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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62018CC0507

Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 31 de outubro de 2019.
NH contra Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI – Rete Lenford.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione.
Reenvio prejudicial – Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional – Diretiva 2000/78/CE – Artigo 3.°, n.° 1, alínea a), artigo 8.°, n.° 1, e artigo 9.°, n.° 2 – Proibição das discriminações baseadas na orientação sexual – Condições de acesso ao emprego ou à atividade profissional – Conceito – Declarações públicas que excluem o recrutamento de pessoas homossexuais – Artigo 11.°, n.° 1, artigo 15.°, n.° 1, e artigo 21.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Defesa dos direitos – Sanções – Pessoa coletiva que representa um interesse coletivo – Legitimidade para agir em juízo, sem atuar em nome de uma determinada parte demandante ou sem que exista uma pessoa lesada – Direito a obter uma indemnização.
Processo C-507/18.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2019:922

 CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 31 de outubro de 2019 ( 1 )

Processo C‑507/18

NH

contra

Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI — Rete Lenford

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália)]

«Diretiva 2000/78/CE — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Discriminação em razão da orientação sexual — Artigo 3.o, n.o 1, alínea a) — Acesso ao emprego — Declarações públicas que excluem a contratação de homossexuais — Artigo 8.o, n.o 1 — Artigo 9.o, n.o 2 — Aplicação da lei e vias de recurso — Legitimidade de uma associação sem que exista uma vítima identificável — Pedidos de indemnização»

1.

Έπεα πτερόεντα, palavras aladas. Esta expressão, cujas origens remontam a Homero ( 2 ), tem um duplo sentido: significa que as palavras voam levadas pelo vento ( 3 ); mas também que correm depressa e se propagam rapidamente. O presente processo, relativo a declarações proferidas durante uma entrevista radiofónica, remete para o segundo significado. Atualmente, palavras proferidas em programas de rádio ou de televisão ou transmitidas através das redes sociais são rapidamente difundidas e acarretam consequências. As declarações sobre que versa o litígio no processo principal percorreram uma longa distância até ao Luxemburgo, dando ao Tribunal de Justiça a oportunidade de interpretar as disposições da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional ( 4 ). Encontra‑se abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da diretiva, que proíbe a discriminação no acesso ao emprego, uma declaração de caráter geral proferida durante uma entrevista radiofónica segundo a qual o entrevistado não recrutaria homossexuais para o seu escritório de advogados? E pode uma associação, quando a vítima não seja identificável, assegurar o cumprimento da proibição de discriminação no emprego e na atividade profissional, inclusivamente através da reparação do dano sofrido?

Quadro jurídico

Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

2.

O artigo 10.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») prevê que:

«1)   Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.

2)   O exercício desta[s] liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.»

3.

O artigo 14.o proíbe a discriminação, estabelecendo que «[o] gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.»

4.

No entanto, o direito ao emprego não figura entre os direitos específicos protegidos pela CEDH.

Direito da União

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

5.

O artigo 11.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») ( 5 ) prevê: «Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras».

6.

O artigo 15.o, n.o 1, dispõe: «Todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite».

7.

O artigo 21.o, n.o 1, proíbe «a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual».

8.

O n.o 1 do artigo 52.o dispõe: «Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros». O n.o 3 do mesmo artigo prevê: «Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla».

Diretiva 2000/78

9.

Os considerandos da Diretiva 2000/78 dispõem, nomeadamente:

«(1)

[…] a União Europeia assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios estes que são comuns aos Estados‑Membros; a União respeita os direitos fundamentais […]

[…]

(9)

O emprego e a atividade profissional são elementos importantes para garantir a igualdade de oportunidades para todos e muito contribuem para promover a plena participação dos cidadãos na vida económica, cultural e social, bem como o seu desenvolvimento pessoal.

[…]

(11)

A discriminação baseada na […] orientação sexual pode comprometer a realização dos objetivos do Tratado CE, nomeadamente a promoção de um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e a livre circulação das pessoas.

[…]

(15)

A apreciação dos factos dos quais se pode presumir que houve discriminação direta ou indireta é da competência dos órgãos judiciais ou de outros órgãos competentes, a nível nacional, de acordo com as normas ou as práticas nacionais.

[…]

(28)

A presente diretiva fixa requisitos mínimos, deixando por isso aos Estados‑Membros a possibilidade de introduzir ou manter disposições mais favoráveis. A execução da presente diretiva não poderá justificar qualquer regressão relativamente à situação que já existe em cada Estado‑Membro.

(29)

As pessoas que tenham sido vítimas de discriminação em razão da religião, das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual devem dispor de meios de proteção jurídica adequados. Para assegurar um nível de proteção mais eficaz, as associações ou as pessoas coletivas devem igualmente ficar habilitadas a intentar ações, nos termos estabelecidos pelos Estados‑Membros, em nome ou em prol de uma vítima, sem prejuízo das regras processuais nacionais relativas à representação e à defesa em tribunal.

[…]

(30)

A aplicação efetiva do princípio da igualdade exige uma proteção judicial adequada contra atos de retaliação.

[…]

(35)

Devem ser estabelecidas pelos Estados‑Membros sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas a aplicar em caso de incumprimento das obrigações decorrentes da presente diretiva.

[…]

(37)

Segundo o princípio da subsidiariedade, […] o objetivo da presente diretiva, ou seja, a criação, na [União], de um campo de ação no que se refere à igualdade no emprego e na atividade profissional, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados‑Membros […].»

10.

Nos termos do artigo 1.o, a diretiva tem por objeto «estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

11.

O artigo 2.o (sob a epígrafe «Conceito de discriminação») dispõe:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

[…]

5.   A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

12.

Nos termos do artigo 3.o (sob a epígrafe «Âmbito de aplicação»):

«1.   Dentro dos limites das competências atribuídas à [União], a presente diretiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

a)

Às condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à atividade profissional, incluindo os critérios de seleção e as condições de contratação, seja qual for o ramo de atividade e a todos os níveis da hierarquia profissional, incluindo em matéria de promoção; […]»

13.

O artigo 8.o prevê:

«1.   Os Estados‑Membros podem introduzir ou manter disposições relativas à proteção do princípio da igualdade de tratamento mais favoráveis do que as estabelecidas na presente diretiva.

2.   A aplicação da presente diretiva não constituirá em caso algum motivo para uma redução do nível de proteção contra a discriminação que é já proporcionado nos Estados‑Membros nos domínios abrangidos pela presente diretiva.»

14.

Nos termos do artigo 9.o (sob a epígrafe «Defesa dos direitos»):

«1.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que todas as pessoas que se considerem lesadas pela não aplicação, no que lhes diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento, possam recorrer a processos judiciais e/ou administrativos […] para exigir o cumprimento das obrigações impostas pela presente diretiva […]

2.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para que as associações, organizações e outras entidades legais que, de acordo com os critérios estabelecidos na respetiva legislação nacional, possuam um interesse legítimo em assegurar o cumprimento do disposto na presente diretiva, possam intervir em processos judiciais e/ou administrativos previstos para impor o cumprimento das obrigações impostas pela presente diretiva, em nome ou em apoio da parte demandante, e com a aprovação desta.

[…]»

15.

O artigo 17.o prevê que «Os Estados‑Membros determinam o regime de sanções aplicável às violações das disposições nacionais aprovadas em execução da presente diretiva, e adotam as medidas necessárias para assegurar a aplicação dessas disposições. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. […]»

Direito italiano

16.

A Diretiva 2000/78 foi transposta pelo Decreto legislativo 9 luglio 2003, n.o 216 (a seguir «Decreto Legislativo n.o 216/2003»). Nos termos do artigo 1.o, o decreto «contém as disposições relativas à aplicação da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da religião, das convicções pessoais, da deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, estabelecendo as medidas necessárias para que esses fatores não sejam causa de discriminação, tendo também em conta o diferente impacto que essas formas de discriminação podem ter sobre mulheres e homens».

17.

O artigo 2.o define o conceito de discriminação. Nos termos do seu n.o 1, «entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão da religião, das convicções pessoais, da deficiência, da idade ou da orientação sexual. Este princípio implica que não seja praticada qualquer discriminação direta ou indireta, conforme a seguir se define:

a)

existe discriminação direta sempre que, em razão da religião, das convicções pessoais, da deficiência, da idade ou da orientação sexual, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério, prática, ato, contrato ou comportamento aparentemente neutro seja suscetível de colocar pessoas com uma determinada religião ou convicções, com deficiência, de uma determinada faixa etária ou orientação sexual numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas […]».

18.

O artigo 3.o, n.o 1 dispõe que «[o] princípio da igualdade de tratamento independentemente da religião, convicções pessoais, deficiência, idade ou orientação sexual é aplicável a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, e é suscetível de proteção jurisdicional em conformidade com o artigo 4.o, nomeadamente nas seguintes áreas:

a)

acesso ao emprego, ao trabalho independente ou ao trabalho por conta de outrem, incluindo os critérios de seleção e as condições de contratação […].»

