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Document 52023AE3693

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Uma nova estratégia europeia para o mercado interno para ajudar as empresas europeias a superarem os desafios tecnológicos, sociais, ambientais e de concorrência (parecer exploratório)

EESC 2023/03693

JO C, C/2024/2096, 26.3.2024, ELI: http://data.europa.eu/eli/C/2024/2096/oj (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, GA, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

ELI: http://data.europa.eu/eli/C/2024/2096/oj

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Jornal Oficial
da União Europeia

PT

Série C


C/2024/2096

26.3.2024

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Uma nova estratégia europeia para o mercado interno para ajudar as empresas europeias a superarem os desafios tecnológicos, sociais, ambientais e de concorrência

(parecer exploratório)

(C/2024/2096)

Relatora:

Sandra PARTHIE

Correlator:

Alain COHEUR

Consulta

Presidência belga do Conselho da União Europeia, 10.7.2023

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

20.12.2023

Adoção em plenária

17.1.2024

Reunião plenária n.o

584

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

228/0/3

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Uma estratégia para o futuro do mercado interno deve centrar-se em vários aspetos: numa política industrial europeia, num quadro favorável para as empresas, nomeadamente as pequenas e médias empresas (PME), nas empresas da economia social, no apoio público ao projeto europeu, em serviços de interesse geral (SIG) devidamente organizados e eficientes e na adoção de medidas para preservar e desenvolver o nosso modelo social.

A nova estratégia industrial deve:

permitir o desenvolvimento de uma economia industrial sólida, verde, digital, sustentável e justa, limitar as dependências excessivas e garantir o acesso a fontes seguras e sustentáveis de matérias-primas críticas, consolidar o modelo social europeu e garantir os direitos humanos fundamentais;

favorecer o desenvolvimento de infraestruturas digitais europeias modernas, interoperáveis e estratégicas, necessário para uma indústria inteligente, competitiva, ecológica e resiliente, incluindo a inteligência artificial (IA);

combater as alterações climáticas, assegurando a neutralidade carbónica, nomeadamente através de uma aposta na eficiência energética, na utilização de energias renováveis, na economia circular e na maior durabilidade dos produtos;

conceber uma política económica estável, com regras claras, garantindo a segurança jurídica e proporcionando capacidade suficiente nas finanças públicas para a inovação;

garantir um acesso seguro a uma energia descarbonizada a preços estáveis e competitivos para apoiar os setores com utilização intensiva de energia, que constituem o pilar da indústria europeia;

reforçar a capacidade de adaptação e as competências da mão de obra, bem como boas condições de trabalho no setor industrial, a fim de enfrentar os desafios demográficos.

1.2

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) solicita a criação de um novo quadro analítico para orientar a tomada de decisões estratégicas num mundo em mutação que enfrenta novos desafios geopolíticos. Há uma série de objetivos contraditórios (pedidos de subvenções versus pedidos para limitar os auxílios estatais; requisitos de produção local versus abertura do mercado; acesso a matérias-primas indispensáveis versus condições de abastecimento). É necessário um novo sistema de cooperação para encontrar as melhores soluções, bem como um novo espírito de colaboração entre os Estados-Membros, a fim de criar um sentimento genuíno de identidade europeia. A introdução de um serviço civil e social pan-europeu para todos os jovens europeus poderá ser uma opção para promover uma melhor compreensão das necessidades dos outros povos, países e culturas.

1.3

O CESE considera que, ao reforçar o mercado interno, se deve dar prioridade a políticas que proporcionem um enquadramento para a inovação pelas empresas privadas e que promovam a inovação através do acesso ao capital de risco, em especial para os novos empresários, e do desenvolvimento de relações entre a indústria e o setor científico, em particular as universidades.

1.4

O mercado interno deverá permitir o desenvolvimento das PME e dos seus trabalhadores. O valor do mercado interno para as PME reside na criação de normas comuns para os respetivos serviços e produtos, que lhes permitam operar além-fronteiras e que promovam, simultaneamente, uma redução da burocracia, a simplificação dos procedimentos e o combate a todas as formas de corrupção.

