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Document 52012IE0188
Opinion of the European Economic and Social Committee on ‘The current state of commercial relations between food suppliers and the large retail sector’ (own-initiative opinion)
Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Relações comerciais entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios – ponto da situação» (parecer de iniciativa)
Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Relações comerciais entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios – ponto da situação» (parecer de iniciativa)
JO C 133 de 9.5.2013, p. 16–21
(BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)
9.5.2013 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 133/16 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Relações comerciais entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios – ponto da situação» (parecer de iniciativa)
2013/C 133/03
Relator: Igor ŠARMÍR
Em 12 de julho de 2012, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, parágrafo A, das Disposições de Aplicação do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre as
Relações comerciais entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios – ponto da situação
Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, que emitiu parecer em 9 de janeiro de 2013.
Na 487.a reunião plenária de 13 e 14 de fevereiro de 2013 (sessão de 13 de fevereiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 79 votos a favor, 6 votos contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:
1. Conclusões e recomendações
1.1 |
O CESE constata que as empresas da grande distribuição constituem um oligopólio em todos os países. Segundo as estatísticas sobre as quotas de mercado, em toda a parte o mercado é controlado por um pequeno número de retalhistas. O CESE considera que esta posição de oligopólio dá às empresas que dele fazem parte um enorme poder de negociação face aos fornecedores, de tal modo que podem impor condições comerciais muito pouco equilibradas. |
1.2 |
O CESE constata que as empresas que constituem o oligopólio apenas competem entre si no tocante aos consumidores. Fazem-no para conquistar novos consumidores, mas não se vislumbra qualquer concorrência quanto aos fornecedores. No entanto, mesmo a concorrência entre as empresas de distribuição em relação aos consumidores exerce-se sobretudo ao nível dos preços de venda ao público e não tem suficientemente em conta os diferentes aspetos sociais e ambientais que configuram a qualidade integral (1). |
1.3 |
O CESE observa que há uma grande opacidade no domínio da formação dos preços e das margens de lucro dos diferentes intervenientes. Com efeito, devido às «margens a montante» de que a grande distribuição beneficia, o preço de compra pago aos fornecedores não reflete o valor real que estes recebem pelos seus produtos. |
1.4 |
O CESE está convencido de que quando uma parte contratante está em posição de impor as suas condições aos seus parceiros comerciais não há liberdade contratual. Segundo o CESE, o facto de a grande distribuição aplicar práticas abusivas e anticoncorrenciais aos fornecedores de géneros alimentícios demonstra que não existe uma verdadeira liberdade contratual. As práticas abusivas são prejudiciais não só para os produtores, mas também para os consumidores (sobretudo no longo prazo). De maneira geral, a atual dimensão do fenómeno de práticas abusivas lesa o interesse público e mais concretamente o interesse económico dos Estados. |
1.5 |
Para o CESE, as práticas abusivas particularmente preocupantes só ocorrem no quadro das relações entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios. Não são aplicadas pela indústria alimentar em relação aos agricultores, nem pela grande distribuição em relação aos fornecedores de produtos não alimentares. |
1.6 |
O CESE constata que, em alguns Estados-Membros, as tentativas dos agricultores e das empresas de transformação de constituir agrupamentos de produtores foram penalizadas pelas autoridades nacionais de concorrência uma vez que se avaliou o seu peso tendo apenas em conta a produção nacional. |
1.7 |
