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Document 52012IE1416

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Erradicação da violência doméstica contra as mulheres»  (parecer de iniciativa)

JO C 351 de 15.11.2012, p. 21–26 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

15.11.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 351/21


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Erradicação da violência doméstica contra as mulheres» (parecer de iniciativa)

2012/C 351/05

Relator: Mário SOARES

Em 24 de maio de 2012, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema

Erradicação da violência doméstica contra as mulheres.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 3 de setembro de 2012.

Na 483.a reunião plenária de 18 e 19 de setembro de 2012 (sessão de 18 de setembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 138 votos a favor, 3 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Já em 2006 o CESE se pronunciou sobre a violência doméstica contra as mulheres (1), mostrando a preocupação da sociedade civil com a questão. As recomendações então expressas continuam válidas, pelo que o presente parecer não as repete.

1.2

O CESE, enquanto representante da sociedade civil organizada e consciente de que a problemática da violência de género, incluindo a violência doméstica, é uma questão que a todos interpela, reafirma o seu empenhamento no combate a este flagelo por todos os meios possíveis, encarando, entre outras, a possibilidade de organizar um debate bienal sobre esta problemática.

1.3

O CESE recomenda às instituições europeias e aos Estados-Membros da UE que:

1.3.1

Direitos humanos: abordem a violência de género no âmbito doméstico como uma questão de direitos humanos, o que permitirá encontrar uma resposta holística e multissetorial para o problema;

1.3.2

Paradigmas de segurança e de risco: adotem medidas para alterar os paradigmas de segurança e de risco, reforçando a convicção de que a violência contra as mulheres no espaço doméstico não é um problema individual, da esfera privada e isolado, mas uma questão de segurança e ordem públicas;

1.3.3

Prevenção: desenvolvam uma política de prevenção da violência doméstica através da criação de espaços multidisciplinares de apoio com recursos e pessoal especializado e de planos de ação interministeriais que envolvam homens adultos e jovens na eliminação da violência doméstica;

1.3.4

Políticas de proteção: garantam às mulheres vítimas da violência prioridade no acesso à habitação, a apoio económico, a formação, a um trabalho digno onde vigore o princípio «a trabalho igual salário igual»;

1.3.5

Homogeneização dos critérios estatísticos: prossigam a homogeneização dos critérios para o registo da violência de género, permitindo que os dados recolhidos sejam comparáveis;

1.3.6

Educação: garantam que a educação contribua para a transformação das mentalidades, o que exige, entre outros aspetos, a implementação de verdadeiros programas coeducativos, o fim da linguagem sexista nos manuais escolares e uma formação inicial e contínua dos professores que incorpore a problemática da violência de género, incluindo a doméstica;

1.3.7

Meios de comunicação: assegurem o efetivo cumprimento da Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual (2), de forma a eliminar a imagem negativa da mulher que transmitem os meios de comunicação e, em particular, a publicidade;

1.3.8

Saúde: fortaleçam a convicção de que a violência doméstica contra as mulheres é uma variável de risco em termos de saúde;

1.3.9

Corresponsabilização: reforcem e apoiem medidas que promovam a corresponsabilidade de homens e mulheres no cuidado dos filhos, dos parentes mais velhos ou de familiares com necessidades especiais;

1.3.10

Organizações da sociedade civil: apoiem as organizações que trabalham com mulheres vítimas de violência doméstica ou promovem ações de sensibilização/formação no combate à violência de género;

1.3.11

Ano europeu de luta contra a violência de género: consagrem um ano europeu à luta contra a violência de género;

1.3.12

Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica: o CESE insta a União Europeia e todos os Estados Membros a assinarem, ratificarem e implementarem esta Convenção adotada em 2011.

2.   Introdução

2.1

Toda a violência exercida contra qualquer indivíduo é um atentado à sua dignidade, à sua integridade física e psicológica, aos direitos humanos e aos princípios de uma sociedade democrática.

2.2

Sendo os Estados obrigados a respeitar, proteger e promover os direitos dos seus cidadãos, devem investir importantes recursos públicos em serviços e pessoal especializado, capazes de cumprir esta obrigação.

2.3

A violência pública é socialmente condenada e a sociedade apoia as ações que os Estados utilizam para reprimir e sancionar quem a pratique.

