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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62023CJ0269

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 28 de novembro de 2024.
Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE e Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política comercial comum — Defesa contra as importações que são objeto de subvenções de países terceiros — Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação da Organização Mundial do Comércio (OMC) — Artigos 1.° e 2.° — Regulamento (UE) 2016/1037 — Artigos 2.° a 4.o — Conceitos de “subvenção”, de “poderes públicos”, de “especificidade” e de “vantagem” — Contribuições financeiras concedidas por organismos públicos chineses a empresas de direito egípcio detidas por entidades chinesas e estabelecidas na Zona de Cooperação Económica e Comercial do Suez entre a China e o Egito — Possibilidade de qualificar essas contribuições financeiras de subvenções concedidas pelos poderes públicos egípcios, tendo em conta o comportamento específico destes — Admissibilidade — Requisitos — Contribuição financeira que consiste na renúncia a receitas públicas normalmente exigíveis — Vantagem conferida às empresas beneficiárias — Escolha da situação de referência pertinente para caracterizar a existência dessa contribuição financeira e dessa vantagem — Artigos 5.° e 6.o — Cálculo da vantagem — Conceitos de “beneficiário” e de “empresa”.
Processos apensos C-269/23 P e C-272/23 P.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2024:984

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

28 de novembro de 2024 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política comercial comum — Defesa contra as importações que são objeto de subvenções de países terceiros — Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação da Organização Mundial do Comércio (OMC) — Artigos 1.o e 2.o — Regulamento (UE) 2016/1037 — Artigos 2.o a 4.o — Conceitos de “subvenção”, de “poderes públicos”, de “especificidade” e de “vantagem” — Contribuições financeiras concedidas por organismos públicos chineses a empresas de direito egípcio detidas por entidades chinesas e estabelecidas na Zona de Cooperação Económica e Comercial do Suez entre a China e o Egito — Possibilidade de qualificar essas contribuições financeiras de subvenções concedidas pelos poderes públicos egípcios, tendo em conta o comportamento específico destes — Admissibilidade — Requisitos — Contribuição financeira que consiste na renúncia a receitas públicas normalmente exigíveis — Vantagem conferida às empresas beneficiárias — Escolha da situação de referência pertinente para caracterizar a existência dessa contribuição financeira e dessa vantagem — Artigos 5.o e 6.o — Cálculo da vantagem — Conceitos de “beneficiário” e de “empresa”»

Nos processos apensos C‑269/23 P e C‑272/23 P,

que têm por objeto dois recursos de acórdãos do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos, respetivamente, em 25 e em 27 de abril de 2023,

Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE, com sede em Ain Soukhna (Egito) (C‑269/23 P),

Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE, com sede em Ain Soukhna (C‑269/23 P e C‑272/23 P),

recorrentes,

representadas por V. Crochet e B. Servais, avocats,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por P. Kienapfel, G. Luengo e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

Tech‑Fab Europe eV, com sede em Frankfurt am Main (Alemanha),

interveniente em primeira instância (C‑269/23 P),

Association des producteurs de fibres de verre européens (APFE), com sede em Ixelles (Bélgica),

interveniente em primeira instância (C‑272/23 P),

representadas por J. Beck, advocaat, e L. Ruessmann, avocat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, M. L. Arastey Sahún, presidente da Quinta Secção, e J. Passer (relator), juiz,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de maio de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso no processo C‑269/23 P, a Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE (a seguir «Hengshi») e a Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE (a seguir «Jushi») pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 1 de março de 2023, Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics e Jushi Egypt for Fiberglass Industry/Comissão (T‑480/20, a seguir Acórdão T‑480/20, EU:T:2023:90), que negou provimento ao seu recurso de anulação, na parte em que lhes dizia respeito, do Regulamento de Execução (UE) 2020/776 da Comissão, de 12 de junho de 2020, que institui direitos de compensação definitivos sobre as importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro originários da República Popular da China e do Egito e que altera o Regulamento de Execução (UE) 2020/492 da Comissão que institui direitos antidumping definitivos sobre as importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro originários da República Popular da China e do Egito (JO 2020, L 189, p. 1; a seguir «regulamento controvertido no processo T‑480/20»).

2

Com o presente recurso no processo C‑272/23 P, a Jushi pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral de 1 de março de 2023, Jushi Egypt for Fiberglass Industry/Comissão (T‑540/20, a seguir Acórdão T‑540/20 e, em conjunto com o Acórdão T‑480/20, acórdãos recorridos, EU:T:2023:91), que negou provimento ao seu recurso de anulação, na parte em que lhe dizia respeito, do Regulamento de Execução (UE) 2020/870 da Comissão, de 24 de junho de 2020, que institui um direito de compensação definitivo e cobra definitivamente o direito provisório instituído sobre as importações de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo originários do Egito e que estabelece a cobrança do direito de compensação definitivo sobre as importações registadas de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo originários do Egito (JO 2020, L 201, p. 10; a seguir «regulamento controvertido no processo T‑540/20», e, em conjunto com o regulamento controvertido no processo T‑480/20, «regulamentos controvertidos»).

Quadro jurídico

Direito internacional

3

O Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe em 15 de abril de 1994, foi aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO 1994, L 336, p. 1; a seguir «Acordo que institui a OMC»). O anexo 1A deste acordo inclui, nomeadamente, um Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação.

4

O artigo 1.o do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, sob a epígrafe «Definição de subvenção», estipula:

«1.1. Para efeitos do presente acordo, considera‑se que existe uma subvenção se:

a)

1.

Existir uma contribuição financeira do Estado ou de qualquer entidade pública no território de um membro (designados por “Estado” no presente acordo), ou seja, sempre que:

i)

a prática do Estado inclua uma transferência direta de fundos (sob a forma de subsídios, empréstimos e injeções de capital, por exemplo), potenciais transferências diretas de fundos ou responsabilidades (garantias de empréstimo, por exemplo);

ii)

o Estado renuncie ou não proceda à cobrança de receitas públicas normalmente exigíveis (incentivos fiscais, tais como créditos fiscais
por exemplo) […]

iii)

o Estado forneça bens ou serviços que não infraestruturas gerais, ou adquira bens;

iv)

o Estado efetue pagamentos a um mecanismo de financiamento, ou encarregue um organismo privado de executar uma ou diversas funções dos tipos enumerados nas alíneas i) a iii), que normalmente incumbiriam ao Estado, ou determine que o faça, e a prática seguida não difira realmente da prática normal do Estado;

[…]

e

b)

deste modo, se conceder uma vantagem.

[…]»

5

O artigo 2.o deste acordo, sob a epígrafe «Especificidade», dispõe:

«2.1.   A fim de determinar se uma subvenção, tal como definida no n.o 1 do artigo 1.o, é concedida especificamente a uma empresa ou a um ramo de produção ou a um grupo de empresas ou ramos de produção (a seguir designados por “certas empresas”) sujeitos à jurisdição da entidade que concede a subvenção, serão aplicados os seguintes princípios:

a)

No caso de a entidade que concede a subvenção, ou a legislação ao abrigo da qual atua a referida entidade, limitar expressamente a certas empresas o acesso à subvenção, considera‑se que tal subvenção é específica;

b)

No caso de a entidade que concede a subvenção, ou a legislação ao abrigo da qual atua a referida entidade, sujeitar a critérios ou a condições objetivos […] o direito de beneficiar da subvenção e o montante desta última, considera‑se que não se trata de uma subvenção específica, desde que o direito de beneficiar da subvenção seja automático e que os referidos critérios ou condições sejam estritamente respeitados. […]

c)

No caso de, não obstante se afigurar que não existe especificidade resultante da aplicação dos princípios enunciados nas alíneas a) e b), existirem motivos para considerar que a subvenção pode efetivamente ser específica, poderão ser tomados em consideração outros fatores. […]

2.2   Será considerada específica uma subvenção limitada a certas empresas situadas no interior de uma região geográfica determinada abrangida pela jurisdição da entidade que concede esta subvenção. […]

[…]»

6

O artigo 5.o do referido acordo, sob a epígrafe «Efeitos desfavoráveis», enuncia:

«Nenhum membro deverá causar, recorrendo a qualquer uma das subvenções referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 1.o, efeitos desfavoráveis aos interesses dos restantes membros, […]

[…]»

7

O artigo 11.o do mesmo acordo, sob a epígrafe «Início do processo e inquérito subsequente», prevê, no seu n.o 8:

«Quando os produtos não forem importados diretamente do país de origem, mas forem exportados a partir de um país intermédio com destino ao membro de importação, as disposições do presente membro serão plenamente aplicáveis e a transação ou as transações serão consideradas, para efeitos do presente acordo, como tendo sido realizadas entre o país de origem e o membro de importação.»

Direito da União

8

A defesa contra as importações que são objeto de subvenções por parte de países não membros da União Europeia foi sucessivamente regulada, a partir de 1968 e até 1994, por uma série de regulamentos comuns a este domínio e ao do dumping, e depois por uma série de regulamentos específicos. O último destes regulamentos específicos é o Regulamento (UE) 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações que são objeto de subvenções de países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 55), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2018/825 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018 (JO 2018, L 143, p. 1) (a seguir «Regulamento 2016/1037»).

9

Os considerandos 2 a 5 do Regulamento 2016/1037 enunciam:

«2.

O anexo 1A do Acordo que cria a Organização Mundial do Comércio […] contém, nomeadamente, […] um Acordo sobre subvenções e medidas de compensação […]

3.

Para garantir uma aplicação correta e transparente do regime previsto no acordo sobre subvenções [e medidas de compensação], deverá transpor‑se, na medida do possível, as disposições desse acordo para a legislação da União.

4.

Além disso, é conveniente especificar, de modo suficientemente pormenorizado, os casos em que se considera existir uma subvenção, os princípios segundo os quais essa subvenção pode ser passível de medidas de compensação (em especial, se se tratar de uma subvenção específica) e os critérios para calcular o montante da subvenção passível de medidas de compensação.

5.

Ao determinar a existência de uma subvenção, é necessário demonstrar que houve uma contribuição financeira da parte das autoridades ou de uma entidade pública no território de um país, […] daí advindo um benefício para a empresa beneficiária.»

10

O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Princípios», enuncia:

«1.   Pode ser instituído um direito de compensação destinado a neutralizar qualquer subvenção concedida, direta ou indiretamente, ao fabrico, produção, exportação ou transporte de produtos cuja introdução em livre prática na União cause prejuízo.

2.   Sem prejuízo do disposto no n.o 1, sempre que os produtos não sejam importados diretamente do país de origem mas sejam exportados para a União a partir de um país intermediário, o disposto no presente regulamento é plenamente aplicável e a transação ou transações são consideradas, quando adequado, efetuadas entre o país de origem e a União.»

11

O artigo 2.o do referido regulamento prevê, nomeadamente, que, para efeitos deste:

«a)

entende‑se que um produto é subvencionado sempre que beneficie de uma subvenção passível de medidas de compensação, na aceção dos artigos 3.o e 4.o Essa subvenção pode ser concedida pelos poderes públicos do país de origem do produto importado, ou pelos poderes públicos de um país intermediário do qual o produto seja exportado para a União, denominado, para efeitos do presente regulamento, “país de exportação”.

b)

entende‑se por “poderes públicos” as entidades públicas baseadas no território do país de origem ou de exportação».

