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Document 62017CJ0396

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 8 de maio de 2019.
Martin Leitner contra Landespolizeidirektion Tirol.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht.
Reenvio prejudicial — Política social — Proibição de qualquer discriminação em razão da idade — Diretiva 2000/78/CE — Exclusão da experiência profissional adquirida antes dos 18 anos de idade — Novo regime de remuneração e progressão — Manutenção da diferença de tratamento — Direito à ação — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Justificações.
Processo C-396/17.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:375

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de maio de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Proibição de qualquer discriminação em razão da idade — Diretiva 2000/78/CE — Exclusão da experiência profissional adquirida antes dos 18 anos de idade — Novo regime de remuneração e progressão — Manutenção da diferença de tratamento — Direito à ação — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Justificações»

No processo C‑396/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), por Decisão de 30 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de julho de 2017, no processo

Martin Leitner

contra

Landespolizeidirektion Tirol,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, A. Arabadjiev (relator), E. Regan, C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de setembro de 2018,

considerando as observações apresentadas:

em representação de M. Leitner, por M. Riedl e V. Treber‑Müller, Rechtsanwälte,

em representação do Governo austríaco, por M. G. Hesse e J. Schmoll, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e D. Martin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 6 de dezembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 21.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e dos artigos 1.o, 2.o, 6.o, 9.o, 16.o e 17.o, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Martin Leitner à Landespolizeidirektion Tirol (Direção Regional da Polícia do Land do Tirol, Áustria) a propósito da progressão e da posição no escalão remuneratório do recorrente no processo principal.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2000/78

3

Nos termos do seu artigo 1.o, a Diretiva 2000/78 «tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

4

O artigo 2.o desta diretiva prevê:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável.

b)

Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que,

i)

essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários, ou que,

[…]»

5

O artigo 6.o da referida diretiva dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários.

Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:

a)

O estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e de trabalho, nomeadamente condições de despedimento e remuneração, para os jovens, os trabalhadores mais velhos e os que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou garantir a sua proteção.

b)

A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego;

c)

A fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma.

2.   Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que não constitua discriminação baseada na idade, a fixação, para os regimes profissionais de segurança social, de idades de adesão ou direito às prestações de reforma ou de invalidez, incluindo a fixação, para esses regimes, de idades diferentes para trabalhadores ou grupos ou categorias de trabalhadores, e a utilização, no mesmo âmbito, de critérios de idade nos cálculos atuariais, desde que tal não se traduza em discriminações baseadas no sexo.»

6

O artigo 9.o dessa mesma diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que todas as pessoas que se considerem lesadas pela não aplicação, no que lhes diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento, possam recorrer a processos judiciais e/ou administrativos, incluindo, se considerarem adequado, os processos de conciliação, para exigir o cumprimento das obrigações impostas pela presente diretiva, mesmo depois de extintas as relações no âmbito das quais a discriminação tenha alegadamente ocorrido.

2.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para que as associações, organizações e outras entidades legais que, de acordo com os critérios estabelecidos na respetiva legislação nacional, possuam um interesse legítimo em assegurar o cumprimento do disposto na presente diretiva possam intervir em processos judiciais e/ou administrativos previstos para impor o cumprimento das obrigações impostas pela presente diretiva, em nome ou em apoio da parte demandante, e com a aprovação desta.

3.   O disposto nos n.os 1 e 2 não prejudica as regras nacionais relativas aos prazos para interposição de ações judiciais relacionadas com o princípio da igualdade de tratamento.»

7

Nos termos do artigo 16.o da Diretiva 2000/78:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que:

a)

Sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento;

b)

Sejam ou possam ser declaradas nulas e sem efeito, ou revistas, as disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento que figurem nos contratos ou convenções coletivas, nos regulamentos internos das empresas, bem como nos estatutos das profissões independentes e liberais e das organizações patronais e de trabalhadores.»

8

O artigo 17.o desta diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros determinam o regime de sanções aplicável às violações das disposições nacionais aprovadas em execução da presente diretiva, e adotam as medidas necessárias para assegurar a aplicação dessas disposições. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Os Estados‑Membros notificam a Comissão de tais disposições o mais tardar em 2 de dezembro de 2003, e notificá‑la‑ão o mais rapidamente possível de qualquer posterior alteração às mesmas.»

Direito austríaco

9

O órgão jurisdicional de reenvio refere que a legislação nacional em matéria de remuneração e progressão na carreira dos funcionários do Estado, devido à incompatibilidade de certas disposições com o direito da União, foi alterada por diversas vezes. O novo regime de remuneração e progressão na carreira desses funcionários, resultante das alterações legislativas promulgadas em 2015 e 2016, tem como objetivo pôr termo, nomeadamente, à discriminação em razão da idade resultante do regime de remuneração e progressão anteriormente em vigor.

Lei federal sobre a remuneração dos funcionários

10

O § 8 da Gehaltsgesetz 1956 (Lei relativa aos salários de 1956, BGBl. 54/1956), conforme alterada pela Lei Federal de 30 de agosto de 2010 (BGBl. I, 82/2010) (a seguir «Lei sobre a remuneração dos funcionários»), previa, no seu n.o 1:

«A progressão na carreira é determinada em função de uma data de referência. Salvo disposição em contrário no presente artigo, o período necessário à progressão para o segundo escalão de cada categoria de emprego é de cinco anos, e de dois anos para os outros escalões.»

