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Document 52016AE1578

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso de bens e serviços de países terceiros ao mercado interno de contratos públicos da União Europeia e que estabelece os procedimentos de apoio às negociações sobre o acesso de bens e serviços da União Europeia aos mercados de contratos públicos dos países terceiros» [COM(2016) 34 final — 2012/0060 (COD)]

JO C 264 de 20.7.2016, p. 110–116 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

20.7.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 264/110


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso de bens e serviços de países terceiros ao mercado interno de contratos públicos da União Europeia e que estabelece os procedimentos de apoio às negociações sobre o acesso de bens e serviços da União Europeia aos mercados de contratos públicos dos países terceiros»

[COM(2016) 34 final — 2012/0060 (COD)]

(2016/C 264/15)

Relator:

Mário SOARES

Em 29 de janeiro de 2016 e em 4 de fevereiro de 2016, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu, respetivamente, decidiram nos termos dos artigos 207.o e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

«Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso de bens e serviços de países terceiros ao mercado interno de contratos públicos da União Europeia e que estabelece os procedimentos de apoio às negociações sobre o acesso de bens e serviços da União Europeia aos mercados de contratos públicos dos países terceiros»

[COM(2016) 34 final — 2012/0060 (COD)]

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 19 de abril de 2016.

Na 516.a reunião plenária de 27 e 28 de abril de 2016 (sessão de 27 de abril), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 223 votos a favor, três votos contra e sete abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

A UE procedeu a uma maior integração e liberalização dos contratos públicos europeus por ocasião da revisão do Acordo sobre Contratos Públicos (ACP), durante as negociações comerciais com países terceiros e no âmbito dos acordos comerciais que celebrou recentemente. Essas reformas resultaram numa maior abertura dos mercados de contratos públicos europeus às empresas dos países desenvolvidos e emergentes, os quais, por seu lado, não responderam a essa abertura com uma oferta equivalente, pelo que as empresas europeias continuam a enfrentar práticas restritivas e discriminatórias nos países terceiros. Esta abertura é ainda mais necessária tendo em conta que o mercado dos contratos públicos representa cerca de 20 % do PIB mundial e que, no atual contexto de crise, o investimento público em infraestruturas e os contratos de empreitada de obras públicas e fornecimentos nas economias desenvolvidas e emergentes constituem uma das alavancas essenciais do crescimento económico para os próximos anos.

1.2

Em vários pareceres, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) manifestou o seu apoio ao objetivo definido pela UE de uma maior abertura dos mercados de contratos públicos de todos os países à concorrência internacional, tendo salientado igualmente a necessidade de assegurar a simplificação das regras de contratação pública, especialmente para as PME, mas também no respeito dos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento. Além disso, solicitou várias vezes que as dimensões sociais e ambientais, o respeito dos direitos humanos fundamentais e a defesa do consumidor sejam devidamente reforçados na condução da política comercial europeia, em conformidade com o artigo 207.o do Tratado sobre o Funcionamento da UE, que apela a uma maior coerência com os princípios e objetivos da União.

1.3

O CESE compreende a preocupação da Comissão ao pretender garantir uma maior abertura dos mercados de contratos públicos às empresas da UE nos países terceiros e está ciente da alavanca que pode representar a proposta alterada de regulamento relativo ao acesso de bens e serviços de países terceiros ao mercado interno de contratos públicos da União Europeia, objeto do presente parecer.

1.4

O CESE considera que a proposta de regulamento pode constituir um primeiro passo para garantir uma maior abertura dos contratos públicos, nomeadamente nas negociações em curso no âmbito da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) entre a UE e os EUA, bem como no âmbito das negociações de um acordo comercial com o Japão ou nas negociações para a adesão da China ao ACP da Organização Mundial de Comércio (OMC), uma vez que os mercados de contratos públicos destes países são menos abertos do que os da União Europeia, mas também nas relações com países não signatários do ACP, como a Rússia, o Brasil ou a Argentina.

