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Document 52010IE0769

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Comércio internacional e alterações climáticas»

    JO C 21 de 21.1.2011, p. 15–20 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    21.1.2011   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 21/15


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Comércio internacional e alterações climáticas»

    2011/C 21/03

    Relatora: Evelyne PICHENOT

    Em 26 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, emitir um parecer de iniciativa sobre

    Comércio internacional e alterações climáticas.

    Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 11 de Maio de 2010.

    Na 463.a reunião plenária de 26 e 27 de Maio de 2010 (sessão de 26 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 154 votos a favor, 4 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer:

    1.   Recomendações

    1.1

    Uma nova política comercial, integrada na Estratégia Europa 2020, deverá dar resposta às preocupações ambientais, evitando a tentação de impor medidas proteccionistas. Deve também estar ao serviço de um mercado mais inovador e respeitador do ambiente e favorecer o bem-estar social. Para realizar esta ambição, a UE pode dar o exemplo e mudar a trajectória do seu crescimento em direcção a um modelo com baixas emissões de carbono, mantendo deste modo a liderança na luta contra o aquecimento do planeta. Os efeitos do crescimento económico, dos transportes e da disseminação das tecnologias fazem do comércio internacional um aspecto incontornável dos debates sobre as alterações climáticas e da transição para uma economia ecológica.

    1.2

    O Comité anseia por que a OMC chegue, no âmbito da Ronda de Doha, a um acordo a nível mundial que facilite o comércio de bens e serviços ambientais através da redução significativa dos entraves pautais e não pautais. Paralelamente, considera que a UE deve dar o exemplo, facilitando as transferências de tecnologias ecológicas nos seus acordos comerciais bilaterais e regionais.

    1.3

    O CESE recomenda que, ao contemplar uma futura estratégia comercial, sejam primeiro realizados estudos sobre a dimensão ambiental e social das alterações climáticas, incluindo a gestão dos aspectos hídricos. Encoraja ainda as sociedades civis da Europa e de outros países a participar nas avaliações de impacto – especialmente as relativas ao desenvolvimento sustentável – que antecedem as negociações comerciais bilaterais e regionais.

    1.4

    No que toca aos transportes, o CESE apoia a adopção dos objectivos mundiais definidos pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC) de uma redução de 10 % para o transporte aéreo e de 20 % para o sector marítimo. A decisão de partilhar os esforços de redução incluirá também o sector dos transportes, já que a aviação será, a partir de 2012, progressivamente integrada no regime de comércio de licenças de emissão da UE (RCLE-UE). Uma iniciativa europeia destinada a fixar objectivos ambiciosos de eficiência energética na navegação de alto mar serviria também para ajudar a este esforço.

    1.5

    Dada a incerteza quanto ao Acordo de Copenhaga sobre as alterações climáticas, de Dezembro de 2009, e ao seu impacto, o pacote «energia-clima» previu a adopção, em Junho de 2010 e em co-decisão com o Parlamento Europeu, de um relatório que contenha propostas adequadas para os sectores sujeitos ao risco de «fuga de carbono», por estarem expostos à concorrência internacional e/ou ao encargo adicional imposto pelo preço do CO2 na UE. Ainda que o risco da fuga de carbono não se tenha observado até agora, ele poderá tornar-se incontornável a partir de 2013. Espera-se que o risco cresça à medida que a UE aumente gradualmente os volumes das licenças comercializadas e que os principais países emissores exteriores à UE atrasem a instituição de um mercado de comercialização de licenças de emissão ou de um imposto nacional.

    1.6

    A curto prazo, o risco de fuga deverá ser limitado essencialmente por um aumento da atribuição gratuita de licenças de emissão, numa proporção a decidir conforme o andamento e os resultados das negociações multilaterais sobre alterações climáticas. Dirigida aos sectores sensíveis, definida com base nos melhores desempenhos e obrigada não só a permitir a abertura ao comércio mas também a levar em consideração o custo adicional do carbono, esta atribuição gratuita deverá ser vista como uma medida transitória fundamentada empiricamente, deverá ater-se às regras do comércio internacional e a um modelo com baixo teor de carbono.