19.

O artigo 5.o diz respeito à legitimidade processual e prevê:

«1.   As organizações sindicais, as associações e organizações representativas do direito ou do interesse lesado, com base em autorização conferida por ato público ou documento particular autenticado, sob pena de nulidade, têm legitimidade para agir, nos termos do artigo 4.o, em nome e por conta ou em apoio do sujeito passivo da discriminação, contra a pessoa singular ou coletiva a que a conduta ou ato discriminatório são imputados.

2.   As entidades mencionadas no n.o 1 têm, também, legitimidade em casos de discriminação coletiva quando as pessoas lesadas pela discriminação não forem identificáveis de um modo direto e imediato.»

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

20.

NH é um advogado sénior. Face aos elementos constantes dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, não é possível tirar conclusões definitivas quanto à situação atual exata do NH no escritório de advocacia ao qual está associado. Numa entrevista difundida no decurso de uma transmissão radiofónica, o NH declarou que jamais contrataria ou recorreria aos serviços de um homossexual para trabalhar no seu escritório de advogados. Na altura em que o NH fez estas observações, não estava em curso qualquer processo de recrutamento no seu escritório profissional.

21.

A Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI — Rete Lenford (a seguir «a Associazione») ( 6 ) é uma associação de advogados que, em conformidade com os seus estatutos, visa «contribuir para o desenvolvimento e a difusão da cultura e o respeito pelos direitos das pessoas [LGBTI]», bem como criar uma rede de advogados que tenha por objeto a proteção jurídica das pessoas LGBTI e a possibilidade de intentar uma ação representativa em seu nome perante os órgãos jurisdicionais nacionais e internacionais. A Associazione intentou uma ação contra NH, em que pediu que fosse ordenada a publicação de uma parte do despacho num jornal diário nacional, e que NH definisse um plano de ação para pôr fim à discriminação e fosse condenado no pagamento de uma indemnização por danos morais causados à Associazione.

22.

Por Despacho de 6 de agosto de 2014, o Tribunale di Bergamo (Tribunal de Bérgamo, Itália) declarou, no exercício da sua competência como tribunal do trabalho, que NH tinha atuado de forma ilegal. Considerou que o seu comportamento era ilícito devido ao caráter discriminatório, pelo que, na sequência do pedido formulado, proferiu o despacho de publicação, tendo condenado NH no pagamento a título de indemnização de 10000 EUR à Associazione.

23.

NH recorreu dessa decisão na Corte d'appello di Brescia (Tribunal de Recurso de Brescia, Itália) que, por Acórdão de 23 de janeiro de 2015, negou provimento ao recurso.

24.

NH interpôs recurso de cassação deste acórdão na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio»).

25.

O órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto ao facto de a Associazione ser um organismo que representa interesses coletivos na aceção do artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 tendo, por conseguinte, legitimidade para agir judicialmente contra NH. Manifesta ainda dúvidas quanto à questão de saber se as declarações de NH são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 por dizerem respeito ao «emprego», ou se devem ser consideradas simples expressões de opinião, não relacionadas com qualquer processo de recrutamento discriminatório.

26.

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Deve o artigo 9.o da Diretiva 2000/78 ser interpretado no sentido de que uma associação constituída por advogados especializados na representação judicial de uma categoria de pessoas com uma orientação sexual diferente, cujos estatutos declaram o objetivo de promover a cultura e o respeito dos direitos dessa categoria de pessoas, é automaticamente considerada titular de um interesse coletivo e como associação sem fins lucrativos, com legitimidade para agir em juízo, nomeadamente para apresentar um pedido de indemnização por factos considerados discriminatórios para a referida categoria?

2) Está abrangida pelo âmbito de aplicação da tutela contra a discriminação instituída pela Diretiva 2000/78, em conformidade com a correta interpretação dos seus artigos 2.o e 3.o, uma declaração em que se manifesta uma opinião contrária às pessoas homossexuais, mediante a qual, numa entrevista difundida no decurso de uma transmissão radiofónica de entretenimento, o entrevistado declarou que jamais recrutaria ou recorreria à colaboração das referidas pessoas no seu escritório profissional, embora não estivesse em curso ou programada pelo mesmo uma seleção para emprego?»

27.

NH, a Associazione, os Governos grego e italiano e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Com exceção do Governo grego, estas partes foram ouvidas na audiência de 15 de julho de 2019.

Apreciação

Observações preliminares

28.

Os factos na origem do presente processo não são controvertidos. É certo que NH declarou, numa entrevista radiofónica, que não contrataria nem recorria aos serviços de um homossexual para trabalhar no seu escritório de advogados. O litígio diz respeito à qualificação jurídica destes fatos. Constituem uma discriminação em matéria de emprego na aceção da Diretiva 2000/78? Em caso afirmativo, pode a Associazione agir judicialmente contra NH quando a vítima não seja identificável?

29.

Por conseguinte, é necessário, em primeiro lugar, verificar se a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 e, em segundo lugar, examinar se a Associazione tem legitimidade para agir judicialmente de forma a garantir o cumprimento das disposições constantes desta diretiva. É por esta ordem que me irei debruçar sobre as questões prejudiciais (invertendo assim a sua ordem tal como consta do despacho de reenvio).

30.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, resulta tanto do título e do preâmbulo como do conteúdo e da finalidade da Diretiva 2000/78 que esta visa estabelecer um quadro geral para assegurar a todas as pessoas a igualdade de tratamento «no emprego e na atividade profissional», proporcionando‑lhes uma proteção eficaz contra as discriminações baseadas num dos motivos enumerados no seu artigo 1.o, entre os quais figura a orientação sexual ( 7 ).

31.

A diretiva tem também por objetivo a criação, na União, de um campo de ação no que se refere à igualdade no emprego e na atividade profissional ( 8 ). No entanto, a proteção conferida deve ser considerada mínima, pelo que os Estados‑Membros têm a possibilidade de introduzir ou manter disposições mais favoráveis ( 9 ). A Diretiva 2000/78 confere proteção a dois níveis diferentes: por um lado, substantivo, ao proibir a discriminação direta e indireta em razão, designadamente, da orientação sexual, e, por outro, de fiscalização, ao prever normas mínimas aplicáveis às vias de recurso em relação às quais os Estados‑Membros devem garantir o respetivo acesso em casos de discriminação.

Segunda questão

32.

Está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78/CE uma declaração proferida no decurso de uma transmissão radiofónica em que o entrevistado afirmou, de forma clara e inequívoca, que nunca contrataria ou recorreria aos serviços de um homossexual para trabalhar no seu escritório de advogados, embora não estivesse em curso ou programada uma seleção para emprego?

33.

A apreciação dos factos dos quais se pode presumir que houve discriminação direta ou indireta é da competência dos órgãos judiciais ou de outros órgãos competentes, a nível nacional, de acordo com as normas ou as práticas nacionais ( 10 ). Dito isto, considero que, caso a Diretiva 2000/78 seja aplicável, os factos do presente processo, tal como foram apresentados ao Tribunal de Justiça, são suscetíveis de constituir uma discriminação direta. Como é evidente, um homossexual que procure emprego no escritório de advogados de NH seria objeto de um tratamento menos favorável — ou seja, não seria contratado — do que aquele que é dado a outra pessoa em situação comparável ( 11 ).

34.

Os factos descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio são abrangidos pelo âmbito de aplicação material da Diretiva 2000/78? A rubrica «emprego e atividade profissional» e, em especial, as «condições de acesso ao emprego», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da diretiva, englobam tais factos?

Âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78

35.

O órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à existência de uma relação suficientemente estreita entre as declarações de NH durante a entrevista radiofónica e a questão do acesso ao emprego, uma vez que, no momento em que essas declarações foram proferidas, não existia qualquer processo de recrutamento em curso ou, pelo menos, um anúncio de abertura de vaga para o escritório de advogados de NH. Observa igualmente que a simples manifestação de opinião que não esteja minimamente relacionada com um processo de recrutamento encontra‑se protegida pela liberdade de expressão.

36.

NH alega que não houve qualquer processo de recrutamento em curso nem havia previsão disso. Por conseguinte, não se tratava de um contexto profissional. Expressou apenas o seu ponto de vista pessoal como simples cidadão.

37.

Na audiência, o Governo italiano sublinhou que devia ser ponderado o contexto em que as declarações foram proferidas. A relação com o acesso ao emprego pode variar consoante as declarações tenham sido feitas durante uma transmissão caracterizada pela seriedade e que contava com a participação de empregadores e jornalistas da área da comunicação social ou durante um programa de sátira política repleto de ironia.

38.

Pode considerar‑se que declarações como as que estão na origem do processo principal, quando não havia à data qualquer processo de recrutamento em curso, se inserem no domínio do «acesso ao emprego» previsto no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78?

39.

