Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62023CJ0410

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 8 de maio de 2025.
I. SA contra S. J.
Pedido de decisão prejudicial apresentada por Sąd Okręgowy w Warszawie.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Artigo 2.o, alínea b) — Conceito de “consumidor” — Contrato com dupla finalidade — Agricultor que celebrou um contrato de compra de um bem destinado simultaneamente à sua exploração agrícola e ao seu uso doméstico — Mercado interno da eletricidade — Diretiva 2009/72/CE — Artigo 3.o, n.o 7 — Anexo I, n.o 1, alínea a) — Cliente doméstico — Contrato de fornecimento de eletricidade a termo e a preço fixo — Penalização contratual por rescisão antecipada — Regulamentação nacional que limita o montante desta penalização aos “custos e indemnizações resultantes do conteúdo do contrato”.
Processo C-410/23.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2025:325

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

8 de maio de 2025 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Artigo 2.o, alínea b) — Conceito de “consumidor” — Contrato com dupla finalidade — Agricultor que celebrou um contrato de compra de um bem destinado simultaneamente à sua exploração agrícola e ao seu uso doméstico — Mercado interno da eletricidade — Diretiva 2009/72/CE — Artigo 3.o, n.o 7 — Anexo I, n.o 1, alínea a) — Cliente doméstico — Contrato de fornecimento de eletricidade a termo e a preço fixo — Penalização contratual por rescisão antecipada — Regulamentação nacional que limita o montante desta penalização aos “custos e indemnizações resultantes do conteúdo do contrato”»

No processo C‑410/23 [Pielatak] ( i ),

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), por Decisão de 26 de maio de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de julho de 2023, no processo

I. SA

contra

S. J.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: I. Jarukaitis (relator), presidente de secção, N. Jääskinen, A. Arabadjiev, M. Condinanzi e R. Frendo, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por O. Beynet, M. Owsiany‑Hornung e T. Scharf, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, alíneas b) e c), da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), e do artigo 3.o, n.os 5 e 7, bem como do anexo I, n.o 1, alíneas a) e e), da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a I. S.A., uma comercializadora de eletricidade (a seguir «comercializador»), a S. J., um agricultor, a respeito do pagamento de uma penalização contratual devida pela rescisão antecipada, por este último, de um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por essas partes por um período determinado e a um preço fixo.

Quadro jurídico

Direito da União

A Diretiva 93/13

3

Nos termos do artigo 2.o da Diretiva 93/13/CE estipula ainda que:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)

“Consumidor”, qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional;

c)

“Profissional”, qualquer pessoa singular ou coletiva que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, seja ativa no âmbito da sua atividade profissional, pública ou privada.»

Diretiva 2009/72

4

Os considerandos 3, 7, 8, 51, 52, 54 e 57 da Diretiva 2009/72 enunciavam:

«(3)

As liberdades que o Tratado garante aos cidadãos da União […] pressupõem um mercado plenamente aberto que permita a todos os consumidores a livre escolha de comercializadores e a todos os comercializadores o livre fornecimento dos seus clientes.

[…]

(7)

A Comunicação da Comissão [ao Conselho Europeu e ao Parlamento Europeu] de 10 de janeiro de 2007, intitulada “Uma política energética para a Europa”[COM(2007) 1 final], destacou a importância da plena realização do mercado interno da eletricidade e da criação de igualdade de condições para todas as empresas de eletricidade estabelecidas na Comunidade. […]

(8)

A fim de assegurar a concorrência e a comercialização de eletricidade ao preço mais competitivo, os Estados‑Membros e as entidades reguladoras nacionais deverão facilitar o acesso transfronteiriço de novos comercializadores de eletricidade proveniente de diferentes fontes de energia e de novos produtores de energia.

[…]

(51)

Os interesses dos consumidores deverão estar no cerne da presente diretiva e a qualidade do serviço deverá ser uma responsabilidade central das empresas de eletricidade. É necessário reforçar e garantir os direitos atuais dos consumidores, direitos esses que deverão incluir uma maior transparência. A proteção dos consumidores deverá assegurar que todos os consumidores na Comunidade em geral possam retirar benefícios de um mercado competitivo. Os direitos dos consumidores deverão ser aplicados pelos Estados‑Membros, ou quando o Estado‑Membro o tiver determinado, pelas entidades reguladoras.

(52)

Os consumidores deverão dispor de informações claras e compreensíveis sobre os seus direitos no setor da energia. […]

[…]

(54)

A garantia de uma maior proteção dos consumidores assenta em meios de resolução de litígios eficazes e acessíveis a todos os consumidores. […]

[…]

(57)

A promoção da concorrência leal e a facilitação do acesso aos diferentes comercializadores, bem como a promoção da capacidade para a nova produção de eletricidade, são aspetos que deverão revestir‑se da máxima importância para os Estados‑Membros, por forma a permitir aos consumidores o pleno benefício decorrente do mercado interno da eletricidade liberalizado.»