    1.7

    O ajuste dos encargos por via de imposições aduaneiras não será justificável junto da OMC enquanto a União Europeia privilegiar a atribuição gratuita de licenças – o RCLE-UE só pode ser equiparado a uma taxa (e portanto ajustável por via aduaneira) se as licenças forem todas comercializadas. O mais adequado seria fazer uso desses ajustes, a título transitório, para um pequeno grupo de rubricas pautais em que existe o risco comprovado de fuga de carbono e em que o recurso à atribuição gratuita já não é possível. Para que tenham fundamento junto do órgão de resolução de diferendos da OMC, os ajustes devem ser muito específicos e defendidos com base na sua capacidade de limitar o aumento da temperatura a 2 °C, no máximo – aliás, é essa a principal decisão acordada em Copenhaga.

    1.8

    Uma vez que os projectos de criação de um mercado de comercialização de licenças de emissão têm evoluído de forma lenta e incerta no mundo, os Estados-Membros serão, durante alguns anos, dos únicos países do mundo a fixar um preço para as emissões de CO2. Dado o futuro risco de uma fuga de carbono em certos sectores europeus participantes no RCLE-UE, o Comité Económico e Social Europeu recomenda também um aumento significativo dos volumes de investimento a longo prazo dedicados à descarbonização da economia, advogando ainda a criação de um quadro de incentivos previsível e estável que favoreça a inovação, a investigação e o desenvolvimento de tecnologias ecológicas que ainda não são comercializáveis.

    1.9

    Para desenvolver uma economia ecológica e conservar a sua posição de liderança neste domínio, a Europa deveria, portanto, a bem dos seus próprios interesses e do clima, manter a elevada ambição de reduzir progressivamente as emissões, até chegar a uma redução de 80 % em 2050, com um objectivo intermédio de, por exemplo, uma redução de entre 25 e 40 % entre 2020 e 2030. O Comité propõe a realização de avaliações de impacto (ambiental e em termos de emprego e de desenvolvimento) para antecipar as transições que ocorrerão entre 2020 e 2050.

    1.10

    O combate às alterações climáticas requer uma acção colectiva forte por parte dos poderes públicos a nível nacional e europeu. Paralelamente à pressão do mercado (RCLE-UE), os poderes públicos devem criar rapidamente incentivos financeiros e fiscais específicos e multiplicar os investimentos na investigação e desenvolvimento de tecnologias e serviços ecológicos. Os órgãos de poder local e regional podem acompanhar o desenvolvimento de tecnologias ecológicas na adjudicação de contratos públicos.

    1.11

    O consumidor, juntamente com os produtores emissores de CO2, é instado a participar na luta contra as emissões de gases com efeito de estufa, que estão directamente ligadas ao comércio. O Comité reclama uma harmonização e fixação da metodologia utilizada para medir o nível de emissões de carbono dos produtos, cobrindo todas as fases, desde a concepção à distribuição. Para isso, advoga a melhoria das análises do ciclo de vida, através do reforço de estudos metodológicos sobre a «contabilidade do carbono». Ainda que a introdução de normas e da rotulagem sobre o teor de carbono dos produtos deva manter-se sob a alçada do sector privado e descentralizada na UE, é indispensável dispor de um quadro comum de medição e de avaliação, sob a responsabilidade da Comissão Europeia ou de uma agência competente.

    1.12

    O CESE recomenda que se clarifique, antes da futura jurisprudência criada pelo órgão de resolução de litígios da OMC, em que medida é que os procedimentos e métodos de produção poderão justificar uma isenção das regras do comércio livre ao abrigo da excepção ambiental (1). Advoga igualmente um alargamento das competências do Comité do Comércio e do Ambiente da OMC, para que este possa esclarecer as consequências jurídicas do processo contra os EUA devido à proibição da importação de certas espécies de camarão.

    2.   Globalização e clima

    2.1

    As últimas décadas foram marcadas por uma expansão sem precedentes do comércio internacional (responsável por 21 % do PIB mundial em 2007, sem contar o comércio intra-europeu), apesar de um decréscimo de 12 % em 2009 devido à crise. Os efeitos do crescimento económico, dos transportes e da disseminação das tecnologias fazem do comércio internacional um aspecto incontornável dos debates sobre alterações climáticas.

