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Document 32008F0913

Decisão-Quadro 2008/913/JAI do Conselho, de 28 de Novembro de 2008 , relativa à luta por via do direito penal contra certas formas e manifestações de racismo e xenofobia

JO L 328 de 6.12.2008, p. 55–58 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

Este documento foi publicado numa edição especial (HR)

Legal status of the document In force

ELI: http://data.europa.eu/eli/dec_framw/2008/913/oj

6.12.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

L 328/55


DECISÃO-QUADRO 2008/913/JAI DO CONSELHO

de 28 de Novembro de 2008

relativa à luta por via do direito penal contra certas formas e manifestações de racismo e xenofobia

O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado da União Europeia, nomeadamente os artigos 29.o e 31.o e a alínea b) do n.o 2 do artigo 34.o,

Tendo em conta a proposta da Comissão,

Tendo em conta o parecer do Parlamento Europeu (1),

Considerando o seguinte:

(1)

O racismo e a xenofobia constituem violações directas dos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios nos quais assenta a União Europeia e que são comuns aos Estados-Membros.

(2)

O Plano de Acção do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amesterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça (2), as Conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de Outubro de 1999, a Resolução do Parlamento Europeu de 20 de Setembro de 2000, sobre a posição da União Europeia na Conferência Mundial contra o Racismo e a situação actual na União (3) e a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre a actualização semestral do Painel de Avaliação dos progressos realizados na criação de um espaço de «liberdade, segurança e justiça» na União Europeia (segundo semestre de 2000) requerem uma acção neste domínio. No Programa da Haia de 4 e 5 de Novembro de 2004, o Conselho recorda o seu firme compromisso de oposição a todas as formas de racismo, anti-semitismo e xenofobia, tal como já expresso pelo Conselho Europeu em Dezembro de 2003.

(3)

A Acção Comum 96/443/JAI do Conselho, de 15 de Julho de 1996, relativa à acção contra o racismo e a xenofobia (4) deverá ser seguida de novas medidas legislativas que respondam à necessidade de aproximar ainda mais as disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros e de eliminar os obstáculos a uma cooperação judiciária eficaz que provêm essencialmente da divergência entre as abordagens jurídicas dos Estados-Membros.

(4)

De acordo com a avaliação da Acção Comum 96/443/JAI e com os trabalhos efectuados noutras instâncias internacionais, tais como o Conselho da Europa, subsistem algumas dificuldades no que respeita à cooperação judiciária, sendo por conseguinte necessário continuar a aproximar as disposições de direito penal dos Estados-Membros de forma a assegurar a aplicação eficaz de uma legislação clara e completa para combater o racismo e a xenofobia.

(5)

O racismo e a xenofobia representam uma ameaça aos grupos de pessoas que são alvo de comportamentos dessa natureza. É necessário definir uma abordagem comum deste fenómeno em termos de direito penal na União Europeia para garantir que o mesmo comportamento constitua uma infracção em todos os Estados-Membros e para que sejam previstas sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas aplicáveis às pessoas singulares e colectivas que tenham cometido essas infracções ou que por elas sejam responsáveis.

(6)

Os Estados-Membros reconhecem que a luta contra o racismo e a xenofobia requer vários tipos de medidas num quadro circunstanciado e não pode limitar-se ao âmbito penal. A presente decisão-quadro circunscreve-se a lutar por via do direito penal contra formas particularmente graves de racismo e xenofobia. Uma vez que as tradições culturais e jurídicas dos Estados-Membros são até certo ponto diferentes, sobretudo neste domínio, não é actualmente possível a plena harmonização dos respectivos direitos penais.

(7)

Na presente decisão-quadro, «ascendência» deverá ser entendida como referindo-se primordialmente a pessoas ou grupos de pessoas que descendem de pessoas susceptíveis de serem identificadas por determinadas características (tais como a raça ou a cor), mesmo que não persistam necessariamente todas essas características. Apesar disso, devido à sua ascendência, essas pessoas ou grupos de pessoas podem ser sujeitas a ódios ou violências.