1.5

No entanto, o Comité está consciente das profundas divergências existentes no Conselho e no Parlamento Europeu relativamente à relevância e à eficácia da proposta de regulamento.

1.6

O Comité insiste na necessidade absoluta de garantir que a concorrência com as empresas dos países terceiros no âmbito da contratação pública seja livre e não falseada. No entanto, duvida que a atual proposta de regulamento possa alcançar o objetivo de abertura equilibrada dos mercados de contratos públicos nos países terceiros. Considera, nomeadamente, que a nova proposta de regulamento não é suficientemente ambiciosa, uma vez que o seu âmbito de aplicação se limita a um simples ajustamento dos preços em contratos superiores a 5 milhões de euros, e assinala que apenas 7 % de todos os contratos públicos têm um valor superior a este montante. Além disso, considera que a penalidade, que pode atingir um máximo de 20 % do preço das propostas, não é suficiente e deve ser analisada caso a caso. O Comité propõe que se apliquem medidas de ajustamento dos preços a contratos com um valor estimado igual ou superior a 2 500 000 euros.

1.7

O Comité interroga-se igualmente sobre se a proibição de os Estados-Membros aplicarem medidas restritivas que excedam as fixadas pelo regulamento não equivale a uma liberalização de facto e sem contrapartida dos contratos públicos abaixo do limiar de 5 milhões de euros para as empresas de países terceiros. Por conseguinte, o Comité salienta a necessidade urgente de uma abertura equilibrada e recíproca dos mercados de contratos públicos entre a UE e os países terceiros.

1.8

O Comité lamenta que a proposta de regulamento não contenha qualquer referência ao objetivo de desenvolvimento sustentável, tendo em conta que a Comissão inscreveu este objetivo como um elemento importante da sua Comunicação «Comércio para Todos» e que anunciou repetidamente que teria em consideração o desenvolvimento sustentável em todos os aspetos relevantes dos acordos de comércio livre (energia, matérias-primas e contratos públicos) (1).

1.9

O Comité lamenta a supressão dos artigos 85.o e 86.o da Diretiva 2014/25/UE pelo novo regulamento, visto que estas disposições são ambiciosas e mais adequadas ao objetivo de se ter em conta o desenvolvimento sustentável, uma vez que incluem uma dimensão social relativa às dificuldades das empresas europeias em obter contratos públicos em países terceiros devido ao incumprimento das disposições internacionais em matéria de direito do trabalho nesses países. O CESE considera, além disso, que seria útil analisar melhor uma possível integração de alguns dos seus elementos na atual proposta de regulamento.

1.10

O Comité entende, pois, que o regulamento deve adotar uma abordagem mais ambiciosa no que diz respeito à promoção dos objetivos de desenvolvimento sustentável, do respeito dos direitos fundamentais e da proteção do consumidor nos processos de adjudicação de contratos públicos em países terceiros. Segundo o Comité, o desrespeito dessas regras fundamentais pode ter um impacto negativo na competitividade das empresas europeias, pelo que considera que a definição de «medida ou prática restritiva» constante do artigo 2.o da proposta deve abranger o incumprimento destas regras. O Comité considera igualmente que o relatório que a Comissão deve apresentar, o mais tardar até 31 de dezembro de 2018 e, posteriormente, pelo menos de três em três anos (artigo 16.o da proposta), deve incidir não só sobre o acesso dos operadores económicos aos processos de adjudicação de contratos públicos em países terceiros, mas também sobre o cumprimento, nos processos de adjudicação nesses países, das normas sociais e ambientais, do respeito pelos direitos humanos fundamentais e da defesa do consumidor, aspetos que devem igualmente ser tidos em conta nos relatórios da Comissão sobre a aplicação do regulamento.