    2.2

    Até à data, não há qualquer teoria exaustiva que defina ou indique pormenorizadamente todas as interferências e relações de causalidade existentes entre o comércio e o clima (2). Os trabalhos de investigação utilizam três variáveis interligadas para medir os efeitos do comércio no clima, e no ambiente de forma geral: a variável «escala»: o comércio contribui para o aumento da actividade económica, o que provoca um aumento das emissões se a tecnologia se mantiver constante; a variável «composição»: a redistribuição geográfica devido a vantagens comparativas pode acarretar um aumento ou redução dos níveis de emissão, dependendo do carácter poluente ou não poluente da produção nos sectores em que os países se especializam no contexto da globalização; a variante «técnica»: sob pressão das sociedades civis e com o apoio das empresas e a acção dos poderes públicos, são introduzidas tecnologias mais ecológicas e consegue-se uma redução das emissões. As empresas europeias que se comprometeram com o RCLE-UE contribuíram para que a Europa atinja os objectivos de redução de emissões do Protocolo de Quioto.

    2.3

    A soma destes três efeitos do comércio sobre as emissões de CO2 é negativa, dada a preponderância do volume de trocas comerciais, que, actualmente, não compensa a difusão de tecnologias económicas. A distância entre os vários locais de produção e os de consumo final não é o único factor a ter em conta, nem é sempre o mais preponderante na avaliação do teor de carbono.

    2.4

    No entanto, os efeitos do comércio sobre os transportes (3) e, em última análise, sobre as emissões, têm pertinência directa para o clima. O petróleo representa hoje em dia 95 % da energia utilizada para os transportes no mundo, pelo que o sector de transportes nacionais e internacionais contribui para a emissão de gases com efeito de estufa (pouco menos de 15 % do total de emissões).

    2.5

    A maior parte do comércio internacional processa-se por via marítima (90 % da tonelagem). Este modo de transporte continua a ser dos menos poluentes, em termos de emissão de CO2 por quilómetro e por tonelada transportada. Ainda assim, devem ser tidas em conta as previsões de crescimento. Segundo a Organização Marítima Internacional (OMI), as emissões do transporte marítimo poderão triplicar até 2050, especialmente dado o aumento das trocas comerciais entre países do sul.

    2.6

    Por fim, a ameaça de uma crise dos recursos hídricos é outra consequência grave do aquecimento global. Se não forem tomadas medidas preventivas, metade da população mundial poderá, até 2020, correr o risco de carência. Actualmente, já 1,5 mil milhões de habitantes estão privados do acesso a água potável e a saneamento. Além disso, a agricultura sofrerá também, em certos locais, de escassez de água, o que fará do comércio um elemento estratégico para perseguir os interesses nacionais de segurança energética, climática e alimentar. Ao contribuir para a afectação eficaz de recursos raros, o comércio internacional pode limitar a pressão mundial sobre os recursos hídricos.

    3.   Potencial papel do comércio na disseminação de tecnologias de atenuação e de adaptação às alterações climáticas

    3.1

    O Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC) inventariou uma série de tecnologias de atenuação e adaptação capazes de ajudar a ultrapassar os problemas decorrentes das alterações climáticas. Várias destas tecnologias estão a ser debatidas nas negociações em curso na OMC sobre os bens e serviços ambientais. Entre elas contam-se, por exemplo, as turbinas eólicas e hidroeléctricas, os painéis solares, as células fotovoltaicas ou os equipamentos necessários ao funcionamento das instalações e as tecnologias à base de energias renováveis.

    3.2

    Estas negociações sobre bens e serviços ambientais, entabuladas no âmbito da Ronda de Doha, podem contribuir para a melhoria do acesso a bens e tecnologias respeitadores do ambiente. No entanto, os ganhos imediatos para o clima que poderão advir da liberalização do comércio são assaz limitados. Para uma vasta gama de produtos, e particularmente para as energias renováveis, os entraves pautais já são baixos ou moderados (2 %, em média, nos países ricos, e 6 %, em média, nos países em desenvolvimento). Mas, por outro lado, os obstáculos ao investimento e os entraves não pautais, como as normas técnicas e industriais, os encargos administrativos, a presença comercial obrigatória do fornecedor de serviços no país importador e as restrições impostas às actividades das empresas estrangeiras, constituem ainda um sério travão à disseminação desses produtos.