2.4

Mas existe outra violência, mais silenciada, que se exerce dentro das casas e que afeta de uma forma talvez mais brutal as suas vítimas: a violência doméstica.

Todos os membros de uma família podem ser vítimas ocasionais ou permanentes de diferentes tipos de violência, os quais podem conduzir à morte.

2.5

Se todos eles merecem atenção, preocupação e ação por parte das autoridades, a verdade é que o grupo mais sistematicamente afetado é o das mulheres – uma das principais causas da mortalidade feminina é a violência no âmbito doméstico. Daí que este parecer se centre na violência doméstica contra as mulheres.

2.6

A União Europeia define como violência contra a mulher “todo o ato de violência de género que produza, ou possa produzir, dano físico, sexual ou psicológico ou sofrimento para as mulheres, incluindo a ameaça de tais atos, a coação ou a privação arbitrária da liberdade, seja no espaço público seja na vida privada (3).

2.7

Apesar dos esforços realizados desde há várias décadas por autoridades públicas e vários setores da sociedade, organizados ou não, esta forma de violência continua a ser vista como um problema privado, quando, na verdade, é um problema público.

2.8

A violência doméstica é um crime que deve ser sancionado pela lei. O CESE reconhece o esforço realizado por diferentes países da União para sancionar com medidas mais duras todos aqueles que o cometem. No entanto, importa também identificar as causas profundas subjacentes ao fenómeno e as estratégias necessárias para o debelar, incluindo uma maior compreensão do fenómeno pelos homens.

2.9

Por outro lado, a crise económica está a afetar seriamente as políticas sociais em muitos países da UE. Serviços públicos básicos como a saúde, a educação e os serviços sociais estão a ser reduzidos quando as famílias, e particularmente as mulheres, mais deles necessitam. Encerram-se serviços de atendimento especial para mulheres, fecham-se centros de acolhimento de mulheres maltratadas, reduzem-se orçamentos de departamentos nacionais para a igualdade de género, eliminam-se projetos de prevenção, campanhas nos meios de comunicação, etc.

2.10

A persistência dos estereótipos de género e de uma sociedade patriarcal, a par das desigualdades económicas e da discriminação da mulher em áreas como o emprego, o salário, o acesso a outros recursos económicos e a falta de independência económica, reduzem a capacidade da mulher para agir e aumentam a sua vulnerabilidade à violência doméstica.

2.11

A atual crise económica e as políticas implementadas para supostamente a combater, bem como o processo de liberalização das economias e a privatização do setor público, não só reforçam a divisão sexual do trabalho, como aumentam as desigualdades, exacerbando as condições que geram violência.

2.12

A Organização Mundial de Saúde (OMS) (4) reconheceu os efeitos prejudiciais da globalização sobre as estruturas sociais. Uma globalização sem regras pode produzir formas agravadas de violência contra as mulheres, incluindo sob a forma de tráfico de seres humanos.

2.13

As mulheres pertencentes a grupos minoritários, as migrantes, as indigentes que residem em comunidades rurais ou remotas, as mulheres reclusas, as mulheres internadas em instituições, as mulheres com deficiências físicas e mentais e as mulheres idosas correm mais riscos de serem vítimas de violência.

2.14

Este parecer de iniciativa procurará fazer um balanço da violência doméstica contra as mulheres na Europa, fornecer uma visão de conjunto das medidas tomadas e suscitar uma tomada de consciência social mais aguda do problema.

2.15

O CESE, enquanto voz da sociedade civil organizada, está disponível para organizar em conjunto com organizações preocupadas com este tipo de violência um fórum de debate para discutir propostas para a sua erradicação e partilhar exemplos de boas práticas conducentes a medidas preventivas eficazes.

3.   A Convenção do Conselho da Europa – Um instrumento a ratificar e a cumprir

3.1

Em 2011, o Conselho da Europa adotou uma Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (5). Trata-se do primeiro instrumento internacional juridicamente vinculativo que cria um quadro jurídico global visando prevenir a violência, proteger as vítimas e condenar os agressores. É um alerta para uma maior igualdade entre mulheres e homens, porque a violência contra as mulheres está profundamente enraizada na desigualdade de género e perpetuada por uma cultura patriarcal e de alheamento desta realidade.

