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Document 52012IE1769

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Indústrias náuticas: Uma mutação acelerada pela crise» (parecer de iniciativa)

JO C 133 de 9.5.2013, p. 1–7 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

9.5.2013   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 133/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Indústrias náuticas: Uma mutação acelerada pela crise» (parecer de iniciativa)

2013/C 133/01

Relator: Edgardo Maria IOZIA

Correlator: Patrizio PESCI

Em 12 de julho de 2012, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, um parecer de iniciativa sobre o tema

Indústrias náuticas: Uma mutação acelerada pela crise.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Comissão Consultiva das Mutações Industriais, que emitiu parecer em 22 de janeiro de 2013.

Na 487.a reunião plenária de 13 e 14 de fevereiro de 2013 (sessão de 13 de fevereiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 70 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O turismo náutico, que corresponde à navegação de recreio, seja por meio de uma embarcação (barco à vela ou motor, canoa, caiaque, etc.) ou através de variadas atividades náuticas (windsurf, kitesurf, mergulho, pesca recreativa, etc.), é há muito praticado na Europa por todas as classes sociais. Neste sentido, a atividade náutica europeia não é considerada apenas um passatempo estival, mas contribui para desenvolver e comunicar valores desportivos, culturais, ambientais e sociais. Assim, a náutica popular europeia desempenha um importante papel social e apoia os valores da União Europeia.

1.2

Através das atividades náuticas, as gerações jovens, em especial, podem aprender a respeitar a natureza, a valorizar o trabalho em comum e adquirir o sentido da responsabilidade, assim como socializar, realizar uma atividade desportiva divertida e a preços acessíveis, conhecer novos territórios através do turismo náutico e aceder a zonas marinhas de grande riqueza. Recentemente, a náutica assumiu uma função terapêutica, orientada para as pessoas com deficiência e para pessoas que perderam a confiança em si próprias, contribuindo para a sua reinserção e para a recuperação da segurança perdida.

1.3

Este parecer tem por base a constatação feita pelo Comité Económico e Social Europeu (CESE) de que o mercado único europeu, no que respeita às atividades náuticas, é ainda imperfeito. A audição pública realizada em outubro de 2012, por ocasião do Salão Náutico Internacional de Génova (Itália), com a participação de representantes da Comissão e do Parlamento Europeu, da indústria, dos trabalhadores, dos utilizadores e dos consumidores, das universidades e das associações ambientais, colocou em evidência as numerosas dificuldades que continuam a existir no mercado europeu deste setor. O CESE convida a Comissão Europeia a considerar as ações propostas no presente parecer, que são necessárias para completar o mercado único e combater as barreiras e outras restrições que ainda subsistem a nível nacional e internacional.

1.4

Nestes anos de crise, de acordo com os Estados-Membros, a indústria náutica europeia registou uma queda de produção muito acentuada, na ordem dos 40-60 %, com uma perda de 46 mil postos de trabalho e uma contração da faturação total do setor de 3 a 4,5 mil milhões de euros ao nível da produção. Não obstante, continua a ser a indústria náutica mais importante a nível mundial, assistindo-se a um enfraquecimento da concorrência americana e ao crescimento de novos países emergentes, como o Brasil, a China e a Turquia.

1.5

O CESE considera indispensável não desperdiçar este património de competências e de capacidades inovadoras, que permitiu que as empresas resistissem, aumentando a sua vocação para as exportações, embora quase exclusivamente de produtos de topo de gama.

1.6

O mar Mediterrâneo é a zona em que se concentra mais de 70 % do turismo náutico mundial, que constitui assim uma fonte de rendimento muito importante para os países costeiros. Este tipo de turismo é dificultado por leis nacionais divergentes entre si em matéria, por exemplo, de registo das embarcações de recreio, certificados nacionais de condução de embarcações, medidas de segurança e de fiscalidade, para citar as mais importantes.

1.7

O CESE, ainda que ciente das diferentes sensibilidades existentes nos países com uma longa vocação marítima, recomenda à Comissão que encontre soluções comuns e considera de particular interesse para o setor que se comece a assistir à aplicação do princípio da não discriminação direta ou indireta que rege o mercado interno em matéria de circulação de bens, serviços e pessoas.

