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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62021CJ0068

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 27 de outubro de 2022.
Iveco Orecchia SpA contra APAM Esercizio SpA e Brescia Trasporti SpA.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Consiglio di Stato.
Reenvio prejudicial – Aproximação das legislações – Veículos a motor – Diretiva 2007/46/CE – Especificações técnicas – Oferta de fornecimento de peças sobressalentes equivalentes aos originais de uma marca precisa – Inexistência de prova de receção – Declaração de equivalência ao original pelo proponente – Conceito de “fabricante” – Meios de prova – Contratos públicos – Diretiva 2014/25/UE.
Processos apensos C-68/21 e C-84/21.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:835

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

27 de outubro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Veículos a motor — Diretiva 2007/46/CE — Especificações técnicas — Proposta de fornecimento de peças sobresselentes equivalentes às originais de uma marca precisa — Falta de prova de homologação — Declaração de equivalência ao original pelo proponente — Conceito de “fabricante” — Meios de prova — Contratos públicos — Diretiva 2014/25/UE»

Nos processos apensos C‑68/21 e C‑84/21,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por Decisões de 14 de dezembro de 2020, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 3 e 11 de fevereiro de 2021, nos processos

Iveco Orecchia SpA

contra

APAM Esercizio SpA (C‑68/21),

Brescia Trasporti SpA (C‑84/21),

sendo intervenientes:

Veneta Servizi International Srl unipersonale,

VAR Srl,

Di Pinto & Dalessandro SpA,

Bellizzi Srl,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: P. G. Xuereb (relator), presidente de secção, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: C. Di Bella, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de março de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Iveco Orecchia SpA, por F. Brunetti e A. Vitale, avvocati,

em representação da APAM Esercizio SpA, por E. Zani, avvocato,

em representação da Brescia Trasporti SpA, por A. Salvadori, avvocato,

em representação da Veneta Servizi International Srl unipersonale, por S. Lago, A. Calegari, N. Creuso, N. de Zan e A. Manzi, avvocati,

em representação da Var Srl, por M. Goria e S.E. Viscio, avvocati,

em representação da Di Pinto & Dalessandro SpA e da Bellizzi Srl, por M. Lancieri, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por C. Pluchino, avvocatessa dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, M. Huttunen e K. Talabér‑Ritz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de maio de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 3.o, ponto 27, e dos artigos 10.o, 19.o e 28.o da Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (Diretiva‑Quadro) (JO 2007, L 263, p. 1), bem como dos artigos 60.o e 62.o da Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE (JO 2014, L 94, p. 243).

2

Esses pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem a Iveco Orecchia SpA à APAM Esercizio SpA (C‑68/21) e à Brescia Trasporti SpA (C‑84/21) a respeito de dois contratos públicos atribuídos por estes últimos.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2007/46

3

Nos termos dos considerandos 2, 3 e 14 da Diretiva 2007/46:

«(2)

Para efeitos do estabelecimento e funcionamento do mercado interno da Comunidade, afigura‑se adequado substituir os regimes de homologação dos Estados‑Membros por um procedimento de homologação comunitária baseado no princípio da harmonização total.

(3)

Os requisitos técnicos aplicáveis a sistemas, componentes, unidades técnicas e veículos deverão ser harmonizados e especificados em atos regulamentares, que deverão ter como principal objetivo assegurar um elevado nível de segurança rodoviária, de proteção da saúde e do ambiente, de eficiência energética e de proteção contra a utilização não autorizada.

[…]

(14)

O principal objetivo da legislação relativa à homologação de veículos consiste em garantir que os novos veículos, componentes e unidades técnicas colocados no mercado oferecem um elevado nível de segurança e de proteção do ambiente. […]»

4

O artigo 1.o desta diretiva, epigrafado «Objeto», prevê:

«A presente diretiva estabelece um quadro harmonizado que contém as disposições administrativas e os requisitos técnicos gerais aplicáveis à homologação de todos os veículos novos que sejam abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, bem como à homologação de sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, no intuito de facilitar a respetiva matrícula, venda e colocação em circulação na Comunidade.

A presente diretiva estabelece igualmente as disposições relativas à venda e entrada em circulação das peças e equipamentos destinados a veículos homologados nos termos nela previstos.

Os requisitos técnicos específicos relativos ao fabrico e ao funcionamento dos veículos devem ser estabelecidos em aplicação da presente diretiva em atos regulamentares, cuja lista exaustiva consta do anexo IV.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva, epigrafado «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva é aplicável à homologação de veículos projetados e fabricados numa ou mais fases para utilização em estrada, e de sistemas, componentes e unidades técnicas projetados e fabricados para esses veículos.

[…]»

6

O artigo 3.o da mesma diretiva, epigrafado «Definições», enuncia:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva e nos atos regulamentares enumerados no anexo IV, salvo disposição em contrário neles prevista, entende‑se por:

1)

“Ato regulamentar”, uma diretiva ou um regulamento específicos ou um regulamento UNECE anexo ao Acordo de 1958 revisto;

2)

“Diretiva ou regulamento específicos”, uma diretiva ou um regulamento enumerado na parte I do anexo IV. Esta expressão inclui igualmente os atos de execução respetivos;

3)

“Homologação”, o procedimento através do qual um Estado‑Membro certifica que um modelo de veículo ou tipo de sistema, de componente ou de unidade técnica cumpre as disposições administrativas e os requisitos técnicos aplicáveis;

[…]

5)

“Homologação CE”, o procedimento através do qual um Estado‑Membro certifica que um modelo de veículo ou tipo de sistema, de componente ou de unidade técnica cumpre as disposições administrativas e os requisitos técnicos aplicáveis constantes da presente diretiva e dos atos regulamentares enumerados nos anexos IV ou XI;

[…]

23)

“Sistema”, um conjunto de dispositivos combinados para desempenhar uma ou mais funções específicas num veículo e que está sujeito aos requisitos de um ato regulamentar;

24)

“Componente”, um dispositivo sujeito aos requisitos de um ato regulamentar e destinado a ser parte de um veículo, que pode ser homologado separadamente se o ato regulamentar o previr expressamente;

25)

“Unidade técnica”, um dispositivo sujeito aos requisitos de um ato regulamentar e destinado a ser parte de um veículo que pode ser homologado separadamente mas apenas em relação a um ou mais modelos especificados de veículos, se o ato regulamentar o previr expressamente;

26)

“Peças ou equipamentos de origem”, peças ou equipamentos fabricados segundo as especificações e normas de produção do fabricante do veículo relativas ao fabrico de peças ou equipamentos destinados à montagem do veículo em causa. Incluem‑se nesta definição as peças ou equipamentos fabricados na mesma linha de produção que as peças ou equipamentos acima referidos. Presume‑se, até prova em contrário, que as peças são de origem se o respetivo fabricante declarar que têm uma qualidade correspondente à dos componentes utilizados para a montagem do veículo em causa e que foram fabricadas segundo as suas especificações e normas de produção;

27)

“Fabricante”, a pessoa ou entidade responsável perante as autoridades de homologação por todos os aspetos do processo de homologação ou autorização, e por assegurar a conformidade da produção, não sendo necessário que essa pessoa ou entidade intervenha diretamente em todas as fases do fabrico do veículo, sistema, componente ou unidade técnica submetido a homologação;

[…]»

7

Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2007/46, epigrafado «Obrigações dos fabricantes»:

«1.   O fabricante é responsável perante a entidade homologadora por todos os aspetos do processo de homologação e por assegurar a conformidade da produção, independentemente de estar ou não envolvido diretamente em todas as fases do fabrico de um veículo, sistema, componente ou unidade técnica.

[…]»

8

O artigo 10.o desta diretiva, epigrafado «Disposições específicas aplicáveis a sistemas, componentes ou unidades técnicas», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros devem conceder a homologação CE aos sistemas que estejam em conformidade com as informações contidas no dossier de fabrico e que satisfaçam os requisitos técnicos previstos na diretiva ou regulamento específicos aplicáveis, conforme previsto nos anexos IV ou XI.