11

O § 12 da Lei sobre a remuneração dos funcionários dispunha:

«Sem prejuízo das restrições enunciadas nos n.os 4 a 8, a data de referência para efeitos de progressão de escalão é determinada tendo em conta, retroativamente, os períodos posteriores a 30 de junho do ano seguinte à admissão ao serviço em que foram ou deveriam ter sido concluídos nove anos de escolaridade após ingresso no primeiro grau de ensino:

1.

os períodos enumerados no n.o 2, na totalidade;

2.

os outros períodos.»

Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada

12

A fim de sanar a discriminação em razão da idade declarada nos Acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de junho de 2009, Hütter (C‑88/08, EU:C:2009:381), e de 11 de novembro de 2014, Schmitzer (C‑530/13, EU:C:2014:2359), a Lei sobre a remuneração dos funcionários foi alterada com efeitos retroativos pela Bundesbesoldungsreform 2015 (Lei federal de reforma dos salários de 2015, BGBl. I, 32/2015) e pela Besoldungsrechtsanpassungsgesetz (Lei relativa à reforma dos salários de 2016, BGB1. I, 104/2016) (a seguir «Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada»).

13

Sob a epígrafe «Classificação e progressão», o § 8 da Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada, prevê, no seu n.o 1:

«[…] A classificação e progressão na carreira são determinadas pela antiguidade no escalão remuneratório.»

14

Nos termos do § 12 da Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada, sob a epígrafe «Antiguidade no escalão remuneratório»:

«(1)   A antiguidade no escalão remuneratório compreende a duração dos períodos de atividade úteis para efeitos de progressão, acrescida da duração dos períodos de atividade anteriores suscetíveis de ser tomados em conta.

(2)   A antiguidade no escalão remuneratório terá em conta, como períodos de atividade anteriores, os períodos cumpridos

1.

no âmbito de uma relação de trabalho com uma coletividade territorial ou com uma associação de municípios de um Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu, da República da Turquia ou da Confederação Suíça;

2.

no âmbito de uma relação de trabalho com um órgão da União Europeia ou com uma organização internacional da qual a República da Áustria faça parte;

3.

nos quais o ou os funcionários tenham tido direito a uma pensão de invalidez ao abrigo da lei de previdência das forças armadas […], bem como

4.

a prestação

a)

em serviço militar […]

b)

em serviço de formação militar […]

c)

em serviço cívico.

d)

em serviço militar obrigatório, em serviço equiparável de formação militar ou em serviço cívico obrigatório de substituição num Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu, da República da Turquia ou da Confederação Suíça.

[…]

(3)   Além dos períodos referidos no n.o 2, podem ser tomados em conta como períodos de atividade anteriores, os períodos de exercício de uma atividade profissional ou de um estágio junto de uma Administração que sejam pertinentes até ao limite de dez anos. […]»

15

O § 169c da Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada, no que se refere à reclassificação dos funcionários em serviço no novo regime de remuneração e progressão, prevê:

«(1)   Todos os funcionários das categorias e níveis salariais mencionados no § 169d que estejam ao serviço em 11 de fevereiro de 2015 serão reclassificados, exclusivamente com base nos seus salários anteriores, no novo regime salarial criado por esta lei, de acordo com as disposições seguintes. Num primeiro momento, os funcionários serão classificados, com base no seu salário anterior, num escalão do novo regime salarial no qual o salário anterior será mantido. […]

(2)   A transição dos funcionários para o novo regime salarial faz‑se através de uma fixação global da sua antiguidade no escalão. Para essa fixação global é determinante o montante de transição. O montante de transição corresponde ao salário integral, sem eventuais progressões extraordinárias, que serviu de base à determinação para calcular o vencimento mensal do funcionário do mês de fevereiro de 2015 (mês da transição). […]

(2a)   Considera‑se montante de transição o salário de base do escalão que foi efetivamente aplicado para calcular o vencimento pago no mês de transição (classificação de acordo com a folha de salário). Não é permitida a apreciação da regularidade dos salários, quer quanto aos seus fundamentos quer quanto ao seu montante. Uma retificação posterior do vencimento pago só pode ser tida em conta para efeitos do cálculo do montante de transição,

1.

se essa retificação tiver por objeto erros materiais cometidos na introdução dos dados num sistema de tratamento automático de dados, e

2.

se os dados introduzidos por erro divergirem manifestamente dos dados que deviam ter sido introduzidos, como demonstravam os documentos já existentes no momento dessa introdução.

(2b)   Se a classificação efetiva obtida de acordo com a folha de salário corresponder a um montante inferior ao da classificação garantida por lei, utiliza‑se para calcular o montante de transição, mediante pedido do funcionário, a classificação garantida por lei se não for possível proceder segundo o § 169d, n.o 5, devido à existência de uma simples classificação provisória. A classificação garantida por lei é a que corresponde ao escalão remuneratório na data de referência. A data de referência é a data que resulta da tomada em conta retroativamente dos períodos seguintes, a partir da data do primeiro dia do mês de transição. Há que ter em conta retroativamente:

1.

os períodos de serviço contados definitivamente como períodos de atividade até à data do início do mês de transição, desde que tenham sido cumpridos uma vez completados os 18 anos de idade e sejam úteis para a progressão, bem como

2.

os períodos de serviço cumpridos após a data de admissão, desde que sejam úteis para a progressão.

