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Document 52015AE3837

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política da Concorrência 2014» [COM(2015) 247 final]

JO C 71 de 24.2.2016, p. 33–41 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

24.2.2016   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 71/33


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política da Concorrência 2014»

[COM(2015) 247 final]

(2016/C 071/06)

Relatora:

Reine-Claude MADER

Em 6 de julho de 2015, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política de Concorrência 2014

[COM(2015) 247 final].

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 17 de novembro de 2015.

Na 512.a reunião plenária de 9 e 10 de dezembro de 2015 (sessão de 9 de dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 128 votos a favor, 1 voto contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE aprecia positivamente as diferentes iniciativas tomadas pela Comissão para promover uma concorrência leal que salvaguarde os interesses dos agentes económicos (empresas, consumidores, trabalhadores).

1.2.

O CESE apoia as medidas levadas a cabo pela Comissão para assegurar o cumprimento das regras de concorrência, nomeadamente as ações contra práticas anticoncorrenciais como os abusos de posição dominante que impedem o desenvolvimento económico da UE e, em particular, das PME, que desempenham um papel primordial no crescimento e no emprego, bem como das empresas da economia social, que sustentam a coesão social.

1.3.

Lamenta, no entanto, que, ainda desta vez, a Comissão não tenha adotado um verdadeiro mecanismo judiciário de ações coletivas por forma a dar uma efetiva satisfação aos direitos de indemnização das vítimas de práticas anticoncorrenciais.

1.4.

Aprova o trabalho realizado pela Comissão no sentido de tornar as regras conhecidas e transparentes, o que estabiliza as empresas e, por extensão, o mercado. Deseja, a este respeito, recordar que as práticas do setor da distribuição merecem uma atenção constante.

1.5.

O CESE congratula-se com o impulso dado pela Comissão à cooperação com as autoridades nacionais da concorrência (ANC), que desempenham um papel determinante, nomeadamente em termos de prevenção e de desenvolvimento de programas de sensibilização para o direito da concorrência. Considera, por este motivo, que as ANC devem dispor dos meios necessários.

1.6.

Esta cooperação deve ser alargada à escala internacional, tendo em conta a globalização das trocas, para que a Europa não seja afetada pela concorrência desleal.

1.7.

Deseja que o diálogo entre as diferentes instâncias europeias (PE, CESE, Comité das Regiões) seja encorajado ou reforçado.

1.8.

O CESE apoia as alterações introduzidas nas regras relativas aos auxílios estatais, que foram adaptadas para apoiar as empresas inovadoras, nomeadamente no domínio digital, abrindo perspetivas muito importantes em termos de desenvolvimento económico e de criação de emprego, para benefício dos consumidores e das empresas.

1.9.

Embora esteja consciente dos limites da intervenção da Comissão no que diz respeito à otimização fiscal, o CESE deseja que a Comissão prossiga os seus esforços no sentido de atenuar, restringir ou eliminar as distorções fiscais e sociais, no âmbito dos poderes de que dispõe, assegurando que esta ação não comporte um nivelamento por baixo.

1.10.

O CESE considera que o mercado da energia deve ser objeto de muita atenção. É favorável à criação de uma União Europeia da Energia, a fim de assegurar a segurança do aprovisionamento e o fornecimento de energia a preços comportáveis em todo o território.

1.11.

Atribui igualmente importância às medidas que contribuem para a poupança de energia, a melhoria da eficiência energética e o desenvolvimento das energias renováveis.

1.12.

Considera que a abertura do mercado da energia deve beneficiar os consumidores particulares que não possuem capacidades reais de negociação.

1.13.

O CESE apela para que sejam envidados todos os esforços para assegurar o livre acesso às tecnologias digitais, a fim de permitir o desenvolvimento económico das zonas rurais. Este objetivo justifica uma complementaridade entre os investimentos privados e as ajudas públicas.

1.14.

O CESE convida a Comissão a continuar a prestar particular atenção à oferta de serviços financeiros para que a economia real possa ser financiada e os consumidores possam continuar a beneficiar das melhores condições para os serviços que utilizam.

1.15.

Por último, recorda que é indispensável acompanhar e avaliar as ações políticas empreendidas.