2.   Os Estados‑Membros devem conceder a homologação CE de componente ou unidade técnica aos componentes ou unidades técnicas que estejam em conformidade com as informações contidas no dossier de fabrico e que satisfaçam os requisitos técnicos previstos na diretiva ou regulamento específicos aplicáveis, conforme previsto no anexo IV.

[…]»

9

Nos termos do artigo 19.o da referida diretiva, epigrafado «Marca de homologação CE»:

«1.   O fabricante de um componente ou de uma unidade técnica, quer estes façam ou não parte de um sistema, deve apor em cada componente ou unidade fabricados em conformidade com o tipo homologado a marca de homologação CE exigida pela diretiva específica ou regulamento aplicáveis.

2.   No caso de não ser exigida a marca de homologação CE, o fabricante deve apor, no mínimo, a sua firma ou marca comercial, o número do tipo e/ou um número de identificação.

[…]»

10

O artigo 28.o da mesma diretiva, epigrafado «Venda e entrada em circulação de componentes e unidades técnicas», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros só devem autorizar a venda ou a entrada em circulação de componentes ou unidades técnicas se estes satisfizerem os requisitos dos atos regulamentares aplicáveis e forem devidamente marcados nos termos do artigo 19.o»

11

O artigo 38.o, n.o 1, da Diretiva 2007/46, epigrafado «Informações destinadas aos fabricantes de componentes ou unidades técnicas», dispõe:

«O fabricante do veículo deve pôr à disposição dos fabricantes de componentes ou unidades técnicas todas as informações, incluindo, se for caso disso, os desenhos especificamente indicados no anexo ou apêndice de um ato regulamentar, que sejam necessárias para a homologação CE de componentes ou unidades técnicas ou para a obtenção da autorização prevista no artigo 31.o […]»

12

O anexo IV da Diretiva 2007/46, intitulado «Lista de requisitos para efeitos de homologação CE de veículos», contém duas partes. Na parte I desse anexo figura a lista dos atos regulamentares da União, ao passo que a parte II enumera alguns regulamentos da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (CEE‑ONU), precisando que uma homologação ao abrigo desses regulamentos deve ser considerada uma homologação que substitui uma homologação CE ao abrigo da diretiva específica ou do regulamento específico mencionado no quadro da parte I.

Regulamento (CE) n.o 1400/2002

13

O artigo 1.o, alínea u), do Regulamento (CE) n.o 1400/2002 da Comissão, de 31 de julho de 2002, relativo à aplicação do n.o 3 do artigo 81.o do Tratado a certas categorias de acordos verticais e práticas concertadas no setor automóvel (JO 2002, L 203, p. 30), que, nos termos do seu artigo 12.o, n.o 3, caducou em 31 de maio de 2010, definia:

«“Peças sobress[e]lentes de qualidade equivalente”, as peças sobress[e]lentes exclusivamente fabricadas por qualquer empresa que possa comprovar a qualquer momento que as peças em questão correspondem à qualidade dos componentes que são ou foram utilizados para a montagem dos veículos a motor em causa.»

Diretiva 2014/25

14

Os considerandos 56 e 83 da Diretiva 2014/25 têm a seguinte redação:

«(56)

Nenhuma disposição da presente diretiva deverá impedir a imposição ou a aplicação das medidas necessárias à proteção da ordem, da moralidade e da segurança públicas, da saúde e da vida humana e animal ou à preservação da vida vegetal ou outras medidas ambientais, especialmente do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, desde que tais medidas estejam em conformidade com o TFUE.

[…]

(83)

[…]

Consequentemente, as especificações técnicas deverão ser elaboradas de forma a evitar uma redução artificial da concorrência através de requisitos que favoreçam um operador económico específico ao refletirem as principais características dos fornecimentos, serviços ou obras que este habitualmente oferece. A elaboração das especificações técnicas em termos de requisitos funcionais e de desempenho permite geralmente que esse objetivo seja alcançado da melhor forma possível. […]

[…]»

15

O artigo 1.o deste regulamento, epigrafado «Objeto e âmbito de aplicação», prevê:

«1.   A presente diretiva estabelece regras para os procedimentos aplicáveis aos contratos celebrados pelas entidades adjudicantes no respeitante aos contratos e aos concursos de conceção cujo valor estimado não seja inferior aos limiares definidos no artigo 15.o

2.   Na aceção da presente diretiva, entende‑se por “contratação pública” a aquisição de fornecimento, obras ou serviços, por contrato, por uma ou mais entidades adjudicantes a operadores económicos selecionados pelas mesmas, desde que esses fornecimentos, obras ou serviços visem a realização de uma das atividades referidas nos artigos 8.o a 14.o»

16

O artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, “autoridades adjudicantes” são as autoridades estatais, locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações constituídas por uma ou várias dessas autoridades ou um ou mais desses organismos de direito público.»

17

O artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2014/25 enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, são entidades adjudicantes:

a)

As autoridades adjudicantes ou empresas públicas e que exerçam uma das atividades referidas nos artigos 8.o a 14.o»

18

Nos termos do artigo 11.o desta diretiva, epigrafado «Serviços de transporte»:

«A presente diretiva aplica‑se às atividades que tenham por objetivo a disponibilização ou exploração de redes destinadas à prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho de ferro, sistemas automáticos, carros elétricos, tróleis, autocarros ou cabo.

[…]»

19

O artigo 15.o da referida diretiva, na sua versão aplicável aos factos do processo principal, previa que esta se aplicava, no que respeita aos mercados de fornecedores, aos mercados cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (IVA), fosse igual ou superior a um limiar de 414000 euros, se esses mercados não estivessem excluídos por força de exclusões previstas nos artigos 18.o a 23.o ou em conformidade com o artigo 34.o no que respeita à prossecução da atividade em questão.

20

O artigo 60.o da mesma diretiva, epigrafado «Especificações técnicas», tem a seguinte redação:

«1.   As especificações técnicas definidas no ponto 1 do anexo VIII devem constar dos documentos do concurso. As especificações técnicas definem as características exigidas para as obras, serviços ou fornecimentos.

[…]

2.   As especificações técnicas devem permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e não podem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.

3.   Sem prejuízo das regras técnicas nacionais vinculativas, na medida em que sejam compatíveis com o direito da União, as especificações técnicas devem ser formuladas segundo uma das seguintes modalidades:

[…]

b)

Por referência a especificações técnicas definidas e, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a avaliações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais, a outros referenciais técnicos estabelecidos pelos organismos europeus de normalização ou quando qualquer um destes não exista a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais em matéria de conceção, cálculo e execução das obras e de utilização dos fornecimentos; cada referência deve ser acompanhada da menção “ou equivalente”;

[…]

4.   A menos que o objeto do contrato o justifique, as especificações técnicas não podem fazer referência a determinado fabrico ou proveniência, a um processo específico que caracterize os produtos ou serviços prestados por determinado operador económico, ou a marcas comerciais, patentes, tipos, origens ou modos de produção determinados que tenham por efeito favorecer ou eliminar determinadas empresas ou produtos. Tal referência é autorizada, a título excecional, no caso de não ser possível uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objeto do contrato nos termos do n.o 3. Essa referência deve ser acompanhada da menção “ou equivalente”.

5.   Sempre que as entidades adjudicantes recorrerem à possibilidade de remeter para as especificações técnicas a que se refere o n.o 3, alínea b), não podem excluir uma proposta com o fundamento de que as obras, fornecimentos ou serviços dela constantes não estão em conformidade com as suas especificações técnicas de referência, se o proponente demonstrar na sua proposta por qualquer meio adequado, nomeadamente os meios de prova referidos no artigo 62.o, que as soluções propostas satisfazem de modo equivalente os requisitos definidos nas especificações técnicas.

[…]»

21

Nos termos do artigo 62.o da Diretiva 2014/25, epigrafado «Relatórios de ensaio, certificação e outros meios de prova»:

«1.   As entidades adjudicantes podem exigir aos operadores económicos a apresentação de um relatório de ensaio de um organismo de avaliação da conformidade ou um certificado emitido por tal organismo como meio de prova da conformidade com os requisitos ou critérios estabelecidos nas especificações técnicas, com os critérios de adjudicação ou com as condições de execução dos contratos.