Fica excluída a possibilidade de ter em conta retroativamente outros períodos. Por cada período de dois anos cumprido após a data de referência, aplica‑se como classificação garantida por lei o escalão remuneratório correspondente imediatamente superior. Os escalões remuneratórios entram em vigor no dia 1 de janeiro ou no dia 1 de julho, consoante a data que se verificar primeiro, subsequentemente à data em que se complete o período de dois anos, desde que a progressão não tenha sido suspensa ou diferida nessa data. O período de dois anos considera‑se completado em 1 de janeiro ou em 1 de julho, respetivamente, mesmo que termine antes de 31 de março ou de 30 de setembro seguinte, respetivamente.

(2c)   Os n.os 2a e 2b da presente disposição transpõem para o direito austríaco, em matéria de estatuto dos empregados federais e do pessoal docente dos Länder, os artigos 2.o e 6.o da [Diretiva 2000/78], com a interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão de 19 de junho de 2014 [Specht e o.]. (C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 e C‑541/12, EU:C:2014:2005). As modalidades de transição dos funcionários nomeados antes da entrada em vigor da reforma federal das remunerações de 2015 foram, portanto, estabelecidas no novo regime de remuneração e preveem, por um lado, que o escalão remuneratório em que estão doravante classificados é determinado unicamente com base no vencimento obtido ao abrigo do antigo regime de remuneração, apesar de este regime se basear numa discriminação em razão da idade do funcionário, e, por outro, que a ulterior progressão para um escalão remuneratório superior é doravante calculada unicamente em função da experiência profissional adquirida desde a entrada em vigor da reforma das remunerações de 2015.

(3)   A antiguidade no escalão remuneratório dos funcionários reclassificados é calculada com base no período de tempo necessário para progredir do primeiro escalão (a partir do primeiro dia) para o escalão da mesma categoria profissional a que corresponde, na versão em vigor em 12 de fevereiro de 2015, o salário de montante imediatamente inferior ao montante de transição. Se o montante de transição for igual ao montante mais baixo de um escalão remuneratório da mesma categoria profissional, será esse o escalão aplicável. Todos os montantes comparados são arredondados para a unidade de euros mais próximo.

(4)   A antiguidade no escalão remuneratório determinada segundo o n.o 3 é acrescentada de um período contado desde o momento da última progressão para um vencimento superior até ao final do mês em que a transição ocorre, desde que este período seja válido para a progressão.

[…]

(6)   […] Se o novo vencimento do funcionário for inferior ao montante de transição, ser‑lhe‑á pago, a título de prémio complementar, um prémio de manutenção correspondente à diferença, que será considerado para o cálculo da pensão de reforma […], até atingir um escalão remuneratório superior ao montante de transição. A comparação dos montantes inclui os eventuais prémios de antiguidade ou as progressões excecionais.

[…]

(9)   A fim de preservar as expectativas ligadas à progressão seguinte, à progressão excecional ou ao prémio de antiguidade no anterior regime de remuneração, é devido ao funcionário um prémio de manutenção, que será considerado para o cálculo da pensão de reforma, sob a forma de um prémio complementar […], assim que atingir o escalão transitório […]

[…]»

16

Nos termos do § 175, n.o 79, ponto 3, da Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada, os §§ 8 e 12 desta lei, incluindo as suas epígrafes, entram em vigor na versão da Lei federal de reforma dos salários de 2015 publicada no BGBl. I, 32/2015 «em 1 de fevereiro de 1956; todas as versões destas disposições, publicadas antes de 11 de fevereiro de 2015, deixam de ser aplicadas nos processos em curso ou futuros».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

M. Leitner, nascido em 1968, está abrangido, na qualidade de agente da polícia, pelo estatuto dos funcionários da Administração austríaca. Até fevereiro de 2015, a sua remuneração era regida pelo antigo regime de remuneração e progressão. Posteriormente, foi reclassificado segundo o novo regime de remuneração e progressão instituído pela Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada.

18

Em 27 de janeiro de 2015, M. Leitner pediu à Direção Regional da Polícia do Land do Tirol que a data de referência para efeitos da sua classificação fosse novamente calculada, a fim de ter em conta a experiência que adquiriu antes dos 18 anos de idade. Solicitou igualmente o pagamento retroativo das remunerações que lhe eram devidas.

19

Em 30 de abril de 2015, a pedido de M. Leitner foi julgado inadmissível, pelo facto de as disposições relativas à data de referência para efeitos de progressão já não serem aplicáveis.

20

M. Leitner interpôs recurso da referida decisão de indeferimento no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal). Em 7 de novembro de 2016, o referido órgão jurisdicional anulou a decisão da Direção Regional da Polícia do Land do Tirol e instou‑a a decidir sobre o mérito do pedido de M. Leitner.

21

Em 9 de janeiro de 2017, a Direção Regional da Polícia do Land do Tirol indeferiu este requerimento pelo facto de M. Leitner não poder invocar direitos decorrentes do antigo regime de remuneração e progressão, uma vez que esse regime já não era aplicável depois da entrada em vigor retroativa da Lei de reforma dos salários de 2015, efetuada pela Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada.

22

Em 8 de fevereiro de 2017, M. Leitner interpôs recurso da referida decisão no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal).

