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Document 52000AC0585

    Parecer do Comité Económico e Social sobre o «Livro Branco sobre a segurança dos alimentos»

    JO C 204 de 18.7.2000, p. 21–28 (ES, DA, DE, EL, EN, FR, IT, NL, PT, FI, SV)

    52000AC0585

    Parecer do Comité Económico e Social sobre o «Livro Branco sobre a segurança dos alimentos»

    Jornal Oficial nº C 204 de 18/07/2000 p. 0021 - 0028


    Parecer do Comité Económico e Social sobre o "Livro Branco sobre a segurança dos alimentos"

    (2000/C 204/06)

    Em 28 de Janeiro de 2000, a Comissão Europeia decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre o "Livro Branco sobre a segurança dos alimentos".

    A Secção de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 10 de Maio de 2000. Foi relator M. Ataíde Ferreira e co-relator P. Verhaeghe.

    Na 373.a reunião plenária de 24 e 25 de Maio de 2000 (sessão de 24 de Maio), o Comité Económico e Social adoptou, por 105 votos a favor, 1 voto contra e 4 abstenções, o seguinte parecer.

    1. Introdução

    1.1. O Comité acompanhou de perto a reorganização dos serviços da Comissão em matéria de segurança alimentar, avaliação de riscos, informação dos consumidores e vigilância que se seguiu à crise BSE. Pronunciou-se também a favor da abordagem "da exploração até à mesa", preconizada no Livro Verde sobre a legislação alimentar(1) e propôs uma série de vias de reflexão para o desenvolvimento da legislação e dos controlos em matéria de segurança alimentar, tendo defendido que não se tornaria necessário criar uma agência alimentar nos moldes da FDA (EUA), que não se adaptava à situação europeia. Reclamou ainda o reforço do Serviço Alimentar e Veterinário (SAV), de Dublim, para garantir uma melhor harmonização dos sistemas de controlo nos Estados-Membros(2).

    1.2. Todavia, quando os consumidores constataram que a sua confiança assentava em bases muito frágeis, confrontados que foram com a crise da dioxina (quando ainda estava por "enterrar" a crise da BSE), o Comité entendeu ser necessário relançar a iniciativa ao nível europeu, para colmatar as lacunas ainda existentes na legislação, na realização e nos controlos da fileira agro-alimentar.

    1.3. O CES tomou nota, com satisfação, do facto de que a nova Comissão conferiu uma grande prioridade a esta temática e que, decididamente, procedeu a uma reorganização dos seus serviços reagrupando sob a responsabilidade de um único comissário as questões da saúde, protecção dos consumidores e segurança alimentar. A Comissão, logo no início do seu mandato, anunciou uma iniciativa de grande escala neste domínio e comunicou a sua intenção de publicar um Livro Branco sobre a segurança dos alimentos. O discurso que o Presidente PRODI proferiu na reunião plenária de Outubro do CES veio confirmar esta diligência positiva.

    1.4. Ao lançar o Livro Branco, a Comissão propõe agora a criação de uma Autoridade Alimentar Europeia (AAE), independente, com competências na avaliação de risco (preparação de parecer científico), recolha e análise de informação (programas de monitorização e vigilância da segurança alimentar e inspecção) e comunicação de risco (informação sobre temas de segurança alimentar).

    1.5. O princípio orientador da futura política de segurança alimentar da UE é que esta se baseie numa abordagem global e integrada.

    1.5.1. Outros princípios-chave são assumidos no Livro Branco:

    1) uma clara definição das responsabilidades das várias partes interessadas (a responsabilidade primária deve caber aos transformadores de alimentos, agricultores, aquicultores, pescadores e operadores do sector alimentar; as autoridades nacionais devem acompanhar e fazer com que seja exercida tal responsabilidade; e a Comissão, através do Serviço Alimentar e Veterinário, controla os sistemas nacionais de inspecção);

    2) a rastreabilidade das rações animais e dos alimentos e dos respectivos ingredientes;

    3) envolvimento de todas as partes interessadas no desenvolvimento de políticas;

    4) aplicação das três componentes da análise de risco (avaliação de risco, gestão de risco e comunicação de risco) e

    5) a aplicação do princípio de precaução na gestão do risco, quando apropriada.

    2. Observações na generalidade

    2.1. O Comité Económico e Social há muito que tem advogado uma abordagem abrangente e integrada da segurança alimentar na UE. Alguns escândalos alimentares ficaram a assinalar a última década e conduziram à falta de confiança nos alimentos e na respectiva segurança. A cadeia alimentar europeia deverá ser objecto de uma legislação global - "da exploração até à mesa"-, devendo cada elo da cadeia alimentar ser tão forte quanto o seguinte, e a Comissão Europeia deve garantir que a legislação comunitária seja aplicada de forma fidedigna.

