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Document 52010IE1378

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as relações transatlânticas e a promoção internacional do modelo social europeu (parecer de iniciativa)

    JO C 51 de 17.2.2011, p. 20–28 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    17.2.2011   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 51/20


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as relações transatlânticas e a promoção internacional do modelo social europeu (parecer de iniciativa)

    2011/C 51/04

    Relatora: Laure BATUT

    Em 14 de Julho de 2009, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

    As relações transatlânticas e a promoção internacional do modelo social europeu.

    Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 3 de Setembro de 2010.

    Dada a renovação do Comité, a Assembleia Plenária decidiu votar o presente parecer na reunião plenária de Outubro e designou Laure Batut relatora-geral ao abrigo do artigo 20.o do Regimento.

    Na 466.a reunião plenária de 21 de Outubro de 2010, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 110 votos a favor, 34 votos contra e 16 abstenções, o seguinte parecer:

    1.   Conclusões e recomendações

    1.1   O CESE inscreve-se no quadro da integração progressiva do mercado livre euro-atlântico e deseja aprofundar as relações euro-americanas, em particular, no plano social, a fim de antecipar as consequências da conclusão da integração económica transatlântica, para que as duas sociedades – americana e europeia – tirem proveito desta integração em condições de igualdade e, juntas, se tornem mais competitivas face às economias emergentes.

    1.2   Considerando que os dados económicos e sociais abrangidos pela expressão «modelo social europeu» (MSE) representam um sistema único no mundo, que está na base de um desenvolvimento frutuoso (1) e que, na actual crise mundial, serve de forte amortecedor para as populações afectadas, o CESE recorda que os signatários do Tratado de Lisboa optaram por garantir a promoção deste modelo e deseja que no âmbito do diálogo transatlântico seja desenvolvida a legitimidade:

    1)

    da identidade europeia,

    2)

    dos valores e da cultura da Europa, incluindo a protecção ambiental,

    3)

    do CESE, que representa, através dos seus membros, a sociedade civil organizada da União.

    1.3   Os regimes de protecção social colectiva, os serviços públicos e o diálogo social concretizam o «modelo social europeu». O CESE convida as instituições de União a representar mas também a promover em todas as circunstâncias, particularmente no diálogo transatlântico, este modelo reivindicado pelos seus cidadãos.

    1.3.1   Se a vertente social, em geral, fizesse parte das prioridades da UE, os europeus ficariam com um argumento de peso para a incluir nos diálogos existentes no âmbito do TEC e do TALD (2).

    1.3.2   Para que os valores sociais da União sejam melhor conhecidos nos Estados Unidos e uma melhor compreensão entre ambos os lados do Atlântico conduza a prazo à convergência no desenvolvimento dos seus interesses sociais e a uma maior compreensão social – o CESE gostaria que a União informasse a sociedade civil americana acerca do modelo social europeu, podendo o TEC e o TALD servir de veículo para o efeito. A promoção do modelo social (3) europeu passa, no entender do CESE, por uma maior visibilidade da União Europeia nos Estados Unidos.

    1.4   O CESE preconiza que, para além de novas regulamentações financeiras, a zona euro-atlântica se dote de normas comuns sobre as agências de notação e de novas regras de concorrência mais respeitadoras dos interesses dos cidadãos. Espera da União Europeia posições fortes que garantam o seu nível de vida e do diálogo transatlântico uma melhor compreensão das sociedades civis de ambos os lados do Atlântico.

    1.5   Trata-se de valorizar o diálogo das sociedades civis organizadas mas também o diálogo no mundo do trabalho, tanto internamente como no âmbito das relações com os representantes das empresas, começando pelos órgãos euro-americanos existentes. A Comissão Europeia, que aumentou a sua contribuição para o diálogo para 2011/2012 de 600 000 para 800 000 euros, poderia facilitar esse diálogo. O CESE, por seu turno, estaria disposto a assegurar, com homólogos americanos, a organização de um conselho euro-americano da sociedade civil. Falta encontrar entre as duas sociedades civis o modo de dar a palavra aos trabalhadores e desenvolver a informação-consulta, sobretudo, neste período crítico após o crash financeiro de 2008. O CESE considera que com mais diálogo civil e social teria sido possível evitar esta crise que dura há três anos.

    1.5.1   O diálogo transatlântico deve ter como objectivo que as partes aprendam uma com a outra e contribuam concretamente para a promoção dos direitos humanos, políticos e civis, mas também económicos e sociais. Os direitos económicos e sociais dos cidadãos deveriam ser apresentados pela União Europeia no âmbito do diálogo transatlântico como parte integrante das suas próprias posições.