1.8

Na Europa, apesar de as exigências de segurança e ambientais para a construção das embarcações de recreio estarem harmonizadas a nível europeu, o quadro normativo da navegação de recreio dessas mesmas embarcações varia consideravelmente de país para país no que respeita às condições de utilização (licenças de navegação, registo, regulamentos e equipamentos de segurança, fiscalidade, etc.). Estas diferenças nacionais fragmentam o mercado único europeu, criando confusão entre os operadores económicos e os utilizadores, assim como uma certa forma de concorrência desleal. O exemplo mais flagrante é, sem dúvida, o do mar Mediterrâneo onde, desde Espanha até à Grécia, passando por França, Itália, Eslovénia e Croácia, a náutica é regulada de forma diferente em cada país. Essas diferenças de tratamento não existem para outros meios de transporte como o automóvel, o comboio ou o avião.

1.9

Na interessante audição realizada no âmbito do Salão Náutico Internacional de Génova, os representantes da indústria náutica, nos seus vários subdomínios, os representantes dos trabalhadores do setor e as associações ambientais solicitaram de forma unânime e veemente que a União Europeia empreenda iniciativas idóneas para apoiar as atividades da indústria náutica.

1.10

Para além de constituir um setor em que a inovação, a investigação e o desenvolvimento são essenciais para a sua própria sobrevivência, ao contrário de tantos outros setores, a indústria náutica não pede medidas extraordinárias nem apoio económico, mas apenas iniciativas e ações que visem a concretização do mercado único europeu neste âmbito.

1.11

O CESE partilha a preocupação dos representantes do setor e apela à Comissão a que faça acompanhar a adoção da revisão da Diretiva 94/25/CE sobre embarcações de recreio com um comprimento máximo de 24 metros de outras iniciativas a incluir num plano de ação específico. Seria de grande utilidade preparar um Livro Verde sobre as medidas a adotar pela indústria náutica, com a participação de todas as partes interessadas, definindo seguidamente um plano de ação que seja coerente com os princípios gerais de uma nova política industrial europeia (1) e de uma política europeia para um turismo sustentável (2).

1.12

O CESE salienta em especial algumas questões que cabe abordar e resolver:

negociar com países terceiros (em especial, com os EUA, a China e o Brasil) novas regras de reciprocidade para o acesso dos produtos europeus aos seus mercados; reforçar a vigilância do mercado para evitar a importação de países terceiros de embarcações de recreio que não estão em conformidade com os parâmetros europeus de poluição sonora e emissões, dando assim origem a concorrência desleal;

favorecer uma formação homogénea e contínua que permita reconhecer as qualificações profissionais adquiridas, favorecendo a mobilidade laboral – as forças sociais preconizam um passaporte europeu de formação no setor;

constituir uma base de dados europeia sobre a sinistralidade relativa à navegação recreativa e náutica, para se poderem compreender os riscos relacionados com estas atividades e adotar regulamentos em matéria de segurança e as normas mais apropriadas;

adotar regulamentos em matéria de segurança uniformes no território da União e, em especial, nas bacias marítimas, como o mar Mediterrâneo, o mar Báltico e outros mares europeus;

encomendar um estudo técnico para rever o sistema atual das categorias de conceção, como também solicita o Parlamento Europeu no âmbito da revisão da Diretiva 94/25/CE;

facilitar o acesso das indústrias náuticas aos fundos europeus de investigação, desenvolvimento e inovação, como sucede com as indústrias de outros meios de transporte;

promover a adoção e a utilização de normas internacionais que sejam efetivamente respeitadas. Os EUA, por exemplo, participam na elaboração das normas ISO, mas não as reconhecem nem as utilizam a nível nacional, preferindo as normas americanas;

harmonizar os tratamentos fiscais em matéria de turismo náutico no mercado único. Alguns Estados-Membros equiparam a taxa do IVA aplicável às tarifas portuárias e o aluguer dos barcos à taxa reduzida do IVA aplicável à indústria hoteleira, enquanto outros aplicam as taxas normais, o que evidentemente prejudica de forma injustificada os operadores nacionais;

reforçar a atratividade das atividades náuticas para as gerações mais jovens, quer no plano profissional, quer a nível recreativo e desportivo.