    2.2. Embora o Livro Branco não contenha muitas ideias efectivamente novas, revela, na realidade, um esforço, que cabe registar, por parte da Comissão para repensar a legislação alimentar na generalidade e a segurança dos alimentos em particular, sendo coerente com os princípios definidos no Livro Verde de 1997.

    Controlos

    2.3. É com satisfação que se vê a coerência da inclusão das rações animais no âmbito da política de segurança alimentar. O Plano de Acção da Comissão deve garantir que os controlos em todos os sectores das explorações agrícolas sejam definidos, harmonizados e adequadamente financiados.

    2.3.1. O que está, seguramente, em causa é o imperativo de os controlos ao longo de toda a cadeia serem igualmente rigorosos e aplicados. Os custos devem ser cobertos por meios públicos de financiamento adequados para assegurar a total independência dos inspectores, quer nacionais quer do Serviço Alimentar e Veterinário e ainda para garantir a total e franca cooperação dos agentes económicos na execução das tarefas que lhes cabem.

    2.4. Afirma-se que o Sistema de Alerta Rápido para produtos alimentares funciona bem no que respeita aos produtos alimentares destinados ao consumidor final, mas, neste momento em que a experiência demonstrou que o sistema não é suficientemente rápido nem eficiente, é questionável aquela afirmação. Preconizam-se melhorias urgentes nas modalidades de gestão de crises, inclusivamente o reforço do Sistema de Alerta Rápido, que deveria tornar-se no mais fiável accionador dos mecanismos de gestão de risco da UE. Com efeito, a Comissão deveria assumir completa responsabilidade pelo bom funcionamento global deste sistema.

    2.5. Entretanto, em 22 de Março último, a Comissão apresentou uma nova proposta para instituir medidas de salvaguarda para emergências no sector dos alimentos para animais. Esta proposta tem por finalidade colmatar as deficiências que se reconhece existirem na legislação, como evidenciado na recente crise da dioxina na Bélgica.

    2.6. A Comissão identifica a falta de comunicação e de coordenação como estando na base de respostas demoradas e atrasadas dos serviços competentes dos Estados. Acontece que os agentes económicos preferem ser eles próprios a gerir as crises se não confiarem em que as autoridades o farão de modo razoável, responsável, eficaz e não discriminatório. A estrutura do Sistema de Alerta Rápido precisa de ser estabelecida de modo que as responsabilidades sejam devidamente atribuídas aos Estados-Membros e outras partes envolvidas e correctamente geridas. Tem de se garantir que qualquer informação transmitida à Comissão será submetida a um rigoroso exame científico antes de se recorrer a medidas de controlo horizontais. Isto deverá efectuar-se salvaguardando devidamente a confidencialidade, mas sem que esta constitua um obstáculo a uma adequada gestão de crise.

    2.7. Um SAR eficaz constitui apenas um elemento da gestão de crise alimentar. Esta gestão não é satisfatoriamente abordada no Livro Branco sobre a segurança alimentar. O Comité crê que há necessidade de um processo de gestão de crise ao nível comunitário, abrangendo a Comissão, os Estados-Membros os países terceiros envolvidos, para coordenar tanto a avaliação de risco como a subsequente gestão. Tal coordenação deverá proporcionar uma única fonte de comunicação com os operadores e o público em geral. A restruturação do SAR deverá possibilitar: 1) a avaliação do risco identificado num Estado-Membro pela AAE; 2) o debate entre o SAR/AAE e o Estado-Membro, bem como os operadores envolvidos, sobre o risco identificado e a sua contenção numa área específica, de modo confidencial; 3) se o risco for real, a Comissão deverá então fornecer a todos os Estados-Membros a informação necessária sobre a actuação a ter; 4) informação de todos os Estados-Membros sobre as acções empreendidas para conter o risco nos respectivos territórios, sem prejuízo da transparência.

    2.8. No contexto da inspecção alimentar, o Comité desejaria manifestar o seu apoio a uma implementação adequada do princípio de subsidiariedade. Todavia, no respeitante às inspecções da aplicação da legislação alimentar comunitária e à monitorização de actividades paralelas exercidas pelos organismos nacionais competentes, o Comité considera necessário assinalar que a Comissão é responsável por que o recurso ao princípio da subsidiariedade não ponha em causa as metas do Livro Branco, designadamente o alcance e os benefícios de uma "abordagem integrada" e de uma aplicação igual.