(8)

«Religião» deverá ser entendida como referindo-se, em sentido lato, a pessoas que são definidas por referência às suas convicções ou crenças religiosas.

(9)

«Ódio» deverá ser entendido como referindo-se ao ódio baseado na raça, cor da pele, religião, ascendência ou origem nacional ou étnica.

(10)

A presente decisão-quadro não impede os Estados-Membros de aprovarem disposições de direito interno que estendam as alíneas c) e d) do n.o 1 do artigo 1.o a crimes dirigidos contra um grupo de pessoas que seja definido por outros critérios que não a raça, cor, religião, ascendência ou origem nacional ou ética, tais como o estatuto social ou as convicções políticas.

(11)

Há que garantir que as investigações e as acções penais relativas a infracções que digam respeito a racismo e xenofobia não dependam de denúncia ou de apresentação de queixa por parte das vítimas, que são muitas vezes especialmente vulneráveis e mostram relutância em mover acções judiciais.

(12)

A aproximação dos direitos penais deverá servir para combater mais eficazmente as infracções de carácter racista e xenófobo, promovendo uma plena e efectiva cooperação judiciária entre os Estados-Membros. As dificuldades que possam existir neste domínio deverão ser tidas em conta pelo Conselho ao rever a presente decisão-quadro na perspectiva de analisar a necessidade de medidas adicionais neste domínio.

(13)

Atendendo a que o objectivo da presente decisão-quadro, a saber, assegurar que as infracções de carácter racista e xenófobo sejam punidas em todos os Estados-Membros com pelo menos um nível mínimo de sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados-Membros actuando individualmente, dada a necessidade de essas regras serem comuns e compatíveis, e uma vez que esse objectivo pode, pois, ser melhor alcançado ao nível da União Europeia, a União pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade referido no artigo 2.o do Tratado da União Europeia e consagrado no artigo 5.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado neste último artigo, a presente decisão-quadro não excede o necessário para atingir aquele objectivo.

(14)

A presente decisão-quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o do Tratado da União Europeia e pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, nomeadamente nos artigos 10.o e 11.o, e reflectidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em especial nos capítulos II e VI.

(15)

Considerações relacionadas com a liberdade de associação e a liberdade de expressão, em especial a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão noutros meios de comunicação social conduziram a que, em muitos Estados-Membros, se previssem no direito interno garantias processuais e normas específicas no tocante à determinação ou à limitação da responsabilidade.

(16)

A Acção Comum 96/443/JAI deverá ser revogada, uma vez que, com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, da Directiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (5) e da presente decisão-quadro, se tornará caduca,

APROVOU A PRESENTE DECISÃO-QUADRO:

Artigo 1.o

Infracções de carácter racista e xenófobo

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que os seguintes actos sejam puníveis como infracções penais quando cometidos com dolo:

a)

A incitação pública à violência ou ao ódio contra um grupo de pessoas ou os seus membros, definido por referência à raça, cor, religião, ascendência ou origem nacional ou étnica;

b)

A prática de algum dos actos a que se refere a alínea a) pela difusão ou distribuição públicas descritos, imagens ou outros suportes;

c)

A apologia, negação ou banalização grosseira públicas de crimes de genocídio, crimes contra a Humanidade e crimes de guerra definidos nos artigos 6.o, 7.o e 8.o do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, contra um grupo de pessoas ou seus membros, definido por referência à raça, cor, religião, ascendência ou origem nacional ou étnica, quando esses comportamentos forem de natureza a incitar à violência ou ódio contra esse grupo ou os seus membros;

d)

A apologia, negação ou banalização grosseira públicas dos crimes definidos no artigo 6.o do Estatuto do Tribunal Militar Internacional, anexo ao Acordo de Londres de 8 de Agosto de 1945, contra um grupo de pessoas ou seus membros, definido por referência à raça, cor, religião, ascendência ou origem nacional ou étnica, quando esses comportamentos forem de natureza a incitar à violência ou ódio contra esse grupo ou os seus membros.

2.   Para efeitos do n.o 1, os Estados-Membros podem optar por punir apenas os actos que forem praticados de modo susceptível de perturbar a ordem pública ou que forem ameaçadores, ofensivos ou insultuosos.