Quando as entidades adjudicantes exigirem a apresentação de certificados emitidos por um organismo de avaliação da conformidade específico, devem também aceitar os certificados de outros organismos de avaliação da conformidade equivalentes.

[…]

2.   As entidades adjudicantes devem aceitar outros meios de prova adequados além dos enunciados no n.o 1, como a documentação técnica do fabricante, caso o operador económico em causa não tenha acesso aos certificados ou aos relatórios de ensaio referidos no n.o 1, nem qualquer possibilidade de os obter dentro dos prazos estabelecidos, desde que a falta de acesso não seja imputável ao próprio operador económico e desde que este prove que as obras, fornecimentos ou serviços por ele prestados cumprem os requisitos ou critérios indicados nas especificações técnicas, nos critérios de adjudicação ou nas condições de execução dos contratos.

[…]»

Direito italiano

Despacho n.o 32721 do Ministério das Infraestruturas e dos Transportes de 28 de abril de 2008

22

A Diretiva 2007/46 foi transposta para o direito italiano pelo decreto no 32721 del Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti — Recepimento della direttiva 2007/46/CE del Parlamento europeo e del Consiglio del 5 settembre 2007, relativa all’omologazione dei veicoli a motore e dei loro rimorchi, nonché dei sistemi, componenti ed entità tecniche destinati a tali veicoli (Despacho n.o 32721 do Ministério das Infraestruturas e dos Transportes de transposição da Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos), de 28 de abril de 2008 (Suplemento Ordinário da GURI n.o 162, de 12 de julho de 2008).

23

Este decreto define, no seu artigo 3.o, alínea ff), o «fabricante» como «a pessoa ou entidade responsável perante as autoridades de homologação por todos os aspetos do processo de homologação ou autorização, e por assegurar a conformidade da produção, não sendo necessário que essa pessoa ou entidade intervenha diretamente em todas as fases do fabrico do veículo, sistema, componente ou unidade técnica submetido a homologação»;

Decreto do Presidente da República n.o 445, de 28 de dezembro de 2000

24

Nos termos do artigo 49.o do decreto del Presidente della Repubblica no 445 —Testo unico delle disposizioni legislative e regolamentari in materia di documentazione amministrativa (Decreto do Presidente da República n.o 445 — Texto Único das Disposições Legislativas e Regulamentares em Matéria de Documentação Administrativa), de 28 de dezembro de 2000 (Suplemento Ordinário da GURI n.o 42, de 20 de fevereiro de 2001), «os certificados […] de origem, de conformidade CE, das marcas ou patentes não podem ser substituídos por outro documento, salvo disposição contrária da regulamentação aplicável».

Decreto Legislativo n.o 50 de 18 de abril de 2016

25

Nos termos do artigo 68.o do decreto legislativo no 50 — Codice dei contratti pubblici (Decreto Legislativo n.o 50, relativo aos Contratos Públicos), de 18 de abril de 2016 (Suplemento Ordinário da GURI n.o 91, de 19 de abril de 2016):

«1.   As especificações técnicas definidas no ponto 1 do anexo XIII devem figurar nos documentos do contrato e definem as características exigidas das obras, dos serviços ou dos fornecimentos. […]

[…]

5.   Sem prejuízo das regras técnicas nacionais obrigatórias, as especificações técnicas devem ser formuladas segundo uma das formas seguintes: […] b) por referência a especificações técnicas e, por ordem de preferência, às normas nacionais que transponham normas europeias, às avaliações técnicas europeias, às especificações técnicas comuns, às normas internacionais, aos outros referenciais técnicos estabelecidos pelos organismos europeus de normalização, ou na falta destes, às normas nacionais, às homologações técnicas nacionais ou às especificações técnicas nacionais em matéria de conceção, de cálculo e de execução das obras e de utilização dos fornecimentos; Cada referência deve ser acompanhada da menção “ou equivalente”; […]

6.   A menos que o objeto do contrato o justifique, as especificações técnicas não podem fazer referência a determinado fabrico ou proveniência, a um processo específico que caracterize os produtos ou serviços prestados por determinado operador económico, ou a marcas comerciais, patentes, tipos, origens ou modos de produção determinados que tenham por efeito favorecer ou eliminar determinadas empresas ou produtos. Tal referência será autorizada, a título excecional, no caso de não ser possível uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objeto do contrato nos termos do n.o 5. Essa referência deve ser acompanhada da menção “ou equivalente”.

7.   Sempre que as autoridades adjudicantes recorrerem à possibilidade de remeter para as especificações técnicas a que se refere o n.o 5, alínea b), não podem excluir uma proposta com o fundamento de que as obras, fornecimentos ou serviços dela constantes não estão em conformidade com as suas especificações técnicas de referência, se o proponente demonstrar na sua proposta por qualquer meio adequado, nomeadamente os meios de prova referidos no artigo 86.o, que as soluções propostas satisfazem de modo equivalente os requisitos definidos nas especificações técnicas.»

26

O artigo 86.o, n.o 5, deste decreto legislativo prevê que «[a] prova das capacidades técnicas dos operadores económicos pode ser fornecida por um ou por vários dos meios enumerados no anexo XVII, parte II, segundo a natureza, a quantidade ou a importância e a finalidade das obras, dos fornecimentos ou dos serviços».

27

O anexo XVII, parte II, alínea k), do referido decreto legislativo enuncia que os meios de prova que certificam as capacidades técnicas no que respeita aos produtos a fornecer são: «i) amostras, descrições ou fotografias cuja autenticidade deve poder ser certificada a pedido da entidade adjudicante; ii) certificados emitidos por institutos ou serviços oficiais encarregados do controlo da qualidade e reconhecidos competentes, que comprovem a conformidade de produtos claramente identificados por referências a especificações ou normas técnicas».

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C‑68/21

28

Através de anúncio de concurso publicado em 21 de agosto de 2018, a APAM Esercizio, uma empresa pública que opera no setor do transporte público local em Mântua (Itália), lançou um processo com vista à celebração de um acordo‑quadro relativo ao fornecimento de «peças sobresselentes de origem Iveco ou equivalentes para autocarros» e cujo valor era calculado em 710000 euros.

29

O artigo 5.1 do caderno de encargos, epigrafado «Tipologia das peças sobresselentes», distinguia entre três tipos de peças sobresselentes, a saber, as «peças destinadas à segurança do veículo e à proteção do ambiente», as «peças sobresselentes de origem (ou de primeira montagem)» e as «peças sobresselentes equivalentes», sendo estas últimas definidas como «as peças sobresselentes (peças, componentes, equipamentos) de qualidade equivalente à original, ou peças de qualidade pelo menos igual à dos componentes utilizados para a montagem do veículo, produzidas segundo as especificações técnicas e as normas de produção próprias do fabricante da peça sobresselente original».

30

A este respeito, precisava‑se que «as referidas peças sobresselentes [equivalentes], em conformidade com a regulamentação da União e com as disposições legais em vigor, podem ser fabricadas por qualquer empresa capaz de certificar a qualquer momento, em conformidade com a regulamentação em vigor (UNI‑CEI‑ENISO/IEC 17050), que a qualidade das peças sobresselentes produzidas corresponde à das peças de origem utilizadas para a montagem dos veículos automóveis em questão».

31

O artigo 5.2 do caderno de encargos, epigrafado «Certificações e declarações», enunciava que, em caso de fornecimento de uma peça sobresselente equivalente, o proponente «deve apresentar, no âmbito do concurso e para qualquer peça sobresselente equivalente proposta, a certificação de conformidade ou uma homologação específica da peça sobresselente fornecida pelo construtor e/ou pelo organismo homologador e/ou pelo laboratório dos ensaios certificados segundo a norma ISO 45000».

32

Entre os documentos administrativos a apresentar na proposta, em conformidade com o artigo 15.o do caderno de encargos, epigrafado «Documentação administrativa», figurava, nesse artigo 15.o, alínea d), «a documentação técnica adequada relativamente a cada peça sobresselente equivalente proposta, acompanhada de: […] um certificado de homologação do produto, quando este é obrigatório, emitido pelo fabricante da peça sobressalente equivalente proposta; um certificado de equivalência do produto apresentado em relação ao produto de origem (ou de primeira montagem) correspondente, em termos de permutabilidade perfeita, sem recorrer a nenhuma adaptação, da peça sobressalente do conjunto ou do sistema em que deve ser montada e características de desempenho que garantam uma funcionalidade e uma segurança regulares do produto no sistema, bem como uma vida idêntica, emitida pelo produtor da peça sobressalente equivalente proposta».