Esta disposição prevê que deve ser evitada a discriminação em matéria de «critérios de seleção», «condições de contratação» e «promoção». No entanto, não define o que se deve entender por «acesso ao emprego».

40.

Ora, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporta qualquer remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para efeitos de determinação do seu sentido e alcance devem, normalmente, encontrar, em toda a União, uma interpretação autónoma e uniforme que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa ( 12 ).

41.

A Diretiva 2000/78 concretiza, nos domínios por ela abrangidos, o princípio geral da não discriminação atualmente consagrado no artigo 21.o da Carta ( 13 ). A própria diretiva não consagra o princípio da igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional. O princípio da proibição dessas formas de discriminação encontra a sua origem, como resulta dos considerandos 3 e 4 da referida diretiva, em diversos instrumentos internacionais e nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros ( 14 ). O objetivo da diretiva é aplicar nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento, estabelecendo um quadro geral para lutar contra a discriminação no emprego e na atividade profissional, a fim de garantir a igualdade de oportunidades para que todos possam contribuir para promover a plena participação dos cidadãos na vida económica, cultural e social, bem como o seu desenvolvimento pessoal ( 15 ).

42.

Atendendo ao objeto da Diretiva 2000/78 e à natureza dos direitos que esta tem por objetivo proteger, o seu âmbito de aplicação não pode ser definido em termos restritivos ( 16 ). Esta conclusão aplica‑se igualmente aos termos da diretiva que definem o seu âmbito de aplicação material, tais como o emprego, o acesso, a orientação e a formação profissionais, as condições de trabalho, a proteção social e os benefícios sociais. A igualdade de tratamento em matéria de acesso ao emprego ou ao trabalho independente implica a eliminação de todas as formas de discriminação baseadas em preceitos que impeçam o acesso dos indivíduos a todas as formas de emprego e atividade profissional ( 17 ). O emprego e a atividade profissional são elementos importantes para garantir a igualdade de oportunidades para todos ( 18 ).

43.

O conceito de «acesso» é definido como «a possibilidade ou a oportunidade de se aproximar ou de entrar num local» ( 19 ). No que se refere ao «acesso ao emprego», o conceito engloba as condições, os critérios, os meios e a forma de obter emprego. Um empregador que opte por não contratar determinadas pessoas devido à sua (suposta) orientação sexual, estará a fixar um critério de seleção discriminatório (negativo) para o emprego. Esta situação insere‑se efetivamente no âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78.

44.

O acesso ao emprego e o desenvolvimento profissional têm, como referiu o meu colega advogado‑geral M. Poiares Maduro, «um significado fundamental para todos os indivíduos, não apenas como forma de ganhar a vida mas também como meio importante de realização pessoal e de realização do potencial de cada um. Aquele que discrimina um indivíduo abrangido por uma “suspect classification” impede‑o injustamente de fazer opções válidas. Consequentemente, a capacidade de essa pessoa levar uma vida autónoma é seriamente comprometida, na medida em que um aspeto importante da sua vida é determinado não pelas suas próprias escolhas mas pelo preconceito de outrem. Ao tratar pessoas que pertencem a estes grupos menos bem devido às suas características, aquele que discrimina impede‑as de exercerem a sua autonomia. Nesse ponto, é justo e razoável que a legislação antidiscriminação intervenha. Em substância, ao valorizarmos a igualdade e ao nos comprometermos a realizar a igualdade através da lei, procuramos garantir a qualquer pessoa as condições para uma vida autónoma» ( 20 ).

45.

Embora não incida diretamente sobre a questão em apreço, a jurisprudência do Tribunal de Justiça já fornece algumas orientações quanto ao significado de «acesso ao emprego».

46.

Em casos de discriminação sexual, o Tribunal de Justiça tem atribuído um significado amplo ao conceito de «acesso ao emprego». Assim, declarou que «o conceito de acesso a um emprego não respeita apenas às condições existentes antes do nascimento de uma relação de trabalho», mas também os fatores que influenciam a decisão de uma pessoa quanto à aceitação ou não de uma oferta de emprego ( 21 ).

47.

No Acórdão Feryn, relativo à interpretação da Diretiva 2000/43, o diretor de uma empresa fez declarações públicas segundo as quais a sua empresa pretendia contratar serralheiros, mas que não podia empregar «não autóctones», porque os seus clientes se mostravam reticentes em lhes dar acesso aos seus domicílios privados para a execução dos trabalhos. O Tribunal de Justiça considerou que «[p]odem constituir tais factos que permitem presumir a existência de uma política de contratação discriminatória as declarações pelas quais uma entidade patronal anuncia publicamente que, no âmbito da sua política de contratação, não empregará trabalhadores de determinada origem étnica ou racial». O facto de uma entidade patronal declarar publicamente que não empregará trabalhadores de certa origem étnica ou racial, o que, como é evidente, pode dissuadir seriamente certos candidatos de apresentarem a sua candidatura e, portanto, dificultar o seu acesso ao mercado de trabalho, constitui uma discriminação direta a nível da contratação, que não pressupõe que seja identificável um determinado queixoso que alegue ter sido vítima dessa discriminação ( 22 ).

48.

Mais próximo da situação atual é o Acórdão Asociaţia Accept, o qual — tal como no caso vertente — diz respeito à interpretação da Diretiva 2000/78. Nesse processo, um importante acionista do FC Steaua, que atuara como «comanditário» do clube, declarou, no contexto de uma entrevista aos meios de comunicação social sobre a eventual transferência do futebolista profissional X, que não aceitaria um homossexual na equipa. O clube de futebol não tinha encetado nenhuma negociação com vista à contratação do jogador X, que foi apresentado como sendo homossexual. Contudo, o clube não recrutou esse jogador, presumivelmente devido à sua orientação sexual ( 23 ).

49.

O Tribunal de Justiça considerou que se podia presumir, com base em factos como os do processo principal, a existência de uma discriminação na aceção da Diretiva 2000/78. É irrelevante o facto de «o sistema de contratação de futebolistas profissionais não se basear numa proposta pública ou numa negociação direta na sequência de um processo de seleção que admita a apresentação de candidaturas e uma pré‑seleção destas à luz do seu interesse para o empregador». Além disso, «um empregador demandado não pode refutar a existência de factos que permitam presumir que segue uma política de recrutamento discriminatória ao limitar‑se a defender que as declarações sugestivas da existência de uma política de recrutamento homofóbica emanam de uma pessoa que, apesar de afirmar e parecer desempenhar um papel importante na gestão deste empregador, não é juridicamente capaz de o vincular em matéria de recrutamento». O facto de esse empregador «não se ter claramente demarcado das declarações em causa constitui um elemento que a instância competente pode ter em conta no quadro de uma apreciação global dos factos». A perceção dos respetivos grupos protegidos também pode constituir indícios pertinentes para a apreciação global das declarações em causa. Acresce que a circunstância de um clube de futebol profissional não ter encetado nenhuma negociação tendo em vista a contratação de um desportista apresentado como sendo homossexual «não exclui a possibilidade de que factos que permitam presumir a existência de uma discriminação praticada por esse clube possam ser considerados provados» ( 24 ).

50.

Assim, deduzo os seguintes princípios relativos ao âmbito de aplicação do «acesso ao emprego» no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78: i) este conceito deve ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União; ii) atendendo ao objetivo da Diretiva 2000/78 e à natureza dos direitos que esta pretende salvaguardar, o seu âmbito de aplicação não pode ser definido em termos restritivos; iii) declarações públicas segundo as quais pessoas pertencentes a um grupo protegido não serão recrutadas são claramente suscetíveis de dissuadir determinados candidatos de apresentarem a sua candidatura e de dificultar o seu acesso ao mercado de trabalho; iv) o método específico de recrutamento é irrelevante (quer tenha havido ou não um convite à apresentação de candidaturas, um processo de seleção, etc.); v) desde que se possa razoavelmente considerar que o autor das declarações discriminatórias relativas aos critérios de seleção tem influência sobre o eventual empregador, é igualmente irrelevante que essa pessoa não seja juridicamente capaz de vincular o efetivo empregador em matéria de recrutamento; vi) o facto de o empregador não ter encetado negociações com vista ao recrutamento de uma pessoa apresentada como membro de um grupo protegido não exclui a possibilidade de verificar a existência de uma discriminação; e vii) a verificação da existência de discriminação não depende da identificação do queixoso. Outros fatores que podem ser considerados relevantes prendem‑se com o facto de o efetivo empregador se ter claramente demarcado das declarações e com a perceção dos grupos protegidos em causa.

51.

Neste contexto, quão estreita deve ser a relação com um processo efetivo de recrutamento para que declarações discriminatórias como as do processo principal sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78?

52.