23

Esse órgão jurisdicional tem dúvidas sobre se uma alteração legislativa como a resultante da Lei sobre remuneração dos funcionários alterada pôs efetivamente termo a qualquer discriminação em razão da idade que existisse anteriormente.

24

O referido órgão jurisdicional alega que, na medida em que a reclassificação dos funcionários em serviço é efetuada com base numa remuneração calculada em conformidade com as regras do antigo regime de remuneração e progressão, a categoria de funcionários cujos períodos de atividade cumpridos antes dos 18 anos de idade não são tidos em conta para calcular a sua antiguidade está numa posição menos favorável do que a dos funcionários cujos períodos de atividade com uma duração comparável foram cumpridos depois de ter atingido essa idade.

25

O mesmo órgão jurisdicional observa que não podem ser tidos em conta para efeitos do cálculo da progressão dos funcionários reclassificados os períodos de atividade que estes cumpriram antes dos 18 anos de idade. A transição do funcionário para o novo regime de remuneração e, por conseguinte, a determinação da sua posição nesse novo regime ocorrem mediante a fixação da sua antiguidade no escalão remuneratório. Para estabelecer esta antiguidade, deve‑se ter em consideração o montante de transição, a saber, o montante do último salário recebido pelo funcionário sob a vigência do antigo regime de remuneração e progressão. Uma vez que o exame da regularidade das remunerações pagas está excluído, só é possível a simples retificação de erros na introdução dos dados utilizados para efeitos da reclassificação no âmbito do controlo do cálculo do montante de transição. Por conseguinte, não se pode considerar o montante de transição como sendo a remuneração não discriminatória devida com base no antigo regime de remuneração e progressão.

26

No que diz respeito à justificação de uma diferença de tratamento direta, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o argumento relativo ao aumento dos encargos financeiros e de eventuais dificuldades administrativas não podem, em princípio, justificar o incumprimento das obrigações decorrentes da proibição de qualquer discriminação em razão da idade.

27

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o Land do Tirol, no qual existia anteriormente uma legislação discriminatória em razão da idade comparável à que está em causa no processo principal, procedeu, na sequência do Acórdão de 11 de novembro de 2014, Schmitzer (C‑530/13, EU:C:2014:2359), a um novo cálculo das datas de referência de todos os funcionários em serviço, pondo assim termo à discriminação em razão da idade.

28

Foi nestas condições que o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o direito da União, em especial os artigos 1.o, 2.o e 6.o da [Diretiva 2000/78], conjugados com o artigo 21.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que[, para lutar contra a discriminação em razão da idade,] prevê um [regime transitório] nos termos d[o] qual [a classificação, a partir] do sistema bianual de classificação até [então] vigente, [num] novo sistema bianual (não discriminatório e não aplicável a novos funcionários) [é efetuada com base num “montante de transição” que, embora calculado em dinheiro, corresponde a uma classificação concreta], mantendo, por conseguinte, inalterada a discriminação em razão da idade dos funcionários [que] já [estão ao] serviço?

2)

Deve o direito da União, em especial o artigo 17.o da [Diretiva 2000/78] e o artigo 47.o da Carta, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, de harmonia com a interpretação que o Tribunal de Justiça da União Europeia fez dos artigos 9.o e 16.o [desta] diretiva no seu [A]córdão de 11 de novembro de 2014, [Schmitzer (C‑530/13, EU:C:2014:2359)], impede que os funcionários [que estão ao] serviço possam, invocando o artigo 2.o da [Diretiva 2000/78, obter a fixação da] sua categoria remuneratória [na data da] transição para o novo regime remuneratório, [na medida em que declara,] com [caráter retroativo, que os correspondentes fundamentos jurídicos já não eram aplicáveis a contar da] entrada em vigor [da lei principal] original e que, em especial, exclui [a possibilidade de] os períodos de [atividade] cumpridos antes dos 18 anos [serem] tidos em conta?

3)

Em caso de resposta afirmativa à [segunda questão]:

O primado do direito da União, afirmado no Acórdão de 22 de novembro de 2005, [Mangold (C‑144/04, EU:C:2005:709)], e em outros acórdãos, impõe que as disposições aplicáveis aos funcionários [que estavam ao] serviço antes da transição, derrogadas com eficácia retroativa, continuem a ser aplicadas de modo que esses funcionários possam ser classificados retroativamente pelo antigo sistema e, assim, transitem, sem discriminação, para o novo regime remuneratório?

4)

Deve o direito da União, em especial os artigos 1.o, 2.o e 6.o da [Diretiva 2000/78], conjugados com os artigos 21.o e 47.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que elimina, de forma meramente declarativa, uma discriminação existente em razão da idade (quanto à contagem de períodos de serviço cumpridos antes dos 18 anos), ao determinar que os períodos de serviço efetivamente cumpridos em condições discriminatórias [deixam de] ser [considerados discriminatórios], embora essa discriminação permaneça, de facto, inalterada?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

29

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78, conjugados com o artigo 21.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, entrada em vigor retroativamente, que, para pôr termo a uma discriminação em razão da idade, prevê a transição dos funcionários em serviço para um novo regime de remuneração e progressão no âmbito do qual a primeira classificação desses funcionários é determinada em função da sua última remuneração recebida ao abrigo do regime anterior.