    1.5.2   O CESE estima que o diálogo União Europeia-Estados Unidos sairia enriquecido se abordasse questões sociais fundamentais para a coesão das sociedades de ambos os continentes como, por exemplo, a educação, inicial e ao longo da vida, que são de competência nacional, mas também «federal», e tão necessárias para a economia de serviços baseada no conhecimento em ambas as sociedades. No interesse da criação de emprego e da melhoria do nível de vida dos europeus, a agenda política deveria, antes de mais, dar prioridade à questão dos investimentos produtivos e da inovação, domínio em que os Estados Unidos desenvolveram uma capacidade de criação e de promoção muito superior à da Europa.

    1.5.3   Entende que indicadores estabelecidos em comum permitiriam avaliar e comparar as situações sociais e laborais das duas partes no diálogo.

    1.6   Considera a questão das migrações muito importante para as democracias e faz votos para que este tema seja tratado no âmbito do diálogo social transatlântico, com uma possível participação do Fórum Europeu da Integração (FEI).

    1.7   Entende que o diálogo transatlântico pode contribuir para uma mais rápida tomada de consciência da necessidade de maior sustentabilidade e da protecção do ambiente e que a sociedade civil e os consumidores têm um papel a desempenhar nesta matéria.

    1.8   O CESE quer ser inovador, incluindo de forma institucional os representantes da sociedade civil organizada no diálogo transatlântico. Considera que falta à União neste diálogo uma dimensão verdadeiramente «europeia» a nível social. Preconiza que todas as fases dos diálogos transatlânticos tenham em conta a dimensão social.

    1.9   Com a adopção de um programa de cooperação e a criação do TEC (4), ambas as partes comprometeram-se a acelerar a concretização de uma verdadeira integração, com vista a «alcançar um mercado transatlântico único até 2015» (5). Os obstáculos são muitos, nomeadamente legislativos, mas o objectivo está definido, e o CESE quer antecipar-se de forma a ter a certeza de que as opções europeias históricas que moldaram o seu modelo social (6) não desaparecerão. As sociedades europeia e americana, que se assemelham pelos seus valores de referência, não são muito «integráveis» do ponto de vista social. Se os europeus reconhecem a necessidade de adaptar determinados aspectos deste modelo devido à actual crise económica, é para melhor acautelar os princípios a longo prazo.

    2.   Integração económica

    2.1   Os Estados Unidos são o motor do complexo económico norte-americano já criado pelo Acordo de Comércio Livre da América do Norte. Os países membros da União Europeia e os Estados Unidos representam, em conjunto, 60 % do PIB mundial, asseguram 40 % do comércio mundial e 62 % dos investimentos directos. De um lado e do outro, 7 milhões de empregos dependem das relações transatlânticas.

    2.2   Num estudo publicado (7) antes de a UE e os Estados Unidos se atolarem na crise, a OCDE estimava que a integração total das duas economias poderia gerar um crescimento de 3 % em cada um dos parceiros, assegurando-lhes a liderança económica sobre quase todos os outros países do mundo.

    2.3   O CESE entende que a crise poderá transformar as relações euro-americanas e que é urgente encorajar a discussão dos parceiros sociais sobre os modelos no âmbito do TEC e do TALD. A crise vai, porventura, atrasar o processo de integração e deixará tempo para explorar em conjunto certas áreas como a utilidade das instituições de diálogo, raras nos Estados Unidos, ou a questão da imigração, fenómeno com que os dois blocos se confrontam tanto no plano social como do emprego e que constitui um paliativo ao envelhecimento demográfico (reserva de mão-de-obra).

    2.4   É geralmente aceite que os planos de relançamento da União Europeia e dos Estados Unidos, apesar de não terem nada em comum, tiveram as mesmas consequências, na medida em que acentuaram os défices públicos, reforçaram a acção pública e intensificaram a necessidade de controlos, bem como de reorientação e redistribuição da riqueza. Estas diferenças e semelhanças podem ser objecto de debate no âmbito do TALD e no da futura estrutura consultiva bilateral.