Considero que uma relação meramente hipotética não é suficiente. Assim, por exemplo, suponhamos que uma pessoa proclamava: «Se eu fosse advogado, nunca contrataria uma pessoa LGBTI para o meu escritório de advogados». Caso o autor desta declaração seja um arquiteto e não um advogado e não trabalhe numa sociedade de advogados, seja a que título for, por muito lamentável que possa ser a declaração, não apresenta efetivamente qualquer relação com o acesso ao emprego. O mesmo aconteceria se alguém que não tem nem pretende ter um jardim declarasse que nunca empregaria um jardineiro LGBTI. Os exemplos podem ser multiplicados. Dependendo da forma como é construída, a relação entre a declaração discriminatória e o eventual acesso ao emprego será mais próxima ou mais distante.

53.

No entanto, os princípios que depreendo da jurisprudência do Tribunal de Justiça permitem obter uma lista (não exaustiva) de critérios para determinar se existe uma relação suficientemente estreita entre as declarações discriminatórias e o acesso ao emprego de modo que tais declarações sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78.

54.

Para esse efeito, devem ser examinados tanto o estatuto como a qualidade do autor das declarações. Essa pessoa tem de ser efetivamente um eventual empregador ou alguém que, de jure ou de facto, seja capaz de exercer uma influência significativa sobre a política de recrutamento do eventual empregador ou que, pelo menos, possa razoavelmente ser entendido como sendo suscetível de exercer essa influência, mesmo que não lhe seja possível vincular juridicamente o empregador em matéria de recrutamento.

55.

A natureza e o conteúdo das declarações proferidas devem igualmente ser tidos em conta. Devem dizer respeito ao emprego na área de atividade do eventual empregador ou do autor das declarações — uma área, portanto, em que essa pessoa seja suscetível de fazer contratações. Tais declarações devem revelar a intenção do empregador de discriminar membros de um grupo protegido. Além disso, devem ser de natureza a dissuadir as pessoas pertencentes ao grupo protegido de se candidatarem se e quando houver uma vaga disponibilizada pelo eventual empregador. A este respeito, parece‑me que deveria existir uma presunção ilidível de que, mais cedo ou mais tarde, o eventual empregador pretenderá recrutar e que, quando o fizer, aplicará o critério discriminatório que anunciou publicamente como parte da sua política de recrutamento. O ónus de ilidir essa presunção num caso concreto de recrutamento recairia então sobre o eventual empregador ( 25 ).

56.

O contexto em que as declarações foram proferidas também é relevante. Trata‑se de observações de caráter privado (expressas, por exemplo, durante um jantar com o parceiro do autor das declarações) ou de declarações proferidas em público (ou, pior ainda, em direto, numa transmissão ao vivo, e depois reproduzidas através das redes sociais)? Assim sendo, rejeito veementemente a proposta segundo a qual uma declaração discriminatória proferida em tom «humorístico» seja de certa forma «indiferente» ou aceitável. O humor é um instrumento poderoso e que facilmente pode ser utilizado de forma abusiva. Não é difícil imaginar o efeito dissuasor que podem ter as «piadas» homofóbicas feitas por um eventual empregador na presença de candidatos LGBTI.

57.

Por último, é importante ter em conta em que medida a natureza, o conteúdo e o contexto das declarações proferidas podem desincentivar as pessoas pertencentes ao grupo protegido de se candidatarem a um emprego ao serviço dessa entidade patronal. Como o advogado‑geral M. Poiares Maduro explicou de forma convincente no processo Feryn, «[e]m qualquer processo de contratação, a maior “seleção” tem lugar entre os que se candidatam e os que não o fazem. Não se pode razoavelmente esperar que alguém se candidate a um emprego se souber de antemão que, em razão da sua origem étnica ou racial, não tem possibilidade alguma de ser contratado. Por conseguinte, a declaração pública segundo a qual pessoas de determinada origem racial ou étnica não se devem candidatar, feita por uma entidade patronal, tem um efeito que está longe de ser hipotético. Não qualificar essa declaração como um ato discriminatório significaria ignorar a realidade social de que tais declarações têm inevitavelmente um impacto humilhante e desmoralizador nas pessoas com essa origem e que querem fazer parte do mercado de trabalho e, em especial, naqueles que teriam tido interesse em trabalhar para a entidade patronal em questão» ( 26 ).

58.

As informações apresentadas ao Tribunal de Justiça indicam que NH é um advogado sénior cujas declarações visavam o seu próprio escritório de advocacia. NH formulou inequivocamente um critério de recrutamento (negativo) que discriminaria os eventuais candidatos homossexuais. As suas declarações foram divulgadas publicamente na rádio. As mesmas têm sido amplamente difundidas — com efeito, o Governo italiano mencionou na audiência o facto de poderem ser facilmente encontradas na Internet. As declarações eram suscetíveis de dissuadir os eventuais candidatos homossexuais de procurar emprego como advogados ou pessoal auxiliar nesse escritório de advogados.

59.

Concluo que declarações como as do processo principal são suscetíveis de serem abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar e apreciar os factos pertinentes de maneira mais aprofundada e na medida do necessário para chegar a uma conclusão ( 27 ).

Ingerência na liberdade de expressão

60.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as declarações de NH podem ser protegidas pela liberdade de expressão, ao mesmo tempo que afirma que a legislação contra a discriminação no emprego e na atividade profissional não pode ser encarada como um entrave a essa liberdade.

61.

A liberdade de expressão, o direito ao trabalho e o princípio da não discriminação são direitos fundamentais reconhecidos pela Carta (nos artigos 11.o, n.o 1, 15.o, n.o 1 e 21.o, n.o 1, respetivamente). A liberdade de expressão constitui um dos pilares essenciais de uma sociedade democrática. Enquanto princípio, vale não só para as informações ou ideias acolhidas favoravelmente ou consideradas inofensivas ou indiferentes mas igualmente para as que ofendem, chocam ou inquietam ( 28 ). A liberdade de expressão é, no entanto, objeto de restrições ( 29 ).

62.

Na minha opinião, a aprovação da Diretiva 2000/78 constitui uma expressão clara da escolha feita pelo legislador da União. Não se pode recorrer à liberdade de expressão para exonerar declarações discriminatórias que se encontrem abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78. Assim, um empregador não pode declarar que não contrataria pessoas LGBTI, ou pessoas com deficiência, ou cristãos, ou muçulmanos, ou judeus, e depois invocar a liberdade de expressão como meio de defesa. Ao fazer semelhante declaração, não estará a exercer o seu direito à liberdade de expressão, mas sim a instituir uma política de recrutamento discriminatória.

63.

A escolha do legislador da União é legítima?

64.

O artigo 52.o, n.o 1, da Carta admite restrições ao exercício dos direitos e liberdades nela previstos, desde que tais restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros ( 30 ).

65.

Estes requisitos encontram‑se preenchidos no caso em apreço.

66.

Em primeiro lugar, a restrição à liberdade de expressão é prevista por lei, a saber, pela Diretiva 2000/78.

67.

Em segundo lugar, como o Governo grego afirmou nas suas observações escritas, as restrições à liberdade de expressão decorrentes da Diretiva 2000/78 podem ser justificadas com base nos objetivos da mesma, a saber, a igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional e a promoção de um elevado nível de emprego e de proteção social; as restrições são necessárias para atingir tais objetivos. A igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, que constitui uma expressão do direito fundamental a ser protegido contra a discriminação, é um objetivo de interesse geral reconhecido pela União.

68.

Em terceiro lugar, embora a realização dos objetivos da diretiva possa constituir uma ingerência na liberdade de expressão, tal não é suscetível de afetar o conteúdo essencial deste direito fundamental. A Diretiva 2000/78 opõe‑se à expressão de opiniões discriminatórias apenas num contexto limitado, a saber, o do emprego e da atividade profissional.

69.

Em quarto lugar, verifica‑se a observância do princípio da proporcionalidade. O âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 é definido pelos artigos 1.o (que enumera os motivos de discriminação proibidos) e 3.o (que define o âmbito de aplicação pessoal e material da diretiva). As únicas declarações proibidas são as que constituem discriminação no emprego e na atividade profissional. Esta ingerência na liberdade de expressão não excede o que é necessário e adequado para alcançar os objetivos prosseguidos pela diretiva ( 31 ).

70.

Esta interpretação está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo ( 32 ). Porquanto o exercício da liberdade de expressão «implica deveres e responsabilidades», o artigo 10.o, n.o 2, da CEDH admite ingerências «para a proteção da honra ou dos direitos de outrem», desde que sejam «previstas pela lei» e «necessárias numa sociedade democrática». No Acórdão Vejdeland e o./Suécia, um grupo de pessoas foi condenado por distribuir numa escola panfletos que manifestavam desprezo pelos homossexuais. O Tribunal de Estrasburgo considerou que a ingerência na liberdade de expressão garantida pelo artigo 10.o, n.o 1, da CEDH era justificada, ao abrigo do n.o 2 do mesmo artigo. O Tribunal de Estrasburgo salientou que a discriminação em razão da orientação sexual é tão grave quanto a discriminação em razão da raça, origem ou cor. Subscreveu a conclusão do Supremo Tribunal da Suécia, que reconheceu «o direito dos demandantes de exprimirem as suas ideias, sublinhando simultaneamente que, para além de liberdades e direitos, as pessoas também têm deveres; um desses deveres consiste em evitar, tanto quanto possível, declarações que sejam injustificadamente ofensivas em relação a outrem, constituindo uma agressão aos seus direitos, [pelo que] considerou que as declarações contidas nos panfletos eram desnecessariamente ofensivas» ( 33 ).