30

Num primeiro momento, importa examinar se a regulamentação nacional em causa institui uma diferença de tratamento na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

31

A este propósito, há que recordar que, nos termos desta disposição, se entende por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o desta diretiva. O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da mesma diretiva precisa que, para efeitos do seu n.o 1, considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o da referida diretiva, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é dado a outra pessoa em situação comparável.

32

No processo principal, as categorias de pessoas pertinentes para efeitos desta comparação são, por um lado, os funcionários ao serviço no momento da transição cuja experiência profissional tenha sido, ainda que apenas em parte, adquirida antes dos 18 anos de idade (a seguir «funcionários desfavorecidos pelo antigo regime») e, por outro, os que obtiveram, após terem atingido essa idade, uma experiência da mesma natureza e com uma duração comparável (a seguir «funcionários favorecidos pelo antigo regime»).

33

Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o legislador austríaco, mediante a adoção do § 169c da Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada, introduz um mecanismo de reclassificação efetuada em função de um «montante de transição» calculado segundo as regras do regime anterior. Mais concretamente, o «montante de transição», que, nos termos do § 169c, n.o 2, da referida lei, é determinante para a fixação global da antiguidade dos funcionários reclassificados no escalão remuneratório, é calculado com base na remuneração paga a esses funcionários no mês anterior à sua transição para o novo regime.

34

Ora, no seu Acórdão de 11 de novembro de 2014, Schmitzer (C‑530/13, EU:C:2014:2359), o Tribunal de Justiça já decidiu que as regras do antigo regime de remuneração e progressão instituíam uma discriminação direta em razão da idade, na aceção da Diretiva 2000/78.

35

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, nesse acórdão, que uma regulamentação nacional que, para pôr termo a uma discriminação em razão da idade, tem em conta os períodos de formação e de serviço cumpridos antes dos 18 anos de idade, mas que, simultaneamente, introduz para os funcionários vítimas dessa discriminação um prolongamento de três anos do período necessário para poderem passar do primeiro para o segundo escalão de cada categoria de emprego e de cada categoria salarial mantém uma discriminação direta em razão da idade, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, e n.o 2, alínea a), e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

36

Cabe igualmente salientar que resulta dos termos utilizados no § 169c, n.o 2c, da Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada que o antigo regime de remuneração e progressão se baseava numa discriminação em razão da idade dos funcionários.

37

Nestas condições, um mecanismo de reclassificação como o previsto pela Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada, exposto no n.o 33 do presente acórdão, é suscetível de manter os efeitos produzidos pelo antigo regime de remuneração e progressão, devido ao nexo que estabelece entre o último salário auferido em aplicação desse regime e a classificação no novo regime de remuneração e progressão.

38

Por conseguinte, há que considerar que o § 169c da Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada mantém uma diferença de tratamento entre os funcionários desfavorecidos pelo antigo regime e os funcionários favorecidos por esse regime, quando o montante da remuneração que será recebida pelos primeiros for inferior à que será paga aos segundos unicamente em razão da idade que tinham quando foram recrutados, apesar de se encontrarem em situações comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Unland, C‑20/13, EU:C:2015:561, n.o 40).

39

Num segundo momento, há que examinar se esta diferença de tratamento em razão da idade pode ser justificada à luz do disposto no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

40

O artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78 precisa que os Estados‑Membros podem prever que diferenças de tratamento em razão da idade não constituam uma discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por objetivos legítimos, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários.

41

O Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação na escolha não só da prossecução de determinado objetivo, entre outros, em matéria de política social e de emprego mas também na definição das medidas suscetíveis de o realizar (Acórdão de 28 de janeiro de 2015, Starjakob, C‑417/13, EU:C:2015:38, n.o 34 e jurisprudência referida).

42

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a regulamentação em causa no processo principal destina‑se, antes de mais, a estabelecer um regime de remuneração e progressão não discriminatório. Esse órgão jurisdicional precisa que a referida regulamentação prossegue objetivos de neutralidade financeira, de economia administrativa, de respeito dos direitos adquiridos e de proteção da confiança legítima.

43

No que diz respeito, por um lado, ao objetivo de neutralidade financeira da regulamentação nacional em causa no processo principal, importa recordar que o direito da União não impede os Estados‑Membros de tomarem em conta considerações orçamentais paralelamente a considerações de ordem política, social ou demográfica, contanto que, ao fazê‑lo, respeitem, em particular, o princípio geral da proibição de discriminações em razão da idade. A esse propósito, embora considerações de ordem orçamental possam estar na base das opções de política social de um Estado‑Membro e influenciar a natureza ou o alcance das medidas que pretende adotar, tais considerações não podem constituir, por si sós, um objetivo legítimo na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78. O mesmo se passa no que respeita às considerações de ordem administrativa referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e o Governo austríaco (v., neste sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 2015, Starjakob, C‑417/13, EU:C:2015:38, n.o 36).

44

Por outro lado, relativamente ao respeito dos direitos adquiridos e à proteção da confiança legítima dos funcionários favorecidos pelo antigo regime no que se refere à respetiva remuneração, há que salientar que constituem objetivos legítimos de política de emprego e do mercado de trabalho que podem justificar, durante um período transitório, a manutenção das remunerações anteriores e, por consequência, a diferença de tratamento em razão da idade (v, neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2014, Schmitzer, C‑530/13 EU:C:2014:2359, n.o 42).

