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Documento 62023CJ0506
Judgment of the Court (Eighth Chamber) of 5 December 2024.#Network One Distribution SRL v Agenţia Naţională de Administrare Fiscală - Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Bucureşti and Others.#Request for a preliminary ruling from the Curtea de Apel Bucureşti.#Reference for a preliminary ruling – Customs union – Incurrence and recovery of a customs debt – Regulation (EU) No 952/2013 – Recovery of anti-dumping duties relating to imports from China – Charging of interest on arrears under Regulation No 952/2013 – National legislation providing for the imposition of a late payment penalty in addition to interest on arrears.#Case C-506/23.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 5 de dezembro de 2024.
Network One Distribution SRL contra Agenţia Naţională de Administrare Fiscală - Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Bucureşti e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Bucureşti.
Reenvio prejudicial — União aduaneira — Constituição e cobrança da dívida aduaneira — Regulamento (UE) n.° 952/2013 — Cobrança dos direitos anti‑dumping relativos a importações provenientes da China — Cobrança de juros de mora nos termos do Regulamento n.° 952/2013 — Regulamentação nacional que prevê a aplicação de uma penalidade de mora para além dos juros de mora.
Processo C-506/23.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 5 de dezembro de 2024.
Network One Distribution SRL contra Agenţia Naţională de Administrare Fiscală - Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Bucureşti e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Bucureşti.
Reenvio prejudicial — União aduaneira — Constituição e cobrança da dívida aduaneira — Regulamento (UE) n.° 952/2013 — Cobrança dos direitos anti‑dumping relativos a importações provenientes da China — Cobrança de juros de mora nos termos do Regulamento n.° 952/2013 — Regulamentação nacional que prevê a aplicação de uma penalidade de mora para além dos juros de mora.
Processo C-506/23.
Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2024:1003
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)
5 de dezembro de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — União aduaneira — Constituição e cobrança da dívida aduaneira —Regulamento (UE) n.o 952/2013 — Cobrança dos direitos antidumping relativos a importações provenientes da China —Cobrança de juros de mora ao abrigo do Regulamento n.o 952/2013 —Regulamentação nacional que prevê a aplicação de sanções por mora além dos juros de mora»
No processo C‑506/23,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Bucureşti (tribunal de recurso de Bucareste, Roménia), por Decisão de 16 de dezembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de agosto de 2023, no processo
Network One Distribution SRL
contra
Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Bucureşti,
Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală de Administrare a Marilor Contribuabili,
Autoritatea Vamală Română — Direcardisia Regională Vamală Bucurela ti,
Ministerul Finanţelor — Direcţia Generală de Soluţionare a Contestaţiilor,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),
composto por: N. Jääskinen (relator), presidente da Nona Secção, exercendo funções de presidente da Oitava Secção, D. Gratsias e M. Gavalec, juízes,
advogado‑geral: T. Ćapeta,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
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em representação do Governo Romeno, por E. Gane, R. I. Haţieganu e A. Wellman, na qualidade de agentes, |
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– |
em representação da Comissão Europeia, por F. Moro, M. Salyková e E. A. Stamate, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
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1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 114.o do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1; a seguir «Código Aduaneiro»). |
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2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Network One Distribution SRL (a seguir «Network One»), uma sociedade comercial sujeita a imposto sobre o valor acrescentado (IVA) na Roménia, à Agenția Națională de Administrare Fiscală — Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice București (Agência Nacional da Administração Tributária — Direção‑Geral Regional das Finanças Públicas de Bucareste, Roménia), à Agenția Națională de Administrare Fiscală — Direcția Generală de Administrare a Marilor Contribuabili (Agência Nacional da Administração Tributária — Direção‑Geral da Administração dos Grandes Contribuintes, Roménia), à Autoritatea Vamală Română — Direcția Regională Vamală București (Autoridade Aduaneira romena — Direção Regional das Alfândegas de Bucareste, Roménia) e ao Ministerul Finanțelor — Direcția Generală de Soluționare a Contestațiilor (Ministério das Finanças — Direção‑Geral do Tratamento das Reclamações, Roménia) a respeito da liquidação à Network One do pagamento de juros de mora e de sanções por mora, por não ter pagado um direito antidumping no prazo fixado. |
Quadro jurídico
Direito da União
Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95
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3 |
O título II do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO 1995, L 312, p. 1), sob a epígrafe «Medidas e sanções administrativas», inclui o seu artigo 4.o, que dispõe: «1. Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida:
[…] 2. A aplicação das medidas referidas no n.o 1 limita‑se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa. […] 4. As medidas previstas no presente artigo não são consideradas sanções.» |
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4 |
O artigo 5.o do mesmo regulamento dispõe: «1. As irregularidades intencionais ou causadas por negligência podem determinar as seguintes sanções administrativas: […]
[…]
2. Sem prejuízo das disposições previstas nas regulamentações setoriais vigentes aquando da entrada em vigor do presente regulamento, as restantes irregularidades apenas podem dar lugar às sanções não equiparáveis a uma sanção penal previstas no n.o 1, desde que essas sanções sejam indispensáveis para a aplicação correta da regulamentação.» |
Regulamento (UE) n.o 502/2013.
