

Esse órgão jurisdicional, antes de conceder a autorização, salienta que o Ministério Público alemão não pode ser considerado, segundo o Tribunal de Justiça, autoridade judiciária de emissão de um MDE, pelo facto de correr o risco de ser direta ou indiretamente sujeito a ordens ou instruções individuais por parte do poder executivo ( 8 ). Acrescenta que a mesma conclusão poderia ser deduzida para recusar a DEI emitida pelo Ministério Público de Hamburgo.

17.

Embora a Diretiva 2014/41 refira o magistrado do Ministério Público como autoridade de emissão, nem todos os Ministérios Públicos dos Estados‑Membros satisfazem a exigência de independência que impende sobre os órgãos jurisdicionais. Se a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de MDE fosse aplicável às DEI, o conceito de «magistrado do Ministério Público» a que se refere o artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva 2014/41 deveria ser interpretado no sentido de que não inclui os Ministérios Públicos sujeitos ao risco de receber instruções individuais do poder executivo, como o de Hamburgo ( 9 ).

18.

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os conceitos de “autoridade judiciária”, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal, e de “magistrado do Ministério Público”, na aceção do artigo 2.o, alínea c), [i)], da mesma diretiva, ser interpretados no sentido de que abrangem igualmente os serviços do Ministério Público de um Estado‑Membro em relação aos quais existe o risco de, no âmbito da adoção de uma decisão relativa à emissão de uma decisão europeia de investigação, estarem direta ou indiretamente sujeitos a ordens ou instruções individuais do poder executivo, como o [Justizsenator] [Conselheiro] da Justiça do Land de Hamburgo?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

19.

O reenvio prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de agosto de 2019, acompanhado do pedido de tramitação acelerada, que foi acolhido.

20.

Apresentaram observações escritas os Governos alemão, austríaco, espanhol, neerlandês e polaco, bem como a Comissão Europeia.

IV. Apreciação

A.   Observação preliminar

21.

O órgão jurisdicional de reenvio é chamado a decidir se autoriza a execução de uma medida de investigação que lhe é pedida pelo Ministério Público de Viena. Se o Ministério Público alemão não tivesse intervindo na génese deste pedido, não se afigura que existissem obstáculos de direito nacional para o admitir e, sendo caso disso, para o satisfazer.

22.

Sem prejuízo do que o próprio órgão jurisdicional de reenvio entenda, suponho que, se esse mesmo pedido do Ministério Público de Viena tivesse sido feito a pedido da polícia austríaca (ou seja, de uma autoridade dependente do poder executivo), esse fator não impediria, por si só, que o órgão jurisdicional apreciasse o pedido.

23.

Se assim for, não se vê que problema haveria, mesmo que o Ministério Público alemão não pudesse ser qualificado (devido à sua falta de independência face ao poder executivo) de «autoridade judiciária», em que o órgão jurisdicional de reenvio apreciasse o pedido que, com origem no Ministério Público de Hamburgo e procedência imediata do Ministério Público de Viena (que atua na sua qualidade de «autoridade de execução», de acordo com o direito nacional) é chamado a conhecer.

24.

Além disso, o Ministério Público austríaco também não é independente do poder executivo, como o Tribunal de Justiça ( 10 ) já teve ocasião de decidir. Tal não o impede, parece‑me, de submeter ao órgão jurisdicional de reenvio as medidas de investigação que considere oportunas, quando preenchidos os requisitos dos §§ 109 Z 4 e 116 do StPO.

25.

O mesmo se aplica à polícia ou a outras autoridades administrativas ( 11 ). A questão consiste então em saber se a falta de independência do Ministério Público austríaco levaria o juiz a indeferir um pedido de acesso aos documentos de uma conta bancária que lhe é submetido, por iniciativa da polícia ou de outras autoridades administrativas, pelo Ministério Público de Viena.

26.

Na realidade, o que é essencial para que o juiz de reenvio tome a sua decisão (autorizar ou não a medida de investigação) não é tanto a origem do pedido, mas sim a sua própria função jurisdicional. Se mesmo um MDE emitido por um magistrado do Ministério Público austríaco (não independente do poder executivo) pode ser eficaz, uma vez homologado pelo tribunal nacional competente ( 12 ), que fiscaliza a sua proporcionalidade, o mesmo princípio pode, a fortiori, aplicar‑se a medidas de investigação cujo impacto na vida da pessoa em causa é muito inferior ao decorrente dos MDE.

27.

Por último, acrescente‑se que o direito da União contém regras que impõem às autoridades administrativas dos Estados‑Membros que cooperem entre si para recolher, junto das instituições financeiras, determinados dados das contas bancárias por elas mantidas ( 13 ). Este dever de cooperação não exige que a autoridade requerente seja independente do poder executivo.

28.

O direito da União admite, portanto, que as autoridades administrativas de um Estado‑Membro (por definição não independentes) solicitem às suas homólogas noutro Estado‑Membro informações precisas sobre contas bancárias, que estas têm, em princípio, a obrigação de lhes fornecer. Nada obstaria, por princípio, sob este ponto de vista, a que o mesmo critério fosse aplicável às relações dos Ministérios Públicos nesta matéria, quando atuam na qualidade de autoridades de emissão ou de execução de uma DEI.

B.   Autoridades de emissão das DEI

29.

A Diretiva 2014/41 foi adotada ao abrigo do artigo 82.o, n.o 1, TFUE, nos termos do qual a cooperação judiciária em matéria penal assenta no princípio do reconhecimento mútuo.

30.

A DEI é definida como uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro («Estado de emissão») para que sejam executadas noutro Estado‑Membro («Estado de execução») uma ou várias medidas de investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova ( 14 ).

31.

A Diretiva 2014/41, que substitui diversos instrumentos convencionais de cooperação judiciária ( 15 ), pretende tornar‑se no único instrumento normativo para proceder a atos de investigação e obtenção de elementos de prova no espaço europeu. O seu objetivo consiste em facilitar e agilizara obtenção e a transmissão de elementos de prova no âmbito da União, bem como melhorar a eficácia dos processos de inquérito.