3.2

A referida convenção tem em conta todos os tipos de violência (física, psicológica, assédio sexual, casamento forçado, mutilação genital feminina, assédio, esterilização ou aborto forçados), independentemente da idade, origem étnica ou nacional, religião, origem social, situação migratória ou orientação sexual da vítima.

3.3

Até ao momento apenas um país ratificou (6) e 20 assinaram esta Convenção (7), alguns com reservas (Alemanha, Sérvia e Malta). O CESE exorta a União Europeia e todos os Estados-Membros da União a assinar, ratificar e implementar a Convenção de Istambul com a maior brevidade possível.

4.   Observações na generalidade

4.1

45 % das mulheres na UE dizem ter sofrido alguma vez violência de género. Entre 40 a 45 % referem ter sofrido assédio sexual no trabalho. Estima-se que na Europa morrem por dia 7 mulheres vítimas de violência de género (8).

4.2

Trata-se, além disso, de um fenómeno com um importante impacto económico: estima-se que a violência contra as mulheres nos 47 países membros do Conselho da Europa tem um custo anual de pelo menos 32 mil milhões de euros.

4.3

Num inquérito do Eurobarómetro de 2010, constatou-se que este fenómeno é largamente conhecido dos cidadãos (98 % dos entrevistados) e com grande incidência (um em cada quatro disse conhecer uma mulher vítima de violência doméstica e um em cada cinco disse conhecer um autor de violência doméstica).

4.4

Já em 1980, a II Conferência Mundial sobre a Condição Jurídica e Social da Mulher estabelecia que a violência contra as mulheres é o crime mais silenciado do mundo. Treze anos depois, a Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena reconheceu os direitos das mulheres como direitos humanos. Os Estados-Membros da União Europeia comprometeram-se a cumprir os objetivos fundamentais da Plataforma de Ação de Pequim de 1995.

4.5

Na declaração final da Segunda Cimeira Europeia das Mulheres no Poder (Cádis, março de 2010) (9) 25 ministras e numerosos líderes políticos de toda a UE reconheceram que a igualdade de género continua por concretizar e que a violência contra as mulheres é um problema persistente e uma grave violação dos direitos humanos. O documento afirma que os estereótipos sexistas continuam a produzir discriminação e alerta para o facto de as gerações mais jovens reproduzirem comportamentos sexistas.

4.6

As instituições europeias têm produzido diversos documentos de análise e de ação de que, de uma forma não exaustiva, aqui se dá conta.

4.6.1

Conselho Europeu:

Conclusões do Conselho sobre a Erradicação da Violência contra as Mulheres na União Europeia (8 de março de 2010), que instam a Comissão e os Estados-Membros a prosseguirem os esforços na luta contra a violência contra as mulheres e a promoverem ações para assegurar o seu financiamento.

4.6.2

Parlamento Europeu:

Resolução sobre as prioridades e a definição de um novo quadro político da União na luta contra a violência contra as mulheres (2011).

Em setembro de 2011, o Parlamento Europeu apoiou a outorga da Ordem de Proteção Europeia para as vítimas de violência de género, assédio sexual, sequestro ou intenção de assassínio. Esta medida foi um passo importante para a construção de um espaço europeu de proteção das mulheres.

4.6.3

Comissão Europeia:

Carta das Mulheres (2009), Plano de Ação para Aplicação do Programa de Estocolmo (2010), Estratégia para a Igualdade entre Homens e Mulheres 2010-2015.

Diversos estudos sobre a violência contra as mulheres para aprofundar o conhecimento deste problema.

Adoção, em 18 de maio de 2011, de um pacote de propostas que visam reforçar os direitos das vítimas de crime (Diretiva horizontal que estabelece padrões mínimos de direitos, apoio e proteção das vítimas de crime; regulamento sobre o reconhecimento mútuo das medidas de proteção em matéria civil).

Financiamento de programas específicos como o Daphne III, bem como de organizações europeias de luta contra a violência contra as mulheres (Lobby Europeu das Mulheres).

4.7

Por outro lado, os Estados-Membros, ainda que de forma não generalizada, têm produzido legislação visando criminalizar a violência doméstica, tomar medidas mais drásticas contra o agressor, tipificar a violência doméstica como crime público, etc.

4.8

Apesar de continuarem a faltar dados estatísticos fiáveis e comparáveis sobre a violência doméstica a nível nacional e europeu, os números conhecidos são suficientemente alarmantes para não haver dúvidas sobre a magnitude do problema (10).