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5 |
O artigo 1.o do Regulamento (UE) n.o 502/2013 do Conselho, de 29 de maio de 2013, que altera o Regulamento de Execução (UE) n.o 990/2011 do Conselho que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de bicicletas originárias da República Popular da China, na sequência de um reexame intercalar em conformidade com o artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1225/2009 (JO 2013, L 153, p. 17), dispunha, nos seus n.os 1 e 4: «1. É instituído um direito antidumping definitivo sobre as importações de bicicletas e outros ciclos (incluindo os triciclos, mas excluindo os monociclos), sem motor, classificados nos códigos NC 87120030 e ex87120070 (códigos TARIC 8712007091 e 8712007099), originários da República Popular da China. […] 4. Salvo especificação em contrário, são aplicáveis as disposições em vigor em matéria de direitos aduaneiros». |
Código Aduaneiro
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6 |
O artigo 42.o do código aduaneiro, sob a epígrafe «Aplicação de sanções», dispõe, nos seus n.os 1 e 2: «1. Cada Estado‑Membro determina as sanções aplicáveis em caso de incumprimento da legislação aduaneira. Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. 2. Caso sejam aplicadas, as sanções administrativas podem assumir, nomeadamente, uma das seguintes formas ou ambas:
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7 |
O artigo 114.o desse código, sob a epígrafe «Juros de mora», prevê, nos seus n.os 1 e 2: «1. São cobrados juros de mora sobre o montante dos direitos de importação ou de exportação entre a data de termo do prazo fixado e a data do pagamento. Relativamente aos Estados‑Membros cuja moeda seja o euro, a taxa de juros de mora corresponde à taxa de juros publicada no Jornal Oficial da União Europeia, série C, aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, no primeiro dia do mês em que o pagamento é devido, acrescida de dois pontos percentuais. Se se tratar de um Estado‑Membro cuja moeda não é o euro, a taxa de juros de mora corresponde à taxa aplicada no primeiro dia do mês em causa pelo banco central nacional para as suas principais operações de refinanciamento, acrescida de dois pontos percentuais, ou, no caso de um Estado‑Membro para o qual não está disponível a taxa do banco central nacional, a taxa mais equivalente aplicada no primeiro dia do mês em causa no mercado monetário do Estado‑Membro, acrescida de dois pontos percentuais. 2. Caso a dívida aduaneira tenha sido constituída com base nos artigos 79.o ou 82.o, ou caso a notificação da dívida aduaneira resulte de um controlo após a autorização de saída, são cobrados juros de mora sobre o montante dos direitos de importação ou de exportação, entre a data de constituição da dívida aduaneira e a data da respetiva notificação. A taxa dos juros de mora é fixada nos termos do n.o 1.» |
Direito romeno
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8 |
O artigo 1.o da legea nr. 207/2015 privind Codul de procedură fiscală (Lei n.o 207/2015 que aprova o Código de Processo Tributário), de 20 de julho de 2015(Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 547 de 23 de julho de 2015) (a seguir «Código de Processo Tributário»), dispõe, nos seus n.os 20 e 33: «20. Juros — Dívida tributária acessória que representa o equivalente ao prejuízo causado pelo devedor ao titular de um crédito principal por falta de pagamento da dívida tributária principal no vencimento. […] 33. Sanção por mora — dívida tributária acessória que representa a sanção ao devedor pela falta de pagamento da dívida tributária principal no vencimento.» |
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9 |
O artigo 173.o, n.o 1, desse código dispõe: «São devidos juros e sanções por mora após a data de vencimento da dívida tributária principal do devedor.» |
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10 |
O artigo 174.o, n.os 1 e 5, do referido código dispõe: «1. Os juros são calculados por cada dia de atraso, a contar do dia imediatamente a seguir à data de vencimento e até à data do pagamento do montante devido, inclusive. […] 5. A taxa de juro é de 0,02 % por cada dia de atraso». |
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11 |
O artigo 176.o do mesmo código dispõe, nos seus n.os 1 a 3: «1. As sanções por atraso no pagamento são calculadas por cada dia de atraso, a contar do dia imediatamente a seguir à data de vencimento e até à data do pagamento do montante devido, inclusive. São aplicáveis, mutatis mutandis, as disposições do artigo 174.o, n.os 2 a 4, e do artigo 175.o 2. A taxa das sanções por atraso no pagamento é de 0,01 % por cada dia de atraso. 3. A sanção por mora no pagamento não extingue a obrigação de pagamento dos juros». |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