32.

A especificidade mais relevante das DEI, no que importa para este reenvio prejudicial, consiste no facto de a Diretiva 2014/41 conter duas categorias de «autoridades de emissão»:

As autoridades judiciárias ( 16 ), que só podem ser «um juiz, tribunal, juiz de instrução ou magistrado do Ministério Público competente no processo em causa» [artigo 2.o, alínea c), i)], todos em pé de igualdade.

As autoridades não judiciárias, mas competentes para investigar num processo penal e ordenar a obtenção de elementos de prova de acordo com a lei nacional [artigo 2.o, alínea c), ii)] ( 17 ). As DEI emitidas por qualquer uma delas terão de ser validadas por uma autoridade judiciária ( 18 ).

33.

O artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva 2014/41 inclui, especificamente, entre as autoridades (judiciárias) de emissão de DEI, o magistrado do Ministério Público. Até agora não havia qualquer dúvida de que esta menção inequívoca permitia aos magistrados do Ministério Público competentes (em conformidade com a sua legislação nacional) emitirem diretamente essas decisões.

34.

As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio surgem, como referi, na sequência do Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) no que diz respeito ao conceito de «autoridade judiciária» no âmbito da Decisão‑Quadro 2002/584. Na medida em que foi dito, nesse acórdão, que o Ministério Público alemão não cumpria os requisitos de independência indispensáveis para a emissão de um MDE, o tribunal a quo interroga‑se se também não os cumpriria para emitir uma DEI, uma vez que não beneficiava da qualidade de autoridade judiciária ( 19 ) independente.

35.

Aceitar esta tese implicaria que, na Alemanha, os magistrados do Ministério Público não poderiam ser qualificados de autoridade de emissão, na aceção do artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva 2014/41, e que as DEI que emitem necessitariam de validação. Por outras palavras, equivaleria a inseri‑los no artigo 2.o, alínea c), ii). Como consequência acessória, e contrariamente à redação dessa mesma disposição ii), também não poderiam atuar como autoridade validadora das DEI proferidas por outras autoridades (administrativas).

36.

Nos números seguintes defenderei que a expressão «autoridade judiciária» não tem de ser interpretada, necessariamente, da mesma maneira em todos os instrumentos de cooperação judiciária em matéria penal.

37.

Considero que não há nenhuma exigência, decorrente do direito primário da União, de que esta interpretação seja unitária. Poder‑se‑ia pensar que uma definição única deste conceito, válida para todos os domínios da cooperação judiciária penal, simplificaria as dificuldades de interpretação. Penso, no entanto, que aconteceria o oposto: ceder a essa tentação hermenêutica criaria mais problemas do que os que aparentemente resolve.

38.

O legislador da União é livre de incluir em tal conceito — desde que respeite o seu conteúdo essencial, isto é, não o estendendo a instituições estranhas à administração da justiça — uma ou outra das instituições que nela participam. Tudo dependerá do contexto normativo em que se insere cada modalidade de cooperação judiciária.

C.   O Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau)

39.

Neste acórdão, o Tribunal de Justiça delimitou o conceito de «autoridade judiciária» apenas no que diz respeito à Decisão‑Quadro 2002/584, para cujo efeito:

Salientou que o referido conceito tem natureza autónoma e deve ser entendido de modo uniforme em toda a União, à luz dos termos da norma interpretada, o contexto em que se insere e o objetivo que prossegue ( 20 ).

Referiu‑se, expressamente, aos «termos “autoridade judiciária”, que figuram nesta disposição [a decisão‑quadro]» ( 21 ).

Referiu‑se ao «conceito de “autoridade judiciária”, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584» ( 22 ).

Analisou o «contexto em que se insere o [referido] artigo 6.o, n.o 1» ( 23 ).

Teve em consideração o objetivo da decisão‑quadro ( 24 ).

40.

Nas minhas conclusões nesse mesmo processo já afirmei que «as formas [da] participação do Ministério Público na administração da justiça são variadas, e convém não transpor mecânica ou automaticamente soluções pensadas para alguns domínios para outros de natureza díspar» ( 25 ).

41.

Referia, precisamente, o exemplo do artigo 2.o da Diretiva 2014/41, que incluía o magistrado do Ministério Público entre as autoridades competentes para emitir uma DEI. Recordava, também, as Conclusões do processo Özçelik para salientar que «não se pode equiparar, sem mais, a atuação do Ministério Público num âmbito (o relativo à liberdade, afetada pela detenção das pessoas) ao outro (a obtenção de elementos de prova). […] [A] sua admissão como autoridade judiciária na Diretiva 2014/41, para as decisões de investigação, não implica necessariamente que essa admissão se deva aplicar também à decisão‑quadro, para os MDE» ( 26 ).

42.

O Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) confirma que o Ministério Público alemão é uma «autoridade judiciária» ( 27 ). As razões para não lhes reconhecer a função de autoridade de emissão do MDE dizem respeito à sua falta de independência, perante a possível receção de ordens do poder executivo em processos específicos. Mas, na realidade, baseiam‑se no facto de o domínio natural dos MDE corresponder a uma grave ingerência do poder público na vida de uma pessoa: a privação da liberdade (seja provisória ou definitiva) protegida pelo artigo 6.o da Carta, que deve, de uma forma ou de outra, ser reservada a juízes independentes em sentido estrito ( 28 ).

43.

Ora, aceitando esta premissa (que partilho e que já propus nas minhas conclusões desse processo), insisto no facto de a fórmula adotada no contexto do artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 não ter de se aplicar, automaticamente, à Diretiva 2014/41.

44.

Além disso, uma leitura conjugada do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2014/41, tendo em conta os outros elementos que permitem compreender melhor o seu conteúdo, milita no sentido de reconhecer ao Ministério Público (a qualquer Ministério Público de um Estado‑Membro) a sua qualidade de «autoridade judiciária», enquanto «órgão que participa na administração da justiça penal».

45.