    Aspectos legislativos

    2.9. O êxito das medidas propostas no Livro Branco está intrinsecamente ligado ao apoio do Parlamento Europeu e do Conselho. A respectiva aplicação depende do empenho dos Estados-Membros. A actual inexplicável lentidão do processo legislativo no caso da "Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras de prevenção e controlo de determinadas encefalopatias espongiformes transmissíveis" e da "Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 91/68/CEE do Conselho no que respeita ao tremor epizoótico dos ovinos" (COM(1998) 623 final - COD 98/0323-0324)(3) é de molde a consentir algumas legitimas dúvidas quanto à assunção da protecção da saúde a todos os níveis decisionais na Comunidade. A questão do controlo da efectiva aplicação das normas e das medidas comunitárias pelas administrações dos Estados-Membros não é ou não tem sido fácil.

    2.10. A aplicação ao nível nacional da legislação comunitária vigente nem sempre é eficiente. A execução é parcialmente fragmentada nos Estados-Membros. As medidas tomadas pela Comissão no sentido de corrigir as falhas nacionais têm-se revelado insuficientes, tendo por consequência a perda de confiança dos consumidores nos mecanismos de vigilância da UE. Os outros actores da cadeia alimentar, tais como os trabalhadores, os industriais e distribuidores alimentares, bem como os agricultores, desejam igualmente que a sua confiança seja reforçada através de uma política alimentar baseada numa abordagem integral, numa harmonização máxima ao nível da União Europeia e numa efectiva capacidade de intervenção.

    2.11. O atraso na transposição para a legislação nacional é um importante factor da desigual execução da legislação comunitária, a qual deve reconhecer, tanto quanto possível, a aplicabilidade directa dos instrumentos comunitários de política de segurança alimentar, tal como o CES já defendeu para a legislação relativa à protecção do consumidor sempre que deles constem direitos e obrigações precisos e pormenorizados(4). Tal como o CES já propôs anteriormente, o Regulamento na maioria dos casos constitui o instrumento legislativo mais adequado, que deveria ser largamente utilizado no âmbito da legislação comunitária relativa ao mercado único.

    2.12. O CES constata igualmente que a inclusão de alimentos marinhos (isto é, peixe, crustáceos, bivalves, etc.) e produtos da aquicultura não se encontra claramente especificada no Livro Branco. Uma política alimentar coerente deveria abranger todos ou a grande maioria dos produtos ou alimentos implicados em todos os elos da cadeia alimentar, desde os da pesca aos da agricultura. O Comité constata ainda que não se faz qualquer referência à inclusão da água potável no âmbito de aplicação da legislação sobre segurança alimentar, pelo que insta com a Comissão para que lance os procedimentos necessários para esse efeito.

    2.13. Caso mais complexo e também não analisado no Livro Branco é aquele a que assistimos recentemente de conflitos entre pareceres de cientistas eminentes, actuando uns a nível estadual e outros a nível comunitário, no quadro de medidas de prevenção contra a nova variante da Creutzfeld-Jakob (CJD). Teria sido interessante que o Livro Branco tivesse tomado posição ou formulado adequadas reflexões sobre este tema emergente, para esclarecimento da opinião pública e dos agentes económicos.

    Dimensão social

    2.14. Questão extremamente delicada no processo aberto pelo Livro Branco é o das condições de produção de produtos alimentares de tipo não industrial nas PME e nas microempresas, que não pode deixar de ser analisada nas subsequentes reflexões da Comissão, no âmbito da abordagem global que assumiu, mormente na revisão legislativa prevista, já que importa preservar os saberes e os sabores da ruralidade ainda viva, sem prejuízo da regulamentação da segurança alimentar.

    2.15. O CES chama a atenção para o facto do Livro Branco nada referir sobre a importância das condições de trabalho para serem assegurados e garantidos procedimentos correctos nos actos de laboração. Efectivamente, trabalho mal pago, horários de trabalho inadequados e trabalhadores sem adequada formação não garantem que as operações sejam executadas correctamente, do ponto de vista da estrita observância das normas de segurança alimentar. O Comité apela a que se estabeleçam regras claras, compreensíveis e simples de aplicar. Considera ainda que os trabalhadores devem estar associados à aplicação da segurança e que os seus representantes deveriam dispor de um direito de alerta em caso de disfuncionamentos. Por outro lado, o CES já tomou posição sobre os efeitos perversos para o emprego das crises de confiança dos consumidores(5).