71.

Por conseguinte, considero que, nos termos da Diretiva 2000/78, a proibição de declarações que constituam uma discriminação direta em relação ao acesso ao emprego não pode ser interpretada no sentido de ser uma ingerência na liberdade de expressão suscetível de violar os direitos garantidos pelo artigo 11.o, n.o 1, da Carta.

Possibilidade de derrogação à aplicação da Diretiva 2000/78

72.

Já referi que, em meu entender, as declarações proferidas por NH durante a emissão radiofónica constituem uma discriminação direta em razão da orientação sexual ( 34 ). Como tal, declarações deste género são proibidas nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78. As únicas derrogações possíveis em caso de discriminação direta são as relativas aos requisitos para o exercício de uma atividade profissional (artigo 4.o), às justificações das diferenças de tratamento com base na idade (artigo 6.o), à ação positiva e às medidas específicas (artigo 7.o) e às medidas necessárias, nomeadamente, para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros (artigo 2.o, n.o 5).

73.

Nenhuma das partes alegou que as derrogações previstas nos artigos 4.o, 6.o ou 7.o poderiam ser aplicáveis, e parecem‑me claramente irrelevantes. Uma vez que o artigo 2.o, n.o 5, foi debatido na audiência, irei analisá‑lo sucintamente.

74.

O Tribunal de Justiça declarou que «[a]o adotar esta disposição, o legislador da União, em matéria de emprego e de trabalho, pretendeu evitar e arbitrar um conflito entre, por um lado, o princípio da igualdade de tratamento e, por outro, a necessidade de garantir a ordem, a segurança e a saúde públicas, a prevenção das infrações e a proteção dos direitos e liberdades individuais, indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade democrática. Este mesmo legislador decidiu que, em certos casos enumerados no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78, os princípios previstos por esta não se aplicam a medidas que contenham diferenças de tratamento com fundamento num dos motivos referidos no artigo 1.o da diretiva, desde que, contudo, tais medidas sejam “necessárias” à realização dos objetivos acima referidos» ( 35 ). Na medida em que o artigo 2.o, n.o 5, institui uma derrogação ao princípio da proibição das discriminações, tal disposição deve ser interpretada de forma estrita ( 36 ).

75.

Na minha opinião, a derrogação prevista no artigo 2.o, n.o 5, não pode aplicar‑se no presente processo. Em primeiro lugar, não foi adotada pelo legislador nacional qualquer medida destinada a pôr em prática essa derrogação. Em segundo lugar, mesmo que fosse esse o caso, não vejo de que forma declarações discriminatórias que dificultam o acesso ao emprego possam ser consideradas «necessárias» para «a proteção dos direitos e liberdades individuais, indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade democrática» ( 37 ).

76.

Daqui resulta que nenhuma das derrogações possíveis à proibição de discriminação direta prevista na Diretiva 2000/78 é aplicável no caso em apreço.

77.

Atendendo às considerações expostas, concluo que as observações feitas por uma pessoa entrevistada no decurso de uma transmissão radiofónica, segundo as quais nunca contrataria nem recorreria aos serviços de um homossexual para trabalhar no seu escritório de advogados, podem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78, por serem suscetíveis de dificultar o acesso ao emprego. Caso essas declarações não sejam proferidas no âmbito de um processo de recrutamento em curso, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a relação com o acesso ao emprego não é hipotética, tendo em conta o estatuto e a qualidade do autor das declarações, a natureza, o conteúdo e o contexto das mesmas, bem como em que medida essas declarações podem dissuadir as pessoas pertencentes ao grupo protegido de se candidatarem a um emprego ao serviço dessa entidade patronal. Nos termos dos artigos 2.o e 3.o da Diretiva 2000/78, a proibição de declarações que constituam uma discriminação direta relativamente ao acesso ao emprego não pode ser considerada uma ingerência na liberdade de expressão suscetível de violar os direitos garantidos pelo artigo 11.o, n.o 1, da Carta.

Primeira questão

78.

A Associazione, recorde‑se, é uma associação de advogados que, em conformidade com os seus estatutos, visa «contribuir para o desenvolvimento e a difusão da cultura e o respeito pelos direitos das pessoas [LGBTI]», bem como criar uma rede de advogados que tenha por objeto a proteção jurídica das pessoas LGBTI e a possibilidade de intentar uma ação representativa em seu nome perante os órgãos jurisdicionais nacionais e internacionais. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, nos termos do artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, essa associação tem legitimidade para agir judicialmente, nomeadamente para apresentar pedidos de indemnização, em circunstâncias de alegada discriminação em razão da orientação sexual.

79.

Esta questão suscita três aspetos problemáticos. Em primeiro lugar, pode uma associação agir judicialmente, sem que exista uma vítima identificável, de forma a assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes da Diretiva 2000/78? Em segundo lugar, deve essa associação preencher critérios específicos de modo a adquirir legitimidade processual e, em caso afirmativo, quais são esses critérios? Em terceiro lugar, a possibilidade de uma associação agir judicialmente, quando a vítima não seja identificável, para fazer cumprir as obrigações previstas na Diretiva 2000/78 também abrange a apresentação de pedidos de indemnização?

Tem uma associação legitimidade para agir judicialmente, sem que exista uma vítima identificável, de forma a exigir o cumprimento das obrigações decorrentes da Diretiva 2000/78?

80.

O artigo 9.o da Diretiva 2000/78 reafirma o direito fundamental a uma ação perante um tribunal e dispõe que os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que qualquer pessoa que se considere lesada por uma discriminação possa invocar os seus direitos ( 38 ). Esta disposição confere o direito de invocar os direitos previstos na diretiva não só às pessoas que se considerem lesadas, mas também, nos termos do artigo 9.o, n.o 2, às associações que possuam um interesse legítimo e que possam intervir em processos judiciais e/ou administrativos, em nome ou em apoio da parte demandante, e com a aprovação desta.

81.

Esta redação não significa, contudo, que as associações sejam necessariamente impedidas de agir quando o queixoso não seja identificável. O objetivo de promover uma plena participação dos cidadãos na vida económica, cultural e social seria difícil de alcançar se o âmbito de aplicação da Diretiva 2000/43 fosse limitado apenas aos casos em que um candidato a um emprego que não foi contratado considera ser vítima de discriminação (neste caso) direta e intenta uma ação contra a entidade patronal ( 39 ).

82.

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 relativo aos «requisitos mínimos» introduz uma disposição de «não regressão» aplicável aos Estados‑Membros que tenham ou que pretendam adotar legislação que garanta um nível de proteção mais elevado do que o garantido pela diretiva ( 40 ). A referida disposição prevê que a aplicação da diretiva não constituirá, em caso algum, motivo para uma redução do nível de proteção contra a discriminação que é já proporcionado nos Estados‑Membros nos domínios abrangidos pela diretiva ( 41 ).

83.

O Tribunal de Justiça já interpretou o artigo 8.o, n.o 1, conjugado com o artigo 9.o, n.o 2, no sentido de concluir que a Diretiva 2000/79 não se opõe de modo algum a que um Estado‑Membro preveja, na sua legislação nacional, o direito de as associações que têm um interesse legítimo em fazer assegurar o respeito desta diretiva instaurarem procedimentos judiciais ou administrativos sem que atuem em nome de um determinado queixoso ou sem que exista um queixoso identificável ( 42 ). Assim, o Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão Asociaţia Accept, que uma organização não governamental cujo objetivo é promover e proteger os direitos de lésbicas, gay, bissexuais e transexuais, pode intentar uma ação com vista, nomeadamente, à aplicação de uma sanção pecuniária a um clube de futebol e a um dos seus acionistas pelo facto de não ter sido contratado um futebolista profissional presumivelmente homossexual.

84.

Esta abordagem está em conformidade com a linha jurisprudencial geral do Tribunal de Justiça. Com efeito, a mesma solução foi adotada no Acórdão Feryn. Um organismo belga designado, em aplicação do artigo 13.o da Diretiva 2000/43, para promover a igualdade de tratamento solicitou aos órgãos jurisdicionais belgas competentes em matéria laboral a declaração de que a Feryn aplicava uma política de contratação discriminatória. O Tribunal de Justiça considerou, por um lado, que a existência de uma discriminação direta não pressupõe que seja identificável um queixoso que alegue ter sido vítima dessa discriminação e, por outro, que o facto de a Diretiva 2000/43 conter uma disposição sobre «requisitos mínimos» (semelhante ao artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78), não se opõe, de modo algum, a que os Estados‑Membros reconheçam o direito das associações que tenham um interesse legítimo em assegurar que a diretiva seja respeitada e de intentar uma ação sem que atuem em nome de um determinado queixoso ou sem que exista uma vítima identificável ( 43 ).