Seguidamente, tentarei expor algumas das razões pelas quais o regime jurídico das DEI não pode ser equiparado ao dos MDE.

D.   Comparação da Decisão‑Quadro 2002/584 com a Diretiva 2014/41

46.

As diferenças entre o regime jurídico dos MDE e o regime das DEI são numerosas, o que corresponde à sua natureza diversa e à sua funcionalidade heterogénea no âmbito da cooperação judiciária penal. No entanto, limitar‑me‑ei a sublinhar as relativas às autoridades competentes para emitir e executar uns e outras.

1. A designação das autoridades de emissão

47.

O artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 diz respeito, para os MDE, apenas à «autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão». Em contrapartida, o tratamento conferido pela Diretiva 2014/41 à autoridade de emissão da DEI é muito diferente, uma vez que contém um catálogo de autoridades judiciárias (na aceção antes explicada) competentes para a emissão das DEI, entre as quais figura, nominalmente, o magistrado do Ministério Público ( 29 ).

48.

Se, no âmbito do processo de elaboração da Decisão‑Quadro 2002/584 a inclusão ou a exclusão do Ministério Público ficou pendente de decisão ( 30 ), em 2014, a decisão explícita (e afirmativa) do legislador da União de o admitir como autoridade de emissão das DEI não pode ser considerada casual ou inadvertida.

49.

Esta decisão foi intencional e teve por objetivo englobar de forma inequívoca, para que não houvesse dúvidas, todas as autoridades judiciárias (em particular, o magistrado do Ministério Público) que, no panorama processual dos Estados‑Membros, protagonizam, dirigem ou intervêm de forma proeminente na instrução penal.

50.

O Memorando explicativo da iniciativa do Reino da Bélgica, da República da Bulgária, da República da Estónia, do Reino de Espanha, da República da Áustria, da República da Eslovénia e do Reino da Suécia para a Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal ( 31 ) destaca, entre os seus objetivos específicos, o de preservar as particularidades dos sistemas nacionais e da sua cultura jurídica.

51.

Esse Memorando salientava que o setor da recolha de elementos de prova é um dos que apresenta maiores diferenças entre os sistemas nacionais, que têm frequentemente origem tanto na sua cultura jurídica como na história dos Estados‑Membros. É essencial, concluía, melhorar a cooperação neste domínio, sem afetar os aspetos fundamentais nem as diferenças entre os sistemas nacionais.

52.

Por conseguinte, não é coincidência que o artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva 2014/41 utilize a frase «competente no processo em causa», após elencar as autoridades judiciárias de emissão das DEI. Também não o é o facto de as sucessivas disposições dessa diretiva repetirem a fórmula «de acordo com a lei nacional», ou outras semelhantes, para fazer referência a determinados aspetos de organização e de processo.

53.

Com estas fórmulas, o legislador da União pretendeu afastar qualquer tentativa de unificação das legislações processuais penais dos Estados‑Membros, respeitando a sua liberdade de organizar os respetivos sistemas institucionais de acordo com regras nacionais próprias.

54.

A enumeração de autoridades realizada pelo artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva 2014/41 é conforme com este critério quando engloba, em pé de igualdade, «um juiz, tribunal, juiz de instrução ou magistrado do Ministério Público». Todos eles correspondem, precisamente, aos titulares das funções de direção da investigação penal nos diferentes Estados‑Membros.

55.

Consequentemente, conhecendo o legislador da União a pluralidade dos Ministérios Públicos existentes nos diferentes Estados‑Membros, a inclusão do magistrado do Ministério Público entre as autoridades de emissão qualificadas só pode ser entendida como resultado de uma vontade consciente de abranger todos os tipos de magistrados do Ministério Público responsáveis pela investigação penal nesses Estados, independentemente do seu grau de conexão com o poder executivo.

56.

Obviamente, esse grau (variável) de conexão não podia escapar ao legislador da União, conhecedor do facto de a maioria dos Estados‑Membros que atribuíam ao Ministério Público funções instrutórias nos processos penais manterem uma ligação entre aquele e o poder executivo.

57.

A Diretiva 2014/41 foi aprovada para acelerar a obtenção e a transmissão de elementos de prova com dimensão transnacional, simplificando o quadro regulamentar, fragmentário e complexo, em vigor até então ( 32 ). Os instrumentos de cooperação judiciária que a precedem não exigiam a independência do Ministério Público face ao poder executivo, tendo em conta as suas funções no domínio da investigação, e nada permite pensar — pelo contrário — que o legislador europeu tivesse optado por estabelecer essa (nova) condição. Como acontecia com os instrumentos de cooperação penal preexistentes nesta matéria, preferiu respeitar as estruturas de investigação penal dos diferentes Estados‑Membros.

2. A posição reforçada da autoridade judiciária de execução

58.

A Diretiva 2014/41 e a Decisão‑Quadro 2002/584 têm em comum a possibilidade de a autoridade de execução recusar proceder ao que lhe é pedido, ainda que seja por motivos diferentes. A especificidade da Diretiva 2014/41 consiste no facto de conferir, além disso, à autoridade de execução uma ampla gama de mecanismos de consulta ( 33 ) e de ajustamento do âmbito da medida de investigação.

59.

Contrariamente à Decisão‑Quadro 2002/584, o artigo 10.o da Diretiva 2014/41 habilita a autoridade de execução a recorrer a medidas de investigação diferentes das indicadas na DEI. Pode fazê‑lo quando estas últimas «não exista[m] na lei do Estado de execução […] ou a [sua] adoção […] não seja possível num processo nacional semelhante» ( 34 ) (n.o 1), ou quando a autoridade de execução possa selecionar outra medida que «conduza ao mesmo resultado […] mas utilize meios menos intrusivos» (n.o 3).

60.

A Decisão‑Quadro 2002/584 não confere essa margem de manobra, condicionando de modo estrito a atuação da autoridade de execução dos MDE. O centro de gravidade dos MDE, se se pode utilizar esta expressão, situa‑se na autoridade de emissão, cuja posição de independência institucional ( 35 ) confere, por si só, à autoridade de execução a garantia ( 36 ) de que a restrição da liberdade pessoal é, nesta perspetiva, incriticável.