1.5

A coerência entre a legislação da União Europeia (UE), por um lado, e a sua aplicação e o seu cumprimento nos Estados-Membros, por outro, é uma condição indispensável. A execução da nova estratégia industrial destacará a necessidade de colocar maior ênfase nas dinâmicas de incentivo, de experimentação ou de avaliação em vez de numa abordagem puramente normativa.

1.6

O CESE solicita uma avaliação das consequências da liberalização dos serviços de interesse económico geral (SIEG) na coesão económica, social e territorial, a análise da eventual necessidade de criar instrumentos europeus de intervenção pública nos setores dos SIEG e/ou o estabelecimento de serviços públicos europeus eficientes, bem como o lançamento de um programa ambicioso de modernização e a criação de condições-quadro nos setores estratégicos dos SIEG, designadamente os da energia e matérias-primas, da mobilidade e transportes públicos, da água, saneamento e recursos hídricos e das telecomunicações e acessibilidade digital.

1.7

O CESE convida a Comissão Europeia a elaborar uma comunicação interpretativa do artigo 54.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e dos artigos do Tratado sobre o direito da concorrência, a fim de clarificar o conceito de organização «sem fins lucrativos» na legislação da UE. O CESE considera que deve ser anexado ao TFUE um protocolo sobre a diversidade das formas de empresa, à semelhança do Protocolo (n.o 26) relativo aos serviços de interesse geral, e insta os Estados-Membros a incluírem esta revisão no próximo programa de reformas.

1.8

As normas europeias desempenharam um papel importante na conceção inicial do mercado único. As normas não visam apenas simplificar o acesso das empresas ao mercado interno, desempenham também um papel importante para os consumidores. O seu objetivo é proteger a saúde e a segurança, bem como os interesses económicos e jurídicos dos consumidores europeus, onde quer que vivam, viajem e façam compras na UE. A sua criação conduziu à redução das cerca de 150 000 normas nacionais em vigor em 1985 para 13 000 normas europeias harmonizadas em 2007. É esta a dinâmica que se impõe para a prossecução do desenvolvimento do mercado único.

2.   Observações na generalidade

2.1

A UE demonstrou uma verdadeira capacidade de resiliência alicerçada nas conquistas da construção de um mercado interno ativo de 450 milhões de pessoas, em instituições que demonstraram uma capacidade de resposta inesperada — com aquisições conjuntas de vacinas, ações conjuntas dos parceiros sociais em matéria de trabalho a tempo parcial, empréstimos mutualizados, planos de recuperação solidários e solidariedade com a Ucrânia —, bem como numa sociedade civil ativa. Essa resiliência repousa também sobre um tecido empresarial constituído por empresas de capitais, empresas públicas e empresas da economia social importantes e que se complementam.

2.2

A UE depende, em muitos setores, de outros países, por exemplo, no que respeita aos combustíveis fósseis e às matérias-primas. Não possui uma política industrial comum para enfrentar a concorrência estrangeira e tem uma união orçamental e monetária limitada, o que representa uma ameaça para o funcionamento e a perenidade do mercado interno. A modernização do mercado interno é, por conseguinte, indispensável.

2.3

Em harmonia com as suas propostas recentes (1), o CESE apela para uma nova estratégia industrial europeia ativa que salvaguarde a base industrial europeia e que não só incentive as iniciativas empresariais, em particular das PME, mas também preveja políticas públicas que estimulem o empreendedorismo e a inovação. Deve prever igualmente serviços de interesse geral eficientes e de qualidade que respondam efetivamente às necessidades individuais e coletivas e garantam o acesso universal e os direitos fundamentais e sociais de cada indivíduo, a dinamização das diferentes formas de economia social e solidária e a mobilização da sociedade civil, a promoção do emprego estável, inclusivo e duradouro, bem como a participação democrática de toda a sociedade.

2.4

É imperativo que todas as partes interessadas (consumidores, empresas, trabalhadores, poderes públicos e sociedade civil) estejam organizadas e avancem em conjunto rumo a uma transformação comum. É também essencial favorecer o desenvolvimento e a gestão da inovação científica, tecnológica, empresarial e social, que é a chave da competitividade da UE.