O CESE constata o falhanço do mercado, visto que num sistema insuficientemente regulamentado a situação continua a degradar-se. |
1.8 |
Segundo o CESE, a autorregulação não constitui uma resposta suficiente às distorções constatadas. Não são os «códigos de ética» que vão reequilibrar as relações comerciais em questão. A própria natureza destas práticas abusivas exige e justifica uma legislação que as proíba. |
1.9 |
O CESE solicita à Comissão Europeia que comece a trabalhar o tema dos oligopólios, analise o seu peso real e influência, determine em que medida o seu efeito é comparável ao dos monopólios e, subsequentemente, modifique de forma adequada as regras da concorrência. |
1.10 |
O CESE solicita à Comissão Europeia que também reconheça o défice de liberdade contratual nas relações entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios. |
1.11 |
O CESE solicita à Comissão Europeia que proponha soluções para tornar o sistema mais transparente. O ideal seria colocar as referidas margens da grande distribuição não a montante mas a jusante, isto é, obrigar as empresas a incorporar os preços dos diferentes serviços cobrados aos fornecedores no preço de compra do produto, permitindo deste modo ver quanto é que o fornecedor recebe efetivamente pelo seu produto. |
1.12 |
O CESE solicita à Comissão que instrua claramente as autoridades nacionais de concorrência a terem em conta, na avaliação do poder de negociação dos agrupamentos de produtores, a totalidade dos produtos alimentares de uma mesma categoria disponíveis no mercado do Estado em questão, e não apenas os fabricados no país. |
1.13 |
O CESE insta a Comissão Europeia a abandonar a ideia da autorregulação e a propor um documento jurídico vinculativo de modo a melhorar a situação na cadeia agroalimentar, fomentando uma concorrência não falseada. O conceito de regulamentação não se deve basear na proteção da concorrência, mas deve permitir que um Estado cujo interesse económico está em causa recorra às vias administrativas e judiciais. |
1.14 |
Por último, o CESE considera que há que legislar no sentido de uma «escolha societal», para além da lógica mercantilista, de molde a contrariar a tendência para a concentração de uma grande distribuição cada vez mais poderosa e a promover outras formas de comércio como os pequenos retalhistas independentes, os mercados locais ou as vendas diretas do produtor ao consumidor. Neste contexto, pede à Comissão que examine com especial atenção as fileiras mais curtas nos documentos que está a elaborar em matéria de luta contra o desperdício de produtos alimentares. |
2. Exposição dos motivos
2.1 Evolução da perceção da grande distribuição
A questão das relações comerciais entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios tem suscitado um interesse crescente e inclusive preocupação. No entanto, há dez anos, este era um assunto tabu, não só para as autoridades e instituições da UE, mas também para a maioria dos jornalistas (2), apesar de, em França, ter havido tentativas de legislação em 1992 e de, no Reino Unido, a Comissão da Concorrência ter realizado, em 1999 e 2000, um inquérito às práticas abusivas da grande distribuição em relação aos fornecedores de géneros alimentícios, o qual concluiu que os supermercados abusavam do seu poder de compra (este termo traduz essencialmente a capacidade do comprador de conseguir condições de compra mais favoráveis às que seriam possíveis num mercado plenamente concorrencial (3)). A grande distribuição era encarada, de uma maneira geral, como um fenómeno de utilidade pública, benéfico para todos, e o seu desenvolvimento chegou mesmo a ser considerado uma demonstração de saúde económica do país. As autoridades e os meios de comunicação social evocavam sobretudo os seus aspetos inegavelmente positivos, nomeadamente o facto de os consumidores poderem comprar quase tudo no mesmo local e a um preço interessante, bem como as infraestruturas disponibilizadas (por exemplo, lugares de estacionamento em número suficiente) e os serviços propostos. Aproximadamente há cinco anos, a situação alterou-se radicalmente e as instituições europeias publicaram inúmeros documentos críticos sobre este tema.