2.   Conteúdo do Relatório sobre Política de Concorrência 2014

2.1.

Este relatório anual concentra-se essencialmente no mercado interno digital, na política energética e nos serviços financeiros. Aborda também questões relativas ao reforço da competitividade da indústria europeia, ao controlo dos auxílios estatais, à promoção de uma cultura da concorrência dentro e fora da UE e ao diálogo interinstitucional.

2.2.

Põe em evidência a economia digital, considerada um fator capaz de fomentar a inovação e o crescimento dos setores da energia, dos transportes, dos serviços públicos, da saúde e da educação. Para tal, foram utilizados todos os instrumentos do direito da concorrência para apoiar o desenvolvimento e a modernização das infraestruturas, entre os quais as redes de banda larga ditas de «nova geração», através dos auxílios estatais, garantindo, simultaneamente, o princípio da neutralidade tecnológica.

2.3.

O mercado dos dispositivos móveis inteligentes evolui muito rapidamente, conforme ilustrado pela aquisição da WhatsApp (1) pelo Facebook após a primeira fase de exame da concentração, autorizada sem condições pela Comissão Europeia, ao abrigo do Regulamento das concentrações (CE) 139/2004 da Comissão (2).

2.4.

O ano de 2014 constituiu novamente uma oportunidade para constatar que a aplicação do direito da concorrência no setor digital se caracteriza por uma relação complexa e um equilíbrio necessário com o respeito dos direitos de propriedade intelectual apostos a uma patente, conforme ilustrado pelas decisões Samsung e Motorola (3), ou a um direito de autor, conforme demonstrado pelo início de um procedimento formal contra vários estúdios de produção norte-americanos e empresas europeias de radiodifusão televisiva paga, no processo referente ao «acesso transfronteiriço a conteúdos televisivos pagos» (4).

2.5.

O relatório salienta, em seguida, o setor da energia, relembrando a necessidade de reformar a política europeia da energia. A Comissão tenciona apoiar os investimentos nas infraestruturas através do enquadramento dos auxílios estatais e da simplificação da sua execução: o novo regulamento geral de isenção por categoria prevê, de facto, sob determinadas condições, que a autorização prévia da Comissão deixe de ser necessária (5) para as ajudas às infraestruturas energéticas, as ajudas à promoção da eficiência energética dos edifícios e o apoio à produção de energia a partir de fontes renováveis, à descontaminação dos locais poluídos e à reciclagem.

2.6.

Em contrapartida, as ajudas à energia nuclear não são incluídas nas novas orientações, o que significa que continuam a ser objeto de uma análise efetuada pelos serviços da Comissão, à luz do artigo 107.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como foi o caso do projeto britânico que pretendia subvencionar a construção e a exploração de uma nova central nuclear em Hinkley Point (6).

2.7.

Por último, a política de concorrência foi utilizada como instrumento para reduzir os preços da energia, reprimindo os comportamentos abusivos ou as práticas de cartel dos operadores, tais como a EPEX Spot e a Nord Pool Spot (NPS) (7) e a OPCOM na Roménia, onde esta última abusara da sua posição dominante (8), ou ainda a Bulgarian Energy Holding (BEH) na Bulgária (9), ou a Gazprom, a propósito do aprovisionamento de gás a montante na Europa Central e Oriental (10).

2.8.

Em 2014, a política de concorrência tentou igualmente melhorar a transparência do setor financeiro e apoiar a melhoria da regulação e da supervisão do setor bancário.

2.9.

A Comissão recorreu, assim, ao controlo dos auxílios estatais aplicados na Grécia, em Chipre, em Portugal, na Irlanda e em Espanha, velando simultaneamente por que os bancos de desenvolvimento não distorçam a concorrência (11).

2.10.

Em duas ocasiões, penalizou também os bancos RBS e JP Morgan, que participaram, por um lado, num cartel bilateral ilícito destinado a influenciar taxa de juro de referência LIBOR do franco suíço e, por outro lado, num cartel com a UBS e o Crédit Suisse sobre diferenciais entre cotações de compra e de venda de derivados de taxas de juro em francos suíços, no EEE (Espaço Económico Europeu) (12). A Comissão aplicou-lhes uma coima de 32,3 milhões de EUR (13).