1.11

O CESE solicita que a atual proposta de regulamento reitere a exigência de as empresas dos países terceiros que participam nos processos de adjudicação de contratos públicos da UE respeitarem as disposições que visam promover o respeito do desenvolvimento sustentável e o reforço das dimensões sociais e ambientais, dos direitos humanos fundamentais, da defesa do consumidor e da integração ou reintegração social e profissional das pessoas com deficiência, previstas nas Diretivas 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE sobre contratos públicos. O respeito destes princípios é essencial para uma concorrência livre e sem distorções no mercado interno.

1.12

O CESE é inteiramente favorável a que o regulamento não seja aplicável aos países menos avançados e mais vulneráveis, nos termos do Regulamento SPG (2), mas lembra à Comissão que devem ser tomadas medidas adicionais com vista a promover a participação destes países no mercado de contratos públicos da UE.

1.13

O CESE concorda igualmente com a não aplicação do regulamento às PME europeias. No entanto, gostaria de recordar à Comissão que as PME precisam de assistência especial, tanto para aceder aos contratos públicos «transfronteiriços» na União Europeia como para aceder aos contratos públicos em países terceiros.

2.   Contexto

2.1

Tanto a Comissão Europeia como o Parlamento solicitaram um parecer ao CESE sobre a proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso de bens e serviços de países terceiros ao mercado interno de contratos públicos da União Europeia e que estabelece os procedimentos de apoio às negociações sobre o acesso de bens e serviços da União Europeia aos mercados de contratos públicos dos países terceiros.

2.2

Segundo estimativas globais, as despesas com os contratos públicos representam cerca de 20 % do PIB mundial. No atual contexto de crise, o investimento público em infraestruturas e os contratos de empreitada de obras públicas e fornecimentos nas economias desenvolvidas e emergentes constituem provavelmente um dos motores essenciais do crescimento económico nos próximos anos.

2.3

A UE tem vindo a assegurar progressivamente a integração dos seus mercados de contratos públicos, tendo procedido à sua abertura graças a uma maior liberalização dos contratos públicos europeus efetuada por ocasião da revisão do Acordo sobre Contratos Públicos (ACP) da OMC, que entrou em vigor em abril de 2014, bem como durante as negociações comerciais com os países terceiros [nomeadamente no âmbito dos acordos comerciais celebrados recentemente pela União Europeia (por exemplo, os acordos UE-Coreia do Sul, UE-América Central e UE-Colômbia/Peru, UE-Moldávia, UE-Geórgia e UE-Ucrânia)].

2.4

Contudo, as empresas europeias continuam a deparar-se com práticas restritivas e discriminatórias nos países terceiros, que se devem a vários fatores:

alguns dos outros signatários do ACP (assinado por 43 membros da OMC) não assumiram compromissos tão significativos como a UE. Assim, a UE abriu 80 % dos seus mercados de contratos públicos, enquanto os outros países desenvolvidos apenas abriram 20 %. A União abre os seus mercados de contratos públicos, que valem cerca de 352 mil milhões de euros, aos proponentes dos países signatários do Acordo sobre Contratos Públicos (ACP), ao passo que mais de 50 % do valor dos contratos públicos a nível mundial está fechado à concorrência, o que implica que a UE apenas exporta 10 mil milhões de euros e que perde, em termos de exportações, um valor estimado em 12 mil milhões de euros;

a China continua a negociar a sua adesão ao acordo, embora já se tivesse comprometido a integrar o acordo na altura da sua adesão à OMC, em 2001. A Rússia também se comprometeu a iniciar negociações de adesão ao acordo no prazo de quatro anos após a sua adesão à OMC, em 2012. Corre-se o risco de a integração da Rússia no ACP demorar ainda mais tempo do que a da China;

alguns intervenientes de peso, membros do G20 (Brasil, Índia, Argentina) não pretendem aderir ao ACP, e as negociações bilaterais com esses países não deverão estar concluídas em breve.