    2.4.1   Os efeitos da crise são debatidos a alto nível (cimeiras UE-EUA), como aliás outros temas, no âmbito dos diálogos entre a Comissão e os seus interlocutores da Administração americana e suas agências em matéria de finanças, economia e mercados internos. A sociedade civil europeia ressente-se com a falta de regulamentação sobre as práticas seguidas pelos bancos e pelas agências de notação, bem como com a sua falta de transparência (8). Além disso, a sociedade em geral sofre as consequências dos planos de relançamento e, apesar de um dos objectivos do Tratado ser a promoção do «progresso económico e social» dos povos europeus, reduzem-se as prestações sociais consideradas demasiado onerosas. O que falhou foram os sistemas financeiros que causaram graves danos à economia real e vieram aumentar as dificuldades que se faziam sentir nos sistemas sociais resultantes já da falta de crescimento e de emprego. O CESE, consciente de que o proteccionismo não é sinónimo de emprego, é favorável ao comércio e ao investimento sem entraves, desde que os direitos sociais não sejam descurados. No entanto, o restabelecimento da confiança, que constitui uma das principais prioridades, deve resultar de uma nova e inteligente regulação dos mercados financeiros. O CESE considera igualmente prioritário promover, no âmbito do diálogo transatlântico, a dimensão social na economia e no comércio. O CESE faz votos para que os representantes da União Europeia nos diálogos transatlânticos, enquanto representantes dos cidadãos, continuem a assegurar a promoção do modelo social europeu nas questões económicas e comerciais. A Comissão, quanto a ela, actua no respeito do Tratado e vela pela aplicação das suas disposições.

    2.4.2   Na opinião do CESE é útil que se reforcem os laços económicos entre ambos os lados do Atlântico e se instaure a solidariedade económica entre os Estados-Membros da União. Estes dois elementos favorecerão, em seu entender, o regresso do crescimento e do desenvolvimento da economia e, concomitantemente, o desenvolvimento da vertente social europeia. Não faltará, pois, aos europeus matéria para discutir no âmbito do diálogo das sociedades civis.

    2.5   O projecto de integração do mercado transatlântico (9) é pouco conhecido dos cidadãos. A experiência da integração norte-americana no âmbito do Acordo de Comércio Livre da América do Norte havia reservado às vertentes social e ambiental um lugar muito secundário, sem que nem uma parte nem a outra se esforçasse por promover o emprego. Forçoso é constatar que nos EUA, no Canadá e no México o ambiente se degradou, os salários caíram e os empregos deslocalizaram-se para a China. Por seu turno, a integração europeia produziu riqueza (aumento do PIB), mas fechou minas e estaleiros navais, perdeu a indústria metalúrgica e os têxteis, reestruturou totalmente determinados sectores, como as pescas, a agricultura e o sector automóvel. Mas, desde o mercado comum estavam previstas compensações. O CESE espera ser capaz de antecipar certas consequências ambientais (por exemplo as OMG) e sociais do processo de integração em curso e de as debater. Algumas delas são já visíveis – emprego na indústria cinematográfica, protecção de dados privados (SWIFT).

    3.   Possíveis efeitos da integração transatlântica

    3.1   As estruturas económicas e comerciais da UE e dos Estados Unidos são bastante semelhantes. Um primeiro efeito possível seria a intensificação da concorrência, não tanto sobre os custos, mas essencialmente sobre a quantidade, a qualidade e a diferenciação dos produtos. A taxa de câmbio do dólar permite aos Estados Unidos recuperarem competitividade na exportação. As taxas de juro são mais baixas nos Estados Unidos, e a Reserva Federal é geralmente mais reactiva do que o Banco Central Europeu. Sem mudanças radicais, a zona euro não teria actualmente a capacidade de reacção necessária para evoluir num vasto mercado transatlântico.

    3.2   A integração poderia pesar nos custos e nas condições de trabalho e aumentar a precarização, tanto mais que o mercado de trabalho foi flexibilizado, a moderação salarial é maior e as deslocalizações são mais frequentes numa estratégia de desinflação competitiva. Os europeus temem o efeito dessas pressões para baixar as suas normas sociais, sanitárias e ambientais, a taxa de emprego e o nível de vida, quando, de facto, a integração deveria ser benéfica para ambas as partes. O aumento do desempenho económico e da produtividade são uma das soluções, mas uma parte dos que perderam o emprego não o recuperará. Os Estados-Membros, que se reconstruíram no pós-guerra graças a um forte consenso socioeconómico interno, estão já a sofrer tensões derivadas das diferenças dos seus sistemas, que se fazem sentir com maior intensidade desde Maio de 2010 devido à especulação sobre a moeda comum.

    3.3   Num cenário de crescente fragmentação dos processos de produção (10), os países emergentes poderiam ser os grandes beneficiários da integração transatlântica acentuando a concorrência entre as duas maiores economias da zona da OCDE. Para o CESE, este é um dos temas prioritários que importa debater nos diálogos transatlânticos.

    4.   Modalidades da integração

    4.1   A criação de um bloco euro-atlântico não pode realizar-se mantendo os cidadãos na ignorância. A União poderia, neste domínio, agir democraticamente e valorizar internamente o diálogo entre cidadãos e no mundo do trabalho e, bem assim, no âmbito dos órgãos euro-americanos criados para o efeito. A Comissão Europeia poderia facilitar esse diálogo, atribuindo-lhe ainda mais meios do que os que acaba de aumentar (11). O CESE, por seu turno, estaria disposto a assegurar, com homólogos americanos, a organização de um conselho euro-americano da sociedade civil.