2.   Indústria náutica europeia

2.1

Atualmente, a indústria náutica é constituída por mais de 37 000 empresas, que empregam diretamente 234 000 pessoas, gerando uma faturação anual de 20 mil milhões de euros em 2011. Do total, 97 % são pequenas e médias empresas; os grandes grupos, mais estruturados, correspondem a cerca de uma dezena. A crise económica e financeira em 2008/2009 provocou uma redução média das vendas e da produção industrial na ordem dos 40/60 %, e todos os segmentos de produtos foram afetados. Desde 2009, a crise económica provocou uma perda de mais de 46 000 postos de trabalho e uma diminuição da faturação total do setor de cerca de 3 a 4,5 mil milhões de euros ao nível da produção. As grandes empresas e as PME perderam idêntica percentagem de postos de trabalho. Tanto a perda de postos de trabalho como a diminuição da faturação se verificaram essencialmente na secção industrial do setor (ou seja, a construção naval e o fabrico de acessórios e peças). Os serviços (aluguer/fretamento de barcos de recreio, reparação e manutenção, marinas e portos de recreio), que em larga medida tinham conseguido subsistir até agora, começaram a sentir a crise este ano. Contudo, embora a crise tenha modificado profundamente o cenário internacional, a Europa continua a ser o líder mundial, face a um enfraquecimento da concorrência americana e ao crescimento de países emergentes como o Brasil, a China e a Turquia (3).

2.2

A atividade industrial do setor abrange todo o âmbito de produção da construção naval, desde as embarcações mais pequenas aos superiates com mais de 100 metros. Todavia, a indústria náutica tende sobretudo a dedicar-se à produção de embarcações com um comprimento máximo de 24 metros (cuja construção é regulada pela Diretiva 94/25/CE). A utilização de tais embarcações é múltipla: embarcações de recreio, pequenas embarcações profissionais para a guarda costeira, a política marítima e aduaneira, pequenos navios de passageiros utilizados em zonas turísticas e nas ilhas e embarcações especializadas. A indústria produz os equipamentos e as peças (motores e sistemas de propulsão, equipamento de convés, eletrónica e sistemas de navegação, velas, pinturas, mobiliário e acessórios de interior), acessórios náuticos (equipamento de segurança, produtos têxteis, etc.) e equipamento para as atividades náuticas desportivas (mergulho, windsurf, kitesurf, canoagem/caiaque, etc.).

2.3

As atividades de serviço são em grande número e variadas, uma vez que cobrem a gestão e o desenvolvimento dos 4 500 portos de recreio e marinas europeus (que oferecem 1,75 milhões de lugares para embarcações a uma frota europeia com 6,3 milhões de embarcações), mas também o comércio e a manutenção das embarcações, o aluguer e o fretamento marítimo e fluvial (com ou sem equipamento), as escolas náuticas, os peritos marítimos, os serviços financeiros e de seguros especializados no setor da náutica, etc.

2.4

Hoje em dia, na Europa, 48 milhões de pessoas praticam uma ou mais atividades náuticas, 36 milhões das quais de barco (a motor ou à vela) (4). O perfil do desportista reflete efetivamente as diferentes categorias sociais de cada país: as atividades náuticas, embora amiúde injustamente associadas nos media apenas a ambientes de luxo, não são reservadas a uma elite social. É legítimo falar principalmente de «náutica popular».

2.5

Além disso, tem-se observado, na última década, um fenómeno de aumento da idade média dos desportistas, em consonância com as tendências demográficas europeias, o que é preocupante para o futuro da náutica.