2.2 A posição de oligopólio da grande distribuição
2.2.1 |
A grande distribuição começou a desenvolver-se rapidamente há cerca de trinta anos e esta evolução esteve intimamente ligada ao processo de globalização. Com efeito, a maioria das grandes empresas de distribuição que controlam hoje o mercado retalhista são multinacionais, que estão muito mais bem posicionadas do que as pequenas e médias empresas (PME) para colher os benefícios das novas condições proporcionadas pela globalização. |
2.2.2 |
O crescimento das multinacionais (onde se incluem as empresas da grande distribuição) faz-se frequentemente à custa das PME. Em muitas áreas, a principal fatia do mercado é controlada por um número reduzido de grandes empresas transnacionais. Para além das empresas da grande distribuição temos, por exemplo, as indústrias farmacêutica e alimentar, as empresas de sementes (4) e as de transformação de petróleo, o setor bancário e tantas outras. Estas multinacionais não constituem monopólios. Na maioria dos casos contam com a concorrência de outras multinacionais, ou até de PME, razão pela qual não são consideradas como tendo uma posição dominante (5). |
2.2.3 |
As grandes empresas retalhistas europeias participam ativamente na conquista do mercado mundial. O distribuidor britânico Tesco, os retalhistas franceses Auchan e Carrefour, as multinacionais alemãs e austríacas Kaufland, Lidl, Metro ou Billa, bem como a empresa holandesa Ahold estão presentes em vários países. |
2.2.4 |
Daqui resulta que um número reduzido de grandes retalhistas controla eficazmente o mercado retalhista de géneros alimentícios em vários países. Por exemplo, na Alemanha, quatro empresas controlam 85 % do mercado e, no Reino Unido, também quatro empresas controlam 76 % do mercado. Na Áustria, três retalhistas controlam 82 % do mercado, na França, tal como nos Países Baixos, cinco empresas controlam 65 %, entre outros exemplos (6). Esta situação demonstra que, por um lado nenhum retalhista corresponde à definição oficial de posição dominante, mas, por outro lado, três a cinco empresas controlam a parte de leão do mercado e constituem um oligopólio. |
2.2.5 |
Não restam dúvidas que os membros destes oligopólios concorrem entre eles, mas unicamente quanto aos consumidores. Em relação os fornecedores, não se vislumbra qualquer concorrência, nomeadamente no tocante às PME. Ao contrário do que sucede com os fornecedores, que são muito mais numerosos, aos compradores não faltam possibilidades de escolha. Por outras palavras, os fornecedores têm de fazer um grande esforço e muitas concessões, para poderem vender os seus produtos, ao passo que os compradores selecionam os fornecedores que têm condições mais «flexíveis». |
2.2.5.1 |
Não obstante, a pretensão legítima do produtor de receber uma parte justa do valor acrescentado no quadro de uma relação comercial saudável e leal com os seus distribuidores também exige dele que esteja atento aos sinais que lhe são transmitidos por estes no atinente às expectativas do consumidor. Os produtores capazes de inovar e adaptar a preparação e a apresentação do seu produto terão maior poder de negociação. |
2.3 Práticas abusivas
2.3.1 |
Em virtude do seu poder de compra, os grandes distribuidores conseguem impor as cláusulas contratuais, em termos tais que configuram frequentemente um abuso do poder de compra. Estas cláusulas contratuais são também denominadas «práticas abusivas» ou «práticas desleais», de que foi elaborada, em diversas ocasiões, uma lista não exaustiva. Para além da pressão permanente no sentido da redução dos preços de compra, dos pagamentos tardios ou dos prazos de pagamento excessivamente longos, o recurso a práticas abusivas pela grande distribuição transformou completamente o modelo clássico de cooperação entre o fornecedor e o comprador. Em termos simples, pode dizer-se que, tradicionalmente, as partes contratantes acordavam o volume e o preço da mercadoria a entregar, bem como os outros termos e condições necessárias e, em seguida, o fornecedor entregava a mercadoria e o comprador pagava-a. Com a chegada da grande distribuição, este modelo alterou-se radicalmente. Hoje em dia, os fornecedores, que recebem cada vez menos dinheiro pelos seus produtos, são obrigados a pagar cada vez mais, ou a oferecer outras contrapartidas, pelos serviços do comprador. Assim, aqueles que deveriam receber dinheiro recebem as faturas! É de assinalar que a grande distribuição logrou impor este novo modelo, que é hoje em dia aceite de forma generalizada, sem que ninguém, a começar pelas autoridades competentes, se surpreenda com isso. |