2.5

Note-se também que muitos parceiros comerciais da União Europeia mantêm preferências pelos seus produtores ou produtos nacionais, ou preferem as pequenas e médias empresas (veja-se, por exemplo, o «Buy American Act», nos Estados Unidos, a «Buy Chinese Policy», na China, as margens preferenciais impostas por lei no Brasil, as preferências nacionais a nível regional na Austrália), excluindo assim, na prática, a participação das empresas da UE nesses mercados de contratos públicos (3).

2.6

No que diz respeito aos mercados de contratos públicos abertos à concorrência nos países terceiros, as empresas europeias são muitas vezes impedidas de participar eficazmente nos concursos públicos devido a barreiras que vão «para além das fronteiras» (como regras de certificação e normalização diferentes, procedimentos de licenciamento, procedimentos não transparentes ou discriminatórios, etc.) e que são ainda mais complexas e colocam ainda mais problemas do ponto de vista técnico, na medida em que a sua identificação, análise e eliminação demoram mais tempo ou em que as normas e as práticas a elas relativas são restritivas. Este facto já foi referido num parecer anterior do CESE.

2.7

Neste contexto difícil devido à falta de alavancagem para obter uma abertura substancial dos contratos públicos nos países terceiros, a UE tenta há vários anos conceber um instrumento que preveja a possibilidade de introduzir restrições na ausência de reciprocidade ou em caso de medidas restritivas e discriminatórias impostas às empresas europeias pelos países terceiros.

2.8

Todavia, note-se que a UE dispôs e continua a dispor da possibilidade de restringir o acesso à contratação pública na União para as empresas dos países que não concedem o mesmo tratamento que as empresas desses países recebem da União Europeia em matéria de contratos públicos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais. No entanto, a UE nunca se serviu dessa possibilidade. Com efeito, a Diretiva 2004/17/CE (alterada pela Diretiva 2014/25/UE que entra em vigor em 18 de abril de 2016) previa a possibilidade de rejeitar as propostas que incluíssem mais de 50 % de produtos originários de um país terceiro com o qual a União não tenha celebrado compromissos internacionais (artigo 58.o), bem como a possibilidade de a Comissão (artigo 59.o) propor ao Conselho que decida suspender ou restringir, durante um período, o acesso à contratação pública na UE das empresas dos países que não concedam um tratamento idêntico ao que as empresas desses países recebem da União Europeia, ou dos países onde essas dificuldades estão relacionadas com o desrespeito das normas laborais internacionais. Estas disposições foram retomadas nos artigos 85.o e 86.o da Diretiva 2014/25/UE.

2.9

Por seu turno, a Diretiva geral sobre contratos públicos 2004/18/CE (alterada pela Diretiva 2014/24/UE) não contém tais disposições; assim, existiam e existem práticas diferentes conforme os vários países membros quanto aos proponentes estrangeiros ou às propostas que englobam bens e serviços provenientes de países terceiros. Em alguns países membros, havia igualdade de tratamento, ao passo que noutros, dependia da existência ou não de obrigações internacionais no âmbito do Acordo sobre Contratos Públicos da OMC ou de tratados bilaterais.

2.10

Para ultrapassar a questão da ausência destas disposições na Diretiva geral sobre contratos públicos e o facto de alguns países terceiros não quererem abrir os seus mercados de contratos públicos à concorrência internacional, embora desfrutem de um acesso relativamente fácil ao mercado europeu, a Comissão apresentou, em 2012, uma proposta de regulamento com vista a introduzir uma certa reciprocidade no acesso aos mercados de contratos públicos.

2.11

A primeira proposta da Comissão, de 2012, recordava antes de mais o princípio geral segundo o qual, no mercado interno da UE, os bens e serviços estrangeiros que beneficiam de compromissos da UE em matéria de acesso ao mercado são tratados da mesma forma que os bens e serviços da UE nos processos de adjudicação de contratos públicos; além disso, a Comissão estendeu esse tratamento aos bens e serviços provenientes dos países menos desenvolvidos.