    Aspectos nutricionais

    2.16. O documento aborda as questões fundamentais relativas a um elevado nível de segurança dos alimentos. Em resultado da globalização do mercado e do acesso aos alimentos, os padrões de dieta estão a começar a convergir. Todavia, dever-se-á salientar que muitas doenças relacionadas com os alimentos não derivam de alimentos inseguros mas de uma dieta desequilibrada e de um modo de vida pouco são. Dever-se-á ainda salientar que uma dieta desequilibrada e um modo de vida pouco são, mais do que os alimentos inseguros, constituem factores de risco de algumas doenças cujo aumento se prevê nos anos vindouros. Existe um amplo consenso quanto à probabilidade de surgirem mais, e não menos, doenças relacionadas com a dieta alimentar nos anos mais próximos.

    2.17. A política sobre alimentos da UE deverá focar, não só a segurança, mas também a nutrição e a dieta pois a promoção da saúde deverá ter um papel de relevo em todo e qualquer debate sobre segurança dos alimentos, tendo em conta as tradições das dietas nacionais. Assim, saúda-se a introdução de considerações sobre modelos dietéticos no documento.

    Educação e formação

    2.18. Além disso, o CES considera que as campanhas como a "Campanha da Segurança Alimentar", lançada já em 1997, podem ser adaptadas com êxito à actual situação e acabar por ter um importante papel na educação das pessoas. Uma iniciativa desse tipo deveria ter por finalidade informar e educar os consumidores europeus no tocante às questões complexas. O Comité convida a Comissão a que, ao dar forma a tal campanha, ponha especialmente a tónica na educação nos ensinos primário e secundário e incorpore os aspectos da segurança alimentar em todas as campanhas de promoção da saúde.

    Princípio da precaução

    2.19. Em 2 de Fevereiro de 2000, a Comissão publicou uma Comunicação sobre o princípio da precaução. Dada a importância do documento, o Comité pretende sobre ele emitir parecer de iniciativa, em tempo útil. As reflexões sobre o princípio de precaução contidas no documento focam, exclusivamente, assuntos relacionados com a segurança alimentar. O princípio da precaução será aplicado na gestão de risco sempre que adequado.

    2.20. A aplicação do princípio da precaução unicamente na gestão de risco não parece dar total resposta à questão, tal como já referido no parecer sobre o Livro Verde(6). Como é sabido, a própria ciência carreia para a sociedade a gestão da dúvida. A compreensão das coisas, das causas e dos efeitos pode ser a todo o tempo questionada e, consequentemente, as análises modificadas ou alteradas. Por isso, embora decidindo em liberdade, os autores dos pareceres científicos não deixarão de ter em conta nas suas conclusões - em que a Comissão se fundamentará, assumindo o risco político de decidir - a relatividade do saber.

    2.21. Uma abordagem de precaução deverá ser o princípio orientador em toda a legislação sobre segurança dos alimentos. Todavia, o documento não apresenta um modelo adequado para a aplicação do princípio da precaução. Os riscos desnecessários deveriam ser reduzidos ao mínimo, porém o legislador e o gestor comunitário não podem deixar de ter uma atitude optimista perante a vida e o futuro e não podem impedir a investigação ou fechar as portas ao progresso.

    2.22. O princípio da precaução poderia ser aplicado, em condições bem definidas, no âmbito da gestão do risco para protecção da saúde do consumidor na eventualidade de riscos desconhecidos de uma situação de perigo potencial, enquanto se aguardassem mais resultados do tratamento científico do caso. Para tanto, a Comissão deveria poder lançar medidas de salvaguarda apropriadas.

    Calendário

    2.23. A ambição do calendário estabelecido suscita dúvidas quanto à sua exequibilidade. Não resulta claro, do documento em análise, que o plano de acção tenha sido definido na ordem e prioridades apropriadas para se atingir a meta global pretendida e, em especial, as matérias relativamente às quais se suscitam maiores dúvidas para os cidadãos europeus.

    2.24. Embora o calendário de execução estabelecido seja ambicioso, falta saber se é realista. Os princípios da política de segurança dos alimentos "da exploração até à mesa", baseados na rastreabilidade e na transparência, encontram-se bem definidos e incluem a protecção da saúde como uma consequência lógica de todas as medidas sobre segurança dos alimentos.

    3. Observações na especialidade - A Autoridade Alimentar Europeia (AAE)

    3.1. Como resulta do que ficou dito, o CES apoia a criação de uma AAE, responsável pela avaliação e comunicação do risco, desde que seja encontrada resposta para as questões suscitadas antecedentemente, bem como as que de seguida se formulam.

    3.2. O principal objectivo do Livro Branco consiste em contribuir para um alto nível de protecção da saúde do consumidor no domínio da segurança dos alimentos para restaurar e manter a confiança dos consumidores. Pretende-se que este objectivo seja atingido através da aplicação dos princípios da independência, da excelência e da transparência. Deverá ser demonstrado perante as instituições europeias, os consumidores e outros actores da cadeia alimentar um alto nível de responsabilidade pelas acções desenvolvidas.