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12 |
Entre 18 de março de 2016 e 28 de setembro de 2017, a Network One importou para a Roménia bicicletas tradicionais, bicicletas elétricas e peças sobressalentes, pelas quais efetuou diversas declarações de introdução em livre prática junto das autoridades aduaneiras romenas no período compreendido entre 30 de março de 2016 e 28 de setembro de 2017. Essas declarações indicavam que a Tailândia era o país de origem das mercadorias importadas. |
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13 |
Na sequência de uma inspeção aduaneira sobre a origem real dessas mercadorias, efetuado em 30 de julho de 2018, a Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice București — Direcția Regională Vamală București (Direção‑Geral Regional das Finanças Públicas de Bucareste — Direção Regional das Alfândegas de Bucareste) concluiu que as referidas mercadorias eram originárias da China e não da Tailândia. |
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14 |
Em 25 de setembro de 2019, essa autoridade lavrou um auto de inspeção e uma decisão de regularização da situação (a seguir «decisão de regularização»), dos quais resulta que foi aplicado um direito antidumping à Network One nos termos do Regulamento n.o 502/2013, no montante de 1739090 leus romenos (RON) (cerca de 366896 euros). Além disso, a referida autoridade declarou que a Network One era devedora de uma dívida tributária acessória constituída, por um lado, por juros de mora relativos ao direito antidumping no montante total de 183209 RON (cerca de 38652 euros), nos termos do artigo 114.o do Código Aduaneiro, e, por outro, por sanções por mora no montante total de 158312 RON (cerca de 33399 euros), nos termos do artigo 176.o do Código de Processo Tributário. |
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15 |
Em 7 de outubro de 2019, a Network One pagou os montantes correspondentes ao direito antidumping previsto no Regulamento n.o 502/2013 e às sanções. |
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16 |
Posteriormente, essa sociedade apresentou uma reclamação contra o referido auto de inspeção e a decisão de regularização, que foi indeferida por Decisão Administrativa de 25 de junho de 2020 da Direcția Generală de Administrare a Marilor Contribuabili — Serviciul soluționare contestații (Direção‑Geral da Administração dos Grandes Contribuintes — Serviço de Tratamento das Reclamações, Roménia). |
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17 |
Em 7 de dezembro de 2020, a Network One interpôs recurso dessa decisão e da decisão de regularização no Tribunalul București (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia). A esse respeito, essa sociedade sustentou, nomeadamente, que o artigo 114.o do Código Aduaneiro tinha fundido os juros e as sanções numa taxa única e contestou a aplicação adicional das sanções previstas no Código de Processo Tributário, uma vez que, em seu entender, essas sanções estavam relacionadas com a mesma dívida fiscal principal. A este respeito, a Network One alegou que essa prática violava o referido artigo 114.o do código aduaneiro, na medida em que levava a aumentar injustificadamente as sanções aplicadas. Foi negado provimento a esse recurso por Sentença de 6 de abril de 2021. |
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18 |
A Network One interpôs recurso dessa sentença para a Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), que é o órgão jurisdicional de reenvio. |
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19 |
Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se o artigo 114.o do código aduaneiro permite a uma autoridade aduaneira nacional aplicar a um devedor que não pagou uma dívida aduaneira no prazo fixado o pagamento, além dos juros de mora, de sanções por mora previstas no direito nacional. |
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20 |
A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere, em primeiro lugar, que o Código de Processo Tributário, que se aplica em complemento do Código Aduaneiro, permite aplicar ao contribuinte que não pagou uma dívida fiscal no prazo previsto juros de mora e sanções por mora cujos objetivos respetivos são diferentes. Com efeito, enquanto esses juros asseguram a reparação do prejuízo causado ao Orçamento do Estado por um devedor que não pagou a dívida fiscal na data do vencimento, as referidas sanções constituem, em contrapartida, uma sanção aplicada a esse devedor. Tais objetivos distintos tornam possível, como no caso presente, a aplicação cumulativa de juros de mora e de uma sanção por mora. |
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21 |
Em segundo lugar, esse tribunal lembra que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma regulamentação da União não prevê sanções específicas em caso de violação das suas disposições ou remete, nesse ponto, para as disposições nacionais, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União. |