85.

Decorre dos artigos 9.o, n.o 2, e 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, na interpretação dada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, que os Estados‑Membros não estão impedidos de conceder possibilidades adicionais de proteção judicial. Considero — embora a apreciação desta questão seja da exclusiva competência do órgão jurisdicional nacional — que o artigo 5.o, n.o 2, do Decreto Legislativo n.o 216/2003 vai ao encontro deste entendimento quando reconhece expressamente a «legitimidade em casos de discriminação coletiva quando as pessoas lesadas pela discriminação não forem identificáveis de um modo direto e imediato» relativamente às associações definidas no seu n.o 1.

Deve essa associação preencher critérios específicos de modo a adquirir legitimidade processual e, em caso afirmativo, quais são esses critérios?

86.

O despacho de reenvio explica que a legitimidade das associações em casos de discriminação abrangidos pela Diretiva 2000/78 rege‑se, na legislação italiana, pelo artigo 5.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 216/2003, que confere legitimidade às «organizações sindicais, associações e organizações representativas do direito ou do interesse lesado». O órgão jurisdicional de reenvio refere que o legislador nacional não estabeleceu critérios adicionais a este respeito, contrariamente à posição adotada em relação às associações que desenvolvem atividades noutras áreas. Assim, o interesse legítimo da associação em atuar deve ser verificado caso a caso.

87.

NH alega que não pode ser considerado que a Associazione representa os interesses das pessoas LGBTI, pelo que não tem legitimidade para atuar no presente processo. A Associazione é um agrupamento de cerca de 100 advogados que não fazem parte da comunidade LGBTI. A associação visa promover os direitos e a cultura das pessoas LGBTI e garantir a sua representação jurídica. O caráter não lucrativo dessa associação não é facto assente.

88.

Nos termos do artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78, o único requisito para que uma associação tenha legitimidade para agir é que possua um interesse legítimo em assegurar o cumprimento do disposto na diretiva.

89.

No Acórdão Asociaţia Accept, o Tribunal de Justiça examinou o artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 à luz do seu artigo 8.o, n.o 1, e concluiu que esta disposição «não se opõe de modo algum a que um Estado‑Membro preveja, na sua legislação nacional, o direito de as associações que têm um interesse legítimo em fazer assegurar o respeito desta diretiva instaurarem procedimentos judiciais ou administrativos destinados a fazer respeitar as obrigações que decorrem da referida diretiva, sem que atuem em nome de um determinado queixoso ou sem que exista um queixoso identificável» ( 44 ). Esta máxima estabelece igualmente a linha divisória entre o locus standi reconhecido às associações para assegurarem o cumprimento das obrigações decorrentes da diretiva e uma actio popularis.

90.

A diretiva remete expressamente para a legislação nacional. Assim, a legitimidade das associações não é regida pelo direito da União, quando não exista um queixoso ou uma vítima identificável ( 45 ). No entanto, os direitos e as obrigações de caráter substantivo que pretendem impor decorrem efetivamente da Diretiva 2000/78.

91.

A este respeito, o caso vertente é diferente do que deu origem ao Acórdão Julián Hernández e o. ( 46 ), que incidia sobre o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94 ( 47 ), segundo o qual a diretiva «não prejudicará a faculdade de os Estados‑Membros aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores assalariados». O Tribunal de Justiça declarou que esta disposição não confere aos Estados‑Membros uma faculdade de legislar nos termos do direito da União, limitando‑se a reconhecer o poder dos Estados‑Membros nos termos do direito nacional de prever tais disposições mais favoráveis fora do quadro do regime estabelecido por esta diretiva ( 48 ). Daqui decorre que uma disposição de direito nacional que se limita a conceder aos trabalhadores assalariados uma proteção mais favorável em resultado do exercício da única competência dos Estados‑Membros (confirmada pelo artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94), não pode ser considerada abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva ( 49 ).

92.

Em contrapartida, no caso em apreço, a legislação nacional em causa prevê um direito processual (locus standi) de forma a invocar os direitos substantivos decorrentes do direito da União (proteção contra a discriminação). Esta configuração acarreta a aplicação do princípio da autonomia processual juntamente com os seus corolários, os princípios da equivalência e da efetividade.

93.

Segundo jurisprudência assente, na falta de regulamentação da União na matéria, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que decorrem para os particulares do direito da União, desde que, por um lado, essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das ações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e, por outro, na prática, não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) ( 50 ).

94.

O respeito do princípio da equivalência pressupõe que a norma controvertida se aplica indiferentemente às ações baseadas na violação do direito da União e às baseadas em violações do direito interno com um objeto e uma causa semelhantes. Para verificar se o princípio da equivalência é respeitado no processo principal, o órgão jurisdicional nacional, que é o único a ter conhecimento direto das regras processuais das ações no domínio do direito do trabalho, tem de verificar tanto o objeto como os elementos essenciais das ações alegadamente semelhantes de natureza interna ( 51 ).

95.

No que respeita ao princípio da efetividade, o Tribunal de Justiça já declarou que em cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração, se necessário, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a correta tramitação do processo ( 52 ).

96.

Decorre de tudo o que precede que: i) a definição de associações que possuam um interesse legítimo é uma questão de direito nacional; ii) essas associações aplicam direitos e obrigações decorrentes do direito da União; iii) por conseguinte, devem ser respeitados os princípios da equivalência e da efetividade. Os órgãos jurisdicionais nacionais são os únicos competentes para apreciar estes aspetos.

97.

Para proceder à sua apreciação, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os objetivos da Associazione (recordados no n.o 78, supra) correspondem aos de uma associação que possui um interesse legítimo em assegurar o cumprimento dos direitos e das obrigações decorrentes da Diretiva 2000/78.

98.

Sem prejuízo da verificação dos factos pelo órgão jurisdicional de reenvio à luz da legislação nacional aplicável, parece‑me que uma associação com tais objetivos é precisamente o tipo de associação que terá um interesse legítimo em agir judicialmente nestas circunstâncias. É também o tipo de associação a que uma vítima de discriminação em razão da orientação sexual recorreria naturalmente, caso decidisse agir judicialmente num caso específico.

99.

A este respeito, os argumentos de NH relativos ao número de membros da associação, ao facto de todos serem advogados ou advogados estagiários e ao facto de não fazerem parte da comunidade LGBTI são completamente irrelevantes. Não se espera de uma associação de interesse público dedicada à proteção das aves selvagens e dos seus habitats que todos os seus membros tenham asas, bicos e penas. Há muitos defensores excelentes dentro da comunidade LGBTI, que podem e falam eloquentemente em defesa dos direitos LGBTI. Isso não significa que outros que não façam parte dessa comunidade — nomeadamente, advogados e advogados estagiários motivados simplesmente pelo altruísmo e pelo sentido de justiça — não possam tornar‑se membros dessa associação e participar nas suas atividades sem colocar em risco a sua legitimidade para intentar uma ação ou interpor um recurso. Aceitar os argumentos de NH prejudicaria uma valiosa contribuição para garantir uma proteção judicial adequada e comprometeria o effet utile da diretiva ( 53 ).

100.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se uma associação que possua um interesse legítimo deverá ser sem fins lucrativos, nomeadamente à luz da Recomendação da Comissão, de 11 de junho de 2013, sobre os princípios comuns que devem reger os mecanismos de tutela coletiva inibitórios e indemnizatórios dos Estados‑Membros aplicáveis às violações de direitos garantidos pelo direito da União ( 54 ).

101.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, mesmo que as recomendações não se destinem a produzir efeitos vinculativos, os juízes nacionais são obrigados a ter em consideração as recomendações, para a resolução dos litígios que lhes são submetidos, nomeadamente quando esclarecem a interpretação de disposições nacionais adotadas com o fim de garantir a sua aplicação ou quando têm por objeto completar disposições da União com caráter vinculativo ( 55 ).

102.

No entanto, o requisito mencionado na alínea a) do ponto 4 da recomendação, segundo o qual uma associação não deve ter fins lucrativos para poder intentar ações representativas, aplica‑se quando os Estados‑Membros designam entidades representativas para agir judicialmente. O órgão jurisdicional de reenvio afirma que tal não é o caso em Itália, porquanto o legislador não designou neste sentido nenhuma associação para invocar os direitos decorrentes da Diretiva 2000/78.

103.