33

Três empresas participaram no processo de concurso, entre as quais, designadamente, a Veneta Servizi International Srl unipersonale (a seguir «VSI») e a Iveco Orecchia, duas empresas com sede em Itália.

34

Por Decisão de 29 de janeiro de 2019, a APAM Esercizio adjudicou definitivamente o contrato à VSI.

35

Por recurso interposto para o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia — Sezione staccata di Brescia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia — Secção de Bréscia, Itália), a Iveco Orecchia, classificada na segunda posição, impugnou a adjudicação do contrato à VSI. Em apoio desse recurso, a Iveco Orecchia alegou, designadamente, que a VSI deveria ter sido excluída do concurso em razão do caráter incompleto da proposta por ela apresentada, dado que essa empresa não tinha fornecido, para fins da prova da conformidade com as especificações técnicas das peças sobresselentes pretensamente produzidas por ela, os certificados de homologação ou de conformidade, bem como os documentos técnicos cuja apresentação estava prevista, sob pena de exclusão, pelo caderno de encargos. Segundo a Iveco Orecchia, a VSI limitara‑se, com efeito, a apresentar uma autocertificação geral da equivalência dessas peças sobresselentes, afirmando, mesmo sendo apenas um negociante, que era o fabricante e o construtor dessas peças sobresselentes.

36

Por Sentença de 25 de junho de 2019, o Tribunale Amministrativo Regionale per la Lombardia — Sezione staccata di Brescia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia — Secção de Bréscia) julgou improcedente o recurso da Iveco Orecchia. Esse órgão jurisdicional considerou, designadamente, que a regulamentação junta ao concurso e relativa à documentação a fornecer pelos proponentes exigia a produção de um certificado de conformidade ou de uma homologação específica, o que significa que bastava apresentar esse certificado. Além disso, a Iveco Orecchia não demonstrou, no que respeita às peças sobresselentes individuais abrangidas pelo contrato em causa, qual teria sido a base jurídica necessária para produzir igualmente uma prova que demonstrasse a homologação dessas peças.

37

A Iveco Orecchia interpôs recurso dessa sentença para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália).

Processo C‑84/21

38

Por anúncio de concurso publicado em 21 de novembro de 2018, a Brescia Transporti, uma empresa pública que opera no setor do transporte público local em Bréscia (Itália), lançou um processo de adjudicação, com um valor de base do contrato calculado em 2100000 euros, «para fornecimento de peças sobresselentes para autocarros da marca Iveco munidos de um motor Iveco — Cig 7680570EDB».

39

O artigo 1.o das especificações técnicas anexadas à documentação relativa ao concurso, epigrafado «Definições técnicas», definia três tipos de peças sobresselentes, a saber, as «peças sobresselentes de origem (ou de primeira montagem)» e as «peças sobresselentes equivalentes», sendo estas últimas definidas como «as peças [sobresselentes] de qualidade pelo menos igual à dos componentes utilizados para a montagem do veículo, produzidas segundo as especificações técnicas e as normas de produção próprias do fabricante da peça sobresselente».

40

Nos termos do artigo 3.o das especificações técnicas, no que respeita às «peças sobresselentes de qualidade equivalente», a proposta deveria ser acompanhada, sob pena de exclusão, de um «certificado do fabricante da peça sobresselente que comprov[asse], em relação a cada peça sobresselente, i) que a qualidade das peças sobresselentes é suficientemente elevada para que a sua utilização não comprometa a reputação da rede autorizada; ii) o seu caráter perfeitamente intersubstituível com as peças sobresselentes de origem, […] sem recurso a nenhuma adaptação da peça sobresselente, do todo ou do sistema no qual deve ser montada». Esta disposição previa igualmente que «[o] fornecedor deverá fornecer ainda o certificado de homologação do produto, quando este for obrigatório. No que respeita às guarnições de travões, aos discos de travões e aos tambores, o fornecedor deverá apresentar, além dos documentos acima mencionados, o certificado que comprove a homologação comunitária ao abrigo do Regulamento n.o 90 (CEE‑ONU).»

41

Duas empresas participaram no processo de concurso, a saber, a VAR Srl, uma sociedade com sede igualmente em Itália, e a Iveco Orecchia.

42

Por Decisão de 28 de fevereiro de 2019, a Brescia Trasporti adjudicou definitivamente o contrato à VAR.

43

Por recurso interposto para o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia — Sezione staccata di Brescia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia — Secção de Bréscia), a Iveco Orecchia, classificada na segunda posição, impugnou a adjudicação do contrato à VAR. Em apoio desse recurso, a Iveco Orecchia alegou, designadamente, que a VAR deveria ter sido excluída do concurso em razão do caráter incompleto da proposta que tinha apresentado, uma vez que essa empresa não forneceu, quanto às peças sobresselentes equivalentes por ela propostas, certificados do fabricante que comprovassem a equivalência das peças sobresselentes por ela propostas. Os certificados emitidos pela própria VAR não são pertinentes, uma vez que esta é um comerciante/distribuidor de peças sobresselentes e não um construtor/fabricante. Além disso, a VAR não forneceu certificados que comprovassem a homologação dessas peças sobresselentes nem informações sobre a sua homologação eventual.

44

Por Sentença de 26 de agosto de 2019, o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia — Sezione staccata di Brescia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia — Secção de Bréscia) negou provimento ao recurso interposto pela Iveco Orecchia. Esse órgão jurisdicional considerou, designadamente, que um proponente que demonstra a equivalência dos seus produtos não pode ser excluído de um concurso e que a regulamentação pertinente não exigia que cada componente de um veículo seja homologado. A tese segundo a qual todas as peças sobresselentes visadas pelos atos regulamentares enumerados no anexo IV da Diretiva 2007/46 devem ser objeto de uma homologação específica não tem fundamento. A falta de prova de homologação no que respeita aos travões de tambor de substituição equivalentes propostos pela VAR, para os quais uma homologação é exigida pelo Regulamento n.o 90 CEE‑ONU, não é pertinente, dado que, designadamente, esse regulamento apenas se aplica aos veículos matriculados depois do mês de novembro de 2016.

45

A Iveco Orecchia interpôs recurso dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio.

46

Di Pinto & Dalessandro Spa e Bellizzi srl, duas sociedades com sede em Itália e que exercem a sua atividade no mercado da manutenção de autocarros, intervieram no referido processo.

Questões prejudiciais

47

O órgão jurisdicional de reenvio considera que há que distinguir dois aspetos relativos aos processos de concurso em causa, a saber, por um lado, o da equivalência das peças sobresselentes propostas pelos proponentes às peças sobresselentes de origem, que pressuporia uma apreciação da qualidade das peças sobresselentes em causa assim como uma comparação dos produtos em questão e, por outro, o da homologação dessas peças sobresselentes, que implicaria que estas correspondem a uma especificação técnica europeia ou nacional.

48

Esse órgão jurisdicional salienta, além disso, que o princípio segundo o qual, no âmbito de um concurso, são admitidos produtos equivalentes visa salvaguardar a livre concorrência e a igualdade de tratamento entre os proponentes.

49

A venda de peças sobresselentes sujeitas a homologação, sobretudo se forem suscetíveis de comprometer a segurança dos veículos e as prestações ambientais, só é possível se essas peças tiverem sido homologadas e aprovadas pela autoridade competente em matéria de homologação. A este respeito, o anexo IV da Diretiva 2007/46 contém a lista detalhada das categorias dos componentes para os quais existe uma regulamentação pertinente e específica relativa à homologação.