Relativamente aos bens e serviços que não beneficiam de compromissos de acesso ao mercado, a proposta baseava-se em dois pilares:

O pilar descentralizado (artigo 6.o), que permitia à entidade adjudicante notificar a Comissão da sua intenção de rejeitar determinadas propostas em que o valor dos bens e serviços não abrangidos por compromissos internacionais ultrapassava 50 % do valor total dos bens e serviços da proposta. A Comissão podia dar o seu consentimento em caso de ausência substancial de reciprocidade entre a UE e os países de onde provêm os bens e serviços. Aprovaria também a exclusão nos casos em que os bens e serviços em causa fossem afetados por limitações de acesso ao mercado formuladas pela UE no quadro de um acordo internacional.

O mecanismo centralizado (artigos 8.o a 13.o), que permitia à Comissão lançar uma investigação, quer por sua própria iniciativa, quer a pedido de um Estado-Membro ou de uma parte interessada, a fim de verificar a existência de práticas restritivas na adjudicação de contratos públicos nos países terceiros. A Comissão podia chegar a acordo com o país em causa com vista a resolver o problema e a melhorar as condições de acesso das empresas da UE ao mercado desse país ou, se isso falhasse, impor medidas restritivas de natureza temporária, que podiam consistir, em princípio, na exclusão de determinadas propostas que incluíssem mais de 50 % de bens ou serviços originários do país terceiro em causa (encerramento do mercado europeu), ou na aplicação de uma penalidade pecuniária obrigatória aos bens e serviços propostos originários do país terceiro em causa. O inquérito da Comissão deveria estar concluído num prazo máximo de nove meses, podendo esse prazo ser prorrogado por três meses em casos devidamente justificados.

2.12

O Parlamento adotou o seu relatório em 2014 (4), onde manifestava uma certa oposição ao procedimento descentralizado. Na opinião do Parlamento, só a Comissão, e não os órgãos de poder local, podem decidir excluir uma proposta, uma vez que o comércio internacional é uma competência exclusiva da UE. Assim, propôs que o procedimento descentralizado fosse integrado no procedimento centralizado. Foram também levantados outros pontos de divergência, como, por exemplo, a ausência de reciprocidade no que diz respeito ao cumprimento das normas sociais e ambientais e das normas fundamentais da OIT, a não definição da substancial falta de reciprocidade, relativamente aos quais o Parlamento propõe uma presunção de falta de reciprocidade em caso de incumprimento das disposições internacionais em matéria de direito laboral. O Parlamento manifestou igualmente preocupação pelo facto de o regulamento não defender as normas ambientais e sociais europeias.

2.13

Por seu turno, a primeira leitura no Conselho não produziu nenhuma decisão. Cerca de quinze Estados-Membros não aprovavam inteiramente a proposta e formaram uma minoria de bloqueio. Entre eles, os mais importantes foram a Alemanha, o Reino Unido, os Países Baixos e a Suécia, bem como alguns países da Europa de Leste, que manifestaram o receio de que um instrumento deste tipo fosse visto como protecionista a nível mundial. Os países que apoiavam a proposta, liderados pela França, realizaram uma discussão técnica em 2014 e tinham esperança de que seria possível chegar a um consenso durante a Presidência italiana (segundo semestre de 2014). Infelizmente, não foi esse o caso, e a Comissão adotou uma proposta alterada em janeiro (5), na esperança de quebrar o impasse no Conselho.

3.   Observações na generalidade

3.1

A Comissão apresenta a nova proposta com vista a corrigir certas consequências negativas da anterior. Retira, na nova proposta, o procedimento descentralizado, que foi criticado por impor uma elevada carga administrativa e favorecer uma certa fragmentação do mercado interno. Elimina também a possibilidade de encerramento total do mercado europeu, mantendo a possibilidade de impor, após investigação da Comissão, penalidades pecuniárias de 20 % às ofertas contendo mais de 50 % de bens e serviços de países que apliquem práticas restritivas ou discriminatórias. Esta medida de ajustamento dos preços aplica-se exclusivamente aos contratos com um valor estimado igual ou superior a 5 milhões de euros, o que reduziria, na opinião da Comissão, o risco de represálias da parte dos países terceiros. A proposta prevê igualmente que a medida de ajustamento dos preços não seja aplicável às pequenas e médias empresas (PME) europeias nem aos proponentes e produtos originários dos países menos avançados e mais vulneráveis, conforme definidos no regulamento relativo ao Sistema de Preferências Generalizadas (SPG).