45

Todavia, estes objetivos não podem justificar uma medida que mantém definitivamente, ainda que apenas em relação a algumas pessoas, a diferença de tratamento em razão da idade que a reforma em que essa medida se insere visa eliminar. Tal medida não é adequada para estabelecer um regime não discriminatório para a categoria de pessoas desfavorecidas (v., neste sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 2015, Starjakob, C‑417/13, EU:C:2015:38, n.o 39 e jurisprudência referida).

46

No caso em apreço, o § 169c da Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada prevê vários mecanismos destinados a evitar uma diminuição significativa da remuneração dos funcionários reclassificados. Conta‑se entre esses mecanismos o pagamento de um prémio de manutenção correspondente à diferença entre o montante do novo salário recebido pelo funcionário que transitou e o montante de transição. Este prémio de manutenção é concedido em virtude do facto de que, na sequência da sua transição, o funcionário é classificado num escalão salarial do novo regime de remuneração e progressão a que corresponde um nível imediatamente inferior ao salário que este recebeu em último lugar em aplicação do antigo regime. Conta‑se igualmente entre esses mecanismos o aumento de 6 para 18 meses da antiguidade no escalão remuneratório do funcionário que transitou.

47

Ora, como precisou o Governo austríaco na audiência, todos estes mecanismos são aplicáveis, sem distinção, a todos os funcionários que tenham transitado de forma global para o novo regime de remuneração e progressão, independentemente de terem ou não sido desfavorecidos pelo antigo regime de remuneração e progressão.

48

Nestas condições, há que considerar que, contrariamente aos processos que deram origem aos Acórdãos de 19 de junho de 2014, Specht e o. (C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 e C‑541/12, EU:C:2014:2005), e de 9 de setembro de 2015, Un< (C‑20/13, EU:C:2015:561), em que a variação de remuneração entre as duas categorias de trabalhadores em causa nesses processos se esbateu, ou mesmo, em certos casos, desapareceu gradualmente, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça no presente processo que os mecanismos previstos pela regulamentação em causa no processo principal permitem uma convergência progressiva do tratamento reservado aos funcionários desfavorecidos pelo antigo regime para o tratamento concedido aos funcionários favorecidos, de modo a que os primeiros beneficiariam a médio ou a curto prazo, da recuperação das vantagens concedidas aos segundos. Por conseguinte, os referidos mecanismos não têm por efeito esbater, no termo de um determinado período, a diferença de remuneração entre os funcionários favorecidos e os funcionários desfavorecidos.

49

Assim, apesar de a regulamentação em causa no processo principal ser suscetível de assegurar a proteção dos direitos adquiridos e da confiança legítima em relação aos funcionários favorecidos pelo regime anterior, não é adequada para estabelecer um regime não discriminatório para os funcionários desfavorecidos pelo antigo regime de remuneração e progressão, dado que mantém definitivamente a seu respeito a discriminação em razão da idade instituída pelo regime anterior.

50

Resulta de todas as considerações que antecedem que há que responder à primeira questão que os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78, em conjugação com o artigo 21.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, entrada em vigor retroativamente, que, para pôr termo a uma discriminação em razão da idade, prevê a transição dos funcionários em serviço para um novo regime de remuneração e progressão no âmbito do qual a primeira classificação desses funcionários é determinada em função da sua última remuneração recebida ao abrigo do regime anterior.

Quanto à segunda questão

51

A segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio visa o artigo 17.o da Diretiva 2000/78.

52

Cabe recordar que, nos termos do artigo 17.o da Diretiva 2000/78, os Estados‑Membros determinam o regime de sanções aplicável às violações das disposições nacionais aprovadas em execução desta diretiva, e adotam as medidas necessárias para assegurar a aplicação dessas disposições. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

53

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esse artigo tem por objeto impor aos Estados‑Membros que prevejam um regime de sanções aplicáveis às violações das disposições nacionais adotadas para efeito da transposição desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 25 de abril de 2013, Asociația Accept, C‑81/12, EU:C:2013:275, n.o 61).

54

Ora, no processo principal, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que estão em causa violações das disposições nacionais adotadas para efeitos da transposição da referida diretiva.

55

A interpretação do artigo 17.o da Diretiva 2000/78 não é necessária para a resolução do litígio no processo principal.

56

Em conformidade com a faculdade reconhecida por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, nomeadamente no Acórdão de 21 de setembro de 2017, Beshkov (C‑171/16, EU:C:2017:710, n.o 33 e jurisprudência referida), há que reformular a segunda questão no sentido de que visa, em substância, saber se o artigo 47.o da Carta e o artigo 9.o da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, numa situação como a que está em causa no processo principal, reduz o alcance da fiscalização que os órgãos jurisdicionais nacionais podem exercer, ao excluir as questões ligadas ao fundamento do «montante de transição» calculado de acordo com as regras do antigo regime de remuneração e progressão.

57

A este respeito, cabe recordar que resulta de jurisprudência constante que os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União e que a aplicabilidade deste direito implica a aplicabilidade dos direitos fundamentais garantidos pela Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de abril de 2014, Pfleger e o., C‑390/12, EU:C:2014:281, n.o 33 e jurisprudência referida, e de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 49).