61.

Em contrapartida, no domínio das DEI não é indispensável que a autoridade de emissão apresente o mesmo grau de independência, para se relacionar com a autoridade de execução. Além da presunção que decorre do princípio do reconhecimento mútuo, a autoridade de execução dispõe, como vimos, de um leque de possibilidades para declarar a inexistência de disfunções.

62.

A disparidade dos regimes jurídicos entre os MDE e as DEI é corroborada pela sujeição destas últimas, enquanto critério diretor do comportamento das autoridades de execução, não só à Diretiva 2014/41 mas também aos «procedimentos aplicáveis num processo nacional semelhante» [artigo 2.o, alínea d)].

63.

Decorre desta premissa uma consequência que me parece pertinente no caso em apreço, à qual se refere o mesmo artigo 2.o, alínea d), in fine, da Diretiva 2014/41 e à qual regressarei posteriormente: [e]sses procedimentos podem exigir uma autorização do tribunal no Estado de execução, nos casos previstos na lei desse Estado» ( 37 ).

64.

Quando a medida de investigação exija, por força da legislação interna do Estado de execução (tal como acontece na Áustria), uma autorização judicial, esta última torna‑se um fator adicional de garantia propriamente jurisdicional. Caberá ao juiz ou ao órgão jurisdicional designado em conformidade com as regras do Estado de execução emitir essa autorização.

65.

Por conseguinte, o cumprimento efetivo da DEI depende, nestas circunstâncias, de um juiz do Estado de execução, sejam quais forem as autoridades de emissão e de execução. A Diretiva 2014/41 não especifica, logicamente, em que Estados‑Membros as normas processuais nacionais exigem essa autorização judicial para proceder à medida de investigação.

E.   A proteção dos direitos do suspeito ou do arguido

66.

O tribunal a quo refere‑se à proteção dos direitos fundamentais e de outros direitos processuais das pessoas em causa, remetendo para os n.os 67 e seguintes do Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau), como argumento complementar ao seu despacho de reenvio.

67.

A defesa dos direitos fundamentais, bem como dos outros direitos processuais das pessoas objeto de investigações sobre atividades criminosas, constitui uma preocupação que emergiu dos trabalhos preparatórios da Diretiva 2014/41 e que se traduziu nesta ( 38 ).

68.

O Memorando tinha como objetivo específico a manutenção de um elevado nível de proteção dos direitos fundamentais e de outros direitos processuais das pessoas objeto do inquérito. Esse objetivo (e o seu subsequente reflexo na norma positiva) prende‑se com o facto de a recolha de elementos de prova noutro Estado‑Membro não dever afetar as garantias da pessoa objeto do inquérito, nomeadamente no que respeita ao direito a um processo equitativo. Por esse motivo, a Diretiva 2014/41 está relacionada com outras diretivas relativas a direitos processuais no âmbito dos processos penais ( 39 ).

69.

Também neste domínio, a Decisão‑Quadro 2002/584 e a Diretiva 2014/41 obedecem a lógicas não coincidentes:

A Decisão‑Quadro 2002/584 tem incidência, como já referi, no direito que mais intensamente pode ser afetado pela atuação pública destinada a reprimir a atividade criminal. O MDE tem por objeto imediato e direto a privação da liberdade de uma pessoa com vista à sua entrega a outro Estado‑Membro, onde deverá cumprir uma pena ou ser objeto de um processo penal ( 40 ). Esta liberdade é uma das que a Carta refere (artigo 6.o) tendo, por conseguinte, de beneficiar da proteção jurisdicional devida (artigo 47.o).

A Diretiva 2014/41 insiste, evidentemente, na proteção dos direitos fundamentais e dos direitos processuais da pessoa em causa (suspeito ou arguido) pelas medidas de investigação. Mas, mesmo que algumas dessas medidas possam, por sua vez, traduzir‑se numa limitação de um direito fundamental, nenhuma delas tem a intensidade de um MDE. A execução das DEI deve, evidentemente, fazer‑se na observância dos direitos fundamentais ( 41 ), mas isso não implica que estes sejam sempre limitados, por si só, independentemente da medida decidida.

70.

Com efeito, as medidas de investigação permitidas pela Diretiva 2014/41 abrangem um leque extremamente variado: vão desde as que não têm natureza «intrusiva» ( 42 ) (considerando 16 e artigo 10.o, n.o 2), às que a têm e podem significar, consequentemente, uma «interferência», maior ou menor, em determinados direitos fundamentais (considerando 10).

71.

É mesmo possível que as medidas ordenadas o sejam a pedido de um suspeito ou de um arguido (artigo 1.o, n.o 3) e, por conseguinte, em seu benefício, o que exclui qualquer repercussão negativa na sua esfera de direitos e interesses.

72.

Com base nestas premissas, parece‑me útil abordar separadamente a forma como os direitos dos suspeitos são protegidos nas fases de emissão e de execução das DEI, com especial atenção na intervenção do Ministério Público em ambas.

1. A proteção, na fase de emissão, dos direitos do suspeito ou arguido

73.

A autoridade de emissão deve assegurar a observância dos direitos do suspeito ou arguido: é o que dispõe o considerando 12 da Diretiva 2014/41 ( 43 ) e o seu artigo 6.o, n.os 1 e 2.

74.

A Diretiva 2014/41 parte da presunção da observância, pelos outros Estados‑Membros, do direito da União e, em especial, dos direitos fundamentais ( 44 ). Consequentemente, o formulário das DEI constante do anexo A dessa diretiva (a seguir «formulário») é encimado por uma área em que a própria autoridade de emissão tem de certificar que, entre outras coisas, a DEI é necessária e proporcionada e que foram tidos em conta os direitos do suspeito ou arguido.

75.

No seu papel de garante da legalidade e, por extensão, dos direitos individuais, quando o Ministério Público age na qualidade de autoridade de emissão deve respeitar essas prescrições. Por conseguinte, terá de preencher o formulário da forma mais adequada para que a autoridade de execução que o receba não tenha dúvidas quanto à observância das restrições impostas pelo artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41.