    4.2   O CESE entende que, em conformidade com o Tratado de Lisboa, a integração transatlântica deve ser objecto de consulta dos cidadãos. Sem uma posição clara das instituições acerca da decisão de promover internacionalmente o modelo social europeu, a integração euro-atlântica arrisca-se a destruir o «pacto social» europeu e, por isso, os cidadãos têm que ser consultados.

    4.3   O CESE deseja que no âmbito do diálogo transatlântico seja desenvolvida a legitimidade:

    1)

    da identidade europeia,

    2)

    dos valores e da cultura da Europa, incluindo a protecção ambiental,

    3)

    do CESE, que representa, através dos seus membros, a sociedade civil organizada da União.

    5.   Regulamentação bancária

    5.1   São necessárias reformas urgentes da economia globalizada. O CESE lamenta a enorme lentidão da reforma das instituições financeiras internacionais, em detrimento da concorrência leal e da manutenção dos grandes equilíbrios sociais.

    5.2   É urgente definir em conjunto normas comuns sobre as agências de notação para evitar que a sua acção tenha consequências negativas (12): atribuíam boas classificações aos bancos que conduziram à crise e atribuem agora más classificações aos Estados por causa das dívidas e dos défices provocados precisamente pelos planos de salvamento desses mesmos bancos, que os cidadãos vão pagar. A acção dos bancos e as agências de notação são dois pontos que as sociedades civis da União Europeia e dos Estados Unidos poderiam discutir no âmbito do diálogo transatlântico.

    6.   Liberdades e direitos humanos

    6.1   Reconhecidos como princípios, a liberdade e os direitos humanos não são respeitados da mesma maneira pelas duas partes: a liberdade de circulação ainda não é tratada da mesma forma na Europa e nos EUA. As questões dos vistos, dos passaportes e dos controlos de segurança deveriam evoluir para uma maior harmonização com base num modelo definido em comum.

    6.2   O exemplo do Código SWIFT (13) é elucidativo: na sua resolução legislativa de 11 de Fevereiro de 2010 (14), o Parlamento Europeu opôs-se à renovação de um acordo sobre tratamento e transferência de dados financeiros da União Europeia para os Estados Unidos que a sociedade SWIFT realiza. Tratava-se de dar, ou não, acesso directo aos servidores europeus para efeitos de luta contra o terrorismo. As novas competências do PE permitiram-lhe reequacionar a transferência em bloco para os Estados Unidos dos dados confidenciais dos europeus sobre os respectivos movimentos bancários, que implica, de facto, a perda das garantias e protecções consagradas nos direitos dos Estados-Membros. Os deputados quiseram que a União precisasse a sua visão do mercado transatlântico no que se refere à protecção dos direitos. A sua preferência vai para um sistema que contenha mais Europa, um novo papel para a Europol e o direito dos cidadãos a reparação. Ainda que as garantias sejam actualmente incompletas, o acordo assinado em 8 de Julho de 2010 é passível de revisão anual. Isto vai ao encontro da posição do Comissário Barnier, para quem o mercado interno deve estar ao serviço de um projecto de sociedade, definido colectivamente pelas instituições europeias (15). É precisamente o que o CESE pretende com o presente parecer, ou seja, que a União afirme a sua própria concepção do mercado transatlântico e promova o seu modelo social no respeito do seu grande vizinho americano.

    6.3   O direito à vida e a bioética, domínios em que a União tem posições progressistas, devem ser protegidos e mantidos de comum acordo, fora dos acordos comerciais.

    6.4   O CESE faz votos para que a parceria transatlântica contribua para o respeito dos direitos humanos, políticos e civis, mas também económicos e sociais. Os Estados Unidos possuem uma longa história de defesa dos direitos civis e políticos, e a União Europeia acrescentou à lista o desenvolvimento dos direitos económicos e sociais. O interesse dos dois continentes passa pela vontade política de fazer beneficiar todos os seus cidadãos e residentes da integralidade de direitos e possibilidades de cada um dos continentes.

    7.   Direitos sociais

    7.1   O CESE já fez notar que o diálogo «social» transatlântico não resultou totalmente (16). Os direitos sociais parecem estar abrangidos no termo «direitos fundamentais», mas o seu significado é, de facto, o de direitos «civis e políticos».