2.6

Em diversos países europeus, as empresas náuticas e as federações desportivas desenvolveram há vários anos, através das suas associações, iniciativas para oferecer experiências náuticas às gerações mais jovens. Estas iniciativas diversas têm por objetivo dar a conhecer a náutica enquanto atividade desportiva e turística, e enquanto setor profissional, oferecendo aos aprendizes e estudantes experiências profissionais e estágios em empresas. Estas iniciativas nacionais poderiam empreender-se também a nível europeu, no sentido de organizar ações coletivas de promoção da náutica, por ocasião de eventos como, por exemplo, o Dia Europeu do Mar, em 20 de maio (5).

2.7

Com 66 000 km de costa, a Europa é o primeiro destino mundial para a navegação de recreio. As atividades náuticas, que geralmente são marítimas, também se praticam a nível continental, com uma forte presença em alguns países, quer ao longo dos 27 000 km de vias navegáveis interiores, quer em lagos (na Europa há 128 lagos com uma superfície superior a 100 km2). Em especial, o mar Mediterrânico concentra 70 % da atividade de fretamento náutico mundial, em todas as categorias de comprimento.

2.8

A indústria europeia é uma indústria aberta e competitiva que comercializa cerca de dois terços da produção no mercado interno e exporta para os mercados tradicionais, como o dos EUA, Canadá e Austrália/Nova Zelândia. Dada a queda da procura nesses países, a indústria europeia assiste a um aumento cada vez maior das exportações para os mercados emergentes da Ásia (principalmente a China) e da América Latina (sobretudo Brasil), onde a procura é forte, mas cujas autoridades locais querem proteger e desenvolver a própria indústria nacional. Na Ásia, as dificuldades administrativas e os trâmites de importação desencorajam, em especial, as PME europeias. A marca CE dos produtos europeus não é geralmente reconhecida e as empresas de construção têm de apresentar a sua própria documentação técnica para obter uma homologação local, o que coloca problemas graves em termos de proteção da propriedade intelectual à indústria náutica europeia, comporta custos exorbitantes para as PME e incita as grandes empresas a deslocalizarem a sua produção.

3.   Consequências da legislação europeia na indústria náutica

3.1

Em 1994, adotou-se a diretiva europeia sobre embarcações de recreio (Diretiva 94/25/CE), que permitiu a harmonização a nível europeu dos requisitos de segurança para as embarcações de recreio com comprimento entre 2,5 e 24 metros. Esta diretiva foi modificada em 2003 (Diretiva 2003/44/CE), com o acrescento de novos requisitos ambientais (por exemplo, a redução dos níveis de emissão de gases com efeito de estufa e de poluição sonora dos motores marítimos) e a inclusão das embarcações individuais (personal watercraft) (motos de água ou jet-skis) no âmbito de aplicação da diretiva.

3.2

No espaço de 15 anos, a aplicação desta diretiva sobre as embarcações de recreio determinou o desenvolvimento, a nível internacional, de mais de 60 normas harmonizadas EN-ISO, aplicáveis às embarcações e às embarcações individuais. Tais normas, de origem europeia, são hoje utilizadas como ponto de referência técnica a nível internacional. A Diretiva 94/25/CE também permitiu a criação de um mercado único europeu para as embarcações de recreio, facilitando as condições para o comércio, a concorrência e o intercâmbio dentro da Europa. O CESE solicita à Comissão que apresente propostas coerentes, para permitir a criação de um mercado único europeu para os serviços náuticos, assegurando a convergência das condições de utilização e de navegação na Europa.

3.3

A Diretiva 94/25/CE está atualmente a ser revista e debatida entre o Parlamento Europeu e o Conselho (Proposta de Diretiva COM(2011) 456 final). As alterações mais notáveis dizem respeito a uma redução adicional dos níveis de emissões de gases para os motores marítimos, à obrigação de instalar a bordo depósitos ou sistemas de tratamento de águas residuais e a adaptação aos requisitos do novo quadro jurídico europeu para a comercialização de produtos harmonizados (Decisão n.o 768/2008 e Regulamento 765/2008/CE). O CESE manifestou-se a favor da proposta de revisão (6).