2.11.

Por último, a Comissão continua a penalizar as práticas comerciais anticoncorrenciais baseadas em comissões interbancárias multilaterais exercidas pela Visa Europe, Visa Inc., a Visa International e a MasterCard: por um lado, tornou vinculativos os compromissos propostos pela Visa Europe e, por outro lado, penaliza a Visa Inc. e a Visa International no que se refere às comissões interbancárias internacionais.

2.12.

O relatório refere ainda os esforços envidados pela Comissão para estimular a competitividade das empresas europeias e, nomeadamente, das PME, facilitando o seu acesso ao financiamento durante a fase de desenvolvimento (14) e apoiando a investigação e a inovação graças a um novo enquadramento das ajudas que instaura isenções por categoria (15).

2.13.

As PME são, igualmente, as primeiras visadas pela revisão da Comunicação de minimis, que lhes fornece indicações para avaliar se os seus acordos são ou não abrangidos pelo artigo 101.o do TFUE, o qual proíbe os cartéis ilícitos entre as empresas (16).

2.14.

O ano de 2014 também foi marcado por uma vigilância especial da Comissão relativamente ao recurso de certas empresas aos regimes fiscais diferentes de certos Estados-Membros, com o objetivo de reduzirem a sua matéria coletável. A Comissão deu início a investigações formais contra a Apple na Irlanda, a Starbucks nos Países Baixos e a Fiat Finance & Trade no Luxemburgo.

2.15.

O ano transato marca, sobretudo, os dez anos da aplicação do Regulamento (CE) n.o 1/2003 e da revisão do regulamento sobre o controlo das concentrações (17). O relatório indica, a este respeito, que são necessários avanços em relação à independência das autoridades da concorrência e ao dispositivo que lhes permite penalizar e sancionar as práticas ilícitas. Insiste igualmente na necessidade de racionalizar ainda mais o controlo das concentrações.

2.16.

A Comissão dá ainda conta que neste ano uma realização importante no domínio da política de concorrência foi a adoção da diretiva sobre as ações de indemnização no domínio antitrust, que entrou em vigor em 2014, considerando que, graças a esta diretiva, será mais fácil para os cidadãos europeus e para as empresas obter uma compensação efetiva pelos danos causados por infrações às regras no domínio antitrust, como é o caso de cartéis e abusos de posições dominantes no mercado.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE apoia a política de desenvolvimento das tecnologias digitais, assim como as iniciativas tomadas para estimular a inovação e o crescimento. Considera que a banda larga deve ser acessível em todo o território da UE, o que poderá implicar o recurso a auxílios estatais, acompanhados de financiamentos complementares da UE. As orientações relativas à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais à implantação rápida de redes de banda larga devem ser úteis a este respeito (18).

3.2.

Por outro lado, não pode haver um mercado digital sem uma rede de banda larga em todo o território. Os objetivos da Comissão são mais modestos, tendo em conta a falta de apetência dos operadores privados para determinadas zonas, nomeadamente as zonas rurais, cujo desenvolvimento económico deve ser apoiado.

3.3.

O CESE apoia a Comissão na sua vontade de sancionar as violações às regras da concorrência: considera que o montante das sanções deve ser dissuasor e que as sanções devem ser agravadas em caso de reincidência. Além disso, a política de concorrência deve ser explicada, especialmente nas empresas, a fim de prevenir comportamentos anticoncorrenciais.

3.4.

O CESE constata, tal como a Comissão, que o número de utilizadores de dispositivos móveis inteligentes está a aumentar. A inovação é crucial neste domínio, mas há que definir «regras do jogo» conhecidas e transparentes para os operadores. O CESE considera que a omnipresença de grandes grupos internacionais, como a Google, para citar apenas um, conduz a riscos de abusos de posição dominante e que é importante assegurar o respeito pelas regras existentes, a fim de permitir a entrada de novos operadores no mercado.

3.5.

Além disso, acredita que os detentores de patentes devem propor acordos de licença de patentes em condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias.

3.6.

O Comité apoia a adequação do quadro normativo aplicável aos direitos de autor na era digital (19), que deve «acompanhar os tempos», tal como salientou a Comissão, muito justamente.