58

No caso em apreço, resulta do § 169c, n.o 2c, da Lei sobre a remuneração dos funcionários alterada que esta comporta a transposição para o direito austríaco da Diretiva 2000/78, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, pelo que o legislador austríaco tinha o dever de respeitar os direitos fundamentais garantidos no artigo 47.o da Carta, mais especificamente o direito de os particulares beneficiarem de uma proteção jurisdicional efetiva das prerrogativas que o direito da União lhes confere. (v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 52).

59

Dito isto, há que recordar que, nos termos do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a intentar uma ação perante um tribunal nos termos previstos no referido artigo.

60

Para garantir o respeito deste direito fundamental na União, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE impõe aos Estados‑Membros a obrigação de estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União.

61

O direito a uma ação perante um tribunal é reafirmado pela própria Diretiva 2000/78, cujo artigo 9.o dispõe que os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que qualquer pessoa que se considere lesada por uma discriminação possa invocar os seus direitos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2014, Schmitzer, C‑530/13, EU:C:2014:2359, n.o 49).

62

Daqui resulta que o respeito do princípio da igualdade exige, no que diz respeito às pessoas que tenham sido vítimas de discriminação em razão da idade, que seja garantida uma proteção jurisdicional efetiva do seu direito à igualdade de tratamento.

63

No caso em apreço, como salientou o advogado‑geral no n.o 74 das suas conclusões, no âmbito no novo regime austríaco de remuneração e progressão, o alcance da fiscalização material que os órgãos jurisdicionais nacionais competentes podem exercer relativamente ao «montante de transição», que determina a reclassificação dos funcionários em causa, é muito reduzido. Com efeito, esta fiscalização pode incidir apenas sobre as inexatidões resultantes de erros de codificação dos dados pertinentes, e não sobre uma eventual irregularidade no cálculo do salário sobre o qual se baseia o referido montante, pelo que, o montante de transição é determinado a partir do salário quanto ao seu princípio e quanto ao seu montante em aplicação do antigo regime de remuneração e progressão.

64

Nestas condições, se um funcionário desfavorecido pelo antigo regime de remuneração e progressão não puder contestar os efeitos discriminatórios do «montante de transição», não está em condições de fazer respeitar todos os direitos que para ele decorrem do princípio da igualdade de tratamento garantido pela Diretiva 2000/78, em violação do artigo 47.o da Carta. O facto de poder interpor recurso contra o novo regime de remuneração e progressão na sua totalidade não é suscetível de infirmar esta conclusão.

65

Assim, um funcionário que foi vítima de discriminação em razão da idade deve poder invocar o artigo 2.o da Diretiva 2000/78 para contestar os efeitos discriminatórios das modalidades da sua transição para o novo regime de remuneração e progressão.

66

Tendo em conta estas considerações, há que responder à segunda questão que o artigo 47.o da Carta e o artigo 9.o da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, numa situação como a que está em causa no processo principal, reduz o alcance da fiscalização que os órgãos jurisdicionais nacionais podem exercer, ao excluir as questões ligadas ao fundamento do «montante de transição» calculado de acordo com as regras do antigo regime de remuneração e progressão.

Quanto à terceira questão

67

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio do primado do direito da União deve ser interpretado no sentido de que, quando uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal viola o princípio da não discriminação em razão da idade e o artigo 47.o da Carta, impõe que a situação dos funcionários em serviço que tenham sido objeto de discriminação em razão da idade, aquando da aplicação do mecanismo de transição para o novo regime de remuneração e progressão, seja novamente examinada e que esses funcionários transitem, sem discriminação, para esse novo regime.

68

A este respeito, importa salientar que, em virtude de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, tendo em conta o conjunto das regras do direito nacional e em aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos, decidir se e em que medida uma disposição nacional é suscetível de ser interpretada em conformidade com a Diretiva 2000/78 sem proceder a uma interpretação contra legem dessa disposição nacional (Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 74).

69

Na impossibilidade de proceder a uma interpretação e a uma aplicação da legislação nacional conforme com as exigências desta diretiva, há que recordar que, por força do princípio do primado do direito da União, de que o princípio da não discriminação em razão da idade também beneficia, não deve ser aplicada uma legislação nacional contrária que seja abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União (Acórdão de 19 de junho de 2014, Specht e o., C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 e C‑541/12, EU:C:2014:2005, n.o 89).

70

É igualmente jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando seja detetada uma discriminação contrária ao direito da União, e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada. As pessoas desfavorecidas devem, assim, ser colocadas na mesma situação das pessoas que beneficiam da vantagem em causa (Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 79 e jurisprudência referida).

71

Nesse caso, o juiz nacional é obrigado a não aplicar todas as disposições nacionais discriminatórias, não tendo de pedir ou aguardar a sua eliminação prévia pelo legislador, e a aplicar aos membros do grupo desfavorecido o mesmo regime de que beneficiam as pessoas da outra categoria. Esta obrigação incumbe‑lhe independentemente da existência, no direito interno, de disposições que lhe atribuam competência para assim proceder (Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 80 e jurisprudência referida).

72

No entanto, esta solução só se pode aplicar na presença de um sistema de referência válido (Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 81 e jurisprudência referida).