3.4

Na opinião do CESE, a nova diretiva representa uma oportunidade para reconsiderar o sistema atual de classificação das embarcações de recreio. Com efeito, a diretiva prevê que as embarcações se subdividam em quatro categorias de conceção, em função da sua capacidade para enfrentar determinadas condições meteorológicas e marinhas (força do vento e altura das ondas). O Parlamento Europeu solicitou que a Comissão Europeia levasse a cabo um estudo de caráter técnico sobre a pertinência e a possibilidade de rever o sistema atual das categorias de conceção, para refletirem a grande variedade de embarcações de recreio presentes no mercado, dando ao utilizador indicações precisas sobre as características das embarcações. Tanto a indústria náutica europeia como a federação europeia dos utilizadores se manifestaram a favor da iniciativa do Parlamento Europeu (7). O CESE insta a Comissão a realizar o estudo.

3.5

No âmbito do transporte marítimo, a Comissão empreendeu a revisão da Diretiva 2009/45/CE, relativa às regras e normas de segurança para os navios de passageiros superiores a 24 m de comprimento, construídas com aço e que efetuem viagens nacionais. No entanto, hoje em dia, a maior parte destas embarcações é construída com materiais que não o aço (especialmente com fibra de vidro e materiais compósitos) e, por conseguinte, sujeita à legislação nacional. A proposta de simplificação dessa diretiva, que a Comissão Europeia está a preparar, poderá levar a um alargamento do âmbito de aplicação, incluindo os navios de passeiros com comprimento máximo de 24 m e/ou construídos com materiais que não o aço. É importante assegurar que o alargamento do âmbito de aplicação não prejudica as empresas de construção naval europeias que constroem os navios de passageiros de pequena dimensão.

4.   A indústria europeia náutica face ao problema da procura

4.1

Face a uma profunda crise financeira com consequências económicas dramáticas, a indústria náutica europeia reagiu com rapidez, adotando as medidas necessárias para encontrar mercados novos fora dos mercados tradicionais (Europa, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia), investir em novos modelos e novas tecnologias para propor produtos inovadores, reduzir os custos de produção e defender assim a sua posição de líder mundial. Por outro lado, os atuais preços das embarcações novas são mais competitivos do que no passado para os consumidores.

4.2

Importa enfrentar o problema do financiamento tanto da produção industrial como da aquisição das embarcações, tendo em conta as dificuldades impostas pelo sistema bancário europeu. Um dos efeitos da crise financeira no setor náutico foi o desvio da procura, habitual em produtos que não são de primeira necessidade. Por outro lado, o sistema bancário já não aceita o valor das embarcações de recreio como garantia para o financiamento, temendo uma queda considerável do seu valor. Uma das consequências da crise financeira foi a estagnação do mercado de segunda mão, com a venda a preços muito baixos das embarcações de recreio detidas pelos bancos. O arrendamento a prazo fixo (leasing), muito popular no setor náutico, também entrou em crise. Trata-se de uma situação similar à observada noutros setores, como por exemplo no setor imobiliário em Espanha.

4.3

Antes da crise, os mercados tradicionais representavam cerca de 80 % das vendas da indústria náutica europeia, destinando-se os restantes 20 % aos mercados emergentes. A redução das vendas em 40-60 % nos mercados tradicionais, agravada pela atual estagnação, foi apenas parcamente compensada pelo aumento das vendas nos mercados emergentes. Por outro lado, um grande número de estaleiros constrói barcos de recreio de nível básico (por exemplo, barcos e embarcações pneumáticas) não conseguem encontrar novas saídas comerciais nos mercados emergentes por não haver lá procura deste tipo de produtos (quer por uma questão de preço, quer por a cultura náutica ser ainda inexistente nas classes populares e nas classes médias desses países). Por conseguinte, nesses mercados, a indústria náutica europeia deve fazer frente ao problema da procura mais do que ao problema da competitividade.

4.4

Na Europa, o quadro normativo da navegação de recreio continua a ser, em grande parte, da competência dos Estados-Membros. Ainda que a construção das embarcações de recreio tenha sido harmonizada a nível europeu, as condições de utilização (licenças de navegação, registo, equipamento de segurança, fiscalidade do setor, etc.) variam consideravelmente de país para país. O CESE considera que, neste caso, o princípio de subsidiariedade prejudica o desenvolvimento de um mercado único europeu.