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22 |
Ora, embora o Regulamento n.o 502/2013 não preveja nenhuma sanção em caso de violação das suas disposições, dispõe, no seu artigo 1.o, n.o 4, que, em princípio, as disposições em matéria de direitos aduaneiros são aplicáveis, o que teria permitido, no caso, a aplicação do artigo 114.o do código aduaneiro. Aliás, foi precisamente ao abrigo deste artigo que as autoridades aduaneiras impuseram «sanções por mora» além do direito antidumping a contar da data de constituição da dívida aduaneira e até à data da sua notificação. |
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23 |
Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as suas dúvidas quanto à possibilidade de aplicar cumulativamente, por força do artigo 114.o do código aduaneiro, juros de mora e sanções por mora, quando uma dívida aduaneira não é paga no prazo fixado, não são dissipadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1), que foi revogado e substituído pelo código aduaneiro. |
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24 |
Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «O direito da União Europeia e, em especial, o artigo 114.o do [código aduaneiro], devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática administrativa segundo a qual, em circunstâncias como as do processo principal, relativamente ao montante de um direito antidumping, para além da sanção imposta a um sujeito passivo por atraso no pagamento prevista no artigo 114.o deste [código], é também imposta uma sanção por atraso no pagamento distinta prevista separadamente na legislação nacional [Código de Processo Tributário] [?]» |
Quanto à questão prejudicial
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25 |
Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 114.o do código aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática administrativa nacional por força da qual pode ser aplicada uma sanção por mora, prevista na lei nacional, além dos juros de mora previstos nesse artigo. |
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26 |
Refira‑se, em primeiro lugar, que o órgão jurisdicional de reenvio se refere, na redação da sua questão prejudicial, a uma «sanção por mora» prevista no artigo 114.o do código aduaneiro e não a «juros de mora». No entanto, apesar de a versão em língua romena desse artigo mencionar várias vezes a expressão «sanção por mora» («penalitățile de întârziere») resulta expressamente da sua epígrafe («Dobânda la arierate») que a medida que prevê é a cobrança de um «juro de mora» e não a aplicação de uma sanção. |
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27 |
A esse respeito, segundo jurisprudência constante, a formulação utilizada em certas versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição nem ter caráter prioritário face às outras versões linguísticas. Com efeito, a necessidade de uma aplicação e, por conseguinte, de uma interpretação uniformes de um ato da União exclui que este seja considerado isoladamente numa das suas versões, antes exige que a disposição em causa seja interpretada em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento, nomeadamente à luz das versões em todas as línguas [Acórdão de 21 de março de 2024, CBR (Hemianopsie),C‑703/22, EU:C:2024:261, n.o 34 e jurisprudência referida]. |
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28 |
Ora, por um lado, no que respeita à sistemática geral e à finalidade do código aduaneiro, há que observar que este não tem por objeto prever sanções ou penalidades em caso de infração à legislação aduaneira. Com efeito, resulta do artigo 42.o, n.o 1, desse código que é aos Estados‑Membros que compete prever essas sanções. |
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29 |
Por outro lado e de qualquer modo, em numerosas versões linguísticas, o artigo 114.o do código aduaneiro refere‑se ao conceito de «juros de mora» e não ao de «sanção por mora», como, nomeadamente, nas versões desse artigo em língua espanhola («Intereses de demora»), alemã («Verzugszinsen»), inglesa («Interests on arrears»), francesa («Intérêts de retard»), italiana («Interesse di mora»), neerlandesa («Vertragingsrente»), polaca («Odsetki za zwłoke»), portuguesa («Juros de mora»), finlandesa («Viivästyskorko») ou sueca («Dröjsmålsränta»). |
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30 |
Em face do exposto, não se pode inferir da menção da expressão «sanção por mora» na versão em língua romena do artigo 114.o do Código Aduaneiro que a medida prevista nesse artigo é a aplicação de uma sanção por mora, e não a cobrança de juros de mora. |
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31 |