    3.3

    O CESE considera que o presente parecer adianta já elementos pertinentes para a futura estratégia comercial para 2020 prevista pela Comissão, especialmente para a consecução do objectivo anunciado de procurar «iniciativas de abertura do comércio em sectores do futuro, como o dos produtos e tecnologias “verdes” e dos produtos e serviços de alta tecnologia, e no domínio da normalização internacional, em especial nas áreas em crescimento». O CESE recomenda especialmente a realização de mais estudos sobre a dimensão ambiental e social das alterações climáticas, incluindo a gestão dos aspectos hídricos. Encoraja ainda as sociedades civis da Europa e de outros países a participar nas análises de impacto – especialmente as relativas ao desenvolvimento sustentável – que antecedem as negociações comerciais bilaterais e regionais.

    3.4

    No que diz respeito à água potável, o comércio internacional pode intervir no domínio da transferência de tecnologias (instalações de dessalinização da água do mar, reutilização de águas usadas e técnicas de saneamento). Convém, pois, integrar este aspecto em todas as negociações recomendadas pelo CESE sobre o comércio de bens e serviços ambientais.

    3.5

    No que toca aos transportes, o CESE apoia a adopção dos objectivos mundiais definidos pela CQNUAC de uma redução de 10 % das emissões para o transporte aéreo e de 20 % para o sector marítimo. A decisão de partilhar os esforços de redução incluirá também o sector dos transportes, já que a aviação será, a partir de 2012, progressivamente integrada no RCLE-UE. Uma iniciativa europeia destinada a fixar objectivos ambiciosos de eficiência energética na navegação de alto mar serviria também para ajudar a este esforço.

    3.6

    O reforço da protecção da propriedade intelectual aparece recorrentemente como um dos obstáculos à disseminação de tecnologias e serviços ecológicos. Os estudos demonstram que os direitos de propriedade intelectual, e as patentes em especial, registaram um aumento significativo desde o fim dos anos 90. Ainda que as patentes, particularmente, permitam ao seu detentor limitar a disponibilidade, a utilização e o desenvolvimento de tecnologias úteis ao combate às alterações climáticas, estes estudos recentes revelam que a propriedade intelectual é fulcral para os investimentos a longo prazo e para o desenvolvimento de tecnologias ainda inéditas. Além disso, ela não parece ser, a curto prazo, o entrave mais determinante à disseminação de tecnologias ecológicas, já que o actual custo das patentes nestas tecnologias comercializáveis continua a ser, em média, bastante modesto. Mais importante é resolver os problemas de má aplicação e de desrespeito pelos direitos de propriedade intelectual, que constituem um desincentivo à exportação para certos países.

    3.7

    O combate às alterações climáticas requer uma acção colectiva forte por parte dos poderes públicos a nível nacional e europeu. Paralelamente à pressão do mercado (RCLE-UE), os poderes públicos devem criar rapidamente incentivos financeiros e fiscais específicos e multiplicar os investimentos na investigação e desenvolvimento de tecnologias e serviços ecológicos que ainda não são comercializáveis. Os órgãos de poder local e regional podem acompanhar o desenvolvimento de tecnologias ecológicas na adjudicação de contratos públicos.

    3.8

    A relação de causalidade entre a abertura comercial e o crescimento levanta a questão da responsabilidade das empresas e dos consumidores dos países importadores pelas emissões. A Europa e os Estados Unidos absorvem metade das exportações da China. Põe-se então a questão de uma «contabilidade do carbono» que não se limite às fontes de emissão primárias e às fases iniciais da cadeia de produção, mas que se alargue também a todos os elementos do processo, desde a concepção do produto à sua distribuição.