50

Nos processos de contratação em causa no processo principal, a regulamentação que figura no concurso e relativa à documentação a fornecer pelos proponentes exigia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o fornecimento do certificado de homologação, no caso de essa homologação ser obrigatória. Porém, no caso vertente, os adjudicatários do contrato forneceram, e as autoridades adjudicantes aceitaram, a título de prova alternativa da equivalência dos produtos de substituição propostos aos produtos de substituição de origem, uma declaração do proponente que não era acompanhada do certificado de homologação exigido ou de outros documentos técnicos equivalentes, por exemplo, testes de verificação de conformidade.

51

Em primeiro lugar, colocar‑se‑ia, portanto, a questão de saber se, no que respeita às peças sobresselentes equivalentes sujeitas a homologação, o proponente deve igualmente apresentar, sob pena de exclusão da sua proposta, o certificado de homologação a título de prova de que as referidas peças são efetivamente equivalentes às peças de origem ou, no mínimo, apresentar a prova concreta de que a peça sobresselente foi efetivamente homologada, ou se basta, em alternativa a esses documentos, fornecer uma declaração do proponente segundo a qual as peças sobresselentes propostas na sua proposta são equivalentes às peças de origem.

52

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que, se uma peça sobresselente é abrangida por um dos atos regulamentares referidos no anexo IV da Diretiva 2007/46, essa peça só pode ser comercializada se tiver sido previamente homologada, em conformidade com as disposições pertinentes desta diretiva e com os princípios da igualdade de tratamento, do caráter razoável, do bom funcionamento e da imparcialidade. Ora, não estaria excluído considerar que pode ser suficiente, em vez da prova dessa homologação, fornecer um certificado de equivalência que declare que a peça sobresselente é conforme com as especificações técnicas previstas pelo concurso em causa.

53

Em segundo lugar, haveria que determinar de qual entidade as declarações de equivalência devem emanar e, em especial, se devem necessariamente ser elaboradas pelo construtor da peça sobresselente proposta ou se podem igualmente ser elaboradas por um revendedor ou um negociante.

54

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o conceito de «fabricante», conforme definido no artigo 3.o, ponto 27, da Diretiva 2007/46, poderia ser objeto de uma interpretação restritiva que teria por efeito fazê‑lo coincidir com o de «construtor». O artigo 1.o n.o 1, alínea u), do Regulamento n.o 1400/2002 militaria a favor de tal abordagem. Não obstante, considera que este conceito poderia igualmente ser entendido num sentido mais lato, a saber, no sentido de abranger o produtor, na aceção da regulamentação da União em matéria de proteção do consumidor ou o operador que coloca no mercado e comercializa, em seu nome e sob a sua própria responsabilidade, as peças equivalentes fabricadas por outros.

55

Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É conforme com o direito da União — em especial com as disposições da Diretiva 2007/46/CE (que figuram nos artigos 10.o, 19.o e 28.o da referida diretiva), e com os princípios da igualdade de tratamento e da imparcialidade, da plena concorrência e da boa administração — que, no que se refere especificamente ao fornecimento por contrato público de peças sobressalentes para autocarros destinados ao serviço público, a entidade adjudicante seja autorizada a aceitar peças sobressalentes destinadas a um dado veículo, produzidas por um fabricante distinto do fabricante do veículo, por conseguinte, não homologadas juntamente com o veículo, pertencentes a um dos tipos de componentes abrangidos pelas normas técnicas constantes do anexo IV da referida diretiva (Lista de requisitos para efeitos de homologação CE de veículos) e propostas no concurso sem estarem acompanhadas do certificado de homologação e sem nenhuma informação sobre a efetiva homologação, no pressuposto de que a homologação não é necessária, sendo suficiente uma declaração de equivalência ao original homologado emitida pelo proponente?»

2)

É conforme com o direito da União — em especial com o artigo 3.o, ponto 27, da Diretiva 2007/46/CE — que, no que se refere ao fornecimento por contrato público de peças sobressalentes para autocarros destinados ao serviço público, o proponente individual possa qualificar‑se a si próprio de «fabricante» de uma determinada peça sobressalente não original destinada a um dado veículo, especialmente quando faz parte de um dos tipos de componentes abrangidos pelas normas técnicas constantes do anexo IV (Lista de requisitos para efeitos de homologação CE de veículos) da Diretiva 2007/46/CE, ou, pelo contrário, o referido proponente deve provar — relativamente a cada uma das peças sobressalentes propostas e a fim de certificar a sua equivalência às especificações técnicas do concurso — que é o responsável perante a autoridade homologadora por todos os aspetos do processo de homologação, bem como pela conformidade da produção e do respetivo nível de qualidade, e por executar diretamente pelo menos algumas das fases de fabrico do componente submetido a homologação, e, em caso de resposta afirmativa, com que meios deve ser fornecida essa prova?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

56

Por Decisão do Tribunal de Justiça de 16 de março de 2021, os processos C‑68/21 e C‑84/21 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

57

Recorde‑se, em primeiro lugar, que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir dos litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers, C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.o 31 e jurisprudência referida).

58

Para este efeito, o Tribunal de Justiça pode extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers, C‑263/18, EU:C:2019:1111 n.o 32 e jurisprudência referida).

59

No caso em apreço, embora seja verdade que o órgão jurisdicional de reenvio apenas faz referência, nas suas questões prejudiciais, a certas disposições da Diretiva 2007/46 e a um certo número de princípios de direito, resulta tanto das explicações fornecidas por esse órgão jurisdicional como das suas questões prejudiciais que as referidas questões têm por objeto provas cuja produção pode ou deve ser pedida aos proponentes no âmbito do concurso. Resulta daqui que, para dar uma resposta útil às questões submetidas, devem igualmente ser tidas em conta as disposições do direito da União relativas especificamente às provas cuja produção pode ou deve ser pedida aos proponentes no âmbito de um concurso a fim de demonstrar que as suas propostas são conformes com as especificações técnicas previstas por esse concurso.

60

Essas disposições figuram, no que se refere a concursos como os visados pelos processos principais, nos artigos 60.o e 62.o da Diretiva 2014/25. Além disso, como a Comissão salientou, nas suas observações escritas, os dois concursos em causa nos processos principais são abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva, em conformidade com o artigo 1.o n.os 1 e 2, com o artigo 4.o, n.o 1, com o artigo 11.o, primeiro parágrafo, e com o artigo 15.o da referida diretiva, dado que visam a aquisição de fornecimentos por entidades adjudicantes que explorem uma rede destinada a fornecer um serviço ao público no domínio do transporte por autocarro, que esses fornecimentos são destinados ao exercício dessa atividade e que o valor dos contratos em causa no processo principal ultrapassa o limiar previsto pela mesma diretiva.

61

Em segundo lugar, importa salientar que, embora, segundo o artigo 88.o do Regulamento (UE) 2018/858 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativo à homologação e à fiscalização do mercado dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, que altera os Regulamentos (CE) n.o 715/2007 e (CE) n.o 595/2009 e revoga a Diretiva 2007/46/CE (JO 2018, L 151, p. 1), a Diretiva 2007/46 foi revogada por este regulamento com efeito a 1 de setembro de 2020, resulta, porém, da decisão de reenvio que os factos que deram origem aos processos principais tiveram lugar antes dessa data. Por conseguinte, são as disposições da Diretiva 2007/46 que são pertinentes para a resposta a dar às questões prejudiciais.

62

Em terceiro lugar, resulta das questões prejudiciais que estas não têm por objeto a regulamentação referente às peças sobresselentes para autocarros abrangidas pelos componentes, na aceção do artigo 3.o, n.o 24, da Diretiva 2007/46, visados pelos atos regulamentares, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, desta diretiva, uma vez que estes últimos figuram no anexo IV da referida diretiva.

Quanto à primeira questão

63

Com a sua primeira questão, que se subdivide em duas partes, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, o artigo 19.o, n.o 1, e o artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2007/46 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma entidade adjudicante possa aceitar, no âmbito de um concurso que visa o fornecimento de peças sobresselentes para autocarros destinados ao serviço público, uma proposta que proponha componentes abrangidos pelos atos regulamentares referidos no anexo IV da Diretiva 2007/46, sem ser acompanhada de um certificado que comprove a homologação dessas peças sobresselentes e sem fornecer nenhuma informação sobre a existência efetiva dessa homologação ou se, tendo em conta os artigos 60.o e 62.o da Diretiva 2014/25, uma declaração de equivalência às peças de origem homologadas, que emanem do proponente, é suficiente para permitir essa aceitação.