    Recursos

    3.3. Aparentemente, há, muitas vezes, duplicação de recursos e tem surgido a preocupação com o facto de muitas substâncias serem avaliadas, simultaneamente, aos níveis internacional, europeu e nacional. Espera-se que a AAE possa contribuir para uma melhor e mais eficaz gestão dos recursos disponíveis.

    3.4. Os recursos constituirão um dos principais aspectos do desenvolvimento deste modelo - e, em especial, da manutenção do seu funcionamento. Sem financiamento público adequado será difícil mostrar independência.

    Pareceres científicos e opinião pública

    3.5. No respeitante ao sistema actual, importa referir que ao nível dos fundamentos científicos na avaliação dos riscos a situação não sofre alterações, porém a autonomia assegurada dará maior dignidade e principalmente visibilidade ao processo de intervenção.

    3.6. Meritório já é o facto de com a criação da nova autoridade se ter contrariado a prática, por diversas vezes criticada pelo CES, de os Serviços da Comissão trabalharem muitas vezes em compartimentos estanques. A opinião pública pode ainda não estar refeita, como se disse, da crise da BSE, das contaminações dos produtos alimentares com bactérias, da situação grave emergente do uso inapropriado de antibióticos, da detecção de dioxinas em alimentos; o Comité é, no entanto, sensível ao facto de a Comissão, com o empenhamento directo de seis comissários, ter aberto o debate para encontrar as vias da segurança alimentar.

    3.7. Talvez a maior valia da nova autoridade seja o modelo proposto para a comunicação do risco. É certo que nos últimos tempos os pareceres dos Comités Científicos são disponibilizados pela Comissão. Ao cometer-se, porém, à própria AAE a divulgação dos seus pareceres, passam a chegar aos agentes económicos, aos cidadãos em geral, à sociedade civil, com especial relevo para as associações de consumidores, e desse modo dá-se um grande passo no reforço da sociedade civil e da participação cidadã. Os silêncios cúmplices, os erros de gestão que forem cometidos face aos pareceres de base científica que avaliam os riscos e o modo como for assumida a defesa da saúde pública ou o mau uso do princípio da precaução serão julgados pela opinião pública europeia. Com isto muito se contribuirá para o aumento da confiança nos pareceres científicos e da compreensão das medidas de gestão subsequentes.

    3.8. O modelo proposto de estabelecimento de uma estrutura para emitir pareceres científicos de categoria mundial baseada numa rede europeia parece adequado. Todavia, não será tarefa fácil consegui-lo e, de momento, ainda não está definido o mecanismo para atingir esse objectivo.

    3.9. O consumidor não se encontra formalmente envolvido no processo de elaboração de pareceres científicos. Por consequência, este processo não tem em devida conta os interesses do consumidor. Os consumidores gostariam porém de participar no diálogo com os cientistas sobre assuntos de segurança dos alimentos, respeitando, todavia, os princípios de confidencialidade sempre que tal seja indicado. O envolvimento do consumidor deverá concretizar-se através de audições regulares sobre a situação das avaliações científicas. O Comité crê que será importante dar provas de transparência na prática e crê igualmente que a comunicação de risco tem um papel importante a desempenhar neste contexto.

    3.10. Para garantir a mais alta qualidade e a independência da assistência científica, torna-se crucial efectuar revisões regulares do campo de acção dos comités de assistência científica e designar peritos devidamente qualificados, bem como prover recursos adequados. Para garantir a mais alta qualidade e o equilíbrio exacto da assistência científica, poderá ser necessário, em algumas áreas, recorrer a peritos de países terceiros.

    Objectivos

    3.11. A AAE não terá competências legislativas nem de controlo (duas componentes da gestão de risco). Embora o Livro Branco proponha que a Autoridade tenha mais competências no futuro, o ponto de partida é um organismo sem poder que parece ser uma reestruturação dos comités científicos existentes. O Comité receia que a AAE não tenha objectivos suficientemente definidos para tratar muitos dos assuntos de importância crucial para a UE. Para garantir melhorias, haverá que envolver a AAE em alguns processos de decisão, cabendo a responsabilidade final à Comissão, ao Parlamento Europeu e aos Estados-Membros. Se o Tratado o não permitir, a Comissão deve organizar um modelo eficaz dentro das suas próprias estruturas até que o Tratado seja alterado.