12

O artigo 3.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Definição de subvenção», tem a seguinte redação:

«Considera‑se que existe uma subvenção se:

1.

a)

existir uma contribuição financeira dos poderes públicos do país de origem ou de exportação, ou seja, caso:

i)

uma medida dos poderes públicos inclua uma transferência direta de fundos (por exemplo, subsídios, empréstimos e injeções de capital), potenciais transferências diretas de fundos ou de responsabilidades (por exemplo, garantias de empréstimo),

ii)

os poderes públicos renunciem ou não procedam à cobrança de receitas públicas normalmente exigíveis (incentivos fiscais, tais como créditos fiscais, por exemplo). […]

iii)

os poderes públicos forneçam bens ou prestem serviços que não constituam infraestruturas gerais, ou adquiram bens,

iv)

os poderes públicos:

efetuem pagamentos a um mecanismo de financiamento, ou

atribuam a um organismo privado o exercício de uma ou mais funções dos tipos referidos nas subalíneas i), ii) e iii), que normalmente incumbiriam aos poderes públicos, ou lhe deem instruções nesse sentido, e a prática observada não difira realmente das práticas normais dos poderes públicos;

[…]

[…] e

2.

Deste modo, se conceder uma vantagem.»

13

O artigo 4.o do Regulamento 2016/1037, sob a epígrafe «Subvenções passíveis de medidas de compensação», enuncia:

«1.   As subvenções só são sujeitas a medidas de compensação se tiverem caráter específico, na aceção dos n.os 2, 3 e 4.

2.   A fim de determinar se uma subvenção é concedida especificamente a uma empresa, a uma indústria ou a um grupo de empresas ou indústrias (a seguir designadas por “certas empresas”), no âmbito das atribuições da entidade que concede a subvenção, são aplicáveis os seguintes princípios:

a)

caso a entidade que concede a subvenção, ou a legislação ao abrigo da qual atue, limite expressamente a certas empresas o acesso à subvenção, considera‑se que essa subvenção tem caráter específico;

b)

caso a entidade que concede a subvenção, ou a legislação ao abrigo da qual atue, sujeite a condições ou critérios objetivos o direito de beneficiar da subvenção e o seu montante, considera‑se que a subvenção não tem caráter específico, desde que o direito a dela beneficiar seja automático e os referidos critérios ou condições sejam estritamente respeitados;

c)

se, apesar de toda a aparência de não especificidade resultante da aplicação dos princípios enunciados nas alíneas a) e b), existirem motivos para considerar que a subvenção pode efetivamente ter caráter específico, podem ser tomados em consideração outros fatores. Esses fatores são os seguintes: utilização de um regime de subvenções por um número limitado de certas empresas; utilização dominante por certas empresas; concessão de montantes de subvenção desproporcionadamente elevados a certas empresas; e o modo como a autoridade que concede a subvenção exerceu o poder discricionário na decisão de conceder uma subvenção. […]

[…]

3.   Considera‑se que uma subvenção limitada a certas empresas situadas numa região geográfica determinada no âmbito das atribuições da entidade que concede a subvenção tem caráter específico. […]

[…]»

14

Nos termos do artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Cálculo do montante das subvenções passíveis de medidas de compensação»:

«O montante das subvenções passíveis de medidas de compensação deve ser calculado em termos da vantagem concedida ao beneficiário, verificado e determinado durante o período de inquérito. Em geral, este período é o ano contabilístico mais recente do beneficiário, embora possa ser qualquer outro período mínimo de seis meses anterior ao início do inquérito para o qual existam dados financeiros fiáveis ou outros dados pertinentes.»

15

O artigo 6.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Cálculo da vantagem conferida ao beneficiário», enuncia:

«No cálculo da vantagem conferida ao beneficiário, são aplicáveis as seguintes regras:

a)

uma participação dos poderes públicos no capital social de uma empresa não é considerada concessão de uma vantagem, a menos que o investimento possa ser considerado incompatível com a prática habitual em matéria de investimentos, incluindo o fornecimento de capital de risco, dos investidores privados no território do país de origem e/ou de exportação;

b)

um empréstimo concedido pelos poderes públicos não é considerado concessão de uma vantagem, a menos que exista uma diferença entre o montante que a empresa beneficiária do empréstimo paga sobre o empréstimo dos poderes públicos e o montante que pagaria por um empréstimo comercial comparável, que poderia efetivamente obter no mercado. Nesse caso, a vantagem é a diferença entre esses dois montantes;

c)

uma garantia de empréstimo concedida pelos poderes públicos não é considerada concessão de uma vantagem, a menos que exista uma diferença entre o montante que a empresa beneficiária da garantia paga sobre o empréstimo garantido pelos poderes públicos e o montante que pagaria por um empréstimo comercial comparável, na falta de garantia estatal. Nesse caso, a vantagem é a diferença entre esses dois montantes, ajustada de modo a ter em conta as diferenças nas comissões;

d)

o fornecimento de bens, a prestação de serviços ou a aquisição de bens pelos poderes públicos não são considerados concessão de uma vantagem, a menos que ao fornecimento ou à prestação corresponda uma remuneração inferior à adequada, ou que à aquisição corresponda uma remuneração superior à adequada. A adequação da remuneração é determinada em função das condições de mercado prevalecentes para o bem ou serviço em questão no país de fornecimento ou de aquisição, incluindo o preço, a qualidade, a disponibilidade, a possibilidade de comercialização, o transporte e outras condições de aquisição ou de venda.

[…]»

16

Por outro lado, diversas disposições do mesmo regulamento, em especial o artigo 9.o, n.o 3, o artigo 10.o, n.os 7 e 13, o artigo 11.o, n.os 6, 7 e 10, o artigo 13.o, n.os 1 a 3, o artigo 18.o, n.o 3, o artigo 29.o‑A, n.o 1, bem como o artigo 30.o, n.os 1 e 2, preveem diferentes faculdades em benefício, nomeadamente, do «país de origem ou de exportação», do «governo do país de origem e/ou de exportação», dos «poderes públicos do país de origem e/ou de exportação», bem como dos «poderes públicos que concedem subvenções passíveis de medidas de compensação».

Antecedentes dos litígios

17

Os factos na origem dos litígios, conforme apresentados nos acórdãos recorridos, podem ser resumidos da seguinte forma.

18

A Hengshi e a Jushi são duas sociedades estabelecidas no Egito e constituídas em conformidade com a legislação deste país. Cada uma delas é filial de uma sociedade‑mãe estabelecida na China. Estas duas sociedades‑mãe são, elas próprias, detidas e controladas integralmente por uma sociedade de topo também estabelecida na China, denominada «China National Building Materials Co. Ltd». Esta é uma sociedade estatal detida indiretamente e controlada integralmente pela Comissão de Supervisão e Administração dos Ativos Estatais do Conselho de Estado, entidade que, por sua vez, está ligada ao referido Conselho de Estado e é controlada por este.

19

A Hengshi e a Jushi operam, a diversos títulos, no setor do fabrico, da comercialização e da exportação, nomeadamente para a União, de produtos de fibra de vidro utilizados, entre outros, para a criação de materiais compósitos leves utilizados em domínios como a indústria automóvel, a indústria naval, a indústria aeronáutica, a energia eólica e a construção.

20

Estão estabelecidas numa região geográfica denominada «Zona de Cooperação Económica e Comercial do Suez entre a China e o Egito» (a seguir «zona CECS»).

21

Em conformidade com um acordo de cooperação assinado em 21 de janeiro de 2016 entre os poderes públicos chineses e os poderes públicos egípcios, na sequência de uma série de iniciativas comuns, a zona CECS é objeto de administração e desenvolvimento conjuntos. Para o efeito, os poderes públicos egípcios concedem determinadas isenções fiscais às empresas detidas por entidades chinesas ou sino‑egípcias que estão estabelecidas nesta zona e fornecem‑lhes terrenos e mão de obra, nas condições fixadas pela regulamentação egípcia aplicável. Por seu lado, os poderes públicos chineses disponibilizam, direta ou indiretamente, a essas empresas diferentes meios financeiros, no quadro da execução de um projeto global denominado «Uma Cintura, uma Rota», em ligação com o qual está prevista, nomeadamente, a possibilidade de as empresas chinesas que se vão estabelecer em países terceiros beneficiarem de diferentes medidas fiscais e financeiras sob a forma, por exemplo, de empréstimos, de investimentos e de seguros de crédito.

22

Durante os meses de maio e junho de 2019, a Comissão Europeia deu início, ao abrigo dos artigos 10.o e 11.o do Regulamento 2016/1037, a dois processos de inquérito que tinham por objeto possíveis subvenções que beneficiavam as importações de determinados produtos de fibra de vidro na União, na sequência de denúncias apresentadas, respetivamente, pela sociedade Tech‑Fab Europe eV (a seguir «Tech‑Fab Europe») e pela Association des producteurs de fibres de verre européens (Associação Europeia de Produtores de Fibra de Vidro) (APFE).

23

No termo destes inquéritos, a Comissão adotou sucessivamente, durante o mês de junho de 2020, o regulamento controvertido no processo T‑480/20 e o regulamento controvertido no processo T‑540/20. Ambos os regulamentos controvertidos instituem direitos de compensação sobre os produtos de fibra de vidro visados pelos referidos inquéritos que são importados para a União, respetivamente, pela Hengshi e pela Jushi, no que respeita ao primeiro, e pela Jushi, no que respeita ao segundo. Nestes regulamentos, a Comissão considerou que a Hengshi e a Jushi tinham beneficiado, no contexto da execução das diferentes iniciativas referidas no n.o 21 do presente acórdão, de um conjunto de subvenções concedidas pelos poderes públicos egípcios. Algumas das medidas que foram qualificadas deste modo são, em substância, segundo esta instituição, o resultado de uma cooperação entre estes poderes públicos e os poderes públicos chineses.

Recursos para o Tribunal Geral e acórdãos recorridos

24

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de julho de 2020, a Hengshi e a Jushi interpuseram um recurso de anulação do regulamento controvertido no processo T‑480/20. Em apoio desse recurso, invocaram seis fundamentos relativos à violação do Regulamento 2016/1037 e, para um deles, à violação dos seus direitos de defesa.

25

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de outubro de 2020, a Tech‑Fab Europe requereu que fosse autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

26

Por Despacho de 26 de janeiro de 2021, o presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral admitiu esta intervenção.

27

Em 1 de março de 2023, o Tribunal Geral proferiu o Acórdão T‑480/20, mediante o qual negou provimento ao recurso.

28

Paralelamente, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de agosto de 2020, a Jushi interpôs um recurso de anulação do regulamento controvertido no processo T‑540/20. Em apoio deste recurso, invocou cinco fundamentos relativos à violação do Regulamento 2016/1037 e, em relação a dois deles, à violação dos seus direitos de defesa e dos direitos de defesa dos poderes públicos egípcios. Sob reserva deste último aspeto, estes fundamentos são idênticos, na sua substância, ao segundo a sexto fundamentos invocados no processo T‑480/20.

29

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de dezembro de 2020, a APFE requereu que fosse autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

30

Por Despacho de 28 de abril de 2021, o presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral admitiu esta intervenção.

31

Em 1 de março de 2023, o Tribunal Geral proferiu o Acórdão T‑540/20, mediante o qual negou provimento ao recurso.

32

Os fundamentos de primeira instância pertinentes para os presentes recursos são os seguintes. Em primeiro lugar, com a primeira parte do segundo fundamento no processo T‑480/20 e com a segunda parte do primeiro fundamento no processo T‑540/20, as recorrentes tinham alegado, em termos idênticos, que a Comissão tinha violado o artigo 2.o, alíneas a) e b), e o artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037 ao considerar, em substância, que certas contribuições financeiras que lhes tinham sido concedidas pelos poderes públicos chineses deviam também ser consideradas subvenções concedidas pelos poderes públicos egípcios ou que podiam ser atribuídas ou imputadas a estes últimos. Em apoio desta argumentação, tinham apresentado três alegações distintas segundo as quais o raciocínio da Comissão assentava, primeiro, numa interpretação errada dos termos dessas disposições do Regulamento 2016/1037 e do contexto em que estas se inserem, segundo, na errada tomada em consideração do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação para efeitos da interpretação desse regulamento e, terceiro, admitindo que esse acordo deva ser tomado em consideração, numa interpretação errada deste à luz do artigo 31.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331, a seguir «Convenção de Viena»), bem como do artigo 11.o dos artigos sobre a responsabilidade do Estado por ato internacionalmente ilícito, elaborados pela Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas. O Tribunal Geral examinou e rejeitou a totalidade da referida argumentação nos n.os 71 a 103 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 38 a 70 do Acórdão T‑540/20.