    3.9

    O Comité constata que a dispersão e elevada mobilidade geográfica das cadeias de produção globalizadas dificulta, hoje em dia, uma contabilidade exacta e estável do teor de carbono de um determinado produto. Esta dificuldade, inerente à situação concorrencial de um número cada vez maior de actividades e de tarefas, não facilita a definição de políticas comerciais de informação e sensibilização dos consumidores, como as iniciativas privadas de rotulagem, o rótulo ecológico e a certificação. A evolução dos comportamentos e escolhas individuais em tempo de crise demonstra que estes mecanismos devem ser encorajados, mas, na opinião do Comité, não substituem uma acção normativa por parte dos poderes públicos, que inclua imposição de taxas de emissão na fonte. O CESE advoga a melhoria das análises do ciclo de vida e o reforço dos estudos sobre as questões metodológicas mais difíceis, relacionadas, nomeadamente, com a contabilidade do carbono e com os aspectos financeiros decorrentes da criação de uma contabilidade desagregada junto de todas as partes sucessivamente envolvidas numa cadeia de produção.

    3.10

    Qualquer política ambiental eficaz deve fazer uma distinção dos produtos de acordo com os seus processos e métodos de produção. A transição para uma economia com baixo teor de emissões de carbono não será realizável se não for possível distinguir os produtos fabricados com métodos que emitem poucos gases com efeito de estufa. Trata-se, portanto, de favorecer certas técnicas em detrimento de outras. Se a rotulagem dos produtos permitir aos consumidores identificar os produtos segundo os métodos – ecológicos ou não – de produção, isso modifica as relações de concorrência e permite discernir a diferença entre dois produtos fabricados por métodos diversos.

    3.11

    Num mundo em que o custo do CO2 é variável, a questão da semelhança dos produtos – conceito central para a OMC – não pode ser evitada nos debates sobre o comércio e o clima. O CESE recomenda que se clarifique, antes da futura jurisprudência criada pelo órgão de resolução de litígios da OMC, em que medida os procedimentos e métodos de produção poderão justificar uma isenção das regras do comércio livre ao abrigo da excepção ambiental (4). Advoga igualmente um alargamento da competências do Comité do Comércio e do Ambiente da OMC, para que este possa esclarecer as consequências jurídicas do processo contra os EUA devido à proibição da importação de certas espécies de camarão.

    4.   A relação entre a competitividade e o clima

    4.1

    As negociações comerciais e climáticas inscrevem-se em duas escalas temporais diferentes: as primeiras prendem-se com políticas e medidas com efeitos a muito longo prazo, ao passo que as segundas dizem respeito a efeitos mais imediatos. A complexidade das relações entre as políticas comerciais e climáticas reside precisamente neste conflito de horizontes temporais. As medidas em matéria de clima podem ter efeitos comerciais a curto prazo, ao passo que as medidas comerciais só produzem efeitos sobre o clima passado muito tempo.

    4.2

    Num mundo ideal, o CO2 teria um único preço, que acompanharia as economias mundiais nas suas trajectórias em direcção a um crescimento com menos emissões de gases com efeito de estufa e que não criaria situações discriminatórias nem distorções da concorrência entre países. O estado actual dos debates sobre as alterações climáticas mostra que a concretização desse objectivo não está para breve. O preço do CO2 manter-se-á variável ainda durante longos anos – de 20 a 30 euros por tonelada, consoante o nível médio previsto no espaço europeu, a zero na esmagadora maioria dos outros países ou regiões.

    4.3

    O CESE reconhece que, no nosso mundo imperfeito, os riscos de perda de competitividade e de fuga de carbono (migração de indústrias emissoras de gases com efeitos de estufa para fora de países ou regiões onde o CO2 é sujeito às mais pesadas taxas) afectam primordialmente os países mais voluntaristas em matéria de imposição de taxas às emissões de CO2, nomeadamente a Europa. A elaboração e aplicação de acordos sectoriais internacionais estão a ser debatidas há já mais de uma década. Devido à falta de consenso, estas negociações ainda não deram frutos, continuando a ser uma via a explorar pelas indústrias com elevado consumo de energia. O desenvolvimento barato de energias renováveis e as redes inteligentes contribuiriam também para limitar os riscos de perda de competitividade.

    4.4

    O Comité apoia a proposta da Comissão (5), conforme à declaração de Março de 2010, segundo a qual as empresas europeias devem poder funcionar em igualdade de condições com os seus concorrentes estrangeiros. Num horizonte imediato, os sectores sujeitos ao risco de fuga de carbono deveriam receber uma atribuição gratuita suplementar de até 100 % – dependendo do andamento das negociações multilaterais sobre as alterações climáticas – no início do período pós-Quioto (2013-2014).