3.   Para efeitos do n.o 1, a referência à religião visa abranger, pelo menos, o comportamento que constitui um pretexto para praticar actos contra um grupo de pessoas ou os seus membros, definido por referência à raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica.

4.   Aquando da aprovação da presente decisão-quadro ou ulteriormente, qualquer Estado-Membro pode fazer uma declaração no sentido de só tornar punível o acto de negação ou banalização grosseira dos crimes referidos nas alíneas c) e/ou d) do n.o 1 se esses crimes tiverem sido estabelecidos por uma decisão transitada em julgado de um tribunal nacional desse Estado-Membro e/ou de um tribunal internacional, ou apenas por uma decisão transitada em julgado de um tribunal internacional.

Artigo 2.o

Instigação e cumplicidade

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que seja punível a instigação à prática dos actos referidos nas alíneas c) e d) do n.o 1 do artigo 1.o

2.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que seja punível a cumplicidade com a prática dos actos referidos no artigo 1.o

Artigo 3.o

Sanções penais

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que os actos referidos nos artigos 1.o e 2.o sejam puníveis com sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas.

2.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que os actos referidos no artigo 1.o sejam puníveis com pena com duração máxima de, pelo menos, um a três anos de prisão.

Artigo 4.o

Motivação racista e xenófoba

Para outras infracções que não sejam as referidas nos artigos 1.o e 2.o, os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que a motivação racista e xenófoba seja considerada circunstância agravante ou, em alternativa, possa ser tida em conta pelos tribunais na determinação das sanções.

Artigo 5.o

Responsabilidade das pessoas colectivas

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as pessoas colectivas possam ser consideradas responsáveis pelos actos referidos nos artigos 1.o e 2.o, praticados em seu benefício por qualquer pessoa, agindo individualmente ou enquanto membro de um órgão da pessoa colectiva, que nela ocupe uma posição dominante, baseada:

a)

Nos seus poderes de representação da pessoa colectiva;

b)

No seu poder para tomar decisões em nome da pessoa colectiva; ou

c)

Na sua autoridade para exercer controlo no âmbito da pessoa colectiva.

2.   Para além dos casos previstos no n.o 1 do presente artigo, os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que uma pessoa colectiva possa ser considerada responsável caso a falta de vigilância ou de controlo por parte de uma pessoa referida no n.o 1 do presente artigo tenha tornado possível a prática, por uma pessoa que lhe esteja subordinada, dos actos referidos nos artigos 1.o e 2.o, em benefício dessa pessoa colectiva.

3.   A responsabilidade de uma pessoa colectiva, nos termos dos n.os 1 e 2 do presente artigo, não exclui a instauração de acção penal contra as pessoas singulares que sejam autoras ou cúmplices dos actos referidos nos artigos 1.o e 2.o

4.   Entende-se por «pessoa colectiva» qualquer entidade que goze desse estatuto por força da legislação nacional aplicável, com excepção dos Estados ou de outros organismos públicos no exercício da autoridade do Estado e das organizações internacionais de direito público.

Artigo 6.o

Sanções aplicáveis às pessoas colectivas

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que uma pessoa colectiva considerada responsável nos termos do n.o 1 do artigo 5.o seja punível com sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas, nomeadamente multas ou coimas e eventualmente outras sanções, designadamente:

a)

Exclusão do benefício de vantagens ou auxílios públicos;

b)

Interdição temporária ou permanente de exercer actividade comercial;

c)

Colocação sob vigilância judicial;

d)

Dissolução por via judicial.

2.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que uma pessoa colectiva considerada responsável nos termos do n.o 2 do artigo 5.o seja punível com sanções ou medidas efectivas, proporcionadas e dissuasivas.

Artigo 7.o

Normas constitucionais e princípios fundamentais

1.   A presente decisão-quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito pelos direitos fundamentais e pelos princípios jurídicos fundamentais, incluindo a liberdade de expressão e de associação, consagrados no artigo 6.o do Tratado da União Europeia.