33

Em segundo lugar, o Tribunal Geral pronunciou‑se sobre a segunda parte do segundo fundamento invocado pela Hengshi e pela Jushi no processo T‑480/20 e sobre a terceira parte do primeiro fundamento invocado pela Jushi no processo T‑540/20. Neste quadro, as recorrentes tinham sustentado, em termos idênticos, que a Comissão tinha violado o artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento 2016/1037 ao considerar que certas contribuições financeiras que lhes tinham sido concedidas pelos poderes públicos chineses constituíam subvenções específicas na aceção dessas disposições. Em apoio desta argumentação, alegaram, em substância, que, atendendo aos seus termos e ao contexto em que se inserem, as referidas disposições deviam ser interpretadas no sentido de que, para poder ser qualificada de específica, uma subvenção deve ter sido concedida, portanto, paga, por uma determinada entidade, a empresas sujeitas à sua jurisdição. Além disso, tinham alegado que, no caso em apreço, tal exigência excluía que contribuições financeiras concedidas pelos poderes públicos chineses a empresas estabelecidas na China e por estas retransmitidas às suas filiais estabelecidas no Egito, bem como contribuições financeiras concedidas diretamente por estes poderes públicos a essas filiais, pudessem ser qualificadas de subvenções específicas concedidas por uma autoridade egípcia. O Tribunal Geral rejeitou a referida argumentação nos n.os 106 a 109 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 73 a 76 do Acórdão T‑540/20.

34

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral pronunciou‑se sobre o quarto fundamento invocado pela Hengshi e pela Jushi no processo T‑480/20 e sobre o terceiro fundamento invocado pela Jushi no processo T‑540/20. Neste quadro, as recorrentes tinham sustentado, em termos idênticos, que a Comissão tinha violado o artigo 3.o, ponto 1, alínea a), ii), e ponto 2, bem como o artigo 5.o do Regulamento 2016/1037, ao considerar que os poderes públicos egípcios lhes tinham concedido uma subvenção e, deste modo, conferido uma vantagem, ao não cobrar determinados direitos aduaneiros normalmente exigíveis na importação para o Egito, pela Jushi, de materiais suscetíveis de serem utilizados, como inputs, para fabricar produtos de fibra de vidro destinados a exportação pela Hengshi para a União. O Tribunal Geral rejeitou esta argumentação nos n.os 162 a 171 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 129 a 138 do Acórdão T‑540/20.

35

Em quarto lugar, o Tribunal Geral pronunciou‑se sobre o quinto fundamento invocado pela Hengshi e pela Jushi no processo T‑480/20 e sobre o quarto fundamento invocado pela Jushi no processo T‑540/20. Neste contexto, as recorrentes sustentaram, em termos idênticos, que a Comissão tinha violado o artigo 3.o, ponto 2, e o artigo 4.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento 2016/1037 ao considerar que o tratamento fiscal reservado pelos poderes públicos egípcios às perdas cambiais consecutivas à desvalorização da libra egípcia verificada durante o ano de 2016 constituía uma subvenção que conferia de facto uma vantagem específica a um número limitado de empresas orientadas para a exportação e conduzindo o essencial das suas atividades em divisas estrangeiras, entre as quais figuravam a Hengshi e a Jushi. O Tribunal Geral rejeitou esta argumentação nos n.os 175 a 179 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 142 a 146 do Acórdão T‑540/20.

36

Em quinto e último lugar, no processo T‑480/20, o Tribunal Geral pronunciou‑se sobre a primeira parte do primeiro fundamento invocado pela Hengshi e pela Jushi. Neste quadro, as recorrentes tinham sustentado que a Comissão tinha violado, nomeadamente, o artigo 1.o, n.o 1, o artigo 5.o e o artigo 6.o do Regulamento 2016/1037 ao calcular o montante das subvenções passíveis de medidas de compensação concedidas a cada uma delas. O Tribunal Geral rejeitou esta argumentação nos n.os 32 a 58 do Acórdão T‑480/20.

Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

37

Com o seu recurso no processo C‑269/23 P, a Hengshi e a Jushi pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o Acórdão T‑480/20;

anular o regulamento controvertido no processo T‑480/20 depois de ter evocado este processo; e

condenar a Comissão e os intervenientes nas despesas efetuadas tanto em primeira instância como no âmbito do recurso.

38

Com o seu recurso no processo C‑272/23 P, a Jushi pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o Acórdão T‑540/20;

anular o regulamento controvertido no processo T‑540/20 depois de ter evocado este processo; e

condenar a Comissão e os intervenientes nas despesas efetuadas tanto em primeira instância como no âmbito do recurso.

39

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça negue provimento aos recursos e condene as recorrentes nas despesas.

40

A Tech‑Fab Europe pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso no processo C‑269/23 P e condene a Hengshi e a Jushi nas despesas.

41

A APFE pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso no processo C‑272/23 P e condene a Jushi nas despesas.

42

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de dezembro de 2023, ouvidas as partes, os dois processos foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

Quanto ao presente recurso

43

Em apoio dos seus pedidos no processo C‑269/23 P, a Hengshi e a Jushi invocam cinco fundamentos.

44

Em apoio dos seus pedidos no processo C‑272/23 P, a Jushi invoca quatro fundamentos, que são idênticos, na sua substância, ao segundo a quarto fundamentos no processo C‑269/23 P.

Quanto ao primeiro fundamento comum aos dois processos

Argumentos das partes

45

Com o seu segundo fundamento no processo C‑269/23 P, relativo, em substância, a uma interpretação e a uma aplicação erradas do artigo 2.o, alíneas a) e b), e do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037, a Hengshi e a Jushi contestam as apreciações do Tribunal Geral que constam dos n.os 81 a 103 do Acórdão T‑480/20. Este fundamento é idêntico ao primeiro fundamento de recurso no processo C‑272/23 P, através do qual a Jushi contesta as apreciações do Tribunal Geral que constam dos n.os 48 a 70 do Acórdão T‑540/20.

46

Com este fundamento comum aos dois processos, que corresponde aos fundamentos de primeira instância resumidos no n.o 32 do presente acórdão, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao julgar que a Comissão podia considerar que certas contribuições financeiras que lhes tinham sido concedidas pelos poderes públicos chineses, diretamente ou por intermédio das suas sociedades‑mãe, deviam também ser consideradas subvenções concedidas pelos poderes públicos egípcios ou que podiam ser atribuídas ou imputadas a estes últimos.

47

A este respeito, sustentam, em primeiro lugar, que esta qualificação jurídica e a interpretação que lhe está subjacente, conforme enunciadas nos n.os 81 a 85 e 92 a 95 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 48 a 52 e 59 a 62 do Acórdão T‑540/20, são incompatíveis com os termos do artigo 2.o, alíneas a) e b), e do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037, entendidos à luz do contexto em que estas disposições se inserem e do objetivo prosseguido pelo referido regulamento.

48

Com efeito, antes de mais, o artigo 2.o, alíneas a) e b), e o artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037 enunciam de forma clara e precisa, nas suas diferentes versões linguísticas, que o conceito de «subvenção» inclui unicamente as contribuições financeiras que emanam «dos poderes públicos do país de origem ou de exportação», entendidos, regra geral, no sentido de que englobam «as entidades públicas baseadas no território» desse país, sem prejuízo de uma única exceção, relativa à situação em que esses organismos encarregam «um organismo privado» de desempenhar funções que normalmente incumbiriam aos poderes públicos. Estas disposições não permitem, portanto, incluir neste conceito contribuições financeiras provenientes dos poderes públicos de outro país. Além disso, essas disposições referiam‑se às subvenções que são «concedidas» pelos poderes públicos em causa e não às que lhes são «atribuíveis» ou «imputáveis». Por conseguinte, este conceito só poderia incluir as subvenções que emanam diretamente destes poderes públicos, sob reserva da exceção prevista, de forma expressa e restritiva, para os organismos privados que atuam por conta destes.

49

Em seguida, esta interpretação é corroborada pelo contexto em que se inserem o artigo 2.o, alíneas a) e b), e o artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037. Em especial, o artigo 10.o, n.o 7, e o artigo 13.o, n.o 1, deste regulamento concedem uma série de direitos e de faculdades ao país de origem ou de exportação. Em contrapartida, nada disso está previsto em benefício de outros países, na hipótese de a interpretação adotada pelo Tribunal Geral dever ser admitida.

50

Por último, o considerando 4 do Regulamento 2016/1037 indica que este ato tem nomeadamente por objetivo especificar, de modo suficientemente pormenorizado, os casos em que se considera existir uma subvenção, entre as quais não figura a relativa à possibilidade de atribuir ou de imputar uma contribuição financeira proveniente dos poderes públicos do país de origem ou de exportação, concedidos, portanto, por estes, aos poderes públicos de outro país. De forma mais geral, o legislador da União não pretendeu que os investimentos estrangeiros diretos fossem abrangidos por este regulamento.

51

Em segundo lugar, a interpretação do Regulamento 2016/1037 adotada pelo Tribunal Geral também não pode ser considerada justificada à luz do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação.

52

Com efeito, contrariamente ao que o Tribunal Geral enunciou nos n.os 96 a 100 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 63 a 67 do Acórdão T‑540/20, os termos do artigo 2.o, alíneas a) e b), e do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037 são parcialmente diferentes dos do artigo 1.o deste acordo. Em especial, ao contrário deste, que prevê que o conceito de «Estado» engloba de forma geral «qualquer entidade pública no território de um membro», os primeiros enunciam que este conceito inclui unicamente «as entidades públicas baseadas no território do país de origem ou de exportação». Ora, deve ser atribuído um significado a esta diferença de redação.

53

Em todo o caso, contrariamente ao que o Tribunal Geral enunciou nos n.os 101 e 102 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 68 e 69 do Acórdão T‑540/20, o artigo 1.o do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, cujos termos devem ser interpretados em conformidade com as regras previstas no artigo 31.o da Convenção de Viena, revela claramente que este acordo também não permite qualificar uma contribuição financeira proveniente dos poderes públicos de um membro da OMC de subvenção imputável aos poderes públicos de outro membro da OMC. Com efeito, resulta deste artigo 1.o que constitui uma subvenção «concedida pelo “Estado ou qualquer entidade pública” [de um] “membro” uma contribuição financeira que “provém” de um órgão executivo ou de um organismo público “sob jurisdição territorial” desse membro. Além disso, o referido artigo não prevê a possibilidade de imputar essa contribuição financeira aos poderes públicos de outro membro. Por último, o contexto em que estes termos devem ser entendidos e o objetivo prosseguido pelo Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação corroboram essa interpretação.

54

A Comissão, apoiada pela APFE e pela Tech‑Fab Europe, contesta o mérito desta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

– Considerações preliminares

55

Na medida em que as recorrentes alegam que os acórdãos recorridos enfermam de erros de direito que consistem, em substância, no facto de o Tribunal Geral ter fiscalizado a legalidade dos regulamentos controvertidos baseando‑se não só numa interpretação errada do Regulamento 2016/1037 mas também numa compreensão errada da relação jurídica existente entre este regulamento e o Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, bem como numa interpretação errada desse acordo, é necessário determinar, a título preliminar, se e, em caso afirmativo, a que título o referido acordo deve ser tomado em consideração pelo Tribunal de Justiça.