4.9

Apesar dos números e de uma produção legislativa mais rigorosa, a verdade é que persiste na população a perceção generalizada de que vivemos numa sociedade igualitária, o que pode desvirtuar o debate não só sobre a violência doméstica como sobre outras violências e desigualdades entre mulheres e homens em termos de diferenças salariais, promoção nas carreiras, etc..

4.10

Um tipo de violência esquecido, porque invisível para o mundo exterior, é a violência psicológica. É tempo de quebrar este silêncio e reconhecer que a violência psicológica é uma violação dos direitos humanos que deve ser incluída na legislação sobre a violência de género.

4.11

Mulheres sobreviventes da violência psicológica, muitas vezes severamente traumatizadas durante as suas vidas, precisam de um apoio holístico multidisciplinar num ambiente reabilitante seguro. Forçadas a viver em completo isolamento social sem provas tangíveis dos atos violentos, temem que ninguém acredite nelas. A reabilitação requer essencialmente que os prestadores de cuidados acreditem nelas.

4.12

A violência doméstica não só tem um impacto sobre a vítima direta mas também afeta quem a ela assiste ou dela tem conhecimento. Afeta em particular as crianças, cuja fragilidade emocional as torna particularmente vulneráveis, podendo tais efeitos perdurar durante toda a vida.

4.13

Embora os crimes domésticos não se resumam às agressões às mulheres, importa saber porque outros crimes cometidos no âmbito doméstico, como o caso da pedofilia (90 % dos casos são cometidos por familiares), são considerados repugnantes, ao passo que no caso da violência doméstica ainda se procura escrutinar as razões que levaram o agressor a cometer essa violência.

5.   Observações na especialidade e propostas de ação

5.1

Importa responder à questão fundamental de saber porque são estes crimes, em muitos casos, socialmente desculpados ou porque se procura na mulher agredida a justificação para a violência cometida. As frequentemente apontadas razões de ordem cultural e social, além de serem falsas, apenas conduzem a que se mantenha o status quo.

5.2

A ideia de que a violência doméstica radica numa cultura e tradição antigas assenta no pressuposto falso de que a cultura é um conjunto de crenças e práticas estático. Pelo contrário, a cultura forma-se e reforma-se constantemente. Precisamente porque a cultura é heterogénea, incorporando valores que competem entre si, a capacidade de evoluir faz parte dela.

5.3

A cultura está intimamente ligada ao exercício do poder: normas e valores adquirem autoridade quando aqueles que os defendem detêm o poder ou posições de influência.

5.4

As mulheres também são agentes de cultura, influenciando a cultura em que vivem. A sua participação na sociedade e na cultura é essencial para transformar mentalidades, usos e costumes perniciosos à sua imagem e situação.

5.5

Daí a importância da reflexão sobre a sub-representação das mulheres nos diferentes níveis do poder. Enquanto esta questão não for suficientemente resolvida e as mulheres não tiverem a representação económica, social e política que, pelo seu número e capacidades, lhes é devida, difícil ou demasiado lentamente se poderá resolver o problema da violência contra elas. Embora as políticas públicas contra a violência de género tenham um papel importante, só o acesso das mulheres ao exercício paritário do poder poderá alterar a imagem tradicional do seu papel na sociedade.

5.6

Os modelos de identificação de género que ao longo dos séculos foram definindo como virtudes femininas a passividade, a entrega, e a submissão, e como virtudes masculinas a agressividade, a força e a ação construíram uma conceção de relação afetiva que, durante séculos, remeteu a mulher para uma posição de inferioridade e dependência.

5.7

O relacionamento baseado em modelos identitários que pressupõem a submissão de um elemento ao outro já não é tolerável, pelo que homens e mulheres devem questionar como se posicionam face a esses modelos. Tal questionamento que deve assentar na afirmação de valores como liberdade, autonomia e realização pessoal.

5.8

Em muitos casos de femicídio (11), uma percentagem importante das vítimas tinha já denunciado atos de violência ou ameaças. Tal demonstra a importância do trabalho preventivo. Em demasiados casos não se tomaram medidas cautelares que protegessem a vítima do agressor.