2.   A presente decisão-quadro não tem por efeito impor aos Estados-Membros a obrigação de tomarem medidas contrárias aos princípios fundamentais em matéria de liberdade de associação e de liberdade de expressão, em especial a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão noutros meios de comunicação social, que resultem das tradições constitucionais ou das normas que regem os direitos e as responsabilidades da imprensa e de outros meios de comunicação social, e as respectivas garantias processuais, caso essas normas se prendam com a determinação ou a limitação da responsabilidade.

Artigo 8.o

Abertura de investigações ou instauração de acções penais

Cada Estado-Membro deve tomar as medidas necessárias para assegurar que as investigações ou as acções penais relativas aos actos referidos nos artigos 1.o e 2.o não dependam de denúncia ou de apresentação de queixa de uma vítima desse acto, pelo menos nos casos mais graves em que o acto em causa tenha sido praticado no território.

Artigo 9.o

Competência

1.   Cada Estado-Membro deve tomar as medidas necessárias para determinar a sua competência relativamente aos actos referidos nos artigos 1.o e 2.o, caso o acto em causa tenha sido praticado:

a)

Na totalidade ou em parte, no seu território; ou

b)

Por um dos seus nacionais; ou

c)

Em benefício de uma pessoa colectiva cuja sede se situe no território desse Estado-Membro.

2.   Ao determinar a sua competência nos termos da alínea a) do n.o 1, cada Estado-Membro deve tomar as medidas necessárias para assegurar que essa competência seja extensiva aos casos em que o acto for praticado por meio de um sistema informático e em que:

a)

O acto for praticado estando o seu autor fisicamente presente no seu território, quer o acto envolva ou não material armazenado num sistema informático situado no seu território;

b)

O acto envolver material armazenado num sistema informático situado no seu território, quer o seu autor se encontre ou não fisicamente presente no seu território quando pratica o acto.

3.   Os Estados-Membros podem decidir não aplicar, ou aplicar apenas em circunstâncias ou casos específicos, a regra de competência enunciada nas alíneas b) e c) do n.o 1.

Artigo 10.o

Aplicação e revisão

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para dar cumprimento às disposições da presente decisão-quadro até 28 de Novembro de 2010.

2.   Os Estados-Membros devem transmitir ao Secretariado-Geral do Conselho e à Comissão, até à mesma data, o texto das disposições que transpõem para o respectivo direito interno as obrigações que lhes incumbem por força da presente decisão-quadro. Com base num relatório elaborado pelo Conselho a partir destas informações e num relatório escrito da Comissão, o Conselho verifica, até 28 de Novembro de 2013, em que medida os Estados-Membros deram cumprimento às disposições da presente decisão-quadro.

3.   Antes de 28 de Novembro de 2013, o Conselho deve rever a presente decisão-quadro. Para preparar esta revisão, o Conselho deve solicitar aos Estados-Membros que comuniquem eventuais dificuldades havidas ao nível da cooperação judiciária no que respeita aos actos referidos no n.o 1 do artigo 1.o. Além disso, o Conselho pode solicitar à Eurojust que lhe apresente um relatório sobre quaisquer problemas de cooperação judiciária entre os Estados-Membros neste domínio resultantes de diferenças entre as legislações nacionais.

Artigo 11.o

Revogação da Acção Comum 96/443/JAI

É revogada a Acção Comum 96/443/JAI.

Artigo 12.o

Aplicação territorial

A presente decisão-quadro é aplicável a Gibraltar.

Artigo 13.o

Entrada em vigor

A presente decisão-quadro entra em vigor na data da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

Feito em Bruxelas, em 28 de Novembro de 2008.

Pelo Conselho,

A Presidente

M. ALLIOT-MARIE


(1)  Parecer emitido em 29 de Novembro de 2007 (ainda não publicado no Jornal Oficial).

(2)  JO C 19 de 23.1.1999, p. 1.

(3)  JO C 146 de 17.5.2001, p. 110.

(4)  JO L 185 de 24.7.1996, p. 5.

(5)  JO L 180 de 19.7.2000, p. 22.


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