    4.5

    A mais longo prazo, quando já todas as licenças de emissão forem comercializadas e o preço das licenças puder ser equiparado a uma taxa, os ajustes por via aduaneira poderão corrigir os problemas de perda de competitividade provocados pelos superiores esforços de redução de emissões empreendidos na Europa, em comparação com os dos seus parceiros comerciais. Quer assumam a forma de um imposto sobre a importação ou mecanismo de inclusão do carbono nas pautas aduaneiras ou de uma obrigação imposta aos importadores europeus de comprarem créditos de emissão no regime de comércio de licenças de emissão da UE (RCLE-UE, também denominado «mercado de carbono europeu»), estes mecanismos internalizariam os efeitos sobre o clima da actividade económica dos sectores abrangidos pelo RCLE-UE.

    4.6

    Os estudos demonstram que as perdas de competitividade e as fugas de carbono não se afiguram significativas durante as primeiras duas fases da aplicação do RCLE-UE. Entre 2005 e 2012, a atribuição de licenças de emissão é generosa e, de forma geral, gratuita (6). Na ausência de um mercado mundial de carbono, que seria a solução ideal, o Comité Económico e Social Europeu apoia a emergência de diferentes sistemas de imposição de limites e de comércio de direitos de emissão segundo o modelo europeu ou outros sistemas igualmente eficazes. Sugere ainda que se estudem todas as dificuldades e soluções possíveis para harmonizar estes sistemas, com base nos esforços regionais de integração e tendo em conta as variações do sistema das taxas de câmbio.

    4.7

    A terceira fase do RCLE-UE (2013-2020), durante a qual está prevista uma atribuição progressiva, por leilão, e uma redução anual das licenças de emissão disponíveis, com vista a realizar o objectivo de uma redução de 20 % das emissões em 2020 sobre o valor de 1990, acarreta o risco de perda de competitividade e de fuga de carbono. A longo prazo, 100 % das licenças serão vendidas em leilão em 2025, e, no mínimo, 70 % em 2020. Ainda que o objectivo de redução de 30 % das emissões tenha sido mantido, seria benéfico reavaliar a proporção de licenças vendidas, para as equilibrar com os resultados dos outros países signatários do Acordo de Copenhaga.

    5.   Reacção europeia: o pacote «energia-clima» e as suas implicações para o comércio

    5.1

    Dados os riscos de perda de competitividade e de fuga de carbono decorrentes da crescente venda em leilão das licenças e da imposição de limites às emissões em 2020, a Comissão propôs, no seu pacote «energia-clima», uma reacção em duas etapas. A primeira consiste em identificar os sectores sujeitos aos riscos com base em dois critérios: a sua intensidade comercial (abertura às trocas comerciais exteriores à Europa) e o impacto dos custos do CO2. Em Dezembro de 2009, foi elaborada uma primeira lista de sectores «sensíveis», que será revista de cinco em cinco anos. A Comissão examinou entre 200 e 300 sectores (7). O Comité Económico e Social Europeu advoga que só os sectores que satisfazem tanto o critério do custo do CO2 como o da intensidade comercial possam beneficiar, a partir de 2013, de 100 % de atribuições gratuitas de CO2 com base nos valores de referência comuns de avaliação do desempenho. Uma primeira análise indica um número limitado de sectores nesta situação. Aliás, nesta base, só 11 sectores (8) cumpriram ambos os critérios.

    5.2

    O Acordo de Copenhaga é voluntário e pouco ambicioso e fica, portanto, muito aquém da vontade manifestada pelo CESE na sua declaração de Novembro de 2009. Além disso, por ser declarativo e não ter o valor jurídico de um tratado, deixou por sanar a questão do futuro do Protocolo de Quioto. Tem, no entanto, a vantagem de fornecer uma primeira base de registo e de comparação dos esforços nacionais de atenuação das alterações climáticas. No anexo ao Acordo de Copenhaga, a Europa mantém a sua oferta condicional de redução de 30 % dos gases com efeito de estufa «se os outros países industrializados se comprometerem a realizar esforços comparáveis».