76.

A lei nacional, embora instituindo o Ministério Público enquanto autoridade de emissão, pode confiar a um juiz a competência para autorizar a adoção de determinadas medidas (sobretudo se tiverem natureza intrusiva). A Diretiva 2014/41 não prevê a necessidade dessa autorização antes de emitir uma DEI, mas nada impede que a legislação desse Estado o exija. Nesses casos, a proteção dos direitos do suspeito ou do acusado seria duplamente assegurada, logo desde a sua origem no Estado de emissão ( 45 ).

2. A proteção, na fase de execução, dos direitos do suspeito ou arguido

77.

A garantia dos direitos fundamentais no Estado de execução é enunciada no considerando 19 ( 46 ) da Diretiva 2014/41 e concretizada no seu artigo 11.o, n.o 1, alínea f), nos termos do qual, «[s]em prejuízo do artigo 1.o, n.o 4, o reconhecimento ou a execução de uma DEI podem ser recusados no Estado de execução se […] houver motivos substanciais para crer que a execução da medida […] será incompatível com as obrigações do Estado de execução nos termos do artigo 6.o do TUE e da Carta».

78.

A expressão «sem prejuízo do artigo 1.o, n.o 4» ( 47 ) revela a importância desta disposição da Diretiva 2014/41, que se converte numa das cláusulas gerais destinadas a regular a atividade das autoridades de emissão ou de execução das DEI.

79.

Por conseguinte, caberá ao Ministério Público, nos Estados‑Membros que o designaram como autoridade de execução, conformar‑se com estas prescrições, que podem mesmo levá‑lo a recusar o reconhecimento ou a execução das DEI.

80.

Sem chegar a uma solução tão drástica, a Diretiva 2014/41 confere ao Ministério Público, se este for designado como autoridade de execução, o poder de ajustar a execução da DEI: recorrendo quer ao artigo 10.o (medidas de investigação diferentes das requeridas), quer ao mecanismo de consulta da autoridade de emissão (artigos 6.o, n.o 3, e 9.o, n.o 6).

81.

Em suma, no momento da execução da DEI, a proteção dos direitos fundamentais e dos outros direitos processuais do suspeito ou arguido já passou por um conjunto de filtros e «garantias» ( 48 ) que ajudam a dissipar qualquer dúvida a este respeito.

82.

O círculo de proteção desses direitos encerra‑se, no esquema da Diretiva 2014/41, ao impor o estabelecimento de «vias de recurso», a que se refere o considerando 22 ( 49 ) e que são concretizadas no artigo 14.o

83.

Essas vias de recurso, tanto no Estado de emissão como no Estado de execução ( 50 ), colmatam, por assim dizer, o vazio que era percetível na Decisão‑Quadro 2002/584 e que provocou as questões prejudiciais submetidas por outros órgãos jurisdicionais, às quais o Tribunal de Justiça teve de responder. Consequentemente, as preocupações expressas, a este respeito, no despacho de reenvio, não correspondem aos termos da Diretiva 2014/41.

3. A eventual atuação (complementar) de um órgão jurisdicional do Estado de execução, quando o Ministério Público é autoridade de execução nesse Estado

84.

Nos termos do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2014/41, a execução de uma DEI é feita «de acordo com a presente diretiva e com os procedimentos aplicáveis num processo nacional semelhante. Esses procedimentos podem exigir uma autorização do tribunal no Estado de execução, nos casos previstos na lei desse Estado».

85.

Neste processo, é o órgão jurisdicional de reenvio que autoriza a medida requerida pelo Ministério Público de Viena, uma vez que o StPO assim o prevê. Por conseguinte, a sua intervenção não é exigida pela Diretiva 2014/41, embora esta, na observância dos procedimentos nacionais, não constitua obstáculo a que tenha lugar. No entanto, essa intervenção não converte o referido órgão jurisdicional numa autoridade de execução ( 51 ).

86.

Segundo a lógica da Diretiva 2014/41, ao apreciar o pedido de autorização o juiz competente não substitui a autoridade de execução desse Estado‑Membro. É apenas a esta (neste processo, o Ministério Público de Viena) que compete executar a medida requerida.

87.

O tribunal a quo, chamado a emitir uma autorização judicial para aceder às informações da conta bancária, não tem, por conseguinte, que averiguar quais eram as ligações do Ministério Público de Hamburgo (que agiu na qualidade de autoridade de emissão) com o poder executivo do Estado de emissão. Se assim não fosse, esse órgão jurisdicional introduziria um requisito suplementar, não previsto na Diretiva 2014/41, que nem sequer impõe aos órgãos de investigação nacionais.

88.

Por outras palavras, e voltando ao início desta análise, a lógica da Diretiva 2014/41 traduz‑se no facto de o órgão jurisdicional de reenvio dever tratar, para efeitos da sua admissão, da DEI que procede indiretamente do Ministério Público de Hamburgo e diretamente do Ministério Público de Viena, como trataria um pedido de autorização de medidas requerido pelo Ministério Público austríaco numa investigação penal austríaca.

F.   Corolário

89.

A Diretiva 2014/41 contém uma regulamentação completa das relações entre as autoridades de emissão e de execução das DEI. Esta regulamentação tem sempre presente a observância dos direitos fundamentais e dos outros direitos processuais do suspeito ou do arguido. Além da presunção inerente ao princípio do reconhecimento mútuo, o sistema de cooperação judiciária penal oferece, neste domínio, garantias suficientes de que os direitos destas pessoas são protegidos.

90.

Este quadro regulamentar é suficientemente amplo para considerar, como autoridades de emissão, os Ministérios Públicos de todos os Estados‑Membros, independentemente da sua posição institucional relativamente ao poder executivo. Em cada caso, a autoridade de execução deverá ponderar se a DEI requerida preenche as condições para a sua execução. A Diretiva 2014/41 prevê as vias de recurso judicial adequadas contra a sua decisão.