64

Quanto à primeira parte dessa questão, importa, a título preliminar, recordar que a Diretiva 2007/46 visa, como resulta dos considerandos 2 e 3 desta diretiva, «substituir os regimes de homologação dos Estados‑Membros por um procedimento de homologação comunitária baseado no princípio da harmonização total» e que «os requisitos técnicos aplicáveis a sistemas, componentes, unidades técnicas e veículos deverão ser harmonizados e especificados em atos regulamentares».

65

Assim, o artigo 1.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2007/46, define o objetivo desta diretiva como estabelecendo «um quadro harmonizado que contém as disposições administrativas e os requisitos técnicos gerais aplicáveis à homologação de todos os veículos novos que sejam abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, bem como à homologação de sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, no intuito de facilitar a respetiva matrícula, venda e colocação em circulação na Comunidade».

66

Segundo o artigo 1.o, segundo parágrafo, da referida diretiva, esta «estabelece igualmente as disposições relativas à venda e entrada em circulação das peças e equipamentos destinados a veículos homologados nos termos nela previstos».

67

Além disso, a fim de delimitar o âmbito da primeira questão, importa salientar, em primeiro lugar, que, embora a Diretiva 2007/46 distinga entre vários tipos de homologação, da referência nesta questão especificamente aos seus artigos 10.o, 19.o e 28.o pode deduzir‑se que a primeira questão visa apenas a homologação CE por tipo, na aceção do artigo 3.o, ponto 5, da referida diretiva, a saber, o procedimento através do qual um Estado‑Membro certifica que um tipo de veículo, de sistema, de componente ou de unidade técnica cumpre as disposições administrativas e os requisitos técnicos aplicáveis da referida diretiva e dos atos regulamentares enumerados no anexo IV ou no anexo XI da mesma diretiva, visando este último anexo veículos para uso especial e as disposições que lhes são aplicáveis.

68

Com efeito, o artigo 10.o da Diretiva 2007/46 figura no capítulo IV desta diretiva, intitulado «Realização dos procedimentos de homologação CE», ao passo que o artigo 19.o da referida diretiva diz respeito, como resulta da sua epígrafe, a «[m]arca de homologação CE» e o artigo 28.o, n.o 1, da mesma diretiva, visado pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua decisão de reenvio, faz referência ao artigo 19.o da Diretiva 2007/46.

69

Em segundo lugar, a Diretiva 2007/46 instaura, no seu artigo 6.o, os procedimentos a seguir para efeito da homologação CE por tipo de veículos, bem como, no seu artigo 7.o, o procedimento a seguir para efeito da homologação CE por tipo de sistemas, de componentes ou de entidades técnicas. Uma vez que resulta da decisão de reenvio que os componentes em causa no processo principal não foram homologados com o tipo de veículo para o qual eram propostos pelos proponentes, mas eram apresentados como sendo equivalentes aos componentes de origem homologados com esse tipo de veículo, há que considerar que são pertinentes para o presente processo as disposições da Diretiva 2007/46 relativas à homologação CE por tipo de sistemas, de componentes ou de entidades técnicas.

70

A este respeito, resulta, em primeiro lugar, da redação do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2007/46 que os Estados‑Membros concedem homologação CE por tipo de componente para um componente que, por um lado, é conforme com as informações contidas no dossier de fabrico e, por outro, satisfazem os requisitos técnicos da diretiva ou do regulamento específicos aplicáveis, conforme previsto no anexo IV desta diretiva.

71

Em seguida, o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2007/46 prevê que o fabricante de um componente deve apor em cada componente fabricado em conformidade com o tipo homologado a marca de homologação CE exigida pela diretiva específica ou regulamento aplicáveis.

72

Por último, em conformidade com o artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2007/46, os Estados‑Membros só devem autorizar a venda ou a entrada em circulação de componentes se os referidos componentes satisfizerem os requisitos dos atos regulamentares aplicáveis e forem devidamente marcados nos termos do artigo 19.o dessa diretiva.

73

Resulta, por um lado, de uma leitura conjunta do artigo 10.o, n.o 2, do artigo 19.o, n.o 1, do artigo 28.o, n.o 1, e do anexo IV da referida diretiva que os componentes visados pelos atos regulamentares, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, da mesma diretiva, enumerados nesse anexo, estão sujeitos a uma obrigação de homologação, desde que esses atos prevejam essa homologação.

74

Por outro lado, decorre daqui, como salientou o advogado‑geral no n.o 51 das suas conclusões, que o instrumento escolhido pelo legislador da União, no âmbito da Diretiva 2007/46, para demonstrar que os componentes de um veículo preenchem os requisitos visados no anexo IV desta diretiva, é o da homologação.

75

Tal interpretação é confirmada pelo principal objetivo da legislação relativa à homologação de veículos que, em conformidade com o considerando 14 da Diretiva 2007/46, «consiste em garantir que os novos veículos, componentes e unidades técnicas colocados no mercado oferecem um elevado nível de segurança e de proteção do ambiente». Através de uma homologação CE por tipo de componente, o Estado‑Membro em questão certifica, como resulta da definição que figura no artigo 3.o, ponto 5, da Diretiva 2007/46, que esse componente preenche os requisitos técnicos aplicáveis desta diretiva e dos atos regulamentares enumerados no seu anexo IV ou no seu anexo XI, confirmando assim que esse componente apresenta um grau elevado de segurança e de proteção do ambiente.

76

É certo que resulta do artigo 19.o, n.o 2, da Diretiva 2007/46 que uma homologação CE por tipo não é exigida para qualquer tipo de componente. Com efeito, esta disposição visa a situação em que a aposição de uma marca de homologação CE por tipo não é exigida, o que significa que certos tipos de componentes podem estar isentos da obrigação de obter essa homologação.

77

Porém, essa constatação não afeta a conclusão referida no n.o 73 do presente acórdão, segundo a qual os componentes visados pelos atos regulamentares que figuram no anexo IV da Diretiva 2007/46 estão sujeitos à obrigação de homologação, desde que esses atos regulamentares prevejam essa homologação. Por conseguinte, tais componentes só podem ser vendidos ou entrar em circulação, em conformidade com o artigo 28.o, n.o 1, e com o artigo 19.o, n.o 1, desta diretiva se forem objeto dessa homologação.

78

Esta conclusão não é posta em causa pelos princípios da igualdade de tratamento e da imparcialidade, da plena concorrência e da boa administração, aos quais o órgão jurisdicional de reenvio fez referência. No que respeita, em primeiro lugar, ao princípio da igualdade de tratamento, recorde‑se que, desde que um tipo de componente deva ser objeto de homologação, essa obrigação incumbe a qualquer fabricante. Como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 56 das suas conclusões, a referida obrigação de homologação não é, portanto, a consequência de uma discriminação operada em detrimento dos fabricantes de peças sobresselentes equivalentes às peças sobresselentes de origem em relação aos fabricantes destas últimas peças sobresselentes.

79

No que respeita, em segundo lugar, ao efeito da obrigação de homologação sobre a concorrência, além de que, como acabou de ser constatado, essa obrigação incumbe a qualquer fabricante de componentes, basta salientar que, em conformidade com o artigo 38.o, n.o 1, da Diretiva 2007/46, o fabricante de um veículo deve pôr à disposição dos fabricantes de componentes para este tipo de veículo todos os elementos necessários à homologação CE por tipo de tais componentes.

80

No que diz respeito, em terceiro lugar, aos princípios da imparcialidade e da boa administração, o órgão jurisdicional de reenvio não explicou de que modo esses princípios poderiam ser pertinentes para efeitos da interpretação das disposições da Diretiva 2007/46 visadas na primeira questão.

81

Quanto à segunda parte da primeira questão, que se destina a determinar se uma entidade adjudicante pode aceitar, no âmbito de concursos como os visados por essa questão, uma proposta que proponha componentes abrangidos pelos atos regulamentares referidos no anexo IV da Diretiva 2007/46 que não estabelece que esses componentes foram objeto de homologação, uma vez que essa proposta é acompanhada de uma declaração do proponente segundo a qual os referidos componentes são equivalentes às peças de origem homologadas, há que salientar, à semelhança do advogado‑geral, no n.o 59 das suas conclusões, que os conceitos de «homologação» e de «equivalência» têm conteúdos diferentes.