2.5

A dinâmica da transformação exige uma capacidade de reação e de adaptação rápida da parte das empresas, mas também dos poderes públicos. Nesta fase particular de transformação estrutural, é essencial manter um diálogo permanente sobre os desafios e os obstáculos com os agentes da transformação para garantir o êxito sustentável da política industrial. Esse diálogo permanente permitirá que se encare a transformação como um processo de investigação e de inovação constante, cujos resultados ou êxito não podem ser considerados como um dado adquirido.

3.   Observações na especialidade

3.1    Reforçar o mercado interno da UE

3.1.1

O mercado interno continua a não estar à altura do seu verdadeiro potencial e do seu papel no reforço da resiliência das economias da UE. É cada vez mais um mercado digital. Por conseguinte, todas as reformas que contribuam para uma concorrência mais justa no mercado único digital devem ser consideradas positivas.

3.1.2

A conclusão do mercado de capitais da UE é crucial para o aprofundamento do mercado único. O mercado de capitais deve ser orientado para o financiamento da produção, aquisição e fluxo de bens e serviços, nomeadamente apoiando a investigação, o desenvolvimento e a inovação das empresas, bem como os serviços de interesse geral, e fomentando o empreendedorismo.

3.1.3

O CESE considera que, ao reforçar o mercado interno, se deve dar prioridade a políticas que enquadrem a inovação promovida pelas empresas privadas e fomentem a inovação através do acesso ao capital de risco, em especial para os novos empresários, e do desenvolvimento de relações entre a indústria e o setor científico, em particular as universidades.

3.1.4

A produtividade é um fator fundamental para a competitividade. O aumento da produtividade, por exemplo através de novas tecnologias, reforça a oferta, diminui os preços e aumenta os salários reais. Os investimentos no aumento da produtividade são, por conseguinte, fundamentais para o crescimento da economia.

3.1.5

O Estado de direito deve prevalecer. A UE assenta num conjunto abrangente de regras (acervo da UE) e só funcionará se estas forem transpostas e aplicadas da mesma forma em todos os Estados-Membros. Com efeito, muitas destas regras não são transpostas para o direito interno dos Estados-Membros, ou são aplicadas de forma muito diferente ou em graus muito diferentes. Esta situação representa um obstáculo importante ao bom funcionamento do mercado interno e à confiança dos cidadãos no mesmo. Por conseguinte, a aplicação do acervo deve ser uma prioridade para reforçar o mercado único e a confiança que este inspira.

3.1.6

É importante que a UE se posicione claramente contra as tendências protecionistas e as práticas comerciais desleais em articulação com parceiros que partilham das mesmas ideias e no seio de organizações internacionais. Os instrumentos de defesa comercial devem ser utilizados rápida e eficazmente pela Comissão Europeia para analisar os auxílios estatais concedidos às empresas pelas autoridades de Estados terceiros e, se for caso disso, para impedir que essas empresas e os respetivos produtos beneficiem de um tratamento preferencial injusto quando entram no mercado interno da UE.

3.1.7

As normas europeias comuns podem criar oportunidades comerciais e facilitar a cooperação económica com os parceiros e os clientes na UE e no mundo inteiro. No entanto, o CESE expressa a sua preocupação com as tendências manifestas de politização da normalização e de introdução de disposições técnicas por meio de atos delegados. Esse modo de elaboração de normas, nomeadamente quanto se trata de normas importantes, implica frequentemente atrasos e um vazio regulamentar no mundo dos negócios. Esta situação cria insegurança jurídica. Cumpre colmatar urgentemente o atraso que daí resulta e promover a participação das empresas na elaboração dessas normas.