91.

Por conseguinte, o facto de o Ministério Público de um Estado‑Membro poder receber instruções individuais do poder executivo não é suficiente para recusar, de modo sistemático, a execução das DEI que tenha emitido. Caso contrário:

Cada autoridade de execução deveria assegurar‑se de que o Ministério Público de emissão não está sujeito a essas instruções. Isso acarretaria provavelmente uma considerável insegurança jurídica e um atraso ( 52 ) na condução das investigações penais com dimensão transfronteiriça, tornando mais difícil que «a cooperação em matéria penal entre os Estados‑Membros seja rápida, eficaz e coerente» ( 53 ).

Verificar‑se‑ia uma alteração dissimulada da Diretiva 2014/41, de cujo artigo 2.o, alínea c), i), se teriam que excluir os Ministérios Públicos de determinados países, para inseri‑los na ii) dessa mesma alínea c), o que significaria que também não poderiam validar as decisões de outras autoridades administrativas de emissão das DEI.

Seria necessário redefinir a distribuição das competências das autoridades de emissão nos Estados‑Membros ( 54 ), o que implicaria falsear a vontade do legislador da União, que não quis alterar, mas sim respeitar, os sistemas institucionais e processuais dos Estados‑Membros em vigor quando a Diretiva 2014/41 foi aprovada.

V. Conclusão

92.

Tendo em conta todo o exposto, sugiro que o Tribunal de Justiça responda ao Landesgericht für Strafsachen Wien (Tribunal Regional Penal de Viena, Áustria) nos seguintes termos:

«Os Ministérios Públicos dos Estados‑Membros que assim o tenham estabelecido podem qualificar‑se de autoridades judiciárias de emissão incluídas no artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal (JO 2014, L 130, p. 1).

( 3 ) Decisão‑Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1).

( 4 ) Lei da Organização do Sistema Judiciário.

( 5 ) Código de Processo Penal (a seguir «StPO»).

( 6 ) Lei Federal Relativa à Cooperação Judiciária em Matéria Penal com os Estados‑Membros da União Europeia.

( 7 ) Na base do inquérito está a suspeita de que, em julho de 2018, usando dados obtidos ilegalmente, os arguidos falsificaram 13 ordens de transferência, com as quais transferiram 9775,04 euros para uma conta bancária (aberta em nome de A num banco austríaco).

( 8 ) Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e Zwickau) [C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456; a seguir «Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau»].

( 9 ) O Ministério Público de Hamburgo está organicamente subordinado ao Justizsenator (Conselheiro da Justiça) de Hamburgo, que integra o poder executivo, podendo dirigir‑lhe instruções em casos individuais.

( 10 ) Acórdão de 9 de outubro de 2019, NJ (Procuradoria de Viena) (C‑489/19 PPU, EU:C:2019:849, n.o 40): «[…] no que respeita às procuradorias austríacas, resulta do artigo 2.o, n.o 1 da Lei Relativa ao Ministério Público que estas estão hierarquicamente subordinadas às procuradorias regionais e sujeitas às suas instruções e que estas últimas estão, por sua vez, subordinadas ao ministro federal da Justiça. Ora, tendo em conta que a independência requerida exige que haja regras estatutárias e organizativas adequadas a garantir que a autoridade judiciária de emissão não corra, no âmbito da adoção de um mandado de detenção europeu, qualquer risco de estar sujeita, nomeadamente, a uma instrução individual por parte do poder executivo, não se pode considerar que as procuradorias austríacas cumprem esse requisito [v., por analogia, Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e Zwickau), C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.os 74 e 84]». O sublinhado é meu.

( 11 ) Excluídas expressamente pelo Tribunal de Justiça do leque de autoridades que participam na administração da justiça penal (n.o 50 do Acórdão OG e PI).

( 12 ) Acórdão de 9 de outubro de 2019, NJ (Procuradoria de Viena) (C‑489/19 PPU, EU:C:2019:849, dispositivo: «[…] enquadram[‑se] neste conceito os mandados de detenção europeus emitidos pelas procuradorias de um Estado‑Membro, embora essas procuradorias corram o risco de estar sujeitas, direta ou indiretamente, a ordens ou instruções individuais por parte do poder executivo, […] desde que os referidos mandados de detenção sejam, obrigatoriamente, […] objeto de homologação por um tribunal que fiscalize com independência e objetividade, […] as condições de emissão e a proporcionalidade destes mesmos mandados de detenção, adotando assim uma decisão autónoma que lhes confira a sua forma definitiva».

( 13 ) Artigo 8.o‑A, n.o 3, da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e que revoga a Diretiva 77/799/CEE (JO 2011, L 64, p. 1), na sua versão alterada pela Diretiva 2014/107/UE do Conselho, de 9 de dezembro de 2014 (JO 2014, L 359, p. 1). V. Acórdão de 14 de abril de 2016, Sparkasse Allgäu (C‑522/14, EU:C:2016:253).

( 14 ) As DEI podem abranger a quase totalidade dos meios de prova: basta que a medida solicitada exista na ordem jurídica do Estado de execução (artigo 10.o da Diretiva 2014/41).

( 15 ) Artigo 34.o da Diretiva 2014/41. Em comparação com esses instrumentos anteriores, o princípio do reconhecimento mútuo é flexibilizado, sendo alguns limites agora aceites.

( 16 ) Os qualificativos «judiciárias» e «não judiciárias» não constam, enquanto tais, no catálogo de definições do artigo 2.o da Diretiva 2014/41. Utilizo‑os por razões de simplificação, uma vez que, em última análise, correspondem à natureza das instituições que se enquadram numa e noutra categorias.

( 17 ) O Secretariado da Rede Judiciária Europeia elaborou uma lista de autoridades competentes, atualizada em 30 de setembro de 2019, que revela a diversidade dos critérios seguidos em 24 Estados‑Membros. A maioria (16) não prevê a participação de autoridades de emissão não judiciárias, cuja intervenção necessita de validação. Os Estados que a preveem incluem, nessa categoria, autoridades administrativas competentes em matéria tributária, aduaneira e administrativa, em geral. (https://www.ejn‑crimjust.europa.eu/ejn/EJN_RegistryDoc/EN/3115/0/0).