3.2

Em diversas ocasiões, o CESE manifestou o seu apoio ao objetivo da UE de uma maior abertura dos mercados de concursos públicos de todos os países à concorrência internacional, mas frisou também a necessidade de fazer prevalecer os princípios da simplificação das regras de contratação pública, da transparência, da não discriminação, da igualdade de tratamento, da responsabilidade social e ambiental e do respeito dos direitos fundamentais (6).

3.3

O CESE compreende a preocupação da Comissão ao pretender garantir uma maior abertura dos contratos públicos às empresas da UE nos países terceiros. O CESE concorda também com a ideia de que a proposta de regulamento pode ser um primeiro passo não só nas negociações sobre contratos públicos empreendidas no âmbito da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) entre a UE e os EUA, mas também no âmbito das negociações com o Japão e das negociações de adesão da China ao ACP, uma vez que os mercados de contratos públicos destes países são menos abertos do que os da União Europeia, mas também nas relações com países não signatários do ACP, como a Rússia, o Brasil ou a Argentina.

3.4

No entanto, o CESE duvida que, uma vez adotado, o regulamento proposto possa ajudar a alcançar o objetivo da abertura dos mercados de contratos públicos nos países terceiros. O Comité considera que a nova proposta de regulamento não é suficientemente ambiciosa, uma vez que o seu âmbito de aplicação é limitado; a sua incidência sobre a abertura dos mercados de contratos públicos nos países terceiros é muito incerta e corre o risco de ser igualmente muito limitada.

3.5

Na opinião da própria Comissão, apenas 7 % de todos os contratos públicos têm um valor superior a 5 milhões de euros, mas representam 61 % do valor dos contratos públicos da UE. No entanto, dado que o regulamento só será aplicável aos contratos não abrangidos por compromissos internacionais da UE, há que questionar que percentagem de contratos públicos será abrangida, sobretudo após uma eventual adesão da China ao ACP e uma eventual conclusão das negociações com os Estados Unidos e o Japão. O risco de se aplicar a um número muito limitado de contratos e a um número igualmente limitado de países pode reduzir fortemente o interesse do regulamento. O Comité propõe que se apliquem medidas de ajustamento dos preços a contratos com um valor estimado igual ou superior a 2 500 000 euros.

3.6

É também lamentável que a proposta de regulamento não faça qualquer referência ao desenvolvimento sustentável, assunto que a Comissão destaca, no entanto, na sua Comunicação «Comércio para Todos», quando afirma que irá «ter em conta as considerações em matéria de desenvolvimento sustentável em todos os domínios relevantes dos ACL (por exemplo, energia e matérias-primas ou contratos públicos)» (7). As dimensões sociais e ambientais, o respeito dos direitos humanos fundamentais e a defesa do consumidor têm de ser devidamente reforçados na condução da política comercial europeia, em conformidade com o artigo 207.o do Tratado sobre o Funcionamento da UE, que apela a uma maior coerência com os princípios e objetivos da União.

3.7

As novas Diretivas 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE sobre os contratos públicos e as concessões visam promover o respeito do desenvolvimento sustentável e o reforço das dimensões sociais e ambientais, dos direitos humanos fundamentais, da defesa do consumidor e da integração ou reintegração social e profissional das pessoas com deficiência. O respeito destes princípios é essencial para uma concorrência livre e sem distorções no mercado interno. O CESE considera útil que a proposta de regulamento em apreço lembre que as empresas de países terceiros participantes em concursos públicos na UE são obrigadas a respeitar estas disposições.