    5.3

    Dependendo do nível dos compromissos assumidos pelos restantes países industrializados, a Europa poderá manter a sua meta de redução em 20 %. Desta forma, a UE optaria por limitar os problemas de perda de competitividade e de fuga de carbono que os sectores europeus sujeitos ao RCLE-UE enfrentam. No entanto, essa decisão não elimina por completo o risco da fuga de carbono, por dois motivos:

    Em primeiro lugar, porque os objectivos e compromissos de redução dos outros países estão limitados ao anexo do Acordo de Copenhaga, sem que tenha sido claramente definido um mecanismo jurídico de comparação das emissões dos vários países.

    Em segundo lugar porque, apesar do anúncio da criação de mercados de carbono em alguns países do mundo (no Canadá em 2010, na Austrália em 2011 e nos Estados Unidos em 2012), os prazos de realização desses mercados estão constantemente a ser adiados. Os preços de CO2 previstos nestes mercados são ainda muito reduzidos e ficam aquém do preço comunitário médio.

    5.4

    Ao condicionar a sua oferta de redução de emissões em 30 % até 2020 aos esforços e compromissos dos outros países, a Europa passou a depender de um hipotético acordo multilateral para efectivamente mudar a sua trajectória de desenvolvimento rumo a um modelo com menor teor de carbono e para reduzir a um quarto as suas emissões em 2050. Independentemente deste tipo de condições e objectivos, a descarbonização progressiva da economia está concebida, nos Estados Unidos e na China, segundo uma lógica de investimento e de inovação unilateral, das bases para o topo. De certo modo, o Acordo de Copenhaga é uma aposta na tecnologia que também a Europa deve fazer.

    5.5

    Para desenvolver uma economia ecológica e conservar a sua posição de liderança neste domínio, a Europa deveria, portanto, a bem dos seus próprios interesses e do clima, manter a elevada ambição de reduzir progressivamente as emissões, até chegar a uma redução de 80 % em 2050, com um objectivo intermédio de, por exemplo, uma redução de entre 25 e 40 % entre 2020 e 2030. O Comité propõe a realização de avaliações de impacto (ambiental e em termos de emprego e de desenvolvimento) para antecipar as transições que ocorrerão entre 2020 e 2050.

    5.6

    A fixação deste objectivo intermédio deve vir acompanhada de medidas regulamentares e fiscais que favoreçam um aumento do investimento na investigação e o desenvolvimento de tecnologias ecológicas. Conforme sublinha a comunicação da Comissão Europa 2020, as despesas em I&D na Europa são inferiores a 2 %, ao passo que, nos Estados Unidos, totalizam 2,6 % e no Japão 3,4 %, devendo-se esta diferença essencialmente ao baixo nível de investimento privado (9). Este nível de investimento em I&D não se coaduna com os objectivos da União (3 %) nem com os desafios climáticos. Para concretizar o aumento de investimento pretendido, o Comité propõe o desenvolvimento de avaliações de impacto (ambiental e em termos de emprego e de desenvolvimento) para antecipar as transições que ocorrerão na próxima fase, em 2020, e nas seguintes (2030, 2040, 2050).

    5.7

    Em qualquer dos casos, seja a abordagem modesta ou ambiciosa, os Estados-Membros arriscam-se, durante ainda alguns anos, a figurar entre os raros países que impõem um preço ao CO2 (com um valor significativo) através de um mercado de comércio de licenças de emissão. A Europa não deve renunciar às suas elevadas ambições para as negociações multilaterais a entabular nas próximas cimeiras (COP) do México (2010) e da Índia (2011), mas não deve também correr o risco de negligenciar políticas de investigação, inovação e investimento que sejam conduzidas das bases para o topo. Ao apostar exclusivamente nos efeitos do mercado de carbono, a UE arrisca-se a negligenciar outras políticas úteis para promover a investigação, a inovação e o investimento. Aliás, este objectivo foi já ignorado nos diversos planos de relançamento europeus, ao contrário do que sucede na Ásia e na América.