( 18 ) Na Alemanha, podem emitir DEI as autoridades administrativas competentes para agir judicialmente contra infrações administrativas, cabendo ao Ministério Público da sua circunscrição a sua validação. No entanto, no que diz respeito às autoridades tributárias, os Finanzamts consideram que, por força do § 399‑1, do Código Fiscal alemão, desempenham as funções do Ministério Público nos processos penais relativos a infrações fiscais, pelo que lhes deve ser reconhecida a qualidade de autoridades de emissão de uma DEI na aceção do artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva 2014/41. O reenvio prejudicial C‑66/20, Finanzamt für Steuerstrafsachen und Steuerfahndung Münster incide sobre os problemas suscitados por esta questão.

( 19 ) Às dificuldades de precisar os contornos da «autoridade judiciária» acresce o facto de, na versão alemã da Diretiva 2014/41, ser utilizado, no artigo 1.o, n.o 1, a expressão gerichtliche Entscheidung, o que parece evocar a atuação de um tribunal (Gericht). A Comissão (n.o 28 das suas observações) e o Governo alemão (n.o 42 das suas) preconizam, por esse motivo, a utilização dos termos justizielle Entscheidung.

( 20 ) Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau, n.o 49).

( 21 ) Ibidem, n.o 50.

( 22 ) Ibidem, n.o 51.

( 23 ) Ibidem, n.o 52.

( 24 ) Ibidem, n.os 49 e 56.

( 25 ) Conclusões dos processos OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) (EU:C:2019:337, n.os 37 a 40).

( 26 ) Conclusões do processo Özçelik (C‑453/16 PPU, EU:C:2016:783, n.o 51). Em especial, a qualificação do Ministério Público como autoridade judiciária no contexto do MDE estava limitada ao artigo 8.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, enquanto autoridade competente para tomar a «decisão judicial» prevista na sua alínea c) (mandado de detenção nacional), que precede a emissão de um MDE. Sublinhei, também nas Conclusões do processo OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau), como noutros domínios da cooperação penal o Ministério Público é considerado «autoridade judiciária» (n.o 38).

( 27 ) Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau, n.os 50 a 63): «os termos “autoridade judiciária”, que figuram [no artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584], não se limitam a designar apenas os juízes ou órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro, devendo entender‑se que designam, de forma mais abrangente, as autoridades que participam na administração da justiça penal deste Estado‑Membro» (n.o 50). Nas circunstâncias que analisava, declarou que as «procuradorias [alemãs são] participantes na administração da justiça penal» (n.o 63), donde deduzia que constituem autoridades judiciárias.

( 28 ) Acórdão de 9 de outubro de 2019, NJ (Procuradoria de Viena) (C‑489/19 PPU, EU:C:2019:849, n.o 35: «[…] uma vez que a emissão de um mandado de detenção europeu pode afetar o direito à liberdade da pessoa em causa, consagrado no artigo 6.o da Carta, esta proteção implica que uma decisão que cumpra os requisitos inerentes a uma proteção judicial efetiva seja adotada, pelo menos, a um dos dois níveis da referida proteção».

( 29 ) Inclui, também, como já referi, a possibilidade de reconhecer a qualidade de autoridade de emissão às que desempenham funções administrativas, aduaneiras ou fiscais, após validação das autoridades judiciárias.

( 30 ) Remeto para as minhas Conclusões dos processos Özçelik (C‑453/16 PPU, EU:C:2016:783, n.os 39 a 41); e PF (Procurador‑Geral da Lituânia) (C‑509/18, EU:C:2019:338, n.os 36 a 46).

( 31 ) Documento 9288/10 ADD 1 do Conselho, de 23 de junho de 2010 (a seguir «Memorando»), p. 22.

( 32 ) Considerandos 5 e 6 da Diretiva 2014/41.

( 33 ) O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41 atribui à autoridade de emissão a função de apreciar a necessidade e a proporcionalidade da emissão da DEI, a observância dos direitos do suspeito ou do arguido, bem como a verificação de que as medidas poderiam ter sido ordenadas nas mesmas condições para processos nacionais semelhantes. Se a autoridade de execução tem dúvidas no que diz respeito ao preenchimento destas condições, o artigo 6.o, n.o 3, permite‑lhe consultar a autoridade de execução. Na execução da DEI, a autoridade de execução e a de emissão podem consultar‑se (artigo 9.o, n.o 6, da Diretiva 2014/41).

( 34 ) Esta precaução prende‑se, mais uma vez, com o critério de não alterar as regras internas de cada Estado‑Membro em matéria de processo penal. No entanto, a autoridade de execução não pode fazer uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 10.o, n.o 1, nos casos previstos no seu n.o 2.

( 35 ) Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau, n.o 73): «[…] deve estar em condições de [emitir um MDE] de forma objetiva, tendo em conta todos os elementos incriminatórios e ilibatórios, e sem correr o risco de que o seu poder decisório seja objeto de ordens ou de instruções externas, nomeadamente da parte do poder executivo, de forma a que não exista nenhuma dúvida quanto ao facto de a decisão de emitir o mandado de detenção europeu ser da responsabilidade desta autoridade e não, em última análise, do referido poder».

( 36 ) Ibidem, n.o 74: «a autoridade judiciária de emissão deve poder assegurar à autoridade judiciária de execução que, à luz das garantias dadas pela ordem jurídica do Estado‑Membro de emissão, atua de forma independente no exercício das suas funções inerentes à emissão de um mandado de detenção europeu».

( 37 ) No entanto, não excluo que outra regulamentação do direito da União pudesse, em certos casos, requerer a autorização judicial prévia. No processo C‑746/18, o Tribunal de Justiça terá de determinar se é o que acontece no caso do acesso a dados relativos às comunicações eletrónicas. V. Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella, de 21 de janeiro de 2020, nesse processo (EU:C:2020:18).