2.3.2 |
Pode dizer-se que, de maneira geral, as práticas abusivas mais comuns dizem respeito a dois aspetos das relações entre o fornecedor e o comprador (7). O primeiro aspeto diz respeito à transferência, do comprador para o fornecedor, dos custos comerciais, ou seja, dos custos de promoção e de marketing, bem como dos custos dos equipamentos das lojas, da distribuição e da gestão das lojas individuais. Os retalhistas conseguem este objetivo através de diversos «pagamentos» impostos aos fornecedores, como por exemplo pela referenciação ou pelos folhetos promocionais. Em relação ao segundo aspeto, o distribuidor transfere para o fornecedor o custo do seu risco de negócio, o que na prática se traduz por ajustamentos posteriores do preço de compra em função das vendas da respetiva mercadoria aos consumidores finais, de modo a que qualquer diferença em relação aos níveis de vendas pretendidos seja suportada pelo fornecedor. O segundo objetivo é alcançado por intermédio de um sistema complexo de determinação do preço líquido final (diferentes tipos de bónus de devolução). Ambos os mecanismos distorcem a fórmula comercial simples segundo a qual os custos de produção são suportados pelo produtor e os custos de comercialização pelo comerciante. |
2.3.3 |
Este novo modelo de relações entre retalhistas e fornecedores foi criado a pretexto de ser necessária uma cooperação comercial mais estreita devido ao aumento da concorrência no mercado retalhista. Segundo a lógica dos grandes retalhistas, é do interesse dos fornecedores que as vendas dos seus produtos aumentem, razão pela qual é completamente legítimo que estes contribuam financeiramente para os custos de comercialização. Ainda que este ponto de vista esteja longe de ser unânime, os fornecedores têm de o aceitar. No entanto, a grande distribuição não se fica por aí, e esta cooperação comercial alargada é objeto de práticas abusivas ainda mais escandalosas. Ou os serviços realmente prestados são claramente sobrefaturados, ou os compradores cobram serviços puramente fictícios. Esta última prática é denominada «faturação injustificada», porque é manifestamente desprovida de qualquer contrapartida. A título de exemplo, pode-se mencionar o «pagamento por cooperação estável», o «pagamento por emissão da fatura», ou ainda «a contribuição para os custos da festa da empresa». Por mais incrível que pareça, algumas empresas enviaram mesmo faturas com estas descrições aos seus fornecedores de géneros alimentícios. |
2.3.3.1 |
Os deputados franceses identificaram mais de 500 motivos invocados pelas centrais de compra para exigirem vantagens suplementares aos seus fornecedores (8). |
2.3.3.2 |
De acordo com a Confederação das Indústrias Agroalimentares (FoodDrinkEurope) e a Associação Europeia das Indústrias de Produtos de Marca (AIM), em 2009, 84 % dos fornecedores europeus da grande distribuição foram vítimas do não-cumprimento dos termos contratuais, 77 % foram ameaçados de retirada dos seus produtos das prateleiras se não concedessem vantagens injustas às grandes superfícies, 63 % sofreram reduções dos preços faturados sem motivo comercial justificado, 60 % foram obrigados a fazer pagamentos sem qualquer contraprestação real. |
2.3.4 |
A faturação da grande distribuição dirigida aos seus fornecedores, que constitui as margens a montante, torna o sistema de preços perfeitamente opaco. Nem o fornecedor nem um observador externo podem assim saber o preço real de compra. As políticas comerciais baseadas na técnica da «dupla margem de lucro» estão a causar problemas graves aos consumidores e aos fornecedores (9). Cumpre impor um sistema mais transparente. |
2.4 Ausência de verdadeira liberdade contratual
2.4.1 |