    3.12. O Livro Branco apresenta um modelo para uma Autoridade Alimentar Europeia e manifesta um claro empenho no sentido de uma política alimentar "da exploração até à mesa", incluindo o sector das rações animais. Coloca-se, porém, a questão de como poderão os mecanismos de gestão da nova Autoridade garantir a observância dos princípios da excelência e da transparência. A Comissão deveria dar indicações pormenorizadas sobre os procedimentos de selecção e os instrumentos de gestão de que se pretende dotar a Autoridade.

    3.13. O documento em análise parece defender o "status quo" do estatuto e dependência orgânica do SAV e tal parece ser uma fraqueza do modelo. A AAE independente fica dependente de uma Direcção-Geral, organicamente dependente da Comissão, para a recolha de dados que devem ser suportados pela prática de inspecções a cargo do SAV e não terá poderes para se corresponder directamente com os serviços de inspecção nem solicitar esclarecimentos ou informações complementares quando necessárias. Numa primeira análise haverá maior coerência no modelo se o próprio SAV constituir uma unidade funcionalmente autónoma, para que de forma autónoma a AAE tenha os meios inspectivos de que possa carecer. Deste modo, poder-se-ia conseguir uma harmonização e o quadro comunitário de sistemas de controlo nacionais teria a capacidade de desenvolver actividades com base em critérios operacionais estabelecidos a nível comunitário, seguindo orientações de controlo comunitárias e actuando com a necessária e adequada cooperação no plano administrativo.

    3.14. A Comissão define no Livro Branco os principais objectivos da AAE, que são:

    - melhor qualidade dos pareceres científicos,

    - independência entre interesses industriais e políticos,

    - abertura a um exame público rigoroso,

    - referência científica reconhecida,

    - estreita colaboração com os organismos científicos nacionais.

    3.15. O CES é de parecer que, além dos referidos, a AAE se deve orientar também pelos seguintes:

    a) Abertura ao diálogo com todas as partes interessadas;

    b) O mais alto nível de responsabilidade, designadamente avaliada penalmente nos casos de dolo ou culpa grave;

    c) Abordagem integrada a todos os níveis;

    d) Definição clara da estrutura e das responsabilidades de gestão;

    e) Transparência dos instrumentos para atingir os objectivos da AAE;

    f) A função de um centro de geração de conhecimento nas especificidades nacionais tradicionais.

    Funções e métodos

    Funções

    3.16. O Comité entende que se deverão atribuir as seguintes funções à AAE:

    a) A AAE deverá ser o único organismo responsável pela definição e implementação de modelos adequados de avaliação de risco que permitam uma avaliação correcta dos riscos de segurança alimentar;

    b) A AAE deverá desempenhar um papel-chave para garantir que os consumidores possam ter iniciativas de encorajamento para intervenção em campos de acção mais alargados, caso necessário. Neste contexto, a AAE deverá ter um papel pro-activo e não apenas um papel permanente de reacção;

    c) A AAE deverá limitar-se a questões de segurança alimentar e não abranger assuntos ambientais que não impliquem a segurança alimentar. As suas funções deverão abranger aspectos de bem-estar dos animais, zoonoses e biodiversidade;

    d) A AAE deverá prestar assistência científica à Comissão nos processos de aprovação de novos alimentos, novos ingredientes ou novos métodos de produção. Isso inclui a provisão de avaliação de risco, com recurso aos conhecimentos de organismos fiáveis da União Europeia. A avaliação de risco deverá ser atribuída de modo harmonizado em toda a União Europeia. Para isso, e caso necessário, dever-se-ão estabelecer normas ou especificações;

    e) A AAE deverá ser incumbida da avaliação do registo de novos aditivos e edulcorantes;

    f) A AAE deverá avaliar o grau de segurança dos resíduos de pesticidas, de medicamentos veterinários e de contaminantes nos alimentos;

    g) A AAE deverá criar um sistema comunitário de recolha de dados nutricionais e de consumo de alimentos, bem como um sistema de monitorização de doenças relacionadas com o regime alimentar;

    h) A AAE deverá ser incumbida da avaliação de reclamações relacionadas com a saúde;

    i) A AAE deverá prestar assistência científica imparcial e objectiva às instituições europeias em questões de segurança alimentar que implicam as obrigações da União Europeia ao abrigo de tratados internacionais de comércio, inclusive as questões que envolvem o processo de resolução de diferendos no âmbito da OMC;

    j) A AAE deverá ter capacidade para proceder à investigação, monitorização e controlo, além de prestar assistência e propor acções comunitárias, em todas as áreas da cadeia alimentar, inclusive no respeitante aos produtos agrícolas primários. Na ponta final da cadeia alimentar, a AAE deverá garantir a prestação de informação clara e relevante aos consumidores em questões de alimentos e saúde.