    7.2   O CESE considera que não basta recordar regularmente que os Estados Unidos e a União Europeia partilham os mesmos valores e que, para além da economia, possuem em comum a defesa da liberdade, da democracia e dos direitos humanos. A União deveria recordar sempre na sua acção exterior que os outros direitos «fundamentais» – os direitos sociais – são parte integrante das suas próprias posições. Os seus textos fundamentais compreendem uma «cláusula social horizontal» que prevê que, tanto na elaboração como na execução das suas políticas, são tidas em consideração «exigências relacionadas com a promoção de um nível elevado de emprego, a garantia de uma protecção social adequada, a luta contra a exclusão social e um nível elevado de educação, formação e protecção da saúde humana» (17).

    7.3   De facto, é o «Estado social», são os regimes sociais e o respeito dos direitos sociais, inerentes aos direitos humanos, que identificam a Europa aos olhos dos outros continentes.

    O modelo social europeu combina protecção das liberdades públicas, mecanismos da economia social de mercado e políticas públicas determinadas. É composto por três pilares: os regimes de protecção social colectiva, os serviços públicos e o diálogo social. De certa forma, resume o «modo de vida europeu». O CESE lamenta que a União não promova este modelo enquanto tal. Todos estes aspectos estão inscritos no Tratado de Lisboa. Este modelo deve ser valorizado politicamente numa abordagem «Europa = Bem-estar para todos», incluindo nas negociações transatlânticas. O CESE entende que a União deve reivindicar que os elementos deste Estado social estejam no centro das discussões euro-atlânticas, porquanto não o fazer seria prejudicial para os cidadãos, para a identidade e a diversidade europeias.

    8.   Sistemas de segurança social

    8.1   Os europeus aceitaram uma certa redistribuição das riquezas nacionais pelos regimes nacionais de segurança social colectiva, destabilizada pela crescente globalização do comércio. Ao deixar de defender o modelo social europeu, a UE corre o risco de contribuir para a sua destruição. Quando um horário de trabalho limitado permite passar mais tempo com a família – pilar social na Europa –, quando são concedidas licenças de maternidade e parentais longas tendo em vista um melhor desenvolvimento das crianças, quando são assegurados cuidados de saúde intensivos e os idosos dependentes são ajudados é toda uma sociedade que vive melhor: não se trata de presentes do Estado, pois os gastos enormes evitados nesse momento foram repartidos pelas quotizações e ou pelos impostos pagos pelos beneficiários aos longo dos anos.

    8.2   Actualmente, as relações transatlânticas nesta matéria não são paritárias. Os Estados Unidos são uma federação de Estados sem Estado social (nem a nível federal, nem a nível dos Estados), mas que estão a ponderar introduzir mudanças sociais (lei federal sobre o seguro de saúde). A União Europeia possui um Estado social nacional em cada Estado-Membro, mas ainda não para os três pilares a nível «federal», o qual prescreve objectivos de convergência através do seu método aberto de coordenação. O CESE considera que esta desigualdade entre a UE os EUA não deve ser suprida nivelando por baixo o modelo social europeu. Interroga-se sobre a capacidade de resistência dos direitos dos Estados-Membros quando da integração transatlântica, se não houver uma acção comunitária e vontade política de promover o modelo europeu, especialmente neste período de crise.

    8.3   O CESE considera que o diálogo social transatlântico, que deseja ver concretizado, deveria reflectir sobre este desafio «abertura/segurança», que está no centro da evolução em curso. Está em causa o bem-estar de 300 milhões de pessoas, de um lado, e de 500 milhões do outro.

    8.4   Os regimes sociais representam muitas vezes na Europa o equivalente aos orçamentos dos Estados. Os 16 % do PIB americano consagrados às despesas de saúde, apesar de constituírem um montante muito elevado, proporcionam aos cidadãos uma cobertura inferior à dos Europeus, obtida esta com custos mais reduzidos (a média dos países da OCDE é de 8,9 % do PIB). A sua massa faz funcionar a economia real. Representam um amortecedor de crise vital para o Estado e para os cidadãos, excepto quando o sistema de protecção é individual e assenta em fundos financeiros privados, sujeitos às contingências dos mercados. O CESE entende que deveria caber aos responsáveis políticos a decisão de impedir que a abertura total à concorrência no âmbito de uma grande zona económica euro-americana integrada baixe o nível de protecção dos cidadãos. Neste sentido, o CESE não pode deixar de se congratular com o êxito da actual Presidência americana na instauração de um regime inovador de seguro de saúde nos Estados Unidos.

    8.4.1   Saúde

    8.4.1.1   O objectivo da União de uma maior convergência social ascendente, acompanhada de um princípio de não regressão social, tem a aprovação dos cidadãos e deve ser mantido. As mulheres europeias nunca aceitariam, por exemplo, um recuo dos seus direitos à licença de maternidade, que é muito curta nos Estados Unidos e por vezes não é paga.