3.7.

Relativamente ao funcionamento dos mercados da energia, o CESE considera que o desenvolvimento da economia não é exequível sem uma política energética comum. Acolhe, por conseguinte, com satisfação, a vontade da Comissão de criar uma União Europeia da Energia.

3.8.

Considera que esta União será benéfica para as empresas e os consumidores, que devem poder igualmente beneficiar de preços razoáveis e de segurança do aprovisionamento.

3.9.

O Comité apoia a supervisão efetuada pela Comissão ao mercado da energia para que a concorrência seja real, bem como as iniciativas de supressão dos entraves à concorrência nestes mercados não regulamentados. Deseja que a Comissão envide todos os esforços para evitar as disfunções que têm repercussões na economia.

3.10.

Atribui, por último, uma importância particular às medidas que contribuem para a poupança de energia, a melhoria da eficiência energética e o desenvolvimento das energias renováveis e das bioenergias.

3.11.

O CESE deseja que todo o setor financeiro seja mais ético e transparente e que apoie o crescimento.

3.12.

Congratula-se com o facto de o controlo dos auxílios estatais ter contribuído para a coerência das medidas tomadas para atenuar as dificuldades financeiras e para limitar as distorções da concorrência, reduzindo simultaneamente ao mínimo necessário o recurso ao dinheiro dos contribuintes. Sublinha que o controlo dos auxílios estatais permitiu limitar determinadas distorções da concorrência no mercado, no contexto do reforço e da aplicação de mecanismos de supervisão.

3.13.

A ação da Comissão para reduzir os custos de utilização dos cartões bancários, originando uma redução de 30 % a 40 % do custo das operações no mercado único, deve, na sua opinião, ser realçada.

3.14.

O objetivo anunciado de promover o crescimento económico é uma necessidade absoluta e poderá ser apoiado pela política de ajuda à inovação exposta na Comunicação intitulada «Enquadramento dos auxílios estatais à investigação, desenvolvimento e inovação».

3.15.

Nos seus pareceres anteriores, o CESE acolheu com agrado a iniciativa da Comissão para a modernização dos auxílios estatais e considerou que as novas orientações (20) estão em maior sintonia com as necessidades dos Estados-Membros e as realidades do mercado. Considera que o reforço da transparência permitirá compreender melhor a atribuição dos auxílios estatais. A supervisão da Comissão permitirá garantir que a atribuição dos auxílios respeita as regras estabelecidas. Por fim, a avaliação permitirá aos Estados-Membros garantir a boa utilização dos auxílios atribuídos.

3.16.

A comunicação da Comissão sobre as condições a reunir para promover a realização de projetos europeus, conjugada com o anúncio da criação do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos, deverá contribuir para atingir este objetivo.

3.17.

O CESE acolhe ainda com agrado o reconhecimento da necessidade de conceder auxílios estatais de emergência e à reestruturação de empresas em dificuldade, embora viáveis. Apoia as ações desenvolvidas para pôr termo aos cartéis ilícitos que prejudicam o desenvolvimento, nomeadamente das PME que geram postos de trabalho e têm impacto no emprego e nos preços.

3.18.

O Comité observa que as grandes empresas continuam a beneficiar de otimização fiscal graças à divergência dos sistemas fiscais. Saúda os esforços da Comissão no sentido de atenuar, restringir ou eliminar as distorções fiscais, no âmbito dos poderes de que dispõe.

3.19.

Os esforços da Comissão para garantir uma convergência com e entre as autoridades nacionais da concorrência (ANC) são particularmente importantes.

3.20.

O Comité acompanhará com atenção o seguimento dado ao Livro Branco «Rumo a um controlo mais eficaz das concentrações da UE», que pretende melhorar os dispositivos existentes.

3.21.

Tendo em conta a globalização das trocas comerciais, o CESE apoia o desenvolvimento da cooperação multilateral (OCDE, RIC, CNUCED), assim como os programas de cooperação e de assistência técnica.

3.22.

O diálogo mantido pela DG Concorrência com o PE, o CESE e o Comité das Regiões deve garantir a transparência do debate interinstitucional sobre a política aplicada.

3.23.