3.2    Uma nova estratégia industrial europeia

3.2.1

A UE necessita de uma política industrial que se centre tanto na qualidade dos fatores económicos do lado da oferta (por exemplo, infraestruturas, Estado de direito, sistema de ensino) como na capacidade de gerir a própria transformação. A política industrial deve, por conseguinte, criar as condições para uma mudança estrutural em mercados concorrenciais que garanta, ao mesmo tempo, a competitividade na criação de valor. Tal implica colocar maior ênfase nas dinâmicas de incentivo, de experimentação ou de avaliação em vez de nas disposições jurídicas ou nas medidas administrativas ou burocráticas.

3.2.2

No contexto da dupla transição, o mercado interno e a política industrial da UE devem favorecer uma competitividade inclusiva e sustentável que assegure um nível elevado de proteção social e ambiental, emprego de qualidade e condições de equidade e de solidariedade, a fim de preservar o modelo de economia social de mercado fortemente competitiva.

3.2.3

A capacidade de adaptação dos intervenientes através da inovação e do investimento são elementos decisivos para o êxito da mudança. A indústria tem um impacto particularmente positivo na produtividade; é responsável por níveis de despesa em investigação e desenvolvimento superiores à média e, em virtude das capacidades conjuntas de I&D, tem um forte potencial de inovação bem como efeitos indiretos significativos nos setores dos serviços.

3.2.4

O CESE sublinha que importa fazer a distinção entre a dependência económica individual e a dependência económica europeia e nacional. As empresas organizam as suas cadeias de abastecimento bem como a aquisição de matérias-primas e de produtos intermédios com base numa avaliação prévia dos custos e dos riscos do ponto de vista económico. A fiabilidade das relações de fornecimento depende das condições contratuais que a empresa logre obter em função da situação do mercado e do seu poder de negociação. Paralelamente, os intervenientes políticos e económicos europeus atuam em conjunto para assegurar o abastecimento de matérias-primas críticas. O CESE apoia os esforços desenvolvidos pela UE e pelos Estados-Membros para desempenharem um papel mais ativo na garantia de um abastecimento sustentável e a longo prazo de matérias-primas, seja através do desenvolvimento da economia circular e da reciclagem, da substituição das matérias-primas críticas, do armazenamento das matérias-primas ou da promoção da extração estratégica das mesmas.

3.2.5

Além disso, os poderes públicos deveriam verificar se a economia dispõe dos incentivos e dos meios necessários para reduzir suficientemente as dependências críticas em matéria de política económica. Se não for esse o caso, cumpre promover instrumentos públicos suplementares proporcionados para esse fim.

3.2.6

Segundo dados da UE, existem 2 950 polos industriais regionais que representam cerca de um quarto dos postos de trabalho europeus (61,8 milhões, ou seja, 23,4 % do total europeu) (2). Trata-se de um elemento-chave da economia real, pelo que uma nova estratégia industrial europeia deve otimizar a atividade e as condições destes polos e dos seus trabalhadores.

3.2.7

A fim de proporcionar o capital necessário para a inovação, a conclusão da União Bancária e da União dos Mercados de Capitais reveste-se de enorme importância para mobilizar capital para as PME, realizar investimentos transfronteiriços e tornar o sistema financeiro mais resiliente. Além disso, as normas relativas à classificação dos investimentos sustentáveis devem ser geríveis, compreensíveis e coerentes. Por outro lado, é imperativo financiar prioritariamente a economia real velando para que nenhum setor seja negligenciado.

3.2.8

Um mercado interno forte implica eliminar obstáculos persistentes, apoiar ativamente a inovação e a investigação, e direcionar e orientar os investimentos, ajustando as regras da UE em matéria de auxílios estatais a estes objetivos. Neste contexto, é importante verificar se o direito da concorrência em vigor continua a ser adequado à sua finalidade e se devem ser tidos mais em conta os objetivos de política pública da UE e dos seus Estados-Membros. Esse mercado interno forte deve assentar numa abordagem de base local, que associe as regiões e todos os órgãos de poder local. Deve contribuir para a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais e do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, integrar o desenvolvimento do capital humano e promover empregos de qualidade bem remunerados, a fim de envolver os trabalhadores nas transições necessárias.