56

A este respeito, em primeiro lugar, é jurisprudência constante que as disposições de um acordo internacional do qual a União faz parte só podem ser invocadas em apoio do recurso de anulação de um ato de direito derivado da União ou de uma exceção de ilegalidade desse ato, por um lado, se a natureza e a sistemática desse acordo não se opuserem a tal e, por outro, se essas disposições forem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas (Acórdãos de 3 de junho de 2008, Intertanko e o., C‑308/06, EU:C:2008:312, n.os 43 e 45; de 4 de fevereiro de 2016, C & J Clark International e Puma, C‑659/13 e C‑34/14, EU:C:2016:74, n.o 84; e de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.o 69).

57

Ora, o Tribunal de Justiça declarou de forma constante que, tendo em conta a sua natureza e sistemática, o Acordo que institui a OMC e os acordos que figuram nos anexos 1 a 4 desse acordo não constituem, em princípio, normas à luz das quais a legalidade dos atos do direito derivado da União pode ser fiscalizada (Acórdãos de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal, C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.o 38 e jurisprudência referida; de 4 de fevereiro de 2016, C & J Clark International e Puma, C‑659/13 e C‑34/14, EU:C:2016:74, n.o 85, e de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.o 71).

58

Por conseguinte, o Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, que figura no anexo 1A do Acordo que institui a OMC, não constitui, em princípio, uma norma desse tipo.

59

No entanto, em duas situações excecionais, que atestam a vontade do legislador da União de limitar a sua margem de manobra na aplicação das regras da OMC, compete ao juiz da União fiscalizar a legalidade de um ato do direito derivado da União ou dos atos que o aplicam à luz do Acordo que institui a OMC ou dos acordos que figuram nos anexos 1 a 4 deste acordo. Trata‑se, primeiro, da situação na qual a União decidiu dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito destes acordos e, segundo, da situação em que o ato da União em causa remete expressamente para disposições específicas desses acordos (Acórdãos de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal, C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.os 40 e 41; de 4 de fevereiro de 2016, C & J Clark International e Puma, C‑659/13 e C‑34/14, EU:C:2016:74, n.o 87; e de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.os 74 e 75).

60

Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a eventual vontade da União de dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito dos acordos em questão distingue‑se do dever que incumbe a qualquer membro da OMC de assegurar, no quadro da sua ordem jurídica interna e em todo o seu território, o respeito das obrigações decorrentes do direito da OMC [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, Comissão/Hungria (Ensino superior),C‑66/18, EU:C:2020:792, n.o 85]. Esta vontade e a obrigação específica a que se refere devem, por conseguinte, resultar de uma disposição específica do ato do direito derivado da União em questão num determinado caso (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal, C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.os 45 e 46, e de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.o 79).

61

No caso em apreço, importa constatar, antes de mais, que nenhuma das disposições do Regulamento 2016/1037 invocadas pelas recorrentes no âmbito do presente fundamento revela uma qualquer vontade do legislador da União de dar execução, nesse ato, a uma obrigação específica assumida no âmbito do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação ou, mais amplamente, do Acordo que institui a OMC e dos acordos que figuram nos seus anexos 1 a 4.

62

Em seguida, nenhuma destas disposições remete expressamente para disposições específicas desses acordos.

63

Por último, embora seja verdade que o considerando 3 do Regulamento 2016/1037 indica que deverá «transpor‑se, na medida do possível, [a]s disposições [do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação] para a legislação da União», esta expressão deve ser entendida no sentido de que, mesmo que o legislador da União quisesse aplicar as disposições deste acordo quando adotou esse regulamento, não quis, no entanto, fazer do referido acordo uma norma à luz da qual a legalidade dos atos do direito derivado da União poderia ser fiscalizada (v., por analogia, Acórdãos de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal, C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.o 52, e de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.o 78).

64

Por conseguinte, foi erradamente que o Tribunal Geral declarou, no n.o 99 do Acórdão T‑480/20 e no n.o 66 do Acórdão T‑540/20, que o artigo 3.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento 2016/1037 visava dar execução a uma obrigação específica assumida pela União no âmbito da OMC. Assim sendo, uma vez que esta apreciação, introduzida pela expressão «além disso», foi efetuada pelo Tribunal Geral exaustivamente, o erro de direito assim cometido não é suscetível de conduzir à anulação do acórdão recorrido.

65

Em segundo lugar, não é menos verdade que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o primado dos acordos internacionais celebrados pela União sobre os atos de direito derivado da União exige que estes sejam interpretados, na medida do possível, em conformidade com esses acordos, em especial quando esses atos se destinam a executar tais acordos, desde que as suas disposições sejam substancialmente idênticas (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2015, Philips Lighting Poland e Philips Lighting/Conselho, C‑511/13 P, EU:C:2015:553, n.os 60 e 63, e de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Hubei Xinyegang Special Tube, C‑891/19 P, EU:C:2022:38, n.os 30 e 31). Além disso, esta interpretação deve ser efetuada, tanto quanto possível, em conformidade tanto com as regras e os princípios pertinentes do direito internacional geral, no respeito do qual a União é obrigada a exercer as suas competências quando adota os referidos atos (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 291, e de 1 de agosto de 2022, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2022:604, n.o 92).

66

Em especial, o princípio do direito internacional geral do respeito e do cumprimento de boa‑fé dos Tratados (pacta sunt servanda) consagrado no artigo 26.o da Convenção de Viena implica que o juiz da União deve, para efeitos da interpretação do Acordo que institui a OMC e dos acordos que figuram nos seus anexos 1 a 4, ter em conta a interpretação desses acordos adotada pelo Órgão de Resolução de Litígios da OMC (a seguir «ORL»). Na falta de tal interpretação, compete ao Tribunal de Justiça interpretar por si só os referidos acordos em conformidade com as regras consuetudinárias de interpretação de direito internacional que vinculam a União [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2020, Comissão/Hungria (Ensino superior),C‑66/18, EU:C:2020:792, n.o 92, e de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Hubei Xinyegang Special Tube, C‑891/19 P, EU:C:2022:38, n.o 32].

67

No caso em apreço, os termos do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037 são substancialmente idênticos, em muitos aspetos, aos do artigo 1.o do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, embora comportando diferenças que devem ser tomadas em consideração. Importa, portanto, assegurar, na medida do possível, que a interpretação desta disposição seja conforme com este artigo ou, no que respeita aos pontos em que a referida disposição contém diferenças em relação ao referido artigo, não seja contrária às obrigações da União no âmbito da OMC (v., nesse sentido, Acórdão de 14 de julho de 1988, FediolComissão, 188/85, EU:C:1988:400, n.o 13).

68

Por outro lado, uma vez que, como as partes estão de acordo em reconhecer, o ORL ainda não precisou o sentido e o alcance do artigo 1.o do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação em presença de uma situação como a visada pelos acórdãos recorridos e, antes deles, pelos regulamentos controvertidos, compete ao Tribunal de Justiça interpretar sozinho este artigo, segundo as modalidades indicadas no n.o 66 do presente acórdão, na medida do necessário para se pronunciar sobre os fundamentos invocados pelas recorrentes.

– Quanto à interpretação do artigo 2.o, alíneas a) e b), e do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037

69

O desacordo que opõe as partes incide, em substância, sobre a identidade das pessoas de que deve emanar uma subvenção para poder ser qualificada como tal por força do Regulamento 2016/1037. Por conseguinte, é necessário determinar se e, em caso afirmativo, de que maneira, essa identidade é regulada por esse ato, recordando‑se que as disposições do referido ato devem ser interpretadas, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se inscrevem e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdãos de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.o 41, e de 1 de agosto de 2022, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2022:604, n.o 115), como o Tribunal Geral recordou, em substância, no n.o 78 do Acórdão T‑480/20 e no n.o 45 do Acórdão T‑540/20.

70

No que respeita, em primeiro lugar, aos termos das disposições do Regulamento 2016/1037, importa salientar, antes de mais, que o artigo 3.o, ponto 1, alínea a), deste regulamento define o conceito de «subvenção» do ponto de vista material e pessoal.

71

De um ponto de vista material, resulta, em substância, deste artigo 3.o, ponto 1, alínea a), que uma subvenção é constituída por uma contribuição financeira que pode ser uma medida que implica uma transferência direta de fundos, uma renúncia ou a não cobrança de receitas públicas normalmente exigíveis, um fornecimento ou uma aquisição de bens ou serviços, ou ainda um pagamento a um mecanismo de financiamento.

72

De um ponto de vista pessoal, o referido artigo 3.o, ponto 1, alínea a), precisa, em substância, nas suas diferentes versões linguísticas, que, independentemente da sua forma e natureza, essa contribuição financeira deve emanar, em todos os casos, «dos poderes públicos» (ou «do governo») do (ou no) «país de origem» ou «país de exportação», sob reserva de uma única exceção, relativa à hipótese de esses poderes públicos encarregarem um organismo privado de dispensar uma contribuição financeira por sua conta ou de o ordenarem. Daqui resulta que, sem prejuízo desta exceção, só pode ser qualificada de subvenção, na aceção do Regulamento 2016/1037, uma contribuição financeira que tenha sido concedida pelos poderes públicos do país de origem ou do país de exportação e, portanto, que tenha tido origem num comportamento destes.

73

Em seguida, o artigo 2.o do Regulamento 2016/1037 define, entre outros conceitos, o de «poderes públicos» e precisa a natureza da ligação que os deve unir às diferentes formas de contribuições financeiras visadas no artigo 3.o, ponto 1, alínea a), deste regulamento para que possam ser qualificadas de «subvenções», desde que estejam reunidas as outras condições que permitem adotar essa qualificação. No que respeita ao conceito de «poderes públicos», o artigo 2.o, alínea b), do referido regulamento precisa que este inclui «as entidades públicas baseadas no território» do país de origem ou de exportação, correspondendo este último ao país intermediário para o qual o produto foi exportado do país de origem e, posteriormente, a partir do qual foi importado para a União. No que respeita à ligação que deve unir os poderes públicos de um ou de outro destes países a uma contribuição financeira num determinado caso, o artigo 2.o, alínea a), do mesmo regulamento enuncia que consiste, para esses poderes públicos, em «conced[er]» essa contribuição financeira. Tendo em conta a frase no âmbito da qual é utilizado, este termo deve ser entendido, em conformidade com o seu sentido habitual, como remetendo para um comportamento pelo qual uma pessoa dá ou atribui uma coisa a outra pessoa, quer concedendo‑lhe formalmente quer permitindo‑lhe, na prática, dele beneficiar.

74

Por último, nenhuma destas disposições, nem nenhuma outra disposição do Regulamento 2016/1037, precisa ou enquadra expressamente, noutra perspetiva, as condições e as modalidades jurídicas e práticas em que uma contribuição financeira pode ou deve ser considerada concedida pelos poderes públicos do país de origem ou de exportação.

75

Nestas condições, tendo em conta os termos do artigo 2.o, alíneas a) e b), e do artigo 3.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento 2016/1037, há que considerar que, para poder qualificar uma contribuição financeira de «subvenção», estas diferentes disposições impõem que se demonstre, em todo o caso, que essa contribuição financeira foi concedida a uma ou várias pessoas determinadas pelos poderes públicos do país de origem ou do país de exportação de um dado produto, no sentido de que uma entidade pública baseada no território de um ou de outro desses países adotou um comportamento que consiste quer em conceder formalmente a referida contribuição financeira a essas pessoas, quer em permitir‑lhes, na prática, beneficiar dela. Tanto num caso como no outro, este comportamento deve ter desempenhado um papel determinante na atribuição dessa contribuição financeira.