4.5

A vigilância do mercado afigura-se atualmente muito insatisfatória a nível europeu. Muitas embarcações de recreio que não estão em conformidade com os parâmetros europeus de poluição sonora e emissões são importadas e vendidas na Europa sem que os importadores sejam controlados pelas autoridades responsáveis pela vigilância do mercado, criando concorrência desleal.

4.6

A ação da Comissão deve zelar, em particular, para que o desenvolvimento da indústria e dos serviços no setor das diversões náuticas seja conforme aos princípios de proteção do ambiente e das paisagens, sobretudo no domínio da conservação dos recursos e dos ecossistemas naturais, da luta contra a poluição sonora nas vias navegáveis interiores e a poluição dos recursos hídricos por resíduos municipais e industriais, da segurança das pessoas que participam nos diferentes tipos de atividades recreativas aquáticas e ligadas à água, etc.

5.   O que pode a Europa fazer?

5.1

O CESE organizou uma audição pública no âmbito do Salão Náutico Internacional de Génova (em outubro de 2012), durante a qual, graças ao número e qualidade dos participantes, pôde recolher os pontos de vista e ficar a conhecer os problemas e ambições de vários intervenientes europeus do setor náutico.

5.2

A indústria náutica europeia é hoje líder mundial, apesar da atual crise económica, graças à inovação que as empresas sempre realizaram. As atuais dificuldades de acesso ao financiamento através do sistema bancário põem em perigo a capacidade das empresas europeias para investirem em investigação, desenvolvimento e inovação. A inovação continua a ser o elemento mais decisivo para manter a liderança da náutica europeia. É necessário facilitar o acesso das empresas do setor náutico aos fundos europeus de investigação, desenvolvimento e inovação, hoje disponíveis para outros meios de transporte, mas de limitado acesso para a náutica. A nível nacional, a não tributação dos investimentos na investigação, desenvolvimento e inovação é outro instrumento que importa promover. A inovação no âmbito da indústria náutica não se dá apenas no plano tecnológico mas também no plano da utilização e da manutenção, assim como ao nível de serviços como o aluguer ou o financiamento da náutica.

5.3

A situação na Europa é muito heterogénea no que respeita às concessões estatais a empresas náuticas. Em alguns casos, os investimentos nos portos de recreio são limitados pelas condições em que essas concessões são outorgadas (com uma duração demasiado limitada ou com incerteza quanto à renovação da concessão). O CESE recomenda que a UE elabore orientações para facilitar os investimentos neste setor por parte das empresas europeias.

5.4

Com o Tratado de Lisboa, o turismo passou a figurar entre as competências da UE, que, por conseguinte, pode propor iniciativas. A Comissão Europeia anunciou para 2013 a publicação da sua estratégia para o turismo costeiro e marinho. Esta estratégia deverá permitir em última instância a difusão da prática da navegação de recreio na Europa e enfrentar um determinado número de problemas em foco nesse futuro documento, com as diferenças regulamentares em matéria de licenças de navegação, registos ou, inclusivamente, de requisitos de segurança, para introduzir medidas que permitam uma convergência das normas que regem a navegação de recreio na Europa.

5.5

O CESE acolhe favoravelmente o desenvolvimento das zonas marinhas protegidas, que se estão a multiplicar na Europa e, sobretudo, no Mediterrâneo, mas assinala que esta situação provoca incerteza quanto às normas de navegação. O CESE recomenda que se efetue uma harmonização a nível europeu das normas para o acesso das embarcações de recreio às zonas marinhas protegidas, para que o utilizador saiba à partida se a sua embarcação está equipada para navegar nas zonas referidas.

5.6

Para melhorar a segurança, seria útil recolher a nível europeu os dados relativos à sinistralidade numa única base de dados comum, que permitiria um estudo conjunto e uma melhor compreensão dos riscos ligados à prática de atividades náuticas, a fim de promulgar as normas mais adequadas aos riscos existentes. O CESE solicita à Comissão que elabore um modelo de recolha de dados, acordado com os Estados-Membros, para recolher dados homogéneos e comparáveis.