Os fornecedores aceitam este sistema que lhes é muito desvantajoso porque não têm escolha. Para venderem os seus produtos, não podem prescindir da grande distribuição e, por isso, continuam a assinar contratos de vendas enquanto esta cooperação lhes garantir uma margem mínima. Com efeito, as práticas abusivas utilizadas pelas diversas empresas de distribuição são quase idênticas e, assim, não se pode dizer que seja preferível cooperar com uma e não com a outra. As relações comerciais são caracterizadas por uma atmosfera de medo (de retirada dos produtos dos fornecedores das prateleiras), o que é reconhecido mesmo em documentos oficiais (10). |
2.4.2 |
A aplicação de cláusulas contratuais abusivas é, regra geral, considerada não ética. No entanto, tendo em conta as práticas acima descritas, esta designação parece ser insuficiente. Numa situação em que as condições comerciais são ditadas pela parte mais forte e em que a outra parte não tem possibilidade real de as recusar, seria mais apropriado falar de chantagem ou extorsão. E nestas circunstâncias, também não é apropriado falar de liberdade contratual, a que muitas vezes se referem os retalhistas e as autoridades competentes. Da mesma forma que não se pode falar de liberdade contratual no caso das relações entre monopólios naturais (fornecedores de eletricidade e de gás, etc.), por um lado e, os consumidores, por outro, é ilusório designar desta maneira a realidade das relações entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios. |
2.5 Consequências e identificação das vítimas de práticas abusivas
2.5.1 |
A utilização de práticas abusivas pela grande distribuição prejudica os fornecedores, mas também nos consumidores. Por isso, os fornecedores, especialmente as unidades produtoras de pequena e média dimensão, veem-se amiúde confrontados com uma situação económica muito difícil, que pode levar à liquidação da empresa, o que acontece de vez em quando. As grandes empresas de produtos alimentares conseguem sair-se airosamente, dado que são capazes de compensar com grandes volumes de vendas um rendimento menor por produto. Além disso, estas multinacionais do setor alimentar têm também um poder de negociação muito importante: a grande distribuição não quer prescindir dos seus produtos e, por conseguinte, não pode tratá-las do mesmo modo que às PME. O resultado é que, por exemplo, em França, as vendas de vinte grandes grupos multinacionais asseguram 70 a 80 % das vendas do volume de negócios das grandes superfícies (11). |
2.5.2 |
No que diz respeito aos consumidores, que, de acordo com as autoridades competentes, são os principais beneficiários deste sistema, a realidade para eles é muito menos risonha do que nos querem fazer crer. De facto, vários elementos levam a pensar que a utilização de práticas abusivas contra os fornecedores se repercute negativamente também nos consumidores. Por um lado, estes nem sempre beneficiam de um baixo preço de compra (12), e por outro lado, a escolha torna-se mais limitada, há menos inovações, a qualidade dos produtos alimentares diminui devido à pressão constante sobre o preço de compra e, no final, os preços no retalho também acabam por subir (13). |
2.5.2.1 |
A grande distribuição também tem um impacto social muito importante, uma vez que o seu funcionamento abalou alguns tabus da sociedade. Por exemplo, o domingo já não é tão sagrado como antigamente, porque os hipermercados e os supermercados estão abertos todos os dias da semana, ou 24 horas sobre 24, com todas as consequências relacionadas com as condições de trabalho. |
2.5.3 |
Além do setor alimentar, o fenómeno da grande distribuição afeta muitas outras áreas. No entanto, as vítimas de práticas abusivas são sobretudo os produtores de géneros alimentícios. As razões são provavelmente múltiplas, uma delas, certamente, o facto de os fabricantes de produtos não alimentares disporem de mais alternativas para o escoamento dos seus produtos. A par das grandes superfícies, os fabricantes de roupas, eletrodomésticos, livros ou equipamentos desportivos podem contar com redes de lojas especializadas. É, portanto, legítimo tratar especificamente as relações entre a grande distribuição e os fornecedores de géneros alimentícios. |
2.5.4 |