5.9

O trabalho preventivo pode e deve incluir, entre outros:

uma ação terapêutica sobre o agressor ou potencial agressor. Não se trata de encontrar uma desculpa ou atenuante para o ato violento nem de expor a vítima a situações sem controlo, mas sim de trabalhar sobre as causas e tentar recuperar o agressor, o que terá resultados benéficos para todos;

o lançamento de planos de ação interministeriais para a deteção precoce e a prevenção da violência doméstica através de um sistema de consulta e informação no âmbito dos serviços educativos, sociais e de saúde;

a participação dos homens e dos rapazes na eliminação da violência contra as mulheres adultas e jovens;

a participação dos jovens numa campanha de educação para uma abordagem global da prevenção e da intervenção precoce, bem como, além disso, mais oferta de formação para os profissionais que trabalham de perto com os jovens;

o acompanhamento dos processos de casais separados por motivo de violência doméstica, de modo a proteger as mulheres que correm risco de assédio e perseguição, que muitas vezes culminam em morte.

5.10

Os departamentos especializados na proteção às vítimas da violência doméstica têm que ter pessoal com formação especializada e estarem dotados dos recursos que garantam o cumprimento das medidas decididas, sob pena de ineficácia das mesmas.

5.11

É muito importante criar espaços multidisciplinares de apoio para ouvir, compreender as mulheres e nelas acreditar. No fenómeno da violência doméstica interagem fatores psicológicos, culturais, religiosos e costumes enraizados durante séculos. Não tem uma única causa e não pode ser exclusivamente abordado com medidas policiais ou penais. Um apoio multidisciplinar coordenado, que evite a exposição da mulher à violência repetida, é um elemento fundamental do seu combate. É necessário prestar particular atenção às mulheres portadoras de deficiência e às mulheres imigrantes, cuja vulnerabilidade é maior. Tais espaços de apoio devem igualmente incluir de forma sistemática as vítimas indiretas da violência, sobretudo as crianças.

5.12

É preciso alterar o paradigma de segurança que se encontra demasiado ligado ao crime organizado, terrorismo, assaltos a pessoas e bens, narcotráfico, e quase nunca ao perigo que muitas mulheres podem correr nos seus lares ou no seu local de trabalho. Se na segurança incorporássemos mais critérios humanistas e prioritariamente vocacionados para a prevenção, muitas vidas teriam sido poupadas. As novas tecnologias podem oferecer proteção acrescida, como é o caso das pulseiras eletrónicas, que impedem os agressores em liberdade de se aproximarem das suas vítimas quando cumprem uma ordem de afastamento.

5.13

As estatísticas sobre a violência doméstica não descrevem com rigor o fenómeno, não permitindo dar conta da verdadeira dimensão do problema. Por isso se torna urgente homogeneizar os critérios de registo da violência doméstica para que os dados possam ser comparáveis a nível europeu.

5.14

Os governos devem valorizar e apoiar, incluindo financeiramente, o trabalho das organizações da sociedade civil (organizações de mulheres, de defesa dos direitos humanos, sindicatos, etc.) sem caírem na tentação de as controlarem ou diminuírem a sua autonomia.

5.15

Uma área de especial importância é a educação. Esta tanto pode perpetuar modelos e práticas discriminatórias como pode desempenhar um papel de transformação das mentalidades e atitudes individuais e coletivas. A escola deve fomentar uma educação não sexista e coeducativa baseada na igualdade de direitos e de oportunidades, procurando o desenvolvimento integral da pessoa à margem de estereótipos e papéis em função do sexo e rejeitando qualquer tipo de discriminação que vitime as mulheres. A escola pode ser um instrumento para desmontar a imagem estereotipada dos papéis de homem e mulher que é geralmente veiculada pelos meios de comunicação. A escola pode ser um excelente observatório da violência de género.

5.16

Para que a escola possa desempenhar esse papel positivo é fundamental que a formação inicial e contínua dos docentes incorpore a violência de género, incluindo a doméstica. A revisão periódica dos currículos e dos livros deve ser uma prática constante para eliminar de vez qualquer linguagem sexista.

5.17

Outro âmbito de crucial importância é o setor da saúde. Colocar as mulheres e adolescentes no centro das estratégias de saúde pode fortalecer a convicção de que a violência contra as mulheres no espaço doméstico é uma variável de risco e não um problema isolado.