3.2.9

Os projetos importantes de interesse europeu comum visam permitir a transformação ecológica e digital na UE. O lançamento destes projetos complexos exige grandes investimentos que nem todos os Estados-Membros podem financiar. Para garantir que estes investimentos têm um impacto positivo em todo o mercado interno, é necessário tomar medidas que assegurem uma coordenação eficaz entre os Estados-Membros, uma melhor divulgação dos resultados, a inclusão das PME e a afetação de recursos financeiros adicionais.

3.2.10

O desenvolvimento da IA deve constituir uma das prioridades da política industrial e do reforço do mercado interno. É necessário definir princípios e critérios que orientem a sua utilização pelas empresas em causa, assegurando que esta é consentânea com os valores europeus. Este aspeto é particularmente importante, quer para as empresas que produzem inteligência artificial, ou seja, software e sistemas de previsão que utilizam extensivamente dados cuja aquisição e tratamento devem respeitar critérios de representatividade, fiabilidade, proteção, e transparência, quer para as empresas que utilizam a IA nos seus processos, a fim de garantir que esta é utilizada corretamente e não prejudica os direitos dos utilizadores, dos clientes e dos trabalhadores.

3.2.11

A IA representa uma oportunidade para as inovações tecnológicas que têm um impacto significativo nos processos de produção, de comercialização e de distribuição de bens e serviços, bem como na organização interna das empresas. A fim de realizar todo o seu potencial, é importante antecipar o impacto que terá na sociedade, em geral, e no mundo do trabalho, em particular, e desenvolver as competências necessárias.

3.3    O desenvolvimento de iniciativas empresariais e das PME

3.3.1

As PME desempenham um papel fundamental na inovação e na resposta adaptada a situações e necessidades diversas. A este respeito, é crucial que o sistema financeiro lhes proporcione de forma eficaz os recursos necessários para os investimentos sustentáveis.

3.3.2

O papel do mercado único europeu consiste em garantir o acesso das PME aos futuros mercados e cadeias de valor. A burocracia excessiva em termos de exigências de notificação, de documentação e de prova dificultam, de forma cada vez mais significativa, as principais atividades das PME. Importa dar novamente primazia ao princípio «pensar primeiro em pequena escala».

3.3.3

O acesso equitativo aos dados é necessário para todos os setores e essencial para muitos modelos empresariais, por exemplo nos domínios dos veículos motorizados, das máquinas agrícolas ou das infraestruturas de construção e/ou de residências inteligentes, bem como para a utilização das plataformas em geral. A nível nacional e europeu, o CESE considera que tal exige um quadro jurídico que garanta às empresas um acesso aos dados equitativo, tecnicamente viável e seguro.

3.3.4

A existência de regras claras e de procedimentos pragmáticos é importante para as PME, especialmente quando operam no estrangeiro. Assim, a fim de permitir uma notificação simples em conformidade com as regras em matéria de destacamento de trabalhadores, as obrigações de comunicação e de verificação devem ser limitadas ao mínimo necessário, simplificadas, transparentes e compreensíveis. Um portal de comunicação digital normalizado, bem como a declaração eletrónica, é uma solução para lidar com os requisitos de destacamento de forma mais rápida e menos burocrática.

3.3.5

No âmbito das atividades económicas transfronteiriças, o desenvolvimento de um Passaporte Europeu de Segurança Social digital e a obrigação de os titulares o levarem consigo ajudariam as empresas e os respetivos funcionários a reduzirem as obrigações em matéria de documentação e de prova. A longo prazo, as funções da identificação eletrónica e da carteira de identidade digital da UE, que podem agregar eletronicamente informações e documentos e permitir interações de igual para igual, deverão ser alargadas. O CESE insiste na necessidade de uma melhor cooperação entre as autoridades competentes a nível nacional e regional, nomeadamente com o auxílio de procedimentos administrativos digitais e interoperáveis.