76

Em contrapartida, nem o artigo 2.o, alíneas a) e b), nem o artigo 3.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento 2016/1037 contêm indicações ou indícios que imponham ou permitam mesmo considerar que a existência de uma subvenção deve ter origem exclusiva nesse comportamento.

77

Em especial, de um ponto de vista pessoal, estas disposições não contêm nenhum elemento que proíba a qualificação de subvenção perante uma contribuição financeira proveniente dos poderes públicos de um país diferente do país de origem ou de exportação, desde que seja demonstrado, tendo em conta o comportamento dos poderes públicos do país de origem ou de exportação, que se pode considerar que estes últimos concederam essa contribuição financeira.

78

De resto, de um ponto de vista material, certos tipos de contribuições financeiras enumeradas no artigo 3.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento 2016/1037 podem ser caracterizados pela existência de tal situação, como os que consistem, para os poderes públicos do país de origem ou de exportação, em permitir, pelo seu comportamento, o fornecimento a uma ou a várias pessoas determinadas de fundos ou de bens provenientes dos poderes públicos de outro país. O mesmo se aplica a certos tipos de contribuições financeiras enunciadas no artigo 6.o deste regulamento, quer se trate, por exemplo, de uma aquisição de participações, de um empréstimo ou ainda de uma garantia de empréstimo.

79

No que respeita, em segundo lugar, ao contexto em que se inserem os artigos 2.o e 3.o do Regulamento 2016/1037, saliente‑se, por um lado, que o artigo 1.o deste regulamento enuncia, como resulta da sua epígrafe, dois princípios que revestem uma importância transversal para efeitos da interpretação e da aplicação do referido regulamento.

80

Assim, o n.o 1 desse artigo 1.o dispõe que pode ser instituído um direito de compensação destinado a neutralizar «qualquer subvenção concedida, direta ou indiretamente», ao fabrico, à produção, à exportação ou ao transporte de produtos. Esta disposição adota uma definição ampla do conceito de «subvenção», atestada pela utilização não apenas do termo «qualquer» mas também dos termos «direta ou indiretamente», que podem dizer respeito tanto à forma como uma subvenção é concedida como à pessoa que dela beneficia e à pessoa que a concede. A referida disposição corrobora, nesta medida, a ideia de que o âmbito de aplicação do conceito de «subvenção» utilizado no Regulamento 2016/1037 é suscetível de incluir, nomeadamente, a situação em que os poderes públicos do país de origem ou de exportação concedem formalmente a uma ou a mais pessoas, ou lhes permitem, na prática, beneficiar, de uma contribuição financeira originária, total ou parcialmente, dos poderes públicos de outro país.

81

Por outro lado, resulta do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento 2016/1037 que este é aplicável tanto no caso de uma subvenção concedida pelos poderes públicos do país de origem de um produto como pelos do país de exportação desse produto. Embora este princípio exclua a possibilidade de qualificar de subvenção, enquanto tal, uma contribuição financeira proveniente de outro país, permite, em contrapartida, adotar essa qualificação se a exigência descrita no n.o 77 do presente acórdão for respeitada.

82

Por outro lado, o considerando 5 do Regulamento 2016/1037, à luz do qual os artigos 1.o a 3.o deste regulamento devem ser interpretados, enuncia, também ele, que, para a caracterização da existência de uma subvenção, é necessário demonstrar, nomeadamente, «que houve uma contribuição financeira da parte das autoridades ou de uma entidade pública no território de um país», o que pode ser feito, entre outros, provando que, através do seu comportamento, essas autoridades públicas concederam formalmente ou permitiram, na prática, a uma ou a mais pessoas beneficiar de uma contribuição financeira originariamente proveniente, total ou parcialmente, dos poderes públicos de outro país.

83

No que respeita, em terceiro e último lugar, ao objetivo do Regulamento 2016/1037, resulta do n.o 80 do presente acórdão que este consiste em permitir à União neutralizar qualquer subvenção concedida, direta ou indiretamente, pelos poderes públicos de países terceiros de que são originárias ou a partir dos quais são importadas mercadorias, nas condições previstas por este regulamento.

84

Em especial, cabe considerar, tendo em conta os termos utilizados nos artigos 2.o e 6.o do referido regulamento, que essa subvenção pode assumir a forma de um investimento estrangeiro, efetuado pelos poderes públicos de um determinado país terceiro, numa ou em várias outras empresas estabelecidas noutro país terceiro, desde que o comportamento destes últimos permita considerar que concederam essa contribuição financeira a essa ou a essas empresas, concedendo‑a formalmente ou permitindo‑lhes, na prática, dela beneficiar.

85

A este respeito, há que recordar que os investimentos estrangeiros, a saber, os investimentos de qualquer natureza que investidores estabelecidos num dado país efetuem em empresas ou em organismos que exerçam uma atividade económica noutros países terceiros, com vista a estabelecer, desenvolver ou manter relações duradouras com essas empresas ou esses organismos, eventualmente controlando‑as ou influenciando‑as, são da competência exclusiva da União, e, mais especificamente, da política comercial comum, a que se refere o Regulamento 2016/1037, quando sejam diretos, e da competência partilhada desta, quando não sejam diretos (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de julho de 2013, Daiichi Sankyo e Sanofi‑Aventis Deutschland, C‑414/11, EU:C:2013:520, n.o 45, e de 2 de setembro de 2021, República da Moldávia, C‑741/19, EU:C:2021:655, n.o 26).

86

Consequentemente, o artigo 2.o, alíneas a) e b), e o artigo 3.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento 2016/1037 devem ser interpretados, tendo em conta os seus termos, o contexto em que se inserem e o objetivo prosseguido por este regulamento, no sentido de que permitem à Comissão aplicar a qualificação jurídica de «subvenção» a uma contribuição financeira originária, no todo, ou em parte, dos poderes públicos de um país terceiro diferente do país de origem ou de exportação de um dado produto, caso se demonstre que se pode considerar que essa contribuição financeira foi concedida pelos poderes públicos desse país de origem ou de exportação, tendo em conta o seu próprio comportamento. Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao pronunciar‑se, em substância, neste sentido, nos n.os 81 a 84 e 95 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 48 a 51 e 62 do Acórdão T‑540/20.

87

Esta interpretação não é posta em causa pelo argumento que as recorrentes retiram do artigo 10.o, n.o 7, e do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento 2016/1037. Com efeito, em qualquer situação abrangida por este regulamento, os poderes públicos do país de origem ou de exportação que possam ser considerados como tendo concedido uma subvenção podem exercer as diferentes faculdades previstas por essas disposições, tal como, aliás, as previstas nas outras disposições indicadas no n.o 16 do presente acórdão. Além disso, podem, tendo em vista ou relacionado com esse exercício, concertar‑se com os poderes públicos do país terceiro do qual emana, originalmente, a totalidade ou parte da contribuição financeira suscetível de ser qualificada de «subvenção». Por último, é a eles que incumbe eliminar ou limitar essa subvenção, por exemplo, alterando o seu comportamento, ou tomar outras medidas relativas aos seus efeitos.

– Quanto à interpretação do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação

88

Por força da jurisprudência referida nos n.os 65 e 66 do presente acórdão, importa ainda, a fim de verificar a conformidade da interpretação acolhida no n.o 86 deste acórdão com o Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, bem como com as obrigações decorrentes para a União do direito da OMC, determinar se essa interpretação é, se não coerente, pelo menos compatível com esse acordo e com essas obrigações. Uma vez que a União é parte nesse acordo internacional, a própria interpretação deste deve ser efetuada, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tendo em conta as regras pertinentes de direito internacional consuetudinário, refletidas no disposto no artigo 31.o da Convenção de Viena, que vinculam as instituições da União e fazem parte da ordem jurídica da União (Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK, C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 58 e jurisprudência referida).

89

Nos termos do n.o 1 deste artigo 31.o, um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto, tal como definido no n.o 3 do referido artigo, bem como à luz dos respetivos objeto e fim.

90

A este respeito, importa, primeiro, salientar, à semelhança, em substância, do que foi enunciado pelo Tribunal Geral no n.o 98 do Acórdão T‑480/20 e no n.o 65 do Acórdão T‑540/20, que o artigo 1.o, ponto 1.1, alínea a), 1), do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação está redigido em termos essencialmente idênticos aos do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037, sob reserva de um ponto particular. Com efeito, ao contrário desse regulamento, este artigo 1.o, ponto 1.1, alínea a), 1), na sua versão em língua francesa, define o conceito de«subvention» como correspondente a qualquer «contribution financière des pouvoirs publics ou de tout organisme public du ressort territorial d’un Membre». As versões em línguas inglesa e espanhola do referido artigo, que fazem igualmente fé, estão redigidas de forma idêntica. Por outras palavras, atendendo aos seus termos, este, lido isoladamente, pode ser interpretado, ao contrário do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2016/1037, no sentido de que qualquer contribuição financeira proveniente dos poderes públicos de um país membro da OMC, seja ela qual for, pode ser qualificada de subvenção, independentemente de qualquer ligação entre esses poderes públicos e o país do qual são originários ou a partir do qual são exportados determinados produtos.

91

No que respeita, segundo, ao contexto em que se insere o artigo 1.o, ponto 1.1, alínea a), 1), do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, há que salientar, por um lado, que o artigo 2.o, pontos 2.1 e 2.2, desse acordo prevê, na sua versão em língua francesa, que uma subvenção deve, por outro lado, ser específica quer a uma empresa, a um grupo de empresas, a um setor de produção ou a um grupo de setores de produção «relevant de la juridiction de l’autorité qui accorde cette subvention», quer a «certaines entreprises situées à l’intérieur d’une région géographique déterminée relevant de la juridiction de l’autorité qui accorde cette subvention». As versões em línguas espanhola e inglesa deste artigo 2.o utilizam, por seu turno, os termos «dentro de la jurisdicción de la autoridad otorgante» e «within the jurisdiction of the granting authority». O referido artigo 2.o estabelece, assim, uma ligação entre os poderes públicos que concedem uma subvenção e a empresa ou as empresas às quais essa subvenção é concedida, bem como, consequentemente, os produtos provenientes dessa ou dessas empresas.

92

Apreendidos conjugadamente, o artigo 1.o, ponto 1.1, alínea a), 1), e o artigo 2.o do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação parecem, portanto, na realidade, limitar o âmbito de aplicação do conceito de «subvenção» às contribuições financeiras concedidas pelos poderes públicos do país de origem desses produtos, desde que este país seja membro da OMC. O artigo 11.o, n.o 8, deste acordo confirma esta interpretação, ao mesmo tempo que alarga o âmbito de aplicação deste conceito às contribuições financeiras concedidas pelos poderes públicos do país intermediário para o qual os referidos produtos são exportados a partir do país de origem e, em seguida, a partir do qual são importados no país de destino, como faz o Regulamento 2016/1037.

93

No entanto, nenhuma das três disposições referidas no número anterior contém indicações ou indícios que justifiquem excluir do âmbito de aplicação deste conceito as contribuições financeiras que, embora possam ser consideradas concedidas por esses poderes públicos, tendo em conta o comportamento próprio destes, não deixam de provir originalmente, no todo ou em parte, dos poderes públicos de outro país membro da OMC. Também nesta medida, estas disposições parecem coerentes com os elementos textuais e contextuais do Regulamento 2016/1037 em que se baseia a interpretação que figura no n.o 86 do presente acórdão.