5.18

É necessário rever periódica e sistematicamente os procedimentos de registo e de notificação, evitando fórmulas que requerem aos profissionais uma carga burocrática e que não são ágeis nem sustentáveis. Estes procedimentos devem proporcionar a oportunidade de registar o problema de saúde como uma variável de risco (por exemplo, nas consultas de planeamento familiar ou nas de gravidez, entre outras) bem como diferenciarem com clareza as necessidades urbanas e rurais.

5.19

Em todos os setores que lidam com a problemática da violência de género, é preciso garantir que a sensibilização e a formação sejam eficazes e adaptadas à realidade, com os meios e recursos necessários e que se façam mapeamentos (mapping) regulares para garantir que a informação está de acordo com a realidade.

5.20

No que respeita à sensibilização e formação, é importante diferenciar entre sensibilização (dirigida a todo o pessoal que trabalha na instituição), formação (fornecida a todos/as que estão em contacto com as vítimas e podem contribuir para a deteção do problema) e formação específica (que devem possuir todos/as os que assistem as vítimas). Particular atenção deve ser dada à formação dos agentes de polícia e dos juízes, pelo papel que desempenham na recepção da queixa e no julgamento do agressor. A sua ação pode ajudar a transformar uma experiência traumatizante numa nova esperança. Também é necessário providenciar para que os estabelecimentos prisionais desenvolvam programas internos sobre a violência de género dirigidos às mulheres vítimas e aos agressores do sexo masculino e para que haja uma maior sensibilização dos funcionários prisionais de todos os Estados-Membros para esta questão.

5.21

Finalmente, abordar a problemática da violência doméstica contra as mulheres como um tema de direitos humanos acentua a responsabilidade dos Estados na prevenção, erradicação e sanção deste tipo de violência e o dever de prestarem contas sobre como cumpriram esta obrigação.

5.22

A ligação da violência de género aos direitos humanos permite o acesso a um conjunto importante de mecanismos para responsabilizar os Estados a nível internacional e regional e que passam pelos órgãos dos tratados dos direitos humanos, tribunais penais internacionais bem como o Sistema Regional Europeu de Direitos Humanos (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos – órgão do Conselho da Europa).

5.23

Abordar a violência contra as mulheres como uma questão de direitos humanos conduz-nos a uma resposta holística e multissetorial que acrescenta uma dimensão de direitos humanos ao trabalho desenvolvido em todos os setores. Obriga a reforçar e a acelerar iniciativas em todos os âmbitos, no sentido de prevenir e eliminar a violência contra as mulheres, incluindo nos tribunais, na saúde, nas políticas de desenvolvimento local ou regional, na ajuda humanitária, etc.

Bruxelas, 18 de setembro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 110 de 9.5.2006, p. 89–94.

(2)  Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 10 de março de 2010.

(3)  http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/16173cor.en08.pdf.

(4)  WHO Multi-Country Study on Women’s Health and Domestic Violence Against Women: Initial Results on Prevalence, Health Outcomes and Women’s Responses (Genebra, WHO, 2005).

(5)  Convenção do Conselho da Europa aprovada em 11 de maio de 2011, em Istambul (Turquia) (www.coe.int/conventionviolence).

(6)  Turquia.

(7)  Albânia, Alemanha, Áustria, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Islândia, Luxemburgo, Ex-República Jugoslava da Macedónia, Malta, Montenegro, Noruega, Portugal, Reino Unido, Sérvia, Eslováquia, Eslovénia, Suécia e Ucrânia.

(8)  Barometer 2011, «National Action Plan on Violence against Women in the EU», European Women’s Lobby, agosto de 2011 (www.womenlobby.org).

(9)  http://www.igualdad.us.es/pdf/Docuemta_Otros_Cumbre.pdf.

(10)  Ver o relatório «Combatir los crímenes de honor en Europa», apresentado em 8 de março de 2012, Dia Mundial da Mulher, pela Fundação Surgir (instituição sem fim lucrativo com sede na Suíça).

(11)  Segundo a definição das Nações Unidas, o «femicídio» é o assassínio de uma mulher apenas pelo facto de o ser. Constitui «femicídio» a violência contínua contra uma mulher dentro e fora da família que culmina no seu assassinato. As investigações sobre o «femicídio» realizadas em diferentes países mostram que é no âmbito privado, das relações íntimas, que ocorrem com maior frequência estes crimes.


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