3.4    Serviços de interesse geral

3.4.1

A par das iniciativas empresariais e das políticas públicas, há SIG que visam garantir a todos os habitantes o direito de aceder a bens e serviços essenciais, levam a cabo iniciativas de solidariedade, asseguram a coesão económica, social e territorial e têm em conta o longo prazo e os interesses das gerações futuras (3). O mercado interno necessita de SIG em toda a União Europeia. Os SIG representam 25 % do PIB da UE e 20 % de todos os postos de trabalho e fornecem infraestruturas de transporte, de energia, de comunicação, de acesso a água e saneamento, um sistema de ensino orientado para a investigação, um sistema de saúde baseado na prevenção e no acesso universal aos cuidados, um ambiente de segurança e de justiça, e condições de vida, de habitação e de subsistência dignas.

3.4.2

Os SIG são reconhecidos na educação, na cultura, na habitação, na assistência às pessoas sem-abrigo, nos cuidados de longa duração, na inclusão das pessoas com deficiência e nos cuidados de saúde. São as autoridades dos Estados-Membros que têm competência geral para definir, «prestar, mandar executar e organizar» esses serviços. São livres de escolher os métodos de gestão interna ou delegada, bem como o estatuto das empresas que desempenham essas missões de serviço público.

3.4.3

No que diz respeito ao papel fundamental desempenhado pelo setor hospitalar na vida quotidiana e durante os períodos de problemas graves de saúde pública (COVID-19), é essencial que a política de concorrência e as regras em matéria de auxílios estatais sejam aplicadas no respeito das prerrogativas dos Estados-Membros em matéria de definição de objetivos nacionais de saúde pública e do leque de modelos socioeconómicos que regem o setor hospitalar, sem impedir o bom funcionamento do mercado interno. A aplicação das regras de concorrência da UE (em especial as relativas aos auxílios estatais) aos serviços de saúde deve ter em conta o facto de estes prestarem um serviço que é do interesse geral da sociedade. Há que ter na devida conta os princípios da coesão e da solidariedade, uma vez que estes serviços são fundamentais para a sua aplicação.

3.4.4

Quinze anos após a entrada em vigor do novo Tratado ainda não houve qualquer proposta de iniciativa legislativa da Comissão com base no artigo 14.o do TFUE. É tempo de fazer um balanço da ação da UE no domínio dos SI(E)G e de dar um efeito útil ao artigo 14.o do TFUE e ao Protocolo n.o 26 anexo ao Tratado.

3.4.5

O CESE insta a Comissão Europeia a proceder a uma avaliação exaustiva do funcionamento e do impacto dos SI(E)G, que incida sobre:

as consequências da liberalização dos SIEG para a coesão económica, social e territorial em termos de qualidade, acessibilidade, adaptabilidade e preço/serviço;

a eventual necessidade de criar instrumentos europeus de intervenção pública nos setores dos SIEG e/ou o estabelecimento de serviços públicos europeus eficientes (4);

a eventual identificação de uma categoria autónoma de serviços sociais de interesse geral (SSIG) com um regime mais alargado do que o atual direito positivo em termos de solidariedade e de justiça social.

3.4.6

O objetivo de uma autonomia estratégica aberta torna imperativo o lançamento de um programa ambicioso de modernização e a criação de condições-quadro nos setores estratégicos dos SIEG, designadamente os da energia e matérias-primas, da mobilidade e transportes públicos, da água, saneamento e recursos hídricos e das telecomunicações e acessibilidade digital.

3.4.7

Recomendações específicas para os SIEG

O CESE solicita:

o lançamento de um plano europeu para os setores estratégicos dos SIEG para o período 2024-2029 no âmbito da concretização da autonomia estratégica aberta da UE,

que se nomeie, no seio do próximo colégio, um comissário responsável pelo plano estratégico 2024-2029 para SIEG seguros, de qualidade e sustentáveis, e que se confie a uma agência europeia a tarefa de acompanhar a evolução do cumprimento das obrigações de serviço público e do serviço universal dos SIEG,

a constituição de um operador europeu para a rede de transporte de eletricidade de muito alta tensão e interligações transfronteiriças,

a elaboração de um estudo sobre a criação de operadores europeus para as redes ferroviárias transeuropeias de alta velocidade,

uma definição clara das missões e das obrigações de serviço público do Galileo,

o acesso de todas as partes interessadas aos resultados da investigação financiada por fundos públicos.