    Métodos

    3.17. Relativamente aos métodos, para o Comité:

    a) A AAE deverá comunicar de maneira clara os riscos aos cidadãos europeus numa forma relevante, útil, de fácil compreensão e consistente. Reveste-se de grande importância que a AAE possa garantir que a comunicação de risco se torne num diálogo recíproco entre os cidadãos e a autoridade, de modo a poder ter em conta a atitude e as percepções dos cidadãos. Se este sistema parecer pouco prático, dever-se-á garantir que a comunicação ao nível nacional seja consistente em toda a União Europeia;

    b) A AAE deverá igualmente comunicar os benefícios para a saúde e o regime alimentar, se os trabalhos de investigação assim o provarem;

    c) O relacionamento e a interacção da AAE com as instituições legislativas, a agência de Dublim e outras instituições comunitárias serão cruciais para assegurar o seu bom desempenho e para garantir um exame efectivo das questões alimentares em toda a Europa. Reveste-se de importância que a AAE responda pelos seus actos perante o Parlamento Europeu e os Estados-Membros. Tornar-se-á necessária uma estreita colaboração com todas as direcções-gerais da Comissão. Revestem-se de igual importância as suas relações com os outros organismos da UE, designadamente a EMEA nas questões relacionadas com produtos cuja classificação como alimento ou medicamento poderá levantar dificuldades;

    d) Torna-se importante que a AAE estabeleça boas relações de trabalho com outras organizações internacionais(7). O aprovisionamento de alimentos regista uma crescente globalização, o que faz aumentar o número de questões que os decisores de política alimentar enfrentam. A AAE precisará ainda de ter em conta as suas obrigações internacionais em relação com a harmonização internacional de normas e de garantir a sua assistência neste contexto.

    3.18. O Livro Branco faz referência a "outros factores legítimos" sobre segurança alimentar, tais como as considerações ambientais, a sustentabilidade, o bem-estar dos animais, a qualidade dos produtos alimentares, o papel da agricultura e da indústria e a dimensão internacional - tornando-se, todavia, necessário definir o modo de representação apropriado e de conseguir o equilíbrio adequado destes interesses numa política alimentar, da qual a segurança seja objectivo primeiro.

    3.19. Todos os pareceres da AAE uma vez publicados e submetidos à Comissão devem ser objecto de Comunicação, publicada em tempo razoável.

    3.20. O Comité preconiza que a Comissão apresente uma proposta para a criação da AAE dentro dos prazos previstos no Livro Branco. Neste contexto, o Comité gostaria de ver as observações atrás formuladas acolhidas no texto final da Comissão, a fim de se ter em conta as expectativas expressas da sociedade civil.

    4. Observações na especialidade - Plano de Acção

    4.1. O Comité acolhe com satisfação o Plano de Acção da Comissão relativo a mais de 80 propostas legislativas definidas no Livro Branco. Haverá motivo para proceder a uma revisão de muitas omissões das actuais propostas legislativas, inclusive a necessidade de estabelecer um conjunto bem definido de regras e orientações para a legislação alimentar. O Comité acolhe com particular satisfação a prioridade da elaboração de uma directiva relativa a uma lei geral alimentar, que será apresentada em Setembro de 2000.

    4.2. O Plano de Acção é ambicioso nos propósitos e no calendário. É geral o consenso quanto ao Sistema de Alerta Rápido dever ser modificado e melhorado independentemente da criação da AAE.

    4.3. O Comité sugere que o projecto de legislação comunitária sobre o Sistema de Alerta Rápido global e a proposta de regulamento sobre controlos oficiais de segurança dos alimentos para seres humanos e das rações para animais sejam apresentados no primeiro semestre de 2000 e adoptados pelo Conselho no final do ano, em vez de Dezembro de 2001, como previsto (ver ponto 2.4.). A futura Autoridade Alimentar Europeia, que gerirá o Sistema de Alerta Rápido, não poderá, com realismo, ser criada antes de 2002, o que acentua a necessidade de um sistema mais imediato de gestão de crises. A importância crucial do reforço do sistema dos actuais controlos dos alimentos para seres humanos e das rações para animais não permite adiar a decisão.

    4.4. Até Junho de 2000, a Comissão adoptará a proposta de regulamento sobre higiene para ser adoptada pelo Conselho/Parlamento Europeu em Junho de 2002. O Comité crê que se deverão envidar todos os esforços no sentido da adopção do regulamento em Junho de 2001. A legislação consolidada sobre higiene, inclusive regras veterinárias adequadas, constitui uma medida-chave para uma legislação integrada de segurança dos alimentos e, por isso, não poderá ser retardada. No mesmo contexto, será necessário harmonizar a legislação existente sobre rações animais com as regras gerais de higiene a fim de incluir os princípios das regras do sistema de análise de risco e pontos críticos de controlo (HACCP) e outros métodos equivalentes a aprovar, futuramente, pela UE.