As práticas abusivas destacadas são muito mais raras nas relações entre os agricultores e a indústria alimentar, cujas empresas também têm um poder de compra significativo. Se, por um lado, as negociações sobre o preço de compra são muitas vezes bastante duras, por outro, um fabricante geralmente não pede ao fornecedor de matéria-prima que contribua para a compra de uma nova cadeia de engarrafamento, ao contrário do grande distribuidor, que exige sistematicamente aos seus fornecedores um pagamento para a modernização da sua loja ou a abertura de uma nova. |
2.5.5 |
Em suma, a vasta maioria das práticas abusivas destacadas só existe no contexto da relação supermercado–fornecedor de géneros alimentícios. No entanto, por causa das consequências de tais práticas e a amplitude da sua aplicação, estas fazem ainda uma outra vítima: o interesse económico do Estado. De facto, a impossibilidade de alguns fornecedores responderem às exigências da grande distribuição e as dificuldades económicas daí decorrentes contribuem para o declínio de todo o setor agroalimentar em vários países. Alguns Estados, outrora autossuficientes em géneros alimentícios, perderam a sua segurança alimentar, fenómeno particularmente perigoso nos dias de hoje. |
2.6 Soluções possíveis
2.6.1 |
Desde há algum tempo que as práticas abusivas da grande distribuição em relação aos seus fornecedores são objeto de críticas cada vez mais incisivas por parte das autoridades dos diversos Estados-Membros e das instituições europeias. O primeiro documento muito crítico foi adotado pelo Comité Económico e Social Europeu, em 2005 (14). Foi, no entanto, a declaração escrita do Parlamento Europeu (15), assinada pela maioria dos deputados em janeiro de 2008, que despoletou um verdadeiro debate sobre o assunto. À declaração seguiram-se vários documentos e estudos publicados pela Comissão, o Parlamento e o CESE (16). |
2.6.1.1 |
A Rede Europeia da Concorrência (REC), que reúne a Comissão Europeia e as autoridades nacionais da concorrência dos 27 Estados-Membros, publicou um relatório na sequência da comunicação da Comissão sobre a melhoria do funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar. A comunicação apelava a uma abordagem comum das autoridades da concorrência no âmbito da REC para melhor detetar os problemas endémicos específicos dos mercados de géneros alimentícios e rapidamente coordenar as ações futuras. A Comissão criou o Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar, com base no trabalho de várias plataformas de peritos, incluindo a plataforma relativa a práticas contratuais entre empresas («business to business») encarregada de definir o método mais adequado para evitar práticas desleais. Após o acordo de todos os agentes da cadeia agroalimentar sobre os princípios básicos, a plataforma foi mandatada para alcançar um consenso sobre a sua implementação. Até ao momento, as partes ainda não conseguiram chegar a um compromisso satisfatório no âmbito de um código voluntário. |
2.6.2 |
A situação tornou-se politicamente sensível e as autoridades são chamadas a reagir sem demora. No entanto, a regulação exclusivamente através das nas forças do mercado falhou e, hoje em dia, é raramente considerada uma solução ótima, pois nas últimas décadas – caracterizadas por um sistema de relações comerciais não regulamentado – os problemas só se agravaram. Entre as soluções possíveis, argumenta-se a favor da regulamentação, da autorregulação ou da criação de agrupamentos de produtores e transformadores, cuja força possa contrabalançar o poder de compra da grande distribuição. |
2.6.3 |
Os códigos de ética representam uma solução dita «branda», em que há o compromisso voluntário de não recorrer às práticas em questão. A autorregulação foi adotada no Reino Unido, em Espanha e na Bélgica, com resultados nem satisfatórios nem convincentes. Além da falta de experiências positivas com a autorregulação, os códigos de ética também colocam uma questão filosófica. De facto, no caso de uma empresa multinacional, quais os princípios éticos em jogo? Os dos diretores, dos acionistas ou da própria empresa? Os verdadeiros donos das multinacionais são os acionistas, que muitas vezes são anónimos, e para os quais a posse de ações é frequentemente um investimento puramente financeiro. No que diz respeito à conduta da empresa e a uma eventual aplicação de práticas abusivas, a responsabilidade pessoal dos acionistas não está em causa. Por conseguinte, no caso da grande distribuição, é difícil considerar a ética como uma referência pertinente. |