Nas suas observações escritas, o Governo grego chama a atenção para o (eventual) risco de uma associação com fins lucrativos fazer um exercício abusivo do direito de agir judicialmente para aumentar os seus lucros, alegando que isso comprometeria a realização dos objetivos da diretiva. A resposta mais óbvia é que, tendo em conta a incerteza inerente aos litígios (e talvez especialmente aos litígios que digam respeito a pedidos apresentados em razão de uma discriminação), adotar uma abordagem a favor da propositura de ações seria, por si só, uma estratégia arriscada para uma associação com fins comerciais. Além disso, incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar, se necessário, se a Associazione cumpre os seus objetivos declarados de proteção dos interesses das pessoas em causa e os seus estatutos no que respeita à sua qualidade [de entidade representativa] ( 56 ).

104.

Concluo que compete ao direito nacional definir os critérios que devem estar preenchidos para que uma associação possua um interesse legítimo em agir judicialmente para fazer cumprir os direitos e as obrigações decorrentes da Diretiva 2000/78, sem prejuízo dos princípios da equivalência e da efetividade.

A possibilidade de uma associação agir judicialmente, quando a vítima não seja identificável, para fazer cumprir as obrigações previstas na Diretiva 2000/78 também abrange a apresentação de pedidos de indemnização?

105.

O artigo 17.o da Diretiva 2000/78 confia aos Estados‑Membros a tarefa de determinar os regimes das sanções aplicáveis à violação das disposições nacionais adotadas em aplicação dessa diretiva. Precisa que estas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas e que podem incluir o pagamento de uma indemnização à vítima.

106.

Assim, o artigo 17.o exige que os Estados‑Membros assegurem que os seus sistemas jurídicos nacionais contenham os dispositivos legais necessários para alcançar o objetivo da diretiva, de modo a que a proteção judicial dos direitos que dela emanam seja real e efetiva. No entanto, não prevê uma sanção específica, deixando aos Estados‑Membros a liberdade de escolher entre as diferentes soluções que sejam adequadas para a realização do seu objetivo, no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade (v. n.os 89 a 93, supra).

107.

O Tribunal de Justiça afirmou que «as sanções que devem estar previstas pelo direito nacional em aplicação do artigo 17.o dessa diretiva devem […] ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas, incluindo quando não haja vítima identificável» ( 57 ). Devem «nomeadamente assegurar, paralelamente às medidas adotadas para dar execução ao artigo 9.o da mesma diretiva, uma proteção jurídica efetiva e eficaz dos direitos previstos por esta […] O rigor das sanções deve ser adequado à gravidade das violações que reprimem, designadamente assegurando um efeito realmente dissuasivo […], ao mesmo tempo que respeitam o princípio geral da proporcionalidade» ( 58 ). Em todo o caso, «uma sanção puramente simbólica não se pode considerar compatível com a aplicação correta e eficaz da Diretiva 2000/78» ( 59 ).

108.

O Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Feryn, proferido no contexto da Diretiva 2000/43, fornece orientações que são igualmente pertinentes e adequadas no contexto da Diretiva 2000/78: «[…] em que não há vítima direta de uma discriminação, mas em que um organismo habilitado por lei solicita que seja constatada e sancionada uma discriminação, as sanções cuja cominação no direito nacional é exigida pelo artigo 15.o da Diretiva 2000/43 devem também ser eficazes, proporcionais e dissuasivas. Quando necessário, e se isso parecer apropriado para a situação em causa no processo principal, tais sanções poderão consistir na constatação da discriminação pelo órgão jurisdicional ou pela autoridade administrativa competente, acompanhada do grau de publicidade adequado, cujo custo deve ser suportado pela parte demandada. Podem igualmente assumir a forma de intimação dirigida à entidade patronal, segundo as regras previstas no direito nacional, para pôr fim à prática discriminatória constatada, acompanhada, quando necessário, de uma sanção pecuniária compulsória. Além disso, podem consistir na concessão de uma indemnização ao organismo que instaurou o processo» ( 60 ).

109.

Daqui decorre que: i) uma associação habilitada pela lei nacional para agir judicialmente de forma a fazer cumprir os direitos e as obrigações decorrentes da Diretiva 2000/78, pode pedir que seja sancionada uma conduta discriminatória; ii) isto aplica‑se independentemente de existir ou não uma vítima identificável; iii) a Diretiva 2000/78 não prevê sanções específicas, deixando esta matéria para o direito nacional; iv) as sanções previstas na legislação nacional devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas; e v) podem assumir a forma de uma indemnização. Os tipos de indemnizações possíveis são igualmente do foro nacional. Não vejo qualquer razão de princípio para que tais indemnizações não possam incidir tanto sobre danos patrimoniais como não patrimoniais.

110.

Por conseguinte, concluo que os artigos 8.o, n.o 1, e 9.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 são compatíveis com a legislação nacional que confere legitimidade às associações que possuam interesse legítimo para agir judicialmente, sem que exista uma vítima identificável, de forma a assegurar o cumprimento das obrigações previstas na Diretiva 2000/78/CE. Compete ao direito nacional estabelecer os critérios para determinar se uma associação possui esse interesse legítimo, sem prejuízo dos princípios da equivalência e da efetividade. Uma associação que tenha um interesse legítimo em agir judicialmente pode solicitar que uma conduta discriminatória seja sancionada de forma efetiva, proporcionada e dissuasiva, nomeadamente através da indemnização dos danos causados, nas condições previstas no direito nacional.

Conclusão

111.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) da seguinte forma:

As observações feitas por uma pessoa entrevistada no decurso de uma transmissão radiofónica, segundo as quais nunca contrataria nem recorreria aos serviços de um homossexual para trabalhar no seu escritório de advogados podem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, por serem suscetíveis de dificultar o acesso ao emprego.

Caso essas declarações não sejam proferidas no âmbito de um processo de recrutamento em curso, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a relação com o acesso ao emprego não é hipotética, tendo em conta o estatuto e a qualidade do autor das declarações, a natureza, o conteúdo e o contexto das mesmas, bem como em que medida essas declarações podem dissuadir as pessoas pertencentes ao grupo protegido de se candidatarem a um emprego ao serviço dessa entidade patronal.

Nos termos dos artigos 2.o e 3.o da Diretiva 2000/78, a proibição de declarações que constituam uma discriminação direta relativamente ao acesso ao emprego não pode ser considerada uma ingerência na liberdade de expressão suscetível de violar os direitos garantidos pelo artigo 11.o, n.o 1, da Carta.

Os artigos 8.o, n.o 1, e 9.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 são compatíveis com a legislação nacional que confere legitimidade às associações que possuam interesse legítimo para agir judicialmente, sem que exista uma vítima identificável, de forma a assegurar o cumprimento das obrigações previstas na Diretiva 2000/78/CE. Compete ao direito nacional estabelecer os critérios para determinar se uma associação possui esse interesse legítimo, sem prejuízo dos princípios da equivalência e da efetividade.

Uma associação que tenha um interesse legítimo em agir judicialmente pode solicitar que uma conduta discriminatória seja sancionada de forma efetiva, proporcionada e dissuasiva, nomeadamente através da indemnização dos danos causados, nas condições previstas no direito nacional.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) A fórmula é várias vezes utilizada por Homero, tanto na obra Ilíada como na Odisseia. V., a título de exemplo, Ilíada, canto XV, 145 e 157.

( 3 ) A este respeito, a fórmula corresponde à primeira parte da conhecida expressão latina verba volant, scripta manent [as palavras voam, os escritos permanecem], que assenta na importância dos textos escritos.

( 4 ) JO 2000, L 303, p. 16.

( 5 ) JO 2007, C 303, p. 1.

( 6 ) «LGBTI» é um acrónimo comummente utilizado para lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e intersexuais. V., nomeadamente, Conselho da União Europeia, Diretrizes para a promoção e a proteção do exercício de todos os direitos humanos por parte de lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e intersexuais (LGBTI), Luxemburgo, 24 de junho de 2013. Estas diretrizes contêm, no ponto 13, uma definição prática da noção, mencionando que esta não é, contudo, vinculativa e que não foi formalmente aprovada por um organismo intergovernamental.

( 7 ) Acórdão de 15 de janeiro de 2019, E.B. (C‑258/17, EU:C:2019:17, n.o 40 e jurisprudência referida).

( 8 ) V. considerando 37 da Diretiva 2000/78 e Acórdão de 17 de julho de 2008, Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:415, n.o 47).

( 9 ) Considerando 28.

( 10 ) V. considerando 15 e Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.o 42).

( 11 ) V., por analogia, Acórdão de 10 de julho de 2008, Feryn (C‑54/07, EU:C:2008:397, n.o 25). Uma vez que as observações relatadas não esclarecem qual teria sido a atitude de NH em relação à contratação de uma pessoa bissexual, transexual ou intersexual, «outra pessoa» deve aqui ser entendida como «uma pessoa cuja aparente orientação sexual seja heterossexual». O presente processo não incide sobre a questão de saber se a orientação sexual de uma pessoa pode ser discernida pela sua aparência, nem sobre se as perguntas feitas durante uma entrevista são (ou podem, ou devem ser) suscetíveis de constituir elementos a partir dos quais pode ser deduzida essa orientação, pelo que não as aprofundarei.