Esta vontade de dialogar deverá manter-se, sobretudo depois de o Presidente Jean-Claude Juncker, na sua carta de missão enviada a Margrethe Vestager, ter destacado esta parceria política.

3.24.

Ao contrário da Comissão, o CESE não considera que a Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (21) e a Recomendação relativa aos princípios comuns para os mecanismos de resolução coletiva de conflitos no quadro das infrações às leis da concorrência sejam de molde a dar a necessária satisfação à tutela coletiva dos direitos das vítimas afetadas por aquelas infrações.

4.   Observações na especialidade

4.1.   O delicado equilíbrio entre inovação, concorrência e direito de propriedade industrial para um mercado digital interligado

4.1.1.

Segundo a Comissão, a melhoria dos processos de normalização e o aumento da interoperabilidade são as chaves da eficácia da sua estratégia digital, mas falta definir o que se entende por «melhores» processos de normalização.

4.1.2.

O processo Motorola (22), um dos episódios da «guerra das patentes para os telefones inteligentes», é referido como exemplo para as orientações que deveriam ser seguidas pelas empresas do setor. Neste processo, a Comissão decidiu que a Motorola, titular de patentes essenciais (SEP) para o cumprimento da norma GPRS, tinha abusado da sua posição dominante ao procurar obter e fazer executar uma ação inibitória contra a Apple perante um tribunal alemão. Estas SEP foram consideradas «essenciais» pois eram necessárias à aplicação da norma GSM. As empresas titulares de uma SEP são potencialmente dotadas de um poder de mercado considerável e, muitas vezes, os organismos de normalização exigem da sua parte que se comprometam a emitir licenças para as suas patentes essenciais em condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias (fair, reasonable and non- discriminatory ou FRAND), a fim de garantir a todos os operadores de mercado o acesso à dita norma.

4.1.3.

No caso em apreço, por falta de acesso à patente essencial de que a Motorola era titular, não era possível ao concorrente, neste caso a Apple, fabricar e comercializar uma determinada categoria de telefones inteligentes.

4.1.4.

É legítimo intentar uma ação inibitória perante um órgão jurisdicional nacional para um titular de patente em caso de violação deste último, mas tal pode ser considerado abusivo se o titular da SEP detiver uma posição dominante no mercado, se se tiver comprometido a conceder acesso em condições FRAND e se a empresa concorrente visada pela ação inibitória estiver disposta a adquirir uma licença em condições FRAND. Não obstante, a Comissão não aplicou uma coima à Motorola — por falta de jurisprudência dos tribunais da UE sobre a legalidade, nos termos do artigo 102.o TFUE, de ações inibitórias em matéria de SEP e pela existência de divergências nas jurisprudências nacionais — mas ordenou à Motorola que pusesse fim ao seu comportamento abusivo.

4.1.5.

Num processo semelhante, a Comissão aceitou os compromissos propostos pela Samsung de não intentar ações inibitórias no EEE, baseadas nas SEP que digam respeito aos telefones multifuncionais e às tabletes, contra empresas que adiram a um quadro específico para a concessão de licenças.

4.1.6.

Estes processos ilustram a enorme dificuldade em conseguir um equilíbrio entre a concorrência, o direito de patentes e a inovação, com o objetivo final de permitir ao consumidor adquirir produtos tecnológicos a preços razoáveis, beneficiando simultaneamente de uma variedade tão ampla quanto possível entre produtos interoperáveis.

4.1.7.

O CESE apoia os esforços da Comissão neste sentido e incentiva-a a não perder de vista o facto de a aplicação das regras da concorrência não ter por objetivo a concorrência em si, mas sim uma concorrência que, em última análise, beneficie os consumidores.

4.1.8.

O CESE apoia a ideia de completar os investimentos privados com investimentos públicos, a fim de evitar uma clivagem digital na UE, desde que os auxílios estatais não dificultem os investimentos privados. Talvez um sinal do interesse da Comissão por esta questão, as «Orientações da UE relativas à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais à implantação rápida de redes de banda larga (23)» foram o primeiro texto a ser adotado de maneira definitiva no âmbito da modernização dos auxílios estatais.

4.1.9.