94

O mesmo se diga, por outro lado, do artigo 5.o do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, que enuncia que nenhum membro da OMC deverá causar, através de uma subvenção, efeitos desfavoráveis aos interesses dos restantes membros da OMC. Com efeito, este artigo pode também ser interpretado no sentido de que esse membro está proibido de agir desse modo não só concedendo essa subvenção mas também adotando um comportamento que permita a uma ou várias empresas estabelecidas no seu território ou sob sua jurisdição beneficiar de uma subvenção proveniente originalmente, no todo ou em parte, de outro membro da OMC. Tal pode ser o caso, nomeadamente, quando a introdução de legislação, a adoção de uma decisão, a concessão de uma autorização ou a utilização de qualquer outra medida por um membro da OMC é necessária para permitir que essa empresa ou essas empresas beneficiem, no território desse membro, de uma contribuição financeira que emane desse outro membro, quer essa necessidade seja de natureza jurídica, quer decorra do facto de esse outro membro ter subordinado, na prática, o benefício dessa contribuição financeira a essa legislação, decisão, autorização ou outra medida.

95

Aliás, certos tipos de contribuições financeiras indicados no artigo 1.o, ponto 1.1, alínea a), 1), i) a iv), do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, que correspondem aos enumerados no artigo 3.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento 2016/1037, podem ser caracterizados pela existência dessa situação, como foi salientado no n.o 78 do presente acórdão.

96

Afigura‑se, portanto, que o conceito de subvenção, conforme interpretado no n.o 86 do presente acórdão, não contraria as obrigações da União que decorrem dos termos do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, entendidas no seu contexto.

97

Terceiro, apesar de este acordo não conter nenhuma disposição que enuncie o seu objeto e a sua finalidade, por um lado, e não seja precedido de um preâmbulo suscetível de conter indicações a este respeito, por outro, resulta do relatório do Órgão de Recurso da OMC de 28 de novembro de 2002, intitulado United States — Countervailing Duties on Certain Corrosion‑Resistant Carbon Steel Flat Products from Germany (WT/DS213/AB/R, n.o 73), bem como de 11 de março de 2011, intitulado United States — Definitive Antidumping and Countervailing Duties on Certain products from China (WT/DS379/AB/R, n.o 543), relatórios que foram adotados pelo ORL, respetivamente, em 19 de dezembro de 2002 e em 25 de março de 2001, que o objeto e a finalidade principais do referido acordo são «aumentar e melhorar a regulamentação do GATT relativa à utilização de subvenções e de medidas de compensação», nas condições e limitações previstas por esse mesmo acordo.

98

Ora, este objeto e essa finalidade de reforço e de melhoria da disciplina multilateral no domínio das subvenções são suscetíveis de corroborar a interpretação textual e contextual do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação que figura nos n.os 90 a 95 do presente acórdão, em vez de a pôr em causa. Com efeito, impelem a privilegiar uma interpretação dos termos desse acordo e, mais especificamente, do conceito de «subvenção concedida pelos poderes públicos», que tem em conta a internacionalização acrescida das empresas que participam no comércio mundial, bem como o apoio, por vezes decisivo, de que podem beneficiar neste contexto, sob a forma de contribuições financeiras cuja concessão resulta da contribuição ou da ação dos poderes públicos de vários países membros da OMC.

99

No mínimo, o referido objeto e a referida finalidade não contrariam uma interpretação neste sentido do Regulamento 2016/1037.

100

Foi, portanto, sem cometer um erro de direito que o Tribunal Geral se pronunciou neste sentido no n.o 103 do Acórdão T‑480/20 e no n.o 70 do Acórdão T‑540/20.

101

Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento comum aos dois processos

Argumentos das partes

102

Com o seu terceiro fundamento no processo C‑269/23 P, relativo, em substância, a uma interpretação e a uma aplicação erradas do artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento 2016/1037, a Hengshi e a Jushi contestam as apreciações do Tribunal Geral que constam dos n.os 106 a 109 do Acórdão T‑480/20. Este fundamento é idêntico ao segundo fundamento de recurso no processo C‑272/23 P, através do qual a Jushi contesta as apreciações do Tribunal Geral que constam dos n.os 73 a 76 do Acórdão T‑540/20.

103

Com este fundamento comum aos dois processos, que corresponde aos fundamentos de primeira instância resumidos no n.o 33 do presente acórdão, as recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão tinha o direito de considerar que as autoridades egípcias tinham a qualidade de entidades que concederam as subvenções controvertidas, uma vez que estas eram constituídas por contribuições financeiras que tinham sido atribuídas aos recorrentes pelos poderes públicos chineses, diretamente ou por intermédio das suas sociedades‑mãe estabelecidas na China.

104

Com efeito, embora o artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento 2016/1037 tenha por objeto precisar o sentido não do conceito de «subvenção» enquanto tal, mas do requisito de «especificidade» que deve ser preenchido, entre outros, para que uma subvenção possa dar lugar à constituição de direitos de compensação, destas disposições também não deixa de resultar que uma contribuição financeira concedida pelos poderes públicos de um dado país não pode ser qualificada de subvenção imputável ou atribuível a uma entidade pertencente aos poderes públicos de outro país. Em especial, estas disposições referem‑se, nas suas diferentes versões linguísticas, à «entidade que concede» tal subvenção, portanto, à que a dá ou atribui a uma ou a várias pessoas. Ao fazê‑lo, excluem que se possa considerar que uma entidade, por imputação ou por atribuição, concedeu uma subvenção numa situação em que essa subvenção foi atribuída ou concedida, não por essa entidade, mas por outra entidade, pertencente aos poderes públicos de outro país. Ora, no caso em apreço, apenas as autoridades chinesas podiam ter sido qualificadas desse modo, com exclusão de autoridades como as autoridades egípcias.

105

A Comissão, apoiada pela APFE e pela Tech‑Fab Europe, contesta esta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

106

O artigo 4.o do Regulamento 2016/1037 enuncia, no seu n.o 1, que as subvenções só são sujeitas a medidas de compensação se tiverem caráter específico, na aceção dos n.os 2, 3 e 4 desta disposição. O artigo 4.o, n.os 2 e 3, fixa, assim, os princípios e as regras a aplicar para determinar se uma subvenção é concedida especificamente a uma empresa, a uma indústria, a um grupo de empresas ou de indústrias ou ainda a certas empresas situadas no interior de uma determinada região geográfica, precisando, em substância, que esses diferentes tipos de beneficiários devem, de qualquer modo, estar abrangidos pela jurisdição da entidade que concede a subvenção.

107

A este respeito, há que salientar que é certo que o artigo 4.o do Regulamento 2016/1037 utiliza o termo «entidade», portanto um termo que difere da expressão «poderes públicos» que figura no artigo 2.o, alínea a), deste regulamento. No entanto, para precisar a natureza da ligação que deve unir uma contribuição financeira suscetível de ser qualificada de «subvenção» aos poderes públicos ou a uma entidade de um determinado país terceiro, estas duas disposições utilizam o mesmo verbo, a saber, o verbo «conceder».

108

Este verbo deve, portanto, ser entendido da mesma forma em relação a cada uma das referidas disposições, no sentido de que remete para um comportamento pelo qual uma pessoa dá ou atribui uma coisa a outra pessoa, quer concedendo‑lhe formalmente essa coisa quer permitindo‑lhe, na prática, dela beneficiar, como indicado no n.o 73 do presente acórdão.

109

Ora, resulta dos n.os 86 e 94 do presente acórdão que este termo deve ser interpretado no sentido de que abrange tanto um comportamento pelo qual os poderes públicos do país de origem ou de exportação de um dado produto concedem formalmente a uma ou à várias pessoas determinadas uma contribuição financeira proveniente originalmente, no todo ou em parte, dos poderes públicos de outro país terceiro, como um comportamento pelo qual os poderes públicos desse país de origem ou de exportação permitem, na prática, a essas pessoas beneficiar dessa contribuição financeira, como a implementação de uma legislação, a adoção de uma decisão, a concessão de uma autorização ou o recurso a qualquer outra medida necessária para esse efeito.

110

O referido termo aplica‑se, portanto, também à entidade específica, no seio dos poderes públicos do país de origem ou de exportação em questão, que é o autor do comportamento em causa.

111

Assim, ao considerar, nos n.os 107 e 108 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 74 e 75 do Acórdão T‑540/20, que entidades como, no caso em apreço, as autoridades egípcias podiam ser qualificadas, pela Comissão, de entidades que concederam as subvenções controvertidas, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito.

112

Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento comum aos dois processos

Argumentos das partes

113

Com o seu quarto fundamento no processo C‑269/23 P, relativo, em substância, a uma interpretação e a uma aplicação erradas do artigo 3.o, ponto 1, alínea a), ii), do artigo 3.o, ponto 2, e do artigo 5.o do Regulamento 2016/1037, a Hengshi e a Jushi contestam as apreciações do Tribunal Geral que constam dos n.os 167 a 169 do Acórdão T‑480/20. Este fundamento é idêntico ao terceiro fundamento de recurso no processo C‑272/23 P, através do qual a Jushi contesta as apreciações do Tribunal Geral que constam dos n.os 134 a 136 do Acórdão T‑540/20.

114

Com este fundamento comum aos dois processos, que corresponde parcialmente aos fundamentos invocados em primeira instância resumidos no n.o 34 do presente acórdão, as recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a Comissão podia considerar que os poderes públicos egípcios lhes tinham concedido uma subvenção e, deste modo, conferido uma vantagem, ao não cobrarem certos direitos aduaneiros normalmente exigíveis na importação para o Egito, pela Jushi, de materiais suscetíveis de serem utilizados como inputs, para fabricar produtos de fibra de vidro destinados a exportação pela Hengshi para a União.

115

Com efeito, como o Tribunal Geral corretamente recordou no n.o 164 do Acórdão T‑480/20 e no n.o 131 do Acórdão T‑540/20, as disposições do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação que correspondem ao artigo 3.o, ponto 1, alínea a), ii), e ao artigo 3.o, ponto 2, do Regulamento 2016/1037 são interpretadas pelo Órgão de Recurso da OMC no sentido de que, para determinar se houve renúncia ou se não se procedeu à cobrança de receitas públicas «normalmente exigíveis» e se essa renúncia ou essa não cobrança conferiu uma «vantagem» a certas empresas, é necessário comparar a situação dessas empresas com a dos contribuintes que se encontram numa situação comparável. De forma coerente, cabe considerar, atendendo à redação do artigo 5.o do Regulamento 2016/1037, que é tomando como ponto de referência a situação das referidas empresas que há que calcular o montante dessa vantagem. Ora, no caso em apreço, contrariamente ao que foi considerado pelo Tribunal Geral, a Comissão raciocinou em relação a uma situação de referência que deve ser considerada inadequada tendo em conta, primeiro, a natureza das operações que deram lugar, em seu entender, à não cobrança de direitos aduaneiros, segundo, à situação jurídica e económica das empresas que alegadamente beneficiaram desta não cobrança, terceiro, à regulamentação egípcia pertinente e, quarto, à prática administrativa correspondente, a saber, a de uma empresa estabelecida na zona CECS em vez da de uma empresa estabelecida fora desta zona.

116

A Comissão, apoiada pela APFE e pela Tech‑Fab Europe, contesta a admissibilidade de parte desta argumentação e o seu mérito na sua totalidade.

Apreciação do Tribunal de Justiça

117

Com o presente fundamento, as recorrentes contestam, em substância, um dos elementos em que o Tribunal Geral se baseou nos acórdãos recorridos, à semelhança da Comissão nos regulamentos controvertidos, para examinar se existia, no caso em apreço, uma subvenção sob a forma de renúncia a receitas públicas, conforme previsto no artigo 3.o, ponto 1, alínea a), ii), do Regulamento 2016/1037. Este elemento é a situação de referência a considerar para efeitos desse exame.