    8.4.1.2   O CESE estima que o diálogo Europa-Estados Unidos sairia enriquecido se abordasse estas questões fundamentais para a coesão das sociedades de ambos os continentes. A sociedade americana está fortemente dividida em relação à proposta de protecção da saúde regulamentada e socializada, financiada por impostos e sujeita ao controlo dos representantes eleitos. Isto denota, talvez, falta de informação sobre o modelo europeu, que, sem ser centralizado a nível continental, oferece a todos, incluindo aos cidadãos de países terceiros, garantias solidárias e colectivas através de regimes de assistência universal na doença que contribuem para o PIB. O CESE faz votos para que a União divulgue esta informação junto da sociedade civil americana, podendo o diálogo das sociedades civis organizadas servir de veículo para o efeito.

    8.4.2   Reformas

    8.4.2.1   No que diz respeito às reformas, tal como em relação às outras vertentes dos regimes de protecção social, há diferenças entre europeus, e esta situação tem repercussões consideráveis na economia em geral. A este título, os representantes da sociedade civil deveriam ser ouvidos no diálogo euro-americano devido às profundas mudanças que os acordos comerciais destinados a integrar as duas comunidades poderão provocar nos níveis de vida dos seus cidadãos.

    8.4.3   Desemprego

    8.4.3.1   Os Estados-Membros da União Europeia possuem, todos eles, regimes públicos de fundo de desemprego. A integração da zona atlântica arrisca-se, por razões de competitividade, a levar ao aumento da flexibilidade sem maior segurança. Os europeus, tal como os americanos, têm razões para temer a fragilização das suas situações (18). A situação dos trabalhadores nos Estados Unidos tem-se vindo a degradar desde 1970. Com a crise, a precariedade e o número de trabalhadores pobres («working poors») estão a aumentar nos dois lados do Atlântico. Confrontados com uma crise económica sem precedentes, os dois lados do Atlântico receiam que a situação piore caso se opte por uma maior flexibilidade. O CESE entende que a flexigurança pode, por vezes, ajudar os trabalhadores quando a segurança prometida existe realmente, mas nada pode substituir um emprego estável proporcionando um salário e uma reforma dignos. A União Europeia tem uma tradição de diálogo social que tem devidamente em conta os interesses das partes. Dispõe de diplomas sobre o diálogo social e de instituições. São necessárias organizações de empregadores e de trabalhadores representativas e experientes para levar a cabo as negociações.

    9.   Serviços públicos  (19)

    9.1   Educação

    9.1.1   Nos Estados Unidos, as universidades, não gratuitas, são reconhecidas como as melhores do mundo e procuradas pelos europeus, tanto para estudar como para ensinar. Os europeus, à semelhança dos americanos, vêem o futuro do emprego mais aberto aos trabalhadores com boa formação e altamente qualificados:

    Serão os mais bem colocados para obterem empregos bem pagos, alimentando assim a prosperidade americana.

    O número de empregos que exigem um nível de estudos superior deveria aumentar muito mais rapidamente que o dos empregos que exigem qualificações mais baixas, prevendo-se um crescimento mais forte para os lugares que exigem um diploma universitário ou profissional pós-secundário.

    [Gabinete Executivo do Presidente dos Estados Unidos – Conselho dos Conselheiros Económicos (CEA), Jobs of the Future (Empregos do Futuro)].

    9.1.2   A formação é a ponte para o futuro. Na UE, onde o ensino é, de um modo geral, gratuito, a redução dos serviços públicos e a contenção das políticas orçamentais nacionais levaram a maiores desigualdades de oportunidades. A União Europeia, com a Estratégia de Lisboa, aconselha os seus Estados-Membros a adequarem as universidades (ciclo de estudos superiores), antes de mais, e depois, talvez, os liceus (ciclo de estudos secundários), às necessidades das empresas.

    9.1.3   O CESE considera que a educação para todos, a igualdade entre homens e mulheres que ela permite e a conciliação da vida familiar e profissional deveriam ser sinónimo de garantia de oportunidades para os cidadãos. A educação poderia ser objecto de intercâmbios e de diálogo entre as sociedades de ambos os lados do Atlântico, bem como a educação ao longo da vida e os seus modos de funcionamento, para que a economia de serviços baseada no conhecimento beneficie ambas as sociedades, sem abandonar todos aqueles que ficam de fora do sistema educativo.