O CESE considera, contudo, que a intenção da Comissão de conseguir, até 2020, uma cobertura integral da banda larga rápida (30 Mbps) para os serviços e a adoção de serviços de banda larga ultrarrápida (100 Mbps) para 50 % dos europeus não é suficientemente ambiciosa.

4.2.   Mercados da energia

4.2.1.

Garantir a independência energética da Europa e favorecer a criação de um mercado da energia integrado são medidas primordiais para o acesso à energia, a supressão das ilhas energéticas e a segurança do aprovisionamento. Deve haver na UE uma verdadeira vontade política para atingir este objetivo e incentivar a diversificação das energias utilizadas, favorecendo as energias renováveis. A União Europeia da Energia pretendida pelo Presidente Jean-Claude Juncker (24) desempenhará certamente este papel de incentivo político.

4.2.2.

Segundo o CESE, o terceiro «pacote da energia» deve ser aplicado rapidamente, tanto mais que a legislação relativa ao comércio transfronteiras de energia continua a estar fragmentada.

4.2.3.

O CESE sublinha a necessidade de aplicar, sem mais demora, as reformas estruturais necessárias à eliminação dos obstáculos ao investimento em infraestruturas, nomeadamente as que têm uma dimensão transfronteiras.

4.2.4.

O CESE não duvida que a promoção das regras da concorrência contribua para a abertura dos mercados nacionais da energia, conforme demonstrado pelos processos «Bolsas de eletricidade» e «OPCOM/Bolsa de eletricidade romena» citados no relatório da Comissão (25), no âmbito dos quais a Comissão, por um lado, aplicou uma coima nos termos do artigo 101.o do TFUE a duas bolsas que tinham acordado em não concorrer entre si e tinham repartido territórios e, por outro lado, aplicou uma coima à OPCOM, a bolsa de eletricidade romena, nos termos do artigo 102.o do TFUE, por discriminação contra negociantes de eletricidade de outros Estados-Membros.

4.2.5.

Contudo, interroga-se sobre a afirmação segundo a qual apesar de os preços por grosso da eletricidade terem diminuído graças à intensificação da concorrência, tal não resultou numa descida do nível geral dos preços para os consumidores finais (26).

4.2.6.

Neste ponto, o CESE apoia as investigações realizadas pela Comissão, nos termos do artigo 102.o do TFUE, sobre a exploração abusiva por parte da Gazprom da sua posição dominante no setor do fornecimento de gás natural na Europa Central e Oriental (27).

4.3.   Serviços financeiros e bancários

4.3.1.

O ano de 2014 testemunhou a evolução do processo de revisão aprofundada da regulação e supervisão bancárias. As regras propostas visam, nomeadamente, aumentar a transparência dos mercados financeiros.

4.3.2.

A Comissão também zelou por que os estabelecimentos financeiros apoiados por auxílios estatais fossem reestruturados ou abandonassem o mercado, e dedicou particular atenção aos riscos de distorção da concorrência entre esses estabelecimentos financeiros (28).

4.3.3.

O CESE acompanhou com interesse as investigações realizadas pela Comissão sobre as práticas comerciais anticoncorrenciais e congratula-se com as decisões adotadas pela Comissão e as autoridades nacionais da concorrência que sancionam as «comissões interbancárias».

4.3.4.

Assim, acolhe positivamente o acórdão do Tribunal de Justiça da UE no processo Mastercard (29), que confirma a análise da Comissão. De facto, as comissões interbancárias pagas pelos consumidores aquando dos pagamentos por cartão bancário eram cada vez mais elevadas, numerosas e opacas.

4.3.5.

Além disso, estas práticas comerciais entravavam a entrada, no mercado de pagamentos, de operadores económicos não bancários, capazes de oferecer aos consumidores outros meios de pagamento eletrónicos, móveis e seguros, através dos telefones inteligentes, por exemplo.

4.3.6.

A particularidade do processo Mastercard advinha também do facto de o mecanismo de fixação das comissões interbancárias multilaterais constituir uma restrição por efeito e não por objeto.

4.3.7.

O CESE congratula-se com o facto de o Tribunal de Justiça, tal como o Tribunal Geral, ter constatado que as comissões interbancárias multilaterais não apresentavam um caráter objetivamente necessário ao funcionamento do sistema Mastercard.