118

A este respeito, resulta do artigo 3.o, pontos 1 e 2, do Regulamento 2016/1037 que, para poder adotar a qualificação de «subvenção», é necessário demonstrar não só que existe uma contribuição financeira dos poderes públicos do país de origem ou de exportação, mas também que uma vantagem é assim conferida.

119

Quanto à primeira destas duas condições, o artigo 3.o, ponto 1, alínea a), ii), deste regulamento prevê que essa contribuição financeira pode consistir, nomeadamente, na renúncia ou na não cobrança de receitas públicas normalmente exigíveis por parte desses poderes públicos.

120

Uma vez que esta disposição está redigida em termos idênticos aos do artigo 1.o, ponto 1.1, alínea a), 1, ii), do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, há que interpretá‑la, na medida do possível, de forma que assegure a sua conformidade com este acordo e tendo em conta a forma como este pôde ser interpretado pelo ORL, de acordo com a jurisprudência referida nos n.os 65 e 66 do presente acórdão.

121

Como o Tribunal Geral salientou com razão no n.o 164 do Acórdão T‑480/20 e no n.o 131 do Acórdão T‑540/20, resulta, em especial, dos relatórios do Órgão de Recurso da OMC de 12 de março de 2012 e de 28 de março de 2019, intitulados United States — Measures Affecting Trade in Large Civil Aircraft (Second Complaint) (WT/DS353/AB/R, n.os 806 a 809 e 812, e WT/DS353/AB/RW, n.os 5.146 e 5.147), nos quais este órgão recapitulou e precisou a sua prática decisória a este respeito, e que foram adotadas pelo ORL, respetivamente, em 23 de março de 2012 e em 11 de abril de 2019, que, para determinar se foram ou não cobradas receitas públicas normalmente exigíveis, é necessário, regra geral, efetuar uma comparação entre o tratamento fiscal aplicável aos alegados beneficiários dessa medida e o tratamento fiscal de rendimentos comparáveis de contribuintes que se encontram numa situação comparável. O referido órgão declarou igualmente, em substância, que, embora a identificação da situação de referência a considerar para efeitos dessa comparação possa revestir um caráter complexo, atendendo, em especial, à regulamentação nacional aplicável, às eventuais práticas administrativas ou fiscais pertinentes e ao comportamento concreto das autoridades competentes, a legitimidade e a racionalidade da situação de referência que é tomada em consideração num determinado caso concreto não devem ser menos fiscalizados.

122

Além disso, como as recorrentes recordam com razão, esta prática decisória do Órgão de Recurso da OMC foi aplicada, por analogia, às medidas que consistem numa alegada não cobrança de direitos aduaneiros, cujo exame implica que se efetue uma comparação entre as receitas efetivamente cobradas por ocasião de uma operação como a importação de determinados produtos e as receitas normalmente exigíveis numa situação comparável, como resulta, nomeadamente, do relatório do painel da OMC de 31 de outubro de 2019, intitulado India — Export Related Measures (WT/DS541/R, n.os 7.297 a 7.302, 7.317 e 7.333).

123

Tendo em conta a referida prática decisória, há que considerar que, para determinar se existe uma contribuição financeira que consiste, para os poderes públicos do país de origem ou de exportação, em renunciar ou em não proceder à cobrança de «receitas públicas normalmente exigíveis», na aceção do artigo 3.o, ponto 1, alínea a), ii), do Regulamento 2016/1037, é necessário, regra geral, efetuar uma comparação entre, por um lado, o tratamento aplicável aos eventuais beneficiários dessa medida e as receitas que lhes são efetivamente cobradas pelos poderes públicos e, por outro, o tratamento de rendimentos ou de operações comparáveis, bem como as receitas que são normalmente exigíveis perante estes rendimentos ou operações comparáveis. Esta comparação deve ser efetuada tendo em conta todos os elementos pertinentes disponíveis.

124

Assim sendo, como a identificação da situação de referência a considerar para efeitos dessa comparação se pode revelar complexa, porque poderá depender não só da regulamentação nacional aplicável mas também das eventuais práticas administrativas, fiscais ou aduaneiras pertinentes e do comportamento concreto das autoridades competentes, ou seja, de vários aspetos do sistema jurídico e institucional de um país terceiro, essa operação, atendendo à sua complexidade, deve ser objeto de fiscalização jurisdicional.

125

A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no domínio da política comercial comum, mais particularmente em matéria de medidas de defesa comercial, as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação em razão da complexidade das situações económicas e políticas que têm de examinar, de modo que a fiscalização jurisdicional desse amplo poder de apreciação deve ser limitada à verificação da observância das regras processuais, da exatidão material dos factos tidos em conta, da inexistência de erro manifesto na apreciação desses factos ou da inexistência de desvio de poder (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Hansol Paper, C‑260/20 P, EU:C:2022:370, n.o 58 e jurisprudência referida).

126

No que respeita, mais especificamente, à fiscalização da inexistência de erro manifesto de apreciação dos factos, os órgãos jurisdicionais da União devem não só verificar a exatidão material das provas invocadas, a sua fiabilidade e coerência, mas também determinar se essas provas constituem todos os dados pertinentes a ter em consideração na avaliação de uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões delas extraídas (Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Hansol Paper, C‑260/20 P, EU:C:2022:370, n.o 59 e jurisprudência referida).

127

Relativamente à segunda condição referida no n.o 118 do presente acórdão, embora o artigo 3.o, ponto 1, alínea b), do Regulamento 2016/1037 se limite a precisar que, para poder ser qualificada de «subvenção», uma contribuição financeira deve conferir uma vantagem, decorre do artigo 5.o deste regulamento que a vantagem que deve ser caracterizada é aquela que essa medida conferiu à empresa ou às empresas beneficiárias dessa medida. Por outro lado, o artigo 6.o do referido regulamento enumera um conjunto de regras a aplicar para calcular o montante dessa vantagem perante diferentes tipos de contribuições financeiras, entre as quais não figura, todavia, a que consiste, para os poderes públicos do país de origem ou de exportação, em renunciar ou em não proceder à cobrança de receitas públicas normalmente exigíveis.

128

Assim sendo, resulta da prática decisória do ORL, conforme recordada, em especial, no relatório do Grupo de Peritos da OMC de 31 de outubro de 2019, intitulado India — Export Related Measures (WT/DS541/R, n.os 7.445 e 7.446), que, perante tal medida, a vantagem conferida por esta pode ser caracterizada a partir do momento em que se verifique que se renunciou ou que não se procedeu à cobrança das receitas públicas normalmente exigíveis e, por conseguinte, que existia uma contribuição financeira na aceção do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação. Com efeito, mesmo que os conceitos de «contribuição financeira» e de «vantagem» sejam distintos, a sua respetiva existência pode ser demonstrada, num determinado caso, à luz de elementos factuais idênticos ou relacionados, na medida em que o montante da vantagem conferida por uma contribuição financeira sob a forma de renúncia ou de não cobrança de receitas públicas corresponde, regra geral, à diferença entre as receitas públicas que seriam normalmente exigíveis na situação de referência escolhida e as que foram cobradas, consoante o caso, à empresa ou às empresas em causa.

129

No caso em apreço, tendo em conta o que acaba de ser recordado, cabe constatar, primeiro, que, nos n.os 167 a 169 do Acórdão T‑480/20 e nos n.os 134 a 136 do Acórdão T‑540/20, o Tribunal Geral interpretou corretamente o sentido e o alcance do artigo 3.o, ponto 1, alínea a), ii), do artigo 3.o, ponto 2, e do artigo 5.o do Regulamento 2016/1037, relembrando, em substância, que, para determinar se a Comissão tinha considerado corretamente que os poderes públicos egípcios tinham renunciado à cobrança de determinados direitos aduaneiros normalmente exigíveis aquando da importação para o Egito, pela Jushi, de materiais destinados a serem utilizados como inputs para o fabrico de produtos de fibra de vidro destinados a exportação pela Hengshi para a União, e se, deste modo, foi conferida uma vantagem, era necessário identificar a situação de referência idónea.

130

Segundo, a situação de referência que foi tomada em consideração no caso em apreço pela Comissão, à luz de todos os elementos pertinentes disponíveis, constitui um elemento de facto. A opção no sentido de considerar esta situação em vez de outra releva, por seu turno, da apreciação dos factos. Enquanto tais, estes dois elementos devem ser objeto, pelo Tribunal Geral, de uma fiscalização que responda às exigências recordadas nos n.os 125 e 126 do presente acórdão e que implica, portanto, nomeadamente, que este órgão jurisdicional verifique que a Comissão não cometeu um erro material ou um erro manifesto de apreciação.

131

Além disso, resulta do artigo 256.o TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o Tribunal Geral tem competência exclusiva, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos elementos dos autos que lhe foram submetidos, e, por outro lado, para apreciar esses factos. A apreciação destes factos e destas provas não constitui, por isso, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Hansol Paper, C‑260/20 P, EU:C:2022:370, n.o 132 e jurisprudência referida).

132

Daqui resulta que as recorrentes, que não invocam a existência de uma desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova submetidos ao Tribunal Geral, não têm o direito de contestar as apreciações deste órgão jurisdicional relativas à situação de referência considerada pela Comissão no caso em apreço, a saber, a de uma empresa estabelecida na zona CECS.

133

Terceiro, uma vez que os argumentos das recorrentes se referem exclusivamente a estas apreciações, não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão do Tribunal Geral de que, em substância, a Comissão não cometeu um erro de qualificação jurídica dos factos ao considerar que existia uma subvenção, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, alínea a), ii), e do artigo 3.o, ponto 2, do Regulamento 2016/1037, conjugados com o artigo 5.o deste regulamento.

134

Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao quarto fundamento comum aos dois processos

Argumentos das partes

135

Com o seu quinto fundamento no processo C‑269/23 P, relativo, em substância, a uma interpretação e a uma aplicação erradas do artigo 3.o, ponto 2 e do artigo 4.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento 2016/1037, a Hengshi e a Jushi contestam as apreciações do Tribunal Geral que constam dos n.os 176 a 179 do Acórdão T‑480/20. Este fundamento é idêntico ao quarto fundamento de recurso no processo C‑272/23 P, através do qual a Jushi contesta as apreciações do Tribunal Geral que constam dos n.os 143 a 146 do Acórdão T‑540/20.

136

Mediante este fundamento comum aos dois processos, que corresponde parcialmente aos fundamentos invocados em primeira instância resumidos no n.o 35 do presente acórdão, as recorrentes criticam as apreciações em que o Tribunal Geral se baseou para julgar que a Comissão podia considerar, sem violar o artigo 3.o, ponto 2, e o artigo 4.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento 2016/1037, que o tratamento fiscal reservado pelos poderes públicos egípcios às perdas cambiais consecutivas à desvalorização da libra egípcia ocorrida durante o ano de 2016 constituía uma subvenção que conferia de facto uma vantagem específica a um número limitado de empresas orientadas para a exportação e que desenvolve uma parte essencial das suas atividades em divisas estrangeiras, entre as quais figuravam a Hengshi e a Jushi.

137

A este respeito, alegam, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral, em substância, desvirtuou os regulamentos controvertidos ao considerar que a Comissão tinha qualificado de subvenção, não as normas fiscais e contabilísticas adotadas pelos poderes públicos egípcios para permitir às empresas com passivos em divisas estrangeiras limitar as perdas cambiais consecutivas à desvalorização da libra egípcia que se verificou durante o ano de 2016, consideradas enquanto tais, mas sim a vantagem concedida de facto por estes poderes públicos, com base nestas normas, a uma categoria específica de empresas. Com efeito, resulta de forma evidente destes regulamentos que a Comissão não procedeu desse modo. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral substituiu, além disso, a fundamentação da Comissão pela sua própria fundamentação.