    9.2   Acordo geral sobre o comércio de serviços

    9.2.1   Foram os cidadãos da União que se bateram para salvar a sua indústria do cinema e salvaguardar a especificidade da cultura europeia perante os perigos que corria face à liberalização mundial dos serviços. A defesa da identidade europeia passa pelo reforço do diálogo entre culturas, de forma a preservar a riqueza que nasce da diversidade; dela dependem inúmeros aspectos, como o emprego, a salvaguarda do património e o desenvolvimento da inovação e da criatividade.

    9.2.2   A cultura não é uma mera mercadoria. Para o CESE, a cultura deve fazer parte do diálogo transatlântico das sociedades civis organizadas.

    9.3   O caso específico da imigração e da integração

    9.3.1   Ambas as sociedades, em processo de envelhecimento, devem gerir a sua imigração. O desafio está em conciliar envelhecimento demográfico e necessidade de mão-de-obra, definindo um limiar de tolerância para a coesão social. Este limiar depende das políticas de integração, que devem ser pensadas a longo prazo, numa perspectiva global e bidireccional, imigrantes/sociedade de acolhimento. As pressões internas e externas são fortes. O CESE considera a questão das migrações muito importante para as democracias e pretende que ela seja objecto do diálogo social transatlântico, com o possível envolvimento sobre este ponto do FEI.

    10.   Diálogo social

    10.1   O diálogo social é um dos pontos sobre os quais as duas sociedades mais divergem. O diálogo social que se impôs na história europeia tem agora valor de cultura, mas falta aos cidadãos americanos, que não dispõem, por conseguinte, de meios para se fazerem ouvir. Há que encontrar vários canais entre as duas sociedades para dar a palavra aos trabalhadores e desenvolver a informação/consulta, sobretudo neste período crítico após o crash financeiro de 2008. O CESE entende que são necessárias normas comuns para avaliar e comparar as situações sociais e laborais dos dois blocos, nomeadamente o tempo de trabalho e os benefícios sociais, a fim de ter uma visão clara da competitividade de cada um deles, enquanto a globalização do comércio utilizar os salários como variável de ajustamento.

    10.2   Na sua resolução de 2009, o Parlamento Europeu pondera uma colaboração política com o Congresso Americano e uma forte aproximação dos bancos centrais dos Estados Unidos e da União Europeia. Contudo, as convenções da OIT não foram ratificadas pelos Estados Unidos. Um estudo (20) efectuado nos Estados Unidos revela um mundo do trabalho em que as protecções fundamentais, como o direito a um salário mínimo, a horas extraordinárias remuneradas, a pausas para almoço, a indemnizações por acidente, a melhores condições de trabalho, são negadas a um número considerável de trabalhadores.

    10.3   O CESE considera que, no quadro do diálogo social transatlântico, a parte actualmente consagrada à consulta dos representantes da sociedade civil e, particularmente, dos trabalhadores é insignificante.

    11.   Ambiente

    11.1   Uma política americana de defesa do ambiente teria repercussões nas opções orçamentais e no emprego. O CESE pensa que o diálogo transatlântico pode contribuir para uma mais rápida tomada de consciência da questão da necessidade de maior sustentabilidade e que a sociedade civil e os consumidores têm um papel a desempenhar para tornar a economia mais «verde».

    11.2   A União Europeia e os Estados Unidos deveriam, em conjunto, ser capazes de inventar novas indústrias em torno da necessidade de energias renováveis. A Califórnia e Portugal fizeram as mesmas opções quanto à importância a dar às energias solar e eólica. Seria desastroso para o futuro das duas potências terem ideias mas utilizar tecnologias chinesas para as concretizar (ver o caso da energia fotovoltaica).

    12.   A nível institucional

    12.1   O anterior parecer do CESE sobre as relações transatlânticas referiu diversas evoluções possíveis do Diálogo Transatlântico do Trabalho (TALD) e do TEC (Conselho Económico Transatlântico).

    12.2   O CESE gostaria de ser inovador e incluir de forma institucional os representantes da sociedade civil num diálogo transatlântico das sociedades civis organizadas. Todos os diálogos, relatórios, estudos e acordos desenvolvidos no âmbito das relações transatlânticas deveriam incluir um capítulo sobre as repercussões sociais das medidas previstas, para além da criação de empregos. Os Estados-Membros ainda não dotaram a União Europeia de uma política social integrada, quando é um facto que ela aplica um verdadeiro modelo comum e que poderia fazer valer o seu ponto de vista no diálogo com os Estados Unidos. A UE deve promover o modelo social europeu, procurando aumentar a sua visibilidade nos Estados Unidos.

    Bruxelas, 21 de Outubro de 2010

    O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

    Staffan NILSSON


    (1)  Como o demonstra o aumento do PIB dos Estados-Membros desde a criação da UE; ver também nota de pé de página n.o 6.