    5.8

    O Comité Económico e Social Europeu recomenda cautelosamente que o problema da fuga de carbono seja tratado com pragmatismo. A atribuição gratuita, já bastante disseminada, deve continuar a ser privilegiada, por uma questão de coerência com as escolhas estratégicas da União. Não será possível justificar junto da OMC ajustes das pautas aduaneiras se a União Europeia privilegiar a atribuição gratuita – o RCLE-UE só pode ser equiparado a uma taxa (e portanto ajustável por via aduaneira) se todas as licenças forem vendidas. O mais adequado seria fazer uso desses ajustes, a título transitório, para um pequeno grupo de rubricas pautais em que existe o risco comprovado de fuga de carbono e em que o recurso à atribuição gratuita já não é possível. Para que tenham fundamento junto do órgão de resolução de diferendos da OMC, os ajustes devem ser muito específicos e defendidos com base na sua capacidade de limitar o aumento da temperatura a 2 °C, no máximo – aliás, é essa a principal decisão acordada em Copenhaga.

    5.9

    A médio prazo, essa escolha pressupõe o financiamento adequado de uma política europeia de atenuação. Esta política está já a começar a ser posta em prática através de projectos-piloto sobre a captura e armazenamento do carbono, que incluem um comité de acompanhamento para tratar as questões dos investimentos e da partilha da propriedade intelectual. A adopção de medidas de ajuste temporárias só será credível se for acompanhada de políticas de inovação destinadas a procurar soluções de desenvolvimento sustentável.

    Bruxelas, 26 de Maio de 2010

    O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

    Mario SEPI


    (1)  Artigo XX, OMC. O artigo XX do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) prevê a possibilidade de isenção das regras de comércio livre se essa medida for justificada pela protecção do ambiente.

    (2)  Comércio e alterações climáticas, OMC e PNUA, Junho de 2009.

    (3)  CESE 461/2010, a publicar no JO.

    (4)  Ver nota 16.

    (5)  Directiva 2009/29/CE, JO L 140 de 5.6.2009, p. 63.

    (6)  A primeira fase do RCLE-UE (2005-2007) foi uma fase-piloto de aprendizagem que permitiu fixar o preço do carbono, estabelecer o comércio livre de licenças de emissão em toda a UE e criar as infra-estruturas necessárias para vigiar, declarar e quantificar as emissões reais das empresas implicadas. A segunda fase (2008-2012) coincide com o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto – período de cinco anos, durante o qual a UE e os Estados-Membros deverão alcançar os objectivos de emissão definidos pelo documento. Uma atribuição excessiva de licenças durante a primeira fase levou a uma queda do custo do CO2 no início da segunda fase. Em determinados sectores, essa atribuição excessiva continua a verificar-se na segunda fase.

    (7)  Nos termos do artigo 10.o-A, n.o 15, da Directiva 2003/87/CE, «considera-se que um sector ou subsector está exposto a um risco significativo de fuga de carbono se: a) A soma dos custos adicionais, directos e indirectos, decorrentes da aplicação da presente directiva resultar num aumento substancial dos custos de produção, calculado como proporção do valor acrescentado bruto, de pelo menos 5 %; e b) A intensidade das trocas comerciais com países terceiros, definida como ratio entre o valor total das exportações para esses países adicionado do valor das importações provenientes desses países e a dimensão total do mercado para a Comunidade (volume de negócios anual adicionado do total das importações de países terceiros), for superior a 10 %.» Estes sectores são: o fabrico de produtos amiláceos e de açúcar, a produção de outras bebidas fermentadas e de álcool etílico de fermentação, o fabrico de papel e de cartão, de produtos petrolíferos refinados, de vidro plano e de vidro oco, de ladrilhos de cerâmica e de tubos de ferro fundido, e a obtenção e primeira transformação de chumbo, zinco e estanho. Se, a estes dois critérios, adicionarmos um critério de aumento de custos em 30% ou uma abertura comercial superior a 30%, a lista estende-se a 16 outros sectores, abrangendo então um total de 27.

    (8)  Decisão da Comissão de 24.12.2009, notificada com o número C(2009) 10251 (1), JO L 1 de 5.1.2010, pp. 10-18.

    (9)  COM(2010) 2020, Europa 2020: Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo.


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