2.6.4 |
A Comissão Europeia e outras instâncias recomendam vivamente aos agricultores e às pequenas e médias empresas que se agrupem para melhorar o seu poder de negociação nas reuniões de negócios com os compradores da grande distribuição. No entanto, em alguns Estados-Membros em que as empresas se agruparam dessa forma, a iniciativa foi penalizada pelas autoridades nacionais da concorrência com o pretexto de constituição de um «acordo de cartel». Segundo as autoridades locais, a quota de mercado controlada por estes agrupamentos de produtores era muito grande, embora só tivessem em conta a produção nacional e não os produtos provenientes de outros países. Por motivos difíceis de entender, quando da determinação da quota de mercado dominada por um operador, as ditas autoridades não costumam levar em conta o conjunto dos produtos disponíveis no mercado nacional. |
2.6.5 |
No que diz respeito à regulamentação, surgiram tentativas mais ou menos corajosas em muitos Estados-Membros. Alguns países proibiram a utilização de determinadas práticas (por exemplo, a proibição de vender com prejuízo está em vigor em metade dos Estados-Membros), outros adotaram uma legislação específica para o setor, como, por exemplo, a Hungria, a Itália, a República Checa, a Roménia, a Eslováquia e a Polónia, ou mudaram as suas normas, como a Letónia e a França. Nos últimos anos, foram adotadas leis relativas à repressão de práticas abusivas pela grande distribuição, nomeadamente em vários países pós-comunistas da Europa Central e Oriental. A justificação será provavelmente o facto de a situação na região ser muito preocupante. Entre outros aspetos, ao contrário da Europa Ocidental, a grande distribuição está quase inteiramente nas mãos de empresas estrangeiras, que têm contactos privilegiados com os fornecedores dos seus países de origem ou de países onde se instalaram anteriormente. O resultado é o declínio do setor agroalimentar da região. |
2.6.6 |
É verdade que a aplicação destas leis não é fácil, sobretudo porque os fornecedores vítimas de abusos têm medo de se queixar, mas elas são, no entanto, uma resposta mais apropriada do que os códigos de ética. Por um lado, porque as práticas abusivas não são apenas contrárias à ética, mas também incompatíveis com as noções básicas de justiça e, independentemente dos problemas associados à sua aplicação, este argumento é, por si só, suficiente para as proibir por lei. Por outro lado, porque o esforço legislativo sistemático já deu alguns frutos em França (17). |
2.6.7 |
A Comissão reconhece a existência de problemas, mas de momento prefere a autorregulação e critica a fragmentação do espaço jurídico europeu. De facto, as leis adotadas pelos vários Estados-Membros não são muito compatíveis entre si. Todavia, a única forma de superar esta fragmentação e incompatibilidade seria a adoção de regulamentação europeia vinculativa. O CESE insta a Comissão a tomar as medidas necessárias neste sentido. Por razões práticas, parece apropriado não basear uma eventual regulamentação europeia no conceito de proteção da concorrência, o que obrigaria os fornecedores, enquanto vítimas, a enfrentar as sociedades de grande distribuição em tribunal. Como no conceito francês, é o Estado, cujo interesse económico também está em jogo, que deve desempenhar o papel de requerente. Isso evitaria aos fornecedores os problemas do receio de apresentarem queixa. |
2.6.7.1 |
Esta regulamentação deve exigir contratos escritos que indiquem, sob pena de nulidade, a duração, a quantidade e as características do produto vendido, o preço e as condições de entrega e de pagamento. Este último deve ocorrer dentro de um prazo legal de 30 dias para os produtos perecíveis e de 60 dias para outros, sob pena de multa. Deve ser especialmente proibido:
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Bruxelas, 13 de fevereiro de 2013
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Staffan NILSSON
(1) Parecer do CESE sobre o «Modelo agrícola comunitário – Qualidade de produção e informação ao consumidor como fatores de competitividade», JO C 18 de 19.1.2011, p. 5.