138

Em segundo lugar, esta diligência levou o Tribunal Geral a rejeitar, sem razão, os argumentos das recorrentes relativos às apreciações da Comissão a este respeito e às qualificações jurídicas adotadas à luz dessas apreciações.

139

A Comissão, apoiada pela APFE e pela Tech‑Fab Europe, contesta a admissibilidade e o mérito desta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

140

No que respeita, em primeiro lugar, aos argumentos das recorrentes relativos à identificação, pelo Tribunal Geral, da medida que foi qualificada de «subvenção» pela Comissão nos regulamentos controvertidos, importa constatar que, da leitura destes regulamentos se infere, de forma evidente, que o Tribunal Geral não desvirtuou o seu conteúdo nos acórdãos recorridos nem substituiu a fundamentação e as apreciações da Comissão pela sua própria fundamentação e apreciações.

141

Com efeito, embora seja exato, como alegam as recorrentes, que a Comissão iniciou o exame desta medida mencionando a existência de duas normas de direito egípcio, uma de natureza fiscal e outra de natureza contabilística, é também manifesto que esta instituição precisou, em seguida, que este exame incidia sobre a forma como estas normas tinham sido aplicadas, no contexto específico que levou à sua adoção, que se caracteriza, primeiro, pela desvalorização da libra egípcia que se verificou durante o ano de 2016. Além disso, é manifesto que a referida instituição concluiu, no termo do referido exame, que a aplicação dessas normas, neste contexto concreto, tinha conferido uma vantagem a certas empresas e revestido, como tal, um caráter de facto específico. Por último, é também manifesto que essas empresas, entre as quais figuram a Hengshi e a Jushi, foram identificadas pela Comissão como as que se orientaram para a exportação e que desenvolvem uma parte essencial das suas atividades em divisas estrangeiras.

142

Em segundo lugar, quanto aos argumentos das recorrentes relativos às apreciações da Comissão a este respeito, por um lado, e às qualificações jurídicas adotadas à luz dessas apreciações, por outro, recorde‑se, primeiro, que, como resulta do n.o 131 do presente acórdão, as recorrentes não têm o direito de contestar apreciações factuais no âmbito dos seus recursos.

143

Segundo, foi com razão que, à luz destas apreciações, o Tribunal Geral considerou, a seguir à Comissão, a existência de uma subvenção de caráter específico e que confere uma vantagem à Hengshi e à Jushi, em conformidade com o artigo 3.o, ponto 2, e com o artigo 4.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento 2016/1037.

144

A este respeito, deve salientar‑se, em especial, que o artigo 4.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento 2016/1037 visa precisamente permitir à Comissão demonstrar o caráter específico de medidas que constituem subvenções, em particular de cariz regulamentar, fiscal ou contabilístico, no caso de essas medidas, embora apresentem uma aparência geral ou de não especificidade, poderem revelar‑se, de facto, específicas. Para este efeito, esta disposição enuncia um certo número de fatores destinados a orientar o exame da Comissão perante tais medidas. Estes fatores, cuja pertinência individual ou conjugada é suscetível de variar em cada caso concreto em função, nomeadamente, da medida em causa, do contexto em que esta foi implementada e aplicada, bem como do comportamento das entidades de que emana, compreendem, entre outros, «utilização de um regime de subvenções por um número limitado de certas empresas» e «concessão de montantes de subvenção desproporcionadamente elevados a certas empresas».

145

No caso em apreço, foi no primeiro destes dois fatores que o Tribunal Geral se apoiou, a seguir à Comissão, para considerar o caráter de facto específico da medida em causa. Esta abordagem não apresenta nenhum erro de direito.

146

Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado, em parte, inadmissível e, em parte, improcedente.

Quanto ao primeiro fundamento no processo C‑269/23 P

Argumentos das partes

147

Com o seu primeiro fundamento no processo C‑269/23 P, relativo a uma interpretação e a uma aplicação erradas do artigo 1.o, n.o 1, do artigo 5.o e do artigo 6.o do Regulamento 2016/1037, a Hengshi e a Jushi contestam as apreciações do Tribunal Geral que constam nos n.os 32, 37, 42 e 43, 46 a 48, 51 a 55 e 58 do Acórdão T‑480/20.

148

Com este fundamento, que corresponde ao fundamento invocado em primeira instância resumido no n.o 36 do presente acórdão, as recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aprovar o método adotado, em seu entender, pela Comissão para calcular o montante das subvenções passíveis de medidas de compensação que tinham sido concedidas a cada uma delas ao abrigo das diferentes medidas visadas pelo regulamento controvertido no processo T‑480/20.

149

A este respeito, as recorrentes sustentam, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral desvirtuou o seu fundamento invocado em primeira instância ao considerar, erradamente, que as recorrentes acusavam a Comissão, na verdade, de ter violado o artigo 7.o do Regulamento 2016/1037 ao utilizar o seu volume de negócios cumulado, incluindo todos os produtos, como denominador para calcular o montante dessas subvenções. Com efeito, este fundamento invocado em primeira instância, que era exclusivamente relativo à violação dos artigos 5.o e 6.o deste regulamento, conjugados com o artigo 1.o, n.o 1, do referido regulamento, teria consistido em dizer que a Comissão se devia ter baseado, num primeiro momento, no volume de negócios individual de cada uma delas, incluindo todos os produtos, para calcular o montante das respetivas subvenções.

150

Em segundo lugar, as recorrentes alegam que, independentemente dessa desvirtuação, esse fundamento invocado em primeira instância não pode ser julgado improcedente pelo facto, aliás acolhido pelo Tribunal Geral no Acórdão T‑480/20, de constituírem empresas associadas ou pertencentes a um mesmo grupo. Com efeito, resulta claramente dos artigos 5.o e 6.o do Regulamento 2016/1037, conjugados com o artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento, que o montante das subvenções deve ser calculado «em termos da vantagem concedida ao beneficiário» e, portanto, numa situação como a do caso em apreço, a cada uma das empresas «beneficiárias» dessas subvenções, mesmo que estas empresas estejam associadas ou pertençam a um mesmo grupo.

151

A Comissão, apoiada pela Tech‑Fab Europe, contesta esta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

152

Resulta do artigo 5.o do Regulamento 2016/1037 que o montante de uma subvenção passível de medidas de compensação deve ser calculado em termos da vantagem concedida ao beneficiário dessa subvenção. Além disso, resulta do artigo 6.o desse regulamento que o cálculo dessa vantagem deve ser efetuado aplicando certas regras, que diferem consoante o tipo de subvenção que está em causa num determinado caso, mas que se referem todas, consoante o caso, ao «beneficiário» dessa subvenção, à «empresa beneficiária» desta ou ainda à «empresa».

153

Em contrapartida, o referido regulamento não define nem o conceito de «beneficiário» nem o de «empresa». Estes conceitos devem, portanto, ser entendidos tendo em conta o contexto em que se inserem e o objetivo prosseguido pelas disposições que os utilizam e, mais globalmente, pelo Regulamento 2016/1037, o qual deve, por outro lado, ser interpretado, na medida do possível, em conformidade com o Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação.

154

A este respeito, em primeiro lugar, o Tribunal Geral recordou, no n.o 47 do Acórdão T‑480/20, que, embora este acordo também não contenha uma definição das pessoas que podem beneficiar de uma subvenção e que, consequentemente, lhe seja conferida uma vantagem, cujo montante deve servir de base ao cálculo desta subvenção, esta questão foi analisada de forma aprofundada e clarificada pelo Órgão de Recurso da OMC no seu relatório de 9 de dezembro de 2002, intitulado United States — Countervailing Measures Concernign Certain Products from the European Communities (WT/DS212/AB/R, n.os 108 a 119), que foi adotado pelo ORL em 8 de janeiro de 2003.

155

O relatório do Órgão de Recurso da OMC refere, em substância, que a identificação da pessoa ou das pessoas beneficiárias de uma subvenção depende das circunstâncias específicas de cada caso individual e que, atendendo às diferentes disposições pertinentes do referido acordo, a sua sistemática geral e o seu objetivo, cabe considerar que o acordo não exclui a possibilidade de determinar, em função das circunstâncias, se o beneficiário de uma subvenção é uma pessoa singular, uma pessoa coletiva, um grupo de pessoas singulares, um grupo de pessoas coletivas ou uma combinação de uma ou mais pessoas singulares e uma ou mais pessoas coletivas, por exemplo, sociedades e respetivos proprietários. Com efeito, a circunstância de essas pessoas serem juridicamente distintas não é pertinente para efeitos da identificação do beneficiário de uma subvenção, que corresponde à entidade económica cujos produtos são artificialmente apoiados por essa subvenção.

156

Em conformidade com a prática decisória do ORL, com os termos utilizados pelo legislador da União no Regulamento 2016/1037 e com o contexto em que estes se inserem, há que interpretar o conceito de «beneficiário», referido nos artigos 5.o e 6.o do referido regulamento, no sentido de que remete, num determinado caso concreto, para cada uma das empresas às quais são concedidas subvenções. Como observou a advogada‑geral no n.o 90 das suas conclusões, o próprio conceito de «empresa» corresponde à unidade económica, que agrupa eventualmente várias pessoas coletivas juridicamente distintas, que desenvolve a atividade económica de fabrico, comercialização, transporte ou exportação de produtos a que essa subvenção confere uma vantagem, independentemente do seu estatuto jurídico dessa unidade económica e da sua forma de financiamento (v., por analogia, Acórdãos de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, EU:C:1984:345, n.o 11, e de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:87, n.o 103).

157

Em segundo lugar, o Tribunal Geral baseou‑se corretamente nesta definição dos conceitos de «beneficiário» e de «empresas», nos n.os 48 e 51 do Acórdão T‑480/20, para aprovar o método de cálculo aplicado pela Comissão, atendendo à circunstância de a Hengshi e a Jushi pertencerem ao mesmo grupo, para calcular o montante das medidas de compensação que podiam ser impostas no caso em apreço.

158

Em terceiro e último lugar, as recorrentes não têm o direito de contestar, em sede de recurso, as apreciações formuladas pelo Tribunal Geral relativamente a esta circunstância, tendo em conta as considerações que constam do regulamento controvertido e os argumentos de facto e as provas constantes dos autos em primeira instância.

159

Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a referência feita pelo Tribunal Geral, a título acessório, ao artigo 7.o do Regulamento 2016/1037.

160

Consequentemente, deve ser negado provimento aos recursos.

Quanto às despesas

161

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

162

Tendo a Hengshi e a Jushi sido vencidas no processo C‑269/23 P, e tendo a Jushi sido vencida no processo C‑272/23 P, há que condená‑las nas respetivas despesas nesses processos, em conformidade com os pedidos da Comissão, da Tech‑Fab Europe e da APFE.

163

O artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo, prevê que um interveniente em primeira instância, quando não tenha ele próprio interposto o recurso da decisão do Tribunal Geral, só pode ser condenado nas despesas do processo de recurso se tiver participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça. Quando participe no processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que essa parte suporte as suas próprias despesas.

164

No caso em apreço, a Tech‑Fab Europe e a APFE, intervenientes em primeira instância que participaram no processo no Tribunal de Justiça, suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

É negado provimento aos recursos.

 

2)

A Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE e a Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE são condenadas a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão Europeia no processo C‑269/23 P.

 

3)

A Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão Europeia no processo C‑272/23 P.

 

4)

A Tech‑Fab Europe eV suporta as suas próprias despesas no processo C‑269/23 P.

 

5)

A Association des producteurs de fibres de verre européens (APFE) suporta as suas próprias despesas no processo C‑272/23 P.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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