Em segundo lugar, há que lembrar que o Tribunal de Justiça já considerou, a respeito do artigo 232.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2913/92, que estabelecia o Código Aduaneiro Comunitário, que foi revogado e substituído pelo código aduaneiro, que «[os] juros de mora visam obviar às consequências que decorrem da ultrapassagem do prazo de pagamento, designadamente, evitar que o devedor da dívida aduaneira […] tire indevidamente benefícios do facto de os montantes devidos a título desta dívida permanecerem na sua posse para além do prazo fixado para o pagamento da dívida» (Acórdão de 31 de março de 2011, Aurubis Balgaria,C‑546/09, EU:C:2011:199, n.o 29). |
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32 |
Assim, os juros de mora destinam‑se a atenuar as consequências que decorrem da ultrapassagem de um prazo de pagamento e a compensar as vantagens que o operador económico retira indevidamente do seu atraso no pagamento de uma dívida fiscal, e não a punir esse atraso. |
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33 |
Além disso, como foi recordado no n.o 28 do presente acórdão, o n.o 1 do artigo 42.o do código aduaneiro prevê, no essencial, que cabe aos Estados‑Membros sancionar as infrações à legislação aduaneira e que as sanções aplicadas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. O n.o 2 desse artigo especifica, aliás, que essas sanções podem, nomeadamente, como no caso presente, assumir a forma de coima aplicável pelas autoridades aduaneiras. |
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34 |
A este respeito, há que lembrar que, na falta de harmonização da legislação da União no domínio das sanções aplicáveis em caso de incumprimento das condições previstas no regime instituído por essa legislação, os Estados‑Membros são competentes para escolher as sanções que se lhes afigurem adequadas. São obrigados, porém, a exercer essa competência no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade (Acórdão de 4 de março de 2020, Schenker, C‑655/18, EU:C:2020:157, n.o 42 e jurisprudência referida). |
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35 |
Em especial, o Tribunal de Justiça especificou que as medidas administrativas ou repressivas permitidas por uma legislação nacional não devem exceder o necessário à realização dos objetivos legitimamente prosseguidos por essa legislação e, além disso, não devem ser desproporcionadas em relação aos referidos objetivos (Acórdão de 4 de março de 2020, Schenker, C‑655/18, EU:C:2020:157, n.o 43 e jurisprudência referida). |
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36 |
Por outro lado, o artigo 4.o do Regulamento n.o 2988/95 enuncia, no essencial, que uma irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida e que essa retirada pode ser acrescida de juros que podem ser determinados de forma fixa. Especifica ainda que as medidas que prevê não são consideradas sanções. Em contrapartida, o artigo 5.o deste regulamento dispõe que as irregularidades intencionais ou causadas por negligência podem conduzir a sanções administrativas, a saber, nomeadamente, ao pagamento de um montante superior às quantias indevidamente recebidas ou elididas, acrescidas de juros, se for caso disso. |
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37 |
No caso, resulta da decisão de reenvio que as sanções por mora previstas no artigo 176.o do Código de Processo Tributário representam uma sanção pecuniária aplicada ao devedor que não pagou uma dívida fiscal na data de vencimento prevista. |
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38 |
Assim, em face do exposto, há que considerar que essa sanção prevista no direito nacional não é, por princípio, incompatível com o direito da União, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar quanto à proporcionalidade dessa sanção. |
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39 |
Em face de todos estes fundamentos, há que responder à questão submetida que o artigo 114.o do código aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma prática administrativa nacional por força da qual pode ser aplicada uma sanção por mora, prevista na lei nacional, além dos juros de mora previstos nesse artigo. |
Quanto às despesas
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40 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara: |
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O artigo 114.o do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União, |
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deve ser interpretado no sentido de que: |
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não se opõe a uma prática administrativa nacional por força da qual pode ser aplicada uma sanção por mora, prevista na lei nacional, além dos juros de mora previstos nesse artigo. |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: romeno.