3.5    A economia social e solidária e a sociedade civil

3.5.1

Não existe um quadro jurídico para a economia social e para os SSIG. No entanto, estes são parte integrante da nova estratégia industrial europeia, em pé de igualdade e em complementaridade com as iniciativas empresariais, a ação pública ou os serviços de interesse geral. A sua aplicação assenta frequentemente na mobilização da sociedade civil, no voluntariado e numa variedade de formas de empresa da economia social (cooperativas, mútuas, empresas sociais ou associações). Visam dar resposta às necessidades sociais e societais de cada habitante, de cada interveniente, de cada coletividade e de cada território.

3.5.2

Nos termos do artigo 54.o do TFUE, o direito da UE reconhece dois tipos de entidades: as que não têm fins lucrativos, abrangendo exclusivamente as organizações que exercem uma atividade sem interesses económicos, e as empresas, entre as quais se destacam as sociedades comerciais. No entanto, as empresas da economia social não prosseguem o objetivo de maximização ou de rentabilidade do capital, mas antes um objetivo social (5). Em várias ocasiões, o CESE defendeu a necessidade de ter efetivamente em conta a diversidade de formas de empresa na regulamentação da UE.

3.5.3

É necessário promover a formalização de um quadro jurídico europeu para os SSIG que respeite o poder discricionário dos Estados-Membros para organizarem e financiarem os SSIG e adotar um quadro jurídico específico que reconheça o papel das empresas da economia social enquanto prestadoras de serviços.

3.5.4

Embora a existência de SSIG eficientes seja fundamental para reforçar a confiança das pessoas na capacidade de ação do seu governo, é fundamental criar um sentimento genuíno de identidade europeia, a fim de aumentar o apoio à integração europeia em geral. A introdução de um serviço civil e social pan-europeu para todos os jovens europeus poderá ser uma opção para promover uma melhor compreensão das necessidades dos outros povos, países e culturas.

3.6    O impacto do alargamento da UE no mercado único

3.6.1

O futuro do mercado único estará muito provavelmente ligado a um alargamento da UE. Este processo deve ser bem gerido, sem exigir demasiado dos países candidatos à adesão em termos de capacidades de integração e da sua adoção do acervo da UE. O CESE propõe que se adote uma abordagem gradual e específica para cada país, por exemplo, colocando a tónica na integração económica e nos valores comuns da UE, o que permitiria abrir o mercado único a potenciais novos Estados-Membros.

3.6.2

É necessário que todas as partes envolvidas giram as expectativas, comunicando claramente as obrigações e os direitos tanto aos países em causa como aos Estados-Membros da UE. Os países devem, por exemplo, procurar contribuir para o Espaço Económico Europeu (acesso ao mercado), ou para o seu espaço cívico (cidadania europeia) ou social (direitos dos trabalhadores, proteção dos consumidores), e daí retirar benefícios.

Bruxelas, 17 de janeiro de 2024.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Oliver RÖPKE


(1)  Em particular o Parecer — Competitividade e indústria JO C, C/2024/875, 6.2.2024, http://data.europa.eu/eli/C/2024/875/oj; JO C 349 de 29.9.2023, p. 179; JO C 105 de 4.3.2022, p. 63; JO C 56 de 16.2.2021, p. 10; JO C 282 de 20.8.2019, p. 1.

(2)   «European Panorama of Clusters and Industrial Change» [Panorama europeu dos polos e das mutações industriais], Comissão Europeia, 2020.

(3)  Entre os numerosos pareceres e contributos do CESE, ver o Parecer — Cocriação de serviços de interesse geral como contributo para uma democracia mais participativa na UE, JO C 486 de 21.12.2022, p. 76.

(4)  Por exemplo, uma agência europeia de abastecimento de determinados produtos sanitários, de energia, ou outros, ou algo semelhante.

(5)   JO C 282 de 20.8.2019, p. 1.


ELI: http://data.europa.eu/eli/C/2024/2096/oj

ISSN 1977-1010 (electronic edition)


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