( 38 ) Os considerandos 10, 12, 18, 19 e 39 referem‑se, sob diferentes perspetivas, aos direitos fundamentais. Quanto ao articulado, evocam, expressamente, os direitos fundamentais o artigo 1.o, n.o 4, «[a][…] diretiva não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o TUE, incluindo os direitos de defesa das pessoas sujeitas a ação penal»; e o artigo 14.o, n.o 2. V. n.os 83 e 84, infra.

( 39 ) Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal (JO 2010, L 280, p. 1), Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal (JO 2012, L 142, p. 1) e Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares (JO 2013, L 294, p. 1).

( 40 ) Além disso, constitui uma restrição particularmente qualificada, uma vez que, ao ónus próprio da perda de liberdade, acresce a deslocação forçada para outro Estado, que afasta a pessoa do círculo no qual se desenvolve a sua vida pessoal e social, o que implica a necessidade de fazer face a uma defesa técnica num território com um sistema jurídico diferente.

( 41 ) Considerando 12: a autoridade de emissão deve «assegura[r] a plena observância dos direitos consagrados no artigo 48.o da Carta […]. A presunção de inocência e o direito à defesa em processo penal são uma pedra angular dos direitos fundamentais reconhecidos na Carta no domínio do direito penal. Qualquer limitação desses direitos por uma medida de investigação ordenada nos termos da presente diretiva deverá obedecer aos requisitos estabelecidos no artigo 52.o da Carta no que diz respeito à necessidade, à proporcionalidade e aos objetivos dessa medida, em especial a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros».

( 42 ) Considerando 16: «[m]edidas de investigação não intrusivas podem ser, por exemplo, medidas que não infrinjam o direito à privacidade ou o direito à propriedade, consoante a lei nacional». A Nota conjunta da Eurojust e da Rede Judiciária Europeia sobre a aplicação prática da DEI salienta, no ponto 5.4, in fine, que «[a] maioria dos Estados‑Membros não dispõe de uma definição de “medidas de investigação não intrusivas” na sua legislação, considerando antes este termo como um conceito comum que está definido na linguagem jurídica do quotidiano e que compreende medidas que não afetam os direitos fundamentais e, frequentemente, não exigem uma decisão judicial» (11168/19, http://eurojust.europa.eu/doclibrary/Eurojust‑framework/Casework/Joint%20note%20of%20Eurojust%20and%20the%20EJN%20on%20the%20practical%20application%20of%20the%20European%20Investigation%20Order%20(June%202019)/2019‑06‑Joint_Note_EJ‑EJN_practical_application_EIO_PT.pdf.).

( 43 ) Transcrito na nota 41.

( 44 ) Considerando 19: «A criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça na União baseia‑se na confiança mútua e na presunção de que os outros Estados‑Membros cumprem o direito da União e, em particular, respeitam os direitos fundamentais».

( 45 ) O Governo alemão alega (n.os 61 e 62 das suas observações) que é esse o critério da sua legislação. Em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, precisou que, nesse processo, a intervenção do procurador de Hamburgo não foi precedida da decisão de um juiz, tendo em conta a natureza da medida solicitada.

( 46 ) «[…] [S]e houver motivos substanciais para supor que a execução de uma medida de investigação indicada na DEI se traduziria na violação de um direito fundamental da pessoa em causa, e que o Estado de execução ignoraria as suas obrigações relativamente à proteção dos direitos reconhecidos na Carta, a execução da DEI deverá ser recusada».

( 47 ) Transcrito na nota 38.

( 48 ) Este termo figura na epígrafe do capítulo III («Procedimentos e garantias no Estado de execução») da Diretiva 2014/41.

( 49 ) «As vias de recurso contra uma DEI deverão ser pelo menos idênticas às que existem em processos nacionais contra a medida de investigação em causa. Os Estados‑Membros garantem, de acordo com a lei nacional, a aplicabilidade destas vias de recurso, incluindo a informação em tempo útil a qualquer parte interessada sobre as possibilidades de interpor recurso […]».

( 50 ) O reenvio prejudicial que deu lugar ao Acórdão de 24 de outubro de 2019, Gavanozov (C‑324/17, EU:C:2019:892) dizia respeito, precisamente, às vias de recurso. No seu n.o 37, o Tribunal de Justiça limitou‑se a declarar que não é necessário que o formulário enviado contenha «uma descrição das vias de recurso eventualmente existentes no Estado‑Membro de emissão contra a emissão de uma decisão europeia de investigação». Por conseguinte, não chegou a abordar a questão de saber se «[…] o artigo 14.o desta diretiva […] se opõe a uma regulamentação nacional que não prevê nenhuma via de recurso que permita impugnar os fundamentos materiais subjacentes à emissão» de uma DEI. Nas suas conclusões desse processo (EU:C:2019:312), o advogado‑geral Y. Bot defendeu que aquele artigo, «na falta de qualquer possibilidade prevista pela regulamentação de um Estado‑Membro, tal como a regulamentação búlgara, de impugnar os fundamentos materiais de uma medida de investigação prevista por uma decisão europeia de investigação, se opõe a essa regulamentação e a que uma autoridade desse Estado‑Membro emita uma decisão europeia de investigação».

( 51 ) A função de juiz que autoriza a medida de investigação não equivale a uma validação, na aceção do que está previsto para as autoridades de emissão do artigo 2.o, alínea c), ii), da Diretiva 2014/41.

( 52 ) O ponto 4 do Memorando salienta que a resolução rápida dos processos penais é um elemento‑chave tanto para a eficácia como para a qualidade do sistema. Os atrasos indevidos devem ser evitados, uma vez que têm um impacto negativo na qualidade da prova. Além disso, qualquer arguido tem o direito de ser julgado num prazo razoável.

( 53 ) Considerando 21 da Diretiva 2014/41.

( 54 ) Resulta da Nota conjunta da Eurojust e da Rede Judiciária Europeia sobre a aplicação prática da DEI que, no panorama comparado, os Estados‑Membros designam, maioritariamente, o Ministério Público como autoridade de emissão.

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