4.4.   Prestar mais apoio às PME

4.4.1.

O CESE considera muito positiva a atenção dada às PME, que são essenciais para o crescimento e têm um papel importante na realização dos objetivos da Estratégia Europa 2020. Aprova também as decisões da Comissão destinadas a apoiar o financiamento da atividade destas empresas e a adaptar as regras às suas necessidades específicas.

4.4.2.

O CESE congratula-se com o facto de estas políticas revelarem uma maior abertura em relação às profissões intelectuais e reconhece o papel determinante dos profissionais liberais europeus para o crescimento, na medida em que asseguram nos diferentes setores o contributo indispensável de conhecimentos necessário para a resolução de problemas complexos dos cidadãos e das empresas. Recomenda ainda à Comissão que prossiga e, se possível, intensifique esforços neste sentido.

4.4.3.

Por exemplo, as «Orientações relativas aos auxílios estatais que visam promover os investimentos de financiamento de risco» (30) poderiam permitir aos Estados-Membros facilitar o acesso ao financiamento às PME na sua fase de lançamento. Além disso, parecem ter sido pensadas para se adaptarem melhor às realidades do mercado.

4.4.4.

O CESE defende ainda as ações da Comissão contra os abusos de posição dominante que podem impedir a criação e desenvolvimento das PME e afetar a sua atividade.

4.4.5.

Com efeito, a Comunicação de minimis de 2014 (31) prevê uma zona de segurança para estes acordos sem efeitos significativos sobre a concorrência, pois são aplicados por empresas que não ultrapassam determinados limiares de quotas de mercado. A Comissão publicou igualmente um documento de orientação destinado às PME. O CESE considera, no entanto, que seria útil realizar ações de informação no terreno.

4.5.   Reforçar os recursos das ANC e a cooperação internacional

4.5.1.

O CESE aprecia a qualidade da cooperação desenvolvida entre a Comissão e as ANC, considerando que esta assegura a interação indispensável ao bom funcionamento do mercado.

4.5.2.

Apoia todas as medidas necessárias à cooperação das ANC, o que exige que estas disponham de recursos e que sejam independentes.

4.5.3.

O CESE aprova as iniciativas da Comissão para criar um verdadeiro espaço europeu da concorrência, o que pressupõe uma harmonização das regras de base dos direitos nacionais, pois isso torna mais segura a atividade económica no mercado único.

4.5.4.

Considera igualmente que os Estados-Membros devem dispor de um quadro jurídico completo que permita efetuar as inspeções necessárias e impor coimas eficazes e proporcionadas.

4.5.5.

Os programas de clemência que demonstraram a sua eficácia na luta contra os cartéis devem, igualmente, ser generalizados a todos os Estados-Membros.

4.5.6.

A cooperação multilateral com a OCDE, a Rede Internacional da Concorrência e a CNUCED deve continuar ativa e a Comissão deve esforçar-se por desempenhar aqui um papel preponderante.

4.5.7.

Por fim, o CESE sublinha que a assistência técnica deve acompanhar mais as discussões de adesão com os países candidatos.

Bruxelas, 9 de dezembro de 2015.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Processo M.7217 — Facebook/WhatsApp, decisão da Comissão de 3 de outubro de 2014.

(2)  Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO L 24 de 29.1.2004, p. 1).

(3)  Processo AT.39985 — Motorola — Aplicação de SEP de GPRS, decisão da Comissão de 29 de abril de 2014. Processo AT.39939 — Samsung — Aplicação de patentes essenciais UMTS, decisão da Comissão de 29 de abril de 2014.

(4)  Processo AT.40023 — Acesso transfronteiriço a conteúdos televisivos pagos, 13 de janeiro de 2014.

(5)  Regulamento (UE) n.o 316/2014 da Comissão, de 21 de março de 2014, relativo à aplicação do artigo 101.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a certas categorias de acordos de transferência de tecnologia (JO L 93 de 28.3.2014, p. 17), «Orientações sobre a aplicação do artigo 101.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia aos acordos de transferência de tecnologia» (JO C 89 de 28.3.2014, p. 3).

(6)  Processo SA.34947 — RU — Auxílio à Central Nuclear C de Hinkley Point, 8 de outubro de 2014.