3.8

A Comissão fala, com efeito, de medidas ou práticas restritivas, mas não faz qualquer referência à dificuldade de obter contratos públicos em países terceiros devido ao facto de as empresas concorrentes não respeitarem as mesmas regras sociais e ambientais, nem os direitos humanos fundamentais e a defesa do consumidor. Segundo o Comité, o desrespeito dessas regras fundamentais pode ter um impacto negativo na competitividade das empresas europeias, pelo que considera que a definição de «medida ou prática restritiva» constante do artigo 2.o da proposta deve abranger o incumprimento destas regras. O Comité considera igualmente que o relatório que a Comissão deve apresentar, o mais tardar até 31 de dezembro de 2018 e, posteriormente, pelo menos de três em três anos (artigo 16.o da proposta), deve incidir não só sobre o acesso dos operadores económicos aos processos de adjudicação de contratos públicos em países terceiros, mas também sobre o cumprimento, nos processos de adjudicação nesses países, das normas sociais e ambientais, do respeito pelos direitos humanos fundamentais e da defesa do consumidor, aspetos que devem igualmente ser tidos em conta nos relatórios da Comissão sobre a aplicação do regulamento.

3.9

Dada a divisão registada no seio do Conselho que motivou o bloqueio deste dossiê, há razões para duvidar do êxito deste novo regulamento. Com efeito, a eliminação do pilar descentralizado poderá dar origem a um novo bloqueio devido, sobretudo, ao conjunto das outras alterações.

4.   Observações na especialidade

4.1

O CESE congratula-se com a clarificação introduzida pelo artigo 1.o, n.o 5, da proposta de regulamento, que estabelece que os países membros «não devem aplicar medidas restritivas no que respeita a operadores económicos, bens e serviços de países terceiros para além das previstas no presente regulamento», o que tem a vantagem de tornar mais uniforme a aplicação aos operadores estrangeiros das regras europeias sobre os contratos públicos. Todavia, o Comité interroga-se sobre se esta proibição não equivale a uma liberalização de facto e sem qualquer contrapartida dos mercados públicos europeus para as empresas de países terceiros abaixo do limiar de 5 milhões de euros. Com efeito, alguns Estados-Membros aplicam hoje em dia restrições no que respeita aos contratos públicos não abrangidos por obrigações internacionais, e o artigo 85.o da Diretiva 2014/25/UE relativa à adjudicação de contratos públicos nos setores da água, da energia e dos serviços postais prevê expressamente a possibilidade de rejeitar as propostas que incluam mais de 50 % de bens originários de um país terceiro com o qual a União não celebrou compromissos internacionais. Este artigo será suprimido pelo regulamento proposto.

4.2

O Comité é inteiramente favorável a que o regulamento não seja aplicável aos países menos avançados e mais vulneráveis, nos termos do regulamento SPG (artigo 4.o). Para que esta exclusão seja eficaz e possa beneficiar os países menos desenvolvidos e as suas empresas, insta a Comissão a incluir, no Export Helpdesk destinado aos países em desenvolvimento, explicações relativas aos contratos públicos na União Europeia e uma hiperligação para as publicações no Jornal Oficial (TED). Solicita ainda que a Comissão garanta a assistência técnica necessária às empresas dos países em desenvolvimento que pretendam obter informações sobre o funcionamento das regras de contratação pública na União Europeia.