73

No caso em apreço, por um lado, há que recordar, no contexto da resposta à primeira questão, que, no Acórdão de 11 de novembro de 2014, Schmitzer (C‑530/13, EU:C:2014:2359), o Tribunal de Justiça já declarou que as regras do antigo regime de remuneração e progressão e, mais concretamente, as que, para pôr termo a uma discriminação em razão da idade dos funcionários, têm em conta os períodos de formação e de serviço cumpridos antes dos 18 anos de idade, mas que, simultaneamente, introduzem para os funcionários vítimas dessa discriminação um prolongamento de três anos do período necessário para poderem passar do primeiro para o segundo escalão de cada categoria de emprego e de cada categoria salarial, mantêm uma discriminação direta em razão da idade, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, e n.o 2, alínea a), e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

74

Por outro lado, as regras de remuneração e progressão aplicáveis aos funcionários favorecidos são as que permitem aos funcionários desfavorecidos avançar nos escalões sem qualquer discriminação.

75

Por conseguinte, enquanto as medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento não tiverem sido adotadas, o seu restabelecimento, num caso como o que está em causa no processo principal, implica a concessão aos funcionários desfavorecidos pelo antigo regime de remuneração e progressão de vantagens idênticas às que os funcionários favorecidos puderam ter ao abrigo desse regime, no que diz respeito quer à contagem de tempo serviço cumprido antes dos 18 anos de idade quer à progressão no escalão remuneratório (v., neste sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 2015, Starjakob, C‑417/13, EU:C:2015:38, n.o 48).

76

Daqui resulta igualmente que um funcionário desfavorecido pelo antigo regime de remuneração e progressão tem o direito de obter o pagamento, por parte do seu empregador, de uma compensação correspondente à diferença entre o montante da remuneração que o funcionário em causa devia ter recebido se não tivesse sido tratado de forma discriminatória e o montante da remuneração efetivamente recebida.

77

Importa recordar que as considerações que figuram nos n.os 75 e 76 do presente acórdão só são válidas enquanto o legislador nacional não tiver adotado medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 87).

78

Com efeito, há que considerar que, embora os Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 16.o da Diretiva 2000/78, estejam obrigados a suprimir as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento, este artigo não lhes impõe, todavia, a adoção de medidas específicas em caso de violação da proibição de discriminação, mas permite‑lhes escolher, de entre as diferentes soluções adequadas à realização do objetivo que este pretende alcançar, a que lhes pareça melhor adaptada para esse efeito, em função das situações que possam ocorrer (Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 88).

79

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que, no caso de as disposições nacionais não poderem ser interpretadas em conformidade com a Diretiva 2000/78, o órgão jurisdicional nacional deve assegurar, no âmbito das suas competências, a proteção jurídica que para os particulares decorre dessa diretiva e garantir o pleno efeito desta, se necessário afastando a aplicação de qualquer disposição nacional contrária. O direito da União deve ser interpretado no sentido de que, quando for declarada uma discriminação contrária ao direito da União, e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o restabelecimento da igualdade de tratamento, num caso como o que está em causa no processo principal, implica a concessão aos funcionários desfavorecidos pelo antigo regime de remuneração e progressão de vantagens idênticas às que os funcionários favorecidos puderam ter ao abrigo desse regime, no que diz respeito quer à contagem de tempo de serviço completado antes dos 18 anos de idade quer à progressão no escalão remuneratório e, consequentemente, a concessão de uma compensação financeira aos funcionários discriminados correspondente à diferença entre o montante da remuneração que o funcionário em causa devia ter recebido se não tivesse sido tratado de forma discriminatória e o montante da remuneração efetivamente recebida.

Quanto à quarta questão

80

Atendendo à resposta dada à primeira e segunda questões, não há que responder à quarta questão.

Quanto às despesas

81

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

Os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, conjugados com o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, entrada em vigor retroativamente, que, para pôr termo a uma discriminação em razão da idade, prevê a transição dos funcionários em serviço para um novo regime de remuneração e progressão no âmbito do qual a primeira classificação desses funcionários é determinada em função da sua última remuneração recebida ao abrigo do regime anterior.

 

2)

O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 9.o da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, numa situação como a que está em causa no processo principal, reduz o alcance da fiscalização que os órgãos jurisdicionais nacionais podem exercer, ao excluir as questões ligadas ao fundamento do «montante de transição» calculado de acordo com as regras do antigo regime de remuneração e progressão.

 

3)

No caso de as disposições nacionais não poderem ser interpretadas em conformidade com a Diretiva 2000/78, o órgão jurisdicional nacional deve assegurar, no âmbito das suas competências, a proteção jurídica que para os particulares decorre dessa diretiva e garantir o pleno efeito desta, se necessário afastando a aplicação de qualquer disposição nacional contrária. O direito da União deve ser interpretado no sentido de que, quando for declarada uma discriminação contrária ao direito da União, e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o restabelecimento da igualdade de tratamento, num caso como o que está em causa no processo principal, implica a concessão aos funcionários desfavorecidos pelo antigo regime de remuneração e progressão de vantagens idênticas às que os funcionários favorecidos puderam ter ao abrigo desse regime, no que diz respeito quer à contagem de tempo de serviço completado antes dos 18 anos de idade quer à progressão no escalão remuneratório e, consequentemente, a concessão de uma compensação financeira aos funcionários discriminados correspondente à diferença entre o montante da remuneração que o funcionário em causa devia ter recebido se não tivesse sido tratado de forma discriminatória e o montante da remuneração efetivamente recebida.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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