(7)  Processo AT.39952 — Bolsas de eletricidade, decisão da Comissão de 5 de março de 2014.

(8)  Processo AT.39984 — OPCOM/Bolsa de eletricidade romena, decisão da Comissão de 5 de março de 2014.

(9)  Processo AT.39767 — BEH eletricidade.

(10)  Processo AT.39816 — Fornecimento de gás a montante, na Europa Central e Oriental, 4 de setembro de 2012.

(11)  Processo SA.36061 — UK Business Bank, decisão da Comissão de 15 de outubro de 2014. Processo SA.37824 — Instituição Financeira de Desenvolvimento, decisão da Comissão de 28 de outubro de 2014.

(12)  Processo AT.39924 — Derivados de taxas de juro em francos suíços, decisão da Comissão de 21 de outubro de 2014 http://europa.eu/rapid/press-release_IP-14-1190_en.htm

(13)  Não foi aplicada nenhuma coima à RBS, que beneficiou de imunidade, ao abrigo da Comunicação relativa à imunidade de 2006, por ter revelado à Comissão a existência do cartel, escapando assim a uma coima de aproximadamente 5 milhões de EUR pela sua participação na infração. A UBS e a JP Morgan viram as respetivas coimas reduzidas por terem cooperado no inquérito, no âmbito do programa de clemência da Comissão. Os quatro bancos que escolheram resolver o litígio por via da transação com a Comissão beneficiaram de uma redução de 10 % adicionais da coima.

(14)  Comunicação da Comissão — Orientações relativas aos auxílios estatais que visam promover os investimentos de financiamento de risco (JO C 19 de 22.1.2014, p. 4).

(15)  Comunicação da Comissão — Enquadramento dos auxílios estatais à investigação, desenvolvimento e inovação (JO C 198 de 27.6.2014, p. 1).

(16)  Comunicação da Comissão — Projeto de comunicação relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do artigo 101.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Comunicação de minimis) (JO C 291 de 30.8.2014, p. 1).

(17)  Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o e 82.o do Tratado (JO L 1 de 4.1.2003, p. 1), ver nota de rodapé 2.

(18)  Comunicação da Comissão — Orientações da UE relativas à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais à implantação rápida de redes de banda larga (JO C 25 de 26.1.2013, p. 1).

(19)  JO C 230 de 14.7.2015, p. 72 e JO C 44 de 15.2.2013, p. 104.

(20)  Comunicação da Comissão — Orientações relativas aos auxílios estatais que visam promover os investimentos de financiamento de risco (JO C 19 de 22.1.2014, p. 4).

(21)  Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia (JO L 349 de 5.12.2014, p. 1).

(22)  Ver nota de rodapé 3.

(23)  JO C 25 de 26.1.2013, p. 1.

(24)  Jean-Claude Juncker, «Um novo começo para a Europa: o meu Programa para o emprego, o crescimento, a equidade e a mudança democrática»; orientações políticas para a próxima Comissão Europeia, alocução na sessão plenária do Parlamento Europeu, 15 de julho de 2014.

(25)  Processo AT.39952 — Bolsas de eletricidade, decisão da Comissão de 5 de março de 2014 e Processo AT.39984 — OPCOM/Bolsa de eletricidade romena, decisão da Comissão de 5 de março de 2014.

(26)  Comunicação da Comissão — Preços e custos da energia na Europa, de 29 de janeiro de 2014.

(27)  Processo AT.39816 — Fornecimento de gás a montante, na Europa Central e Oriental.

(28)  Processo SA.38994 — Regime de apoio à liquidez dos bancos búlgaros, Decisão da Comissão de 29 de junho de 2014.

(29)  Acórdão do Tribunal de Justiça, de 11 de setembro de 2014, no Processo C-382/12 P — MasterCard e o./Comissão.

(30)  Comunicação da Comissão — Orientações relativas aos auxílios estatais que visam promover os investimentos de financiamento de risco (JO C 19 de 22.1.2014, p. 4).

(31)  Comunicação da Comissão — Projeto de comunicação relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do artigo 101.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Comunicação de minimis) (JO C 291 de 30.8.2014, p. 1).


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