( 12 ) V., nomeadamente, Acórdão de 11 de julho de 2006, Chacón Navas (C‑13/05, EU:C:2006:456, n.o 40 e jurisprudência referida).

( 13 ) V. Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 47).

( 14 ) Acórdão de 22 de novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, EU:C:2005:709, n.o 74).

( 15 ) Considerando 9 e artigo 1.o da Diretiva 2000/78.

( 16 ) V, por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria (C‑83/14, EU:C:2015:480, n.o 42 e jurisprudência referida). Este acórdão dizia respeito à Diretiva 2000/43/CE, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO 2000, L 180, p. 22). O âmbito de aplicação da Diretiva 2000/43 é diferente do da Diretiva 2000/78, uma vez que a primeira diz respeito à discriminação num amplo leque de domínios enumerados no seu artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) a h), ao passo que a segunda apenas abrange a discriminação em matéria de emprego e de trabalho, tal como previsto no seu artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) a d). Dito isto, o Tribunal de Justiça já recorreu à sua jurisprudência relativa à Diretiva 2000/43 para daí retirar alguma inspiração útil para a interpretação da Diretiva 2000/78: V., por exemplo, Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275).

( 17 ) V. as anotações ao artigo 3.o que define o âmbito de aplicação da diretiva na Exposição de motivos da proposta de diretiva do Conselho que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, JO 2000, C 177 E, p. 42 (a seguir «Exposição de motivos da proposta de diretiva») (o sublinhado é meu).

( 18 ) Considerando 9.

( 19 ) Esta definição de «acesso» encontra‑se no Oxford English Dictionary. O Collins English Dictionary menciona «o ato de se aproximar ou entrar», «a condição de ser autorizada a entrada», «o direito ou o privilégio de se aproximar, alcançar, servir‑se de, recorrer a ou tirar proveito de algo» e «a forma ou os meios de aproximação ou entrada».

( 20 ) Conclusões apresentadas no processo Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:61, n.o 11).

( 21 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 1995, Meyers (C‑116/94, EU:C:1995:247, n.o 22). V. igualmente Ellis, E., e Watson, P., EU Anti‑Discrimination Law, Oxford University Press, 2012, p. 287.

( 22 ) Acórdão de 10 de julho de 2008, Feryn (C‑54/07, EU:C:2008:397, n.os 15, 16, 25 e 31).

( 23 ) Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.os 24, 25 e 52). O facto de o clube de futebol não ter encetado negociações com vista à contratação do jogador X decorre indiretamente do n.o 52 do acórdão.

( 24 ) Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.os 45 e 49 a 52). Saliento que o Tribunal de Justiça decidiu prescindir das conclusões de um advogado‑geral no tratamento do processo.

( 25 ) Esta abordagem do ónus da prova está, a meu ver, em conformidade com o artigo 10.o da Diretiva 2000/78, que prevê que «[o]s Estados‑Membros tomam as medidas necessárias, de acordo com os respetivos sistemas judiciais, para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta, incumba à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento».

( 26 ) Conclusões do advogado‑geral Miguel Poiares Maduro (C‑54/07, EU:C:2008:155, n.o 15).

( 27 ) V. n.o 33, supra. Uma vez que o pedido de decisão prejudicial foi apresentado por um supremo tribunal nacional num processo de recurso de cassação, poderá ser necessário que o processo seja remetido ao tribunal de primeira instância para que se proceda a uma nova apreciação da matéria de facto.

( 28 ) Acórdão de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão (C‑274/99 P, EU:C:2001:127, n.o 39).

( 29 ) V. a redação do artigo 10.o da CEDH; V., igualmente, Acórdão de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão (C‑274/99 P, EU:C:2001:127, n.o 40).

( 30 ) V., nomeadamente, Acórdão de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o. (C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238, n.o 38). A redação do artigo 52.o, n.o 1, inspira‑se em grande medida na jurisprudência proferida até então pelo Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, Acórdão de 13 de abril de 2000, Karlsson e o., C‑292/97, EU:C:2000:202, n.o 45) que, por sua vez, se baseia na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «Tribunal de Estrasburgo»). V. Lenaerts, K., «Exploring the limits of the EU Charter of Fundamental Rights», European Constitutional Law Review, 2012, 8(3), 375‑403.

( 31 ) V., por analogia, para uma análise desses fatores, Acórdão de 17 de outubro de 2013, Schwarz (C‑291/12, EU:C:2013:670, n.os 34 e segs).

( 32 ) O artigo 52.o, n.o 3, da Carta prevê que, na medida em que os direitos por ela garantidos correspondam aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos, incluindo as restrições admitidas, são iguais aos conferidos por essa convenção. O sentido e o alcance dos direitos garantidos são determinados não só pelo texto dos referidos instrumentos, mas também pela jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo e do Tribunal de Justiça. V. Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17).

( 33 ) ECtHR, 9 de fevereiro de 2012, Vejdeland e o./Suécia (CE:ECHR:2012:0209JUD000181307, § 47 a 60).

( 34 ) V. n.o 33, supra.

( 35 ) Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 55).

( 36 ) Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation (C‑193/17, EU:C:2019:43, n.os 54 e 55).

( 37 ) V., por analogia, as minhas Conclusões apresentadas no processo Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, EU:C:2016:553, n.os 104 e 105) (o sublinhado é meu).

( 38 ) Acórdão de 8 de maio de 2019, Leitner (C‑396/17, EU:C:2019:375, n.o 61).

( 39 ) V. considerando 9 da Diretiva 2000/78 e, por analogia, Acórdão de 10 de julho de 2008, Feryn (C‑54/07, EU:C:2008:397, n.o 24).

( 40 ) V. considerando 28 da diretiva e a Exposição de motivos da proposta de diretiva.

( 41 ) Acórdão de 8 de julho de 2010, Bulicke (C‑246/09, EU:C:2010:418, n.o 43).

( 42 ) Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.os 24, 30, 36 e 37).

( 43 ) Acórdão de 10 de julho de 2008, Feryn (C‑54/07, EU:C:2008:397, n.os 15 a 17 e 25 a 28).

( 44 ) Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.o 37).

( 45 ) Acórdão de 8 de julho de 2010, Bulicke (C‑246/09, EU:C:2010:418, n.o 24), mas relativamente à questão específica dos prazos previstos no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2000/78.

( 46 ) Acórdão de 10 de julho de 2014, Julián Hernández e o. (C‑198/13, EU:C:2014:2055).

( 47 ) Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 2008, L 283, p. 36).

( 48 ) N.o 44 e 45 do acórdão.

( 49 ) A legislação nacional em causa neste processo não tinha por objeto o reconhecimento de um crédito do trabalhador relativamente ao seu empregador decorrente das suas relações de trabalho (ao qual a Diretiva 2008/94 é suscetível de aplicação nos termos do respetivo artigo 1.o, n.o 1), mas o reconhecimento de um direito de outra natureza, a saber, o direito do empregador de pedir ao Estado espanhol a indemnização pelo prejuízo sofrido devido a um «funcionamento anormal» da administração judiciária: v. n.o 39 do acórdão.

( 50 ) Acórdão de 8 de julho de 2010, Bulicke (C‑246/09, EU:C:2010:418, n.o 25).

( 51 ) Acórdão de 8 de julho de 2010, Bulicke (C‑246/09, EU:C:2010:418, n.os 26 e 28).

( 52 ) Acórdão de 8 de julho de 2010, Bulicke (C‑246/09, EU:C:2010:418, n.o 35).

( 53 ) A extensa jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o locus standi de associações não governamentais em ações ambientais (e as disposições específicas da Convenção de Aarhus que concedem legitimidade a essas organizações) constitui um paralelo útil a este respeito. V., nomeadamente, Acórdãos de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation, C‑664/15, EU:C:2017:987, n.os 34 e segs. e de 15 de outubro de 2009, Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening (C‑263/08, EU:C:2009:631).

( 54 ) JO 2013, L 201, p. 60.

( 55 ) Acórdão de 15 de setembro de 2016, Koninklijke KPN e o. (C‑28/15, EU:C:2016:692, n.o 41).

( 56 ) O Tribunal de Justiça não dispõe de quaisquer elementos relativamente à forma como a Associazione é financiada ou ao(s) montante(s) (se for caso disso) que obteve em benefício próprio (por oposição ao(s) montante(s) obtido(s) em nome dos clientes LBGTI a favor de quem a Associazione interveio) em caso de procedência da ação.

( 57 ) Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.o 62). V., igualmente, no que respeita à disposição paralela do artigo 15.o da Diretiva 2000/43, Acórdão de 10 de julho de 2008, Feryn (C‑54/07, EU:C:2008:397, n.o 40).

( 58 ) Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.o 63 e jurisprudência referida).

( 59 ) Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.o 64).

( 60 ) Acórdão de 10 de julho de 2008, Feryn (C‑54/07, EU:C:2008:397, n.os 38 e 39).

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