    (2)  TEC (Transatlantic Economic Council – Conselho Económico Transatlântico); TALD (Transatlantic Labour Dialog - Diálogo Transatlântico do Trabalho, diálogo dos sindicatos).

    (3)  JO C 309, de 16.12.2006, p. 119-125.

    (4)  Acordo assinado na Casa Branca por G.W. Bush, A. Merkel e J. M. Durão Barroso.

    (5)  PE, Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de Março de 2009, sobre o estado das relações transatlânticas à vista das eleições nos EUA.

    (6)  Sobre o modelo social europeu ver: Preâmbulo do Tratado de Lisboa «Confirmando o seu apego aos direitos sociais fundamentais, tal como definidos na Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de 1961, e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989…»; TUE, artigos 3.o, 6.o e 32.o; TFUE, artigo 9.o e Título X; Tratado de Lisboa - Carta dos Direitos Fundamentais, artigos 28.o, 34.o, 35.o e 36.o.

    (7)  OCDE, Departamento dos Assuntos Económicos, 2005, «Les bénéfices de la libéralisation des marchés de produits et de la réduction des barrières aux échanges et aux investissements internationaux: le cas des États-Unis et de l'Union européenne» (Os benefícios da liberalização dos mercados de produtos e da redução das barreiras ao comércio e ao investimento internacional: O caso dos Estados Unidos e da União Europeia).

    (8)  Capítulo 1, JO C 277 de 17.11.2009, pp. 117-124.

    (9)  Este projecto, apresentado conjuntamente pelos Comissários Leon Brittan (Comércio Externo), Martin Bangemann (Indústria e Telecomunicações) e Mario Monti (Mercado Interno) em Março de 1998, dizia respeito às relações UE-EUA, em quatro vertentes: – uma zona de comércio livre no domínio dos serviços; – a eliminação das barreiras técnicas ao comércio, através nomeadamente de acordos de reconhecimento mútuo; – a liberalização dos contratos de direito público, da propriedade intelectual e dos investimentos; – eventualmente, a supressão progressiva dos direitos aduaneiros aplicáveis aos produtos industriais até 2010, adiada entretanto para 2015.

    (10)  Prossegue a desindustrialização tanto na Europa como nos Estados Unidos, em que o emprego na indústria transformadora sofreu uma redução de 30 % nesta última década e a quota-parte dos Estados Unidos no comércio mundial passou de 13 %, há 10 anos, para 9 %; na União Europeia, continuam as deslocalizações da produção. Sobre a duração do tempo de trabalho, ver o estudo de Rones & al, 1997, citado na Revue Internationale de l' IRES n.o 54-01.2001.

    (11)  Em 2009, a DG Relex da Comissão Europeia lançou um convite à apresentação de propostas, no valor de 800 000 euros, para projectos da sociedade civil destinados a incentivar o diálogo UE-EUA.

    (12)  JO C 277 de 17.11.2009, pp. 117-124.

    (13)  SWIFT: Society for Worldwide Interbank Financial Communications, sociedade americana de direito belga que gere as transferências internacionais de dados financeiros de mais de 200 países.

    (14)  PE (05305/1/2010 REV1-C7-0004/2010-2009/0190(NLE). Acordo SWIFT II, PE de 8.7.2010 (11222/1/2010/REV1 e COR1-C7-0158/2010-0178-( NLE)).

    (15)  Debate organizado em 17.3.2010, por Euractiv.fr com a Representação da Comissão em Paris, e o apoio do DTCC, Depositary Trust and Clearing Corporation, em Questions d’Europe No 165 du 6.4.2010 Fondation Robert Schuman.

    (16)  JO C 288 de 22.9.2009, pp. 32-39.

    (17)  TFUE, artigo 9.o.

    (18)  «Middle Class in America».

    (19)  JO C 128 de 18.5.2010, pp. 97-102.

    (20)  Dirigido pela Dra. Annette Bernhardt, co-directora política do National Employment Law Project NELP (projecto de lei sobre o emprego).


    ANEXO

    ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

    A proposta de alteração seguinte foi rejeitada pela Assembleia em plenária, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos:

    Ponto 1.4

    Alterar.

    «O CESE preconiza que, para além de novas regulamentações financeiras, a zona euro-atlântica se dote de normas comuns sobre as agências de notação e de novas regras de concorrência o seu nível de vida .».

    Justificação

    O nível de vida não pode ser garantido, tem de ser adquirido através dos esforços conjuntos dos membros das sociedades.

    Resultado da votação:

    A favor

    :

    66

    Contra

    :

    76

    Abstenções

    :

    21


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