5.7

Por outro lado, a questão da formação profissional e do reconhecimento das qualificações correspondentes a nível europeu é fundamental. A formação nos ofícios náuticos (sobretudo no âmbito industrial para os aprendizes, assim como para os ofícios dos serviços ligados à reparação e à manutenção) não está disponível em toda a Europa. Convém refletir sobre como desenvolver planos de formação reconhecidos a nível europeu, o que permitiria uma formação de qualidade e favoreceria uma maior mobilidade dos trabalhadores na Europa, atraindo os jovens para as profissões relacionadas com a náutica. Importa criar um «passaporte» da formação europeia, como o que foi adotado no caso dos engenheiros de minas. As partes sociais deveriam participar no desenvolvimento de um sistema de reconhecimento das qualificações a nível europeu, propondo, por exemplo, um projeto-piloto no quadro do ECVET (Sistema Europeu de Créditos do Ensino e Formação Profissionais) (8). Também a formação da tripulação e a experiência marítima são dois setores que beneficiariam de uma abordagem europeia, permitindo assim abrir o mercado de trabalho na UE. A indústria náutica sofreu no passado de falta de visibilidade e de conhecimento dos seus ofícios nas escolas e universidades, o que também limitou o conhecimento das possíveis carreiras profissionais náuticas. Em vários países europeus, não há sequer acordos sociais específicos para a náutica, o que também condiciona a atratividade do setor.

5.8

A indústria europeia utiliza há 15 anos normas internacionais ISO harmonizadas pela Diretiva 94/25/CE. É fundamental promover a utilização das normas internacionais de tipo ISO como referência técnica única para as embarcações de recreio a nível internacional, a fim de evitar a proliferação de normas nacionais (brasileiras, chinesas, etc.), que levariam a mais fragmentação em matéria de requisitos técnicos e constituiriam autênticos obstáculos.

5.9

A UE pode e deve defender a sua indústria náutica, melhorando e tornando efetivas as medidas diretas e indiretas de controlo e vigilância no mercado e apoiando o acesso aos mercados não europeus para as suas exportações. Importa aproveitar a oportunidade oferecida pelas negociações comerciais entre a UE e o Mercosul, por exemplo, para combater as medidas protecionistas e os direitos aduaneiros exorbitantes impostos por alguns países da América do Sul com o objetivo de limitar o acesso aos seus mercados.

Bruxelas, 13 de fevereiro de 2013

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Comunicação da Comissão Europeia sobre «Reforçar a indústria europeia em prol do crescimento e da recuperação económica» COM(2012) 582 final.

(2)  Comunicação da Comissão Europeia sobre a «Europa, primeiro destino turístico do mundo – novo quadro político para o turismo europeu» COM(2010) 352 final.

(3)  Os dados estatísticos são provenientes das estatísticas anuais do setor náutico, publicadas no «Annual ICOMIA Boating Industry Statistics Book (2007-2012)».

(4)  Fonte: European Boating Industry, European Boating Association, Annual ICOMIA Boating Industry Statistics Book.

(5)  O Dia Europeu do Mar de 2013 será consagrado ao tema do desenvolvimento costeiro e do turismo marinho sustentável, em 21 e 22 de maio, em Malta, com o apoio da Comissão Europeia (DG Assuntos Marítimos e Pescas).

(6)  Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às embarcações de recreio e às motos de água [COM(2011) 456 final — 2011/0197 (COD)], JO C 043 de 15.2.2012, p. 30

(7)  European Parliament, DG for internal policies, Policy Dpt A- Economic & Scientific Policy: «Design categories of Watercrafts» Briefing Note, IP/A/IMCO/NT2012-07, PE 475.122 (Junho de 2012) http://www.europarl.europa.eu/committees/en/imco/studiesdownload.html?languageDocument=EN&file=74331

(8)  O Sistema Europeu de Créditos do Ensino e Formação Profissionais (ECVET) é o novo instrumento europeu para promover a confiança mútua e a mobilidade na educação e formação profissional.


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