    4.5. No respeitante à directiva relativa à rotulagem, um importante meio de informação do consumidor, o Comité crê que será importante consolidar a Directiva 79/112/CEE no sentido de modernizar o sistema e torná-lo coerente e compreensível para o consumidor, com o objectivo de possibilitar a sua escolha informada.

    4.6. Muitas vezes, nas embalagens ou na publicidade dos produtos, proclamam-se, sem que tal esteja devidamente documentado do ponto de vista científico, as suas vantagens para a saúde, levando ao uso impróprio e criando expectativas injustificadas. Por isso, os suplementos alimentares e os alimentos enriquecidos (ponto 105 do Livro Branco), bem como os produtos fitoterapêuticos, deveriam ser objecto de uma regulamentação ao nível comunitário com vista à harmonização da sua definição, rotulagem e publicidade (em particular no respeitante às pretensões de bem-estar e saúde). Uma vez que as pretensões relativas à saúde não se encontram regulamentadas ao nível comunitário e não são referidas no plano de acção, o Comité convida a Comissão a abrir uma consulta sobre pretensões de saúde e práticas correntes nos diferentes Estados-Membros com vista a uma harmonização da legislação comunitária relevante.

    4.7. A lista de medidas anexa é, na generalidade, um passo positivo (ver supra as recomendações de aditamento). Todavia, a Comissão deveria desenvolver um maior esforço no sentido de consolidar a legislação alimentar comunitária em vigor. Se este esforço der frutos, contribuirá para a clareza jurídica, para a eficiência de todo o sistema e para o reforço da confiança do público em geral. Tão importante como consolidar será a modernização da legislação, quer nos procedimentos de execução quer na adaptação ao progresso técnico e aos novos dados da ciência, devendo a AAE, embora não lhe caiba legislar, apoiar o legislador nesse objectivo. Espera-se que a Comissão não deixe de cumprir ainda o prometido no Livro Branco (n.o 84) quanto à simplificação e clareza dos textos.

    4.8. O CES reserva-se o acompanhamento do programa legislativo e intervirá em conformidade com o Tratado no processo legislativo.

    5. Conclusões

    5.1. Em conclusão, o Comité congratula-se com o Livro Branco sobre a segurança alimentar e apoia as acções a lançar.

    5.2. O Comité saúda em especial:

    a) a abordagem integrada da cadeia alimentar;

    b) o reforço da capacidade operacional da União Europeia e a nova Autoridade Alimentar Europeia (AAE), responsável pela avaliação e comunicação do risco;

    c) a modernização e a simplificação da legislação alimentar vigente, para lhe dar maior coerência e lançar novas medidas quando necessário.

    5.3. Por outro lado, o Comité convida a Comissão a, no quadro da consulta aberta, ter em conta o presente parecer e a precisar os aspectos seguintes:

    a) sistema de alerta rápido;

    b) aspectos sociais;

    c) aspectos nutricionais;

    d) estrutura e função da AAE;

    e) capacidade de gestão do risco da Comissão e inter-relação entre a AAE e o SAV;

    f) legislação respeitante à água potável;

    g) obediência dos domínios da agricultura, da pesca e dos produtos do mar aos princípios orientadores das futuras regras de segurança alimentar.

    Bruxelas, 24 de Maio de 2000.

    A Presidente

    do Comité Económico e Social

    Beatrice Rangoni Machiavelli

    (1) Parecer sobre os "Princípios gerais da legislação alimentar na União Europeia" (Livro Verde da Comissão) e a "Saúde dos consumidores e segurança alimentar" (comunicação da Comissão), JO C 19 de 21.1.1998.

    (2) Parecer sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, Conselho e Comité Económico e Social sobre as inspecções e controlos alimentares, veterinários e fitossanitários, JO C 235 de 27.7.1998, pag. 6.

    (3) JO C 45 de 19.2.1999.

    (4) Pareceres sobre a "Protecção do consumidor e realização do mercado interno" CES 1115/91 - JO C 339 de 31.12.1991 e "O consumidor e o mercado interno" CES 1320/92 - JO C 19 de 25.1.1993.

    (5) Parecer do Comité Económico e Social sobre "As múltiplas consequências da crise da encefalopatia espongiforme bovina (EEB) na União Europa"JO C 295 de 7.10.1996, p. 55.

    (6) JO C 19 de 21.1.1998, p. 61.

    (7) Por exemplo, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Comissão Mista Codex Alimentarius FAO/OMS e a Repartição Internacional das Epizootias (RIE).

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