82

Como resulta do artigo 3.o, ponto 5, da Diretiva 2007/46, a homologação certifica, na sequência de controlos adequados efetuados pelas autoridades competentes, que, tratando‑se de uma homologação CE por tipo de componente, um tipo de componente é conforme com os requisitos da Diretiva 2007/46, incluindo os requisitos técnicos que figuram no anexo IV desta diretiva.

83

O conceito de «equivalência» não é definido na Diretiva 2007/46 e designa, segundo o seu sentido comum, a qualidade de ter o mesmo valor ou função. Por conseguinte, a equivalência de um componente diz respeito à questão de saber se esse componente tem as mesmas qualidades que outro componente, quer este último tenha sido homologado ou não. Como o advogado‑geral salientou no n.o 62 das suas conclusões, as provas de homologação e as de equivalência não são, portanto, intersubstituíveis, uma vez que um componente de um tipo homologado pode não ser equivalente ao componente de origem visado por um concurso.

84

É certo que não está excluído que componentes de um tipo não homologado sejam, de facto, equivalentes aos componentes de origem visados pelo concurso em causa. Porém, uma vez que o legislador da União decidiu, como foi salientado no n.o 77 do presente acórdão, que os componentes abrangidos por um tipo em relação ao qual os atos regulamentares visados no anexo IV da Diretiva 2007/46 preveem uma homologação, só podem ser vendidos ou entrar em circulação, em conformidade com o artigo 28.o, n.o 1, e com o artigo 19.o, n.o 1, desta diretiva, se esse tipo de componente tiver sido objeto dessa homologação, há que concluir que, relativamente a estes tipos de componentes, a prova da homologação não pode ser substituída por uma declaração de equivalência que emane do proponente.

85

Esta conclusão não é posta em causa pelas disposições dos artigos 60.o e 62.o da Diretiva 2014/25, que visam as especificações técnicas que podem figurar num concurso como os que deram origem aos processos principais e as provas através das quais os proponentes podem demonstrar que as suas propostas correspondem às especificações técnicas.

86

Decorre do artigo 60.o, n.o 2, dessa diretiva que as especificações técnicas que, nos termos do n.o 1 deste artigo, definem as características exigidas para as obras, serviços ou fornecimentos visados pela referida diretiva, dão aos operadores económicos uma igualdade de acesso ao processo de contratação e não podem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.

87

O artigo 60.o, n.o 4, da Diretiva 2014/25 permite, a título excecional, que as especificações técnicas façam referência a «marcas comerciais, patentes, tipos, origens ou modos de produção determinados», se isso for necessário para fornecer uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objeto do contrato e desde que essa referência seja acompanhada dos termos «ou equivalente», possibilidade de que os concursos que deram origem aos processos principais fizeram uso.

88

Nesse caso, o artigo 60.o, n.o 5, da diretiva 2014/25 permite ao proponente provar que as soluções que ele propõe satisfazem de modo equivalente os requisitos definidos nas especificações técnicas «por qualquer meio adequado, nomeadamente os meios de prova referidos no artigo 62.o» dessa diretiva, o que inclui, além dos meios visados no artigo 62.o, n.o 1, da referida diretiva, como um certificado emitido por um organismo de avaliação da conformidade, outros «meios de prova adequados», na aceção do artigo 62.o, n.o 2, da mesma diretiva.

89

Estas disposições destinam‑se, como decorre igualmente do considerando 83 da Diretiva 2014/25, a que as especificações técnicas sejam redigidas em termos de requisitos funcionais e de desempenho e a evitar uma redução artificial da concorrência através de requisitos que favoreçam um operador económico específico ao refletirem as principais características dos fornecimentos, dos serviços ou das obras que este habitualmente oferece.

90

Porém, importa salientar que, em conformidade com o seu considerando 56, a Diretiva 2014/25 não pode abstrair das exigências imperativas impostas por outras regras do direito da União em matéria, designadamente, de segurança e de proteção do ambiente, como o requisito de homologação estabelecido, pelas mesmas razões, pela Diretiva 2007/46.

91

Por conseguinte, como o advogado‑geral alegou, no n.o 80 das suas conclusões, a Diretiva 2014/25 não deve impedir a aplicação da Diretiva 2007/46, dado que esta última se destina, em conformidade com o seu artigo 3.o, a assegurar um elevado nível de segurança rodoviária, de proteção da saúde e do ambiente, de eficiência energética e de proteção contra a utilização não autorizada. Na medida em que a Diretiva 2007/46 impõe, precisamente tendo em vista esses objetivos, a homologação de determinadas peças sobressalentes de veículos, tal exigência torna‑se imperativa e não pode ser contornada remetendo para a Diretiva 2014/25.

92

Nos processos principais, os concursos visavam o fornecimento de componentes que podiam ser peças de origem Iveco ou equivalentes. Ora, como foi salientado no n.o 77 do presente acórdão, os componentes visados pelos atos regulamentares que figurem no anexo IV da Diretiva 2007/46, que estão sujeitos a uma obrigação de homologação, só podem ser vendidos ou entrar em circulação se tiverem sido objeto dessa homologação.

93

Por conseguinte, a fim de responder às exigências imperativas instauradas pela Diretiva 2007/46, uma vez que os componentes estão sujeitos a uma obrigação de homologação, apenas os componentes que tenham sido objeto de homologação e que possam, portanto, ser comercializados, podem ser considerados equivalentes na aceção dos termos dos referidos concursos.

94

Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 10.o, n.o 2, o artigo 19.o, n.o 1, e o artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2007/46 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma entidade adjudicante possa aceitar, no âmbito de um concurso para o fornecimento de peças sobresselentes para autocarros destinados ao serviço público, uma proposta que proponha componentes abrangidos por um tipo de componente visado pelos atos regulamentares que figurem no anexo IV da Diretiva 2007/46, sem ser acompanhada de um certificado que comprove a homologação desse tipo de componente e sem fornecer informações sobre a existência efetiva de tal homologação, desde que esses atos regulamentares prevejam essa homologação.

Quanto à segunda questão

95

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 60.o e 62.o da Diretiva 2014/25 devem ser interpretados no sentido de que se opõem, atenta a definição do termo «fabricante», que figura no artigo 3.o, ponto 27, da Diretiva 2007/46, a que uma entidade adjudicante possa aceitar, no âmbito de um concurso com vista ao fornecimento de peças sobresselentes para autocarros destinados ao serviço público, como prova da equivalência de componentes, abrangidos pelos atos regulamentares visados no anexo IV da Diretiva 2007/46 e propostos pelo proponente, uma declaração de equivalência que emane desse proponente, uma vez que o referido proponente, ao mesmo tempo que se qualifica ele próprio de fabricante desses componentes, é apenas um revendedor ou um negociante.

96

Como o Tribunal de Justiça salientou, no seu Acórdão de 12 de julho de 2018, VAR e ATM (C‑14/17, EU:C:2018:568, n.o 35), tratando‑se da interpretação do artigo 34.o da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1), «quando as especificações técnicas que figuram nos documentos do contrato fizerem referência a uma marca, a uma origem ou a uma produção determinadas, a entidade adjudicante deve exigir que o proponente apresente, desde logo na sua proposta, a prova da equivalência dos produtos que propõe em relação aos definidos nas referidas especificações técnicas».

97

Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça precisou igualmente que a entidade adjudicante «dispõe de um poder de apreciação na determinação dos meios que podem ser utilizados pelos proponentes para provar essa equivalência nas suas propostas. Esse poder deve ser, no entanto, exercido de tal modo que todos os meios de prova admitidos pela entidade adjudicante permitam efetivamente à referida entidade proceder a uma avaliação útil das propostas que lhe foram submetidas e não vão além do que para tal é necessário».