4.3

O CESE concorda igualmente com a não aplicação do regulamento às PME europeias (artigo 5.o). No entanto, gostaria de recordar à Comissão que as PME precisam de assistência especial, tanto para aceder aos contratos públicos «transfronteiriços» na União Europeia como para aceder aos contratos públicos em países terceiros. Esta abordagem é compatível com a atenção especial que a comunicação da Comissão «Comércio para Todos» concede às PME. No capítulo da TTIP dedicado às PME e nos de futuros acordos comerciais que tenham capítulos desta natureza, dever-se-á definir um objetivo de melhoria do acesso das PME aos contratos públicos. O CESE já se pronunciou contra a fixação de quotas para as PME nos mercados de contratos públicos, segundo o modelo do Small Business Act nos Estados Unidos, mas apela a uma política proativa de acompanhamento da participação das PME, a fim de lhes permitir aceder a um maior número de contratos públicos (8). O CESE já referiu também a necessidade de melhorar a base de dados da Comissão sobre o acesso aos mercados (Market Access Data Base) por forma a que, por um lado, contenha informações fiáveis e acessíveis sobre os concursos públicos, as formalidades e as especificações técnicas do caderno de encargos que impedem, na prática, uma participação nos países terceiros, e, por outro, forneça bases estatísticas e indicadores de impacto dos fenómenos de distorção (9).

4.4

O CESE compreende a preocupação da Comissão no que respeita à ausência de um instrumento jurídico que permita garantir um acesso efetivo das empresas europeias à contratação pública nos países terceiros, pois o Regulamento (UE) n.o 654/2014 relativo ao exercício dos direitos da União tendo em vista a aplicação e o cumprimento das regras do comércio internacional não é aplicável se não houver um acordo internacional. Todavia, o procedimento de investigação previsto nos artigos 6.o a 8.o do regulamento parece particularmente lento e ineficaz. Em primeiro lugar, o Comité tem dúvidas quanto ao amplo poder de apreciação deixado à Comissão para decidir da oportunidade de realizar ou não uma investigação. Em segundo lugar, a duração da investigação, não foi reduzida na nova proposta, contrariamente ao que afirma a Comissão, e a duração total possível continua a ser de 12 meses, o que parece particularmente longo já que, em muitos casos, e sobretudo nos casos em que lança a investigação por sua própria iniciativa, a Comissão já dispõe de um certo número de elementos e, muitas vezes, já abordou o assunto no espaço de diálogo existente com os países terceiros. O Comité compreende também que a investigação seja suspensa durante eventuais negociações comerciais. No entanto, dada a duração das negociações comerciais e da implementação dos acordos negociados, considera desejável definir um período de suspensão, que não deve exceder dois anos.

4.5

O CESE considera que o facto de a investigação poder conduzir apenas a um ajustamento de preço de 20 % dos contratos de mais de 5 milhões de euros, disposição ainda por cima acompanhada de um grande número de exceções, é insuficiente e priva o regulamento da sua eficácia.

4.6

O Comité lamenta a supressão dos artigos 85.o e 86.o da Diretiva 2014/25/UE pelo novo regulamento, visto que estas disposições são ambiciosas e mais adequadas ao objetivo de se ter em conta o desenvolvimento sustentável, uma vez que integram uma dimensão social e ambiental. O CESE considera, além disso, que seria útil analisar melhor uma possível integração de alguns dos seus elementos na atual proposta de regulamento.

Bruxelas, 27 de abril de 2016.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Ver COM(2015) 497 final.

(2)  Regulamento (UE) n. o 978/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012 , relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas e que revoga o Regulamento (CE) n. o 732/2008 do Conselho (JO L 303 de 31.10.2012, p. 1).

(3)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Empresas públicas de países terceiros nos mercados dos contratos públicos da UE» (JO C 218 de 23.7.2011, p. 31).

(4)  P7_TA(2014)0027.

(5)  COM(2016) 34 final.

(6)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre os «Contratos públicos internacionais», adotado em 28 de maio de 2008, relator Henri Malosse (JO C 224 de 30.8.2008, p. 32); e parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Empresas públicas de países terceiros nos mercados dos contratos públicos da UE» (JO C 218 de 23.7.2011, p. 31).

(7)  Ver COM(2015) 497 final.

(8)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre os «Contratos públicos internacionais», adotado em 28 de maio de 2008, relator Henri Malosse (JO C 224 de 30.8.2008, p. 32).

(9)  Ver nota 3.


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