(2) Um dos poucos especialistas que, então, ousou denunciar publicamente as práticas abusivas da grande distribuição foi Christian Jacquiau, autor do livro Les coulisses de la grande distribution [Nos bastidores da grande distribuição] e de um artigo publicado no Le Monde diplomatique (dezembro de 2002) intitulado «Racket dans la grande distribution à la française» [Extorsão na grande distribuição à francesa].
(3) Consumers International, «The relationship between supermarkets and suppliers: What are the implications for consumers?» [As relações entre os supermercados e os fornecedores: Como é que estas afetam os consumidores?], 2012, p. 2.
(4) Em 2009, 80 % do mercado mundial de sementes era controlado por apenas uma dezena de empresas, enquanto 25 anos antes, a seleção e a venda de sementes eram realizadas por centenas de empresas. O mesmo é válido para os produtos agroquímicos.
(5) British Institute of International and Comparative Law, «Models of Enforcement in Europe for Relations in the Food Supply Chain» [Modelos de controlo das relações na cadeia de abastecimento alimentar na Europa], 23 de abril de 2012, p. 4.
(6) Consumers International, «The relationship between supermarkets and suppliers: What are the implications for consumers?» [As relações entre os supermercados e os fornecedores: Como é que estas afetam os consumidores?], 2012, p. 5.
(7) British Institute of International and Comparative Law, «Models of Enforcement in Europe for Relations in the Food Supply Chain» [Modelos de controlo das relações na cadeia de abastecimento alimentar na Europa], 23 de abril de 2012, p. 4.
(8) Christian Jacquiau, «Extorsão à francesa na grande distribuição»Le Monde diplomatique, dezembro de 2002, pp. 4 e 5.
(9) Parecer do CESE sobre o «Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa» (JO C 48 de 15.2.2011, p. 145-149).
(10) Por exemplo, o relatório da Comissão COM(2010) 355 final «Para um mercado interno do comércio e da distribuição mais eficiente e equitativo até 2020», p. 8, ou do British Institute of International and Comparative Law [Instituto Britânico de Direito Internacional e Comparado] «Models of Enforcement in Europe for Relations in the Food Supply Chain» [«Modelos de aplicação forçada na Europa para as relações na cadeia de abastecimento de alimentos»], 23 de abril de 2012, p. 3.
(11) Sgheri Marie Sandrine, «La machine à broyer des PME» [«A trituradora das PME»], Le Point, Paris, n.o 1957, de 18 de março de 2010, pp. 88-89.
(12) Por exemplo, durante a crise do setor leiteiro em 2009, os supermercados continuaram durante meses a vender o leite aos consumidores ao mesmo preço de antes, apesar de uma redução significativa no preço de compra aos produtores.
(13) Consumers International, «The relationship between supermarkets and suppliers: What are the implications for consumers?» [Relações entre supermercados e fornecedores: De que modo afetam os consumidores?], 2012, p. 12, e também parecer do CESE, JO C 255 de 14.10.2005, p. 48.
(14) Parecer do CESE sobre «O setor da grande distribuição — Tendências e repercussões para os agricultores e consumidores», JO C 255 de 14.10.2005, p. 48.
(15) Declaração escrita n.o 0088/2007 sobre a necessidade de investigar e solucionar o abuso de poder dos grandes supermercados que operam na União Europeia.
(16) Parecer CESE sobre o «Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa» (JO C 48 de 15.2.2011, p. 145-149).
(17) Segundo a DGCCRF, as comissões retroativas das grandes superfícies caíram para um nível razoável.