98

A mesma interpretação deve ser acolhida no que respeita aos artigos 60.o e 62.o da Diretiva 2014/25, que substituiu a Diretiva 2004/17, uma vez que estes artigos exigem, à semelhança do artigo 34.o desta última diretiva, que um proponente que queira invocar a faculdade de propor produtos equivalentes aos definidos por referência a uma marca, a uma origem ou a uma produção determinada, apresente, desde logo na sua proposta e por qualquer meio adequado, a prova da equivalência dos produtos em questão.

99

Decorre desta jurisprudência que, não obstante o poder de apreciação de que dispõe a entidade adjudicante a este respeito, os meios de prova admitidos por esta devem permitir‑lhe proceder efetivamente a uma avaliação útil da proposta para determinar se esta é conforme com as especificações técnicas visadas pelo concurso em causa.

100

Para poder ser considerada um meio adequado, na aceção do artigo 60.o, n.o 5, e do artigo 62.o, n.o 2, da Diretiva 2014/25., uma declaração de equivalência deve, portanto, emanar de uma instância que possa garantir essa equivalência, o que exige que essa instância assuma a responsabilidade técnica pelas componentes em causa e detenha os meios necessários para garantir a qualidade desses componentes. Ora, estas condições só podem ser preenchidas pelo fabricante ou pelo produtor dos referidos componentes.

101

Tal interpretação é confirmada pelas disposições do artigo 62.o, n.o 2, da Diretiva 2014/25 que prevê que pode ser um meio de prova adequado a «documentação técnica do fabricante», o que significa que essa prova emana do produtor da peça sobresselente em causa. Esta interpretação é igualmente conforme com o artigo 1.o, alínea u), do Regulamento n.o 1400/2002, nos termos do qual se entendia, para efeitos desse regulamento, por «peças sobresselentes de qualidade equivalente», as peças sobresselentes exclusivamente fabricadas por qualquer empresa que possa comprovar a qualquer momento que as peças em questão correspondem à qualidade dos componentes que são ou foram utilizados para a montagem dos veículos a motor em causa; Ainda que este regulamento tenha expirado em 31 de maio de 2010, o seu artigo 1.o, alínea u), confirmava que, para ser pertinente, uma declaração de equivalência devia emanar do fabricante.

102

Além disso, nos termos do artigo 3.o, ponto 27, da Diretiva 2007/46, o termo «fabricante» é definido como sendo «a pessoa ou entidade responsável perante as autoridades de homologação por todos os aspetos do processo de homologação ou autorização, e por assegurar a conformidade da produção», não sendo necessário que essa pessoa ou entidade intervenha diretamente em todas as fases do fabrico do veículo, sistema, componente ou unidade técnica submetido a homologação.

103

Ainda que essa definição vise apenas os veículos e as peças sobresselentes sujeitos a homologação, fornece indicações úteis para determinar quem pode ser considerado o «fabricante» de um componente, a fim de examinar se uma declaração de equivalência que emane de uma pessoa que se qualifique de «fabricante» desse componente pode constituir um meio de prova adequado. Com efeito, resulta dessa definição que, para poder ser qualificada de «fabricante» de um componente, uma empresa não deve necessariamente intervir diretamente em todas as etapas de construção desse componente.

104

É igualmente útil neste contexto a definição dos termos «peças ou equipamentos de origem», que figura no artigo 3.o, ponto 26, da Diretiva 2007/46, segundo a qual «[p]resume‑se, até prova em contrário, que as peças são de origem se o respetivo fabricante declarar que têm uma qualidade correspondente à dos componentes utilizados para a montagem do veículo em causa e que foram fabricadas segundo as suas especificações e normas de produção».

105

Com efeito, resulta desta definição que, para poder demonstrar que uma peça sobresselente pode ser considerada uma peça de origem, uma declaração nesse sentido deve emanar do fabricante desse componente, não obstante o facto de o referido componente ter sido construído em conformidade com as especificações e com as normas de produção previstas pelo construtor do veículo ao qual o componente é destinado.

106

Por conseguinte, há que concluir que, para poder ser considerada um meio de prova adequado, no âmbito de um concurso como os que deram origem aos processos principais, uma declaração de equivalência de um componente deve emanar do construtor desse componente, mesmo que esse construtor não deva necessariamente intervir diretamente em todas as etapas da construção do referido componente.

107

Em contrapartida, não se pode considerar que constitua um meio de prova adequado uma declaração de equivalência que emane de um revendedor ou de um negociante.

108

Ainda que incumba ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, nos processos principais, os proponentes podem ser qualificados de «fabricantes» dos componentes que propunham, há que precisar, a fim de dar uma resposta útil a esse órgão jurisdicional, que, contrariamente ao que invocaram certas partes que participaram no processo no Tribunal de Justiça, o facto de um proponente fabricar peças sobresselentes diferentes das visadas pelo concurso em causa, quer este esteja inscrito numa câmara de comércio ou a sua atividade tenha sido objeto de uma certificação de qualidade, não tem pertinência para determinar se esse proponente pode ser considerado o construtor dos componentes que propõe na sua proposta.

109

Por outro lado, o argumento segundo o qual uma interpretação mais lata do conceito de «fabricante» se imporia devido a que, por força de certas diretivas da União em matéria de proteção dos consumidores, designadamente do artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO 1999, L 171, p. 12), bem como do artigo 2.o, ponto 4, da Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens que altera o Regulamento (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE e que revoga a Diretiva 1999/44 (JO 2019, L 136, p. 28), o conceito de «fabricante» seria entendido de modo a nele incluir o operador que se limita a comercializar o produto, nele apondo a sua marca, sem ter participado materialmente no processo de construção, deve igualmente ser afastado. Com efeito, essa legislação visa, designadamente, garantir a proteção dos consumidores, como resulta do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 1999/44 e do artigo 1.o da Diretiva 2019/771, e não é, portanto, pertinente para efeitos da interpretação da legislação da União sobre os contratos públicos.

110

Por último, recorde‑se que, como resulta da jurisprudência referida no n.o 96 do presente acórdão, a prova da equivalência dos produtos propostos por um proponente, em relação aos definidos nas especificações técnicas que figurem no concurso, deve ser desde logo fornecida na proposta e que essa prova permite efetivamente à entidade adjudicante proceder a uma avaliação útil das propostas que lhe foram apresentadas. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso nos processos principais.

111

Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à segunda questão que os artigos 60.o e 62.o Diretiva 2014/25 devem ser interpretados no sentido de que, atendendo à definição do termo «fabricante» que figura no artigo 3.o, ponto 27, da Diretiva 2007/46, se opõem a que uma entidade adjudicante possa aceitar, no âmbito de um concurso com vista ao fornecimento de peças sobresselentes para autocarros destinados ao serviço público, como prova da equivalência de componentes, abrangidos pelos atos regulamentares referidos no anexo IV da Diretiva 2007/46 e propostos pelo proponente, uma declaração de equivalência que emane desse proponente quando este não pode ser considerado o fabricante desses componentes.

Quanto às despesas

112

Revestindo o processo, quanto às partes nos processos principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

1)

O artigo 10.o, n.o 2, o artigo 19.o, n.o 1, e o artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (Diretiva‑Quadro),

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a que uma entidade adjudicante possa aceitar, no âmbito de um concurso para o fornecimento de peças sobresselentes para autocarros destinados ao serviço público, uma proposta que proponha componentes abrangidos por um tipo de componente visado pelos atos regulamentares que figurem no anexo IV da Diretiva 2007/46, sem ser acompanhada de um certificado que comprove a homologação desse tipo de componente e sem fornecer informações sobre a existência efetiva de tal homologação, desde que esses atos regulamentares prevejam essa homologação.

 

2)

Os artigos 60.o e 62.o da Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE,

devem ser interpretados no sentido de que:

atendendo à definição do termo «fabricante» que figura no artigo 3.o, ponto 27, da Diretiva 2007/46, se opõem a que uma entidade adjudicante possa aceitar, no âmbito de um concurso com vista ao fornecimento de peças sobresselentes para autocarros destinados ao serviço público, como prova da equivalência de componentes, abrangidos pelos atos regulamentares referidos no anexo IV da Diretiva 2007/46 e propostos pelo proponente, uma declaração de equivalência que emane desse proponente quando este não pode ser considerado o fabricante desses componentes.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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