5

O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», dispunha:

«A presente diretiva estabelece regras comuns para a produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade, bem como regras para a proteção dos consumidores, a fim de melhorar e integrar mercados da energia competitivos na Comunidade. […]»

6

O artigo 2.o da referida diretiva contém as definições seguintes:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

7.

“Cliente”, o cliente grossista ou o cliente final de eletricidade;

[…]

9.

“Cliente final”, o cliente que compra eletricidade para consumo próprio;

10.

“Cliente doméstico”, o cliente que compra eletricidade para consumo doméstico próprio, excluindo atividades comerciais ou profissionais;

11.

“Cliente não doméstico”, a pessoa singular ou coletiva que compra eletricidade não destinada ao consumo doméstico próprio, incluindo produtores e clientes grossistas;

12.

“Cliente elegível”, o cliente que pode comprar eletricidade ao comercializador da sua escolha na aceção do artigo 33.o;

[…]»

7

O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Obrigações de serviço público e proteção dos consumidores», previa, nos seus n.os 5 e 7:

«5.   Os Estados‑Membros asseguram que:

a)

Se um cliente, no respeito das condições contratuais, quiser mudar de comercializador, essa mudança seja efetuada pelo(s) operador(es) em causa no prazo de três semanas; e

b)

Os clientes tenham o direito de obter todos os dados do consumo relevantes.

Os Estados‑Membros devem assegurar que os direitos referidos nas alíneas a) e b) sejam concedidos a todos os clientes sem discriminação em matéria de custos, esforço e tempo.

[…]

7.   Os Estados‑Membros devem aprovar medidas adequadas para proteger os clientes finais e devem, em especial, garantir a existência de salvaguardas adequadas para proteger os clientes vulneráveis. […] Os Estados‑Membros devem garantir níveis elevados de proteção dos consumidores, especialmente no que respeita à transparência dos termos e condições contratuais, às informações gerais e aos mecanismos de resolução de litígios. Devem ainda assegurar que os clientes elegíveis possam de facto mudar facilmente de comercializador. Pelo menos no que respeita aos clientes domésticos, essas medidas devem incluir as previstas no anexo I.»

8

O artigo 33.o da Diretiva 2009/72, sob a epígrafe «Abertura dos mercados e reciprocidade», especificava, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem garantir que os clientes elegíveis incluam:

[…]

c) A partir de 1 de Julho de 2007, todos os clientes.»

9

O artigo 37.o desta diretiva, com a epígrafe «Obrigações e competências das entidades reguladoras», estabelece, no seu n.o 1:

«As entidades reguladoras têm as seguintes obrigações:

[…]

l)

Respeitar a liberdade contratual em matéria de contratos de fornecimento interruptível e de contratos a longo prazo, desde que estes sejam compatíveis com o direito comunitário e com as políticas comunitárias;

[…]»

10

O anexo I desta diretiva, intitulado «Medidas de proteção dos consumidores», previa, no n.o ponto 1:

«Sem prejuízo das regras comunitárias em matéria de proteção dos consumidores, em especial da Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 1997, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância [(JO 1997, L 144, p. 19),] e da Diretiva 93/13 […], as medidas a que se refere o artigo 3.o destinam‑se a garantir que os clientes:

a)

Tenham direito a um contrato com o seu comercializador de serviços de eletricidade que especifique:

[…]

a duração do contrato, as condições de renovação e interrupção dos serviços e do contrato e se existe a possibilidade de resolução do contrato sem encargos;

[…]

As condições devem ser equitativas e previamente conhecidas. Essas informações devem, em qualquer caso, ser prestadas antes da celebração ou confirmação do contrato. […]

[…]

e)

Não tenham de efetuar qualquer pagamento por mudarem de comercializador;

[…]»

11

A Diretiva 2009/72 foi revogada e substituída, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2021, pela Diretiva (UE) 2019/944 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativa a regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que altera a Diretiva 2012/27/UE (JO 2019, L 158, p. 125), em conformidade com o artigo 72.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2019/944.

Diretiva 2011/83/UE

12

O considerando 17 da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64) enuncia:

«A definição de consumidor deverá abranger as pessoas singulares que atuem fora do âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. No entanto, no caso dos contratos com dupla finalidade, se o contrato for celebrado para fins relacionados em parte com a atividade comercial da pessoa e em parte à margem dessa atividade e se o objetivo da atividade for tão limitado que não seja predominante no contexto global do contrato, essa pessoa deverá ser igualmente considerada consumidor.»

Diretiva 2019/944

13

Nos termos do considerando 1 da Diretiva 2019/944:

«É necessário introduzir um conjunto de alterações na Diretiva [2009/72]. Por razões de clareza, deverá proceder‑se à reformulação da referida diretiva.»

14

O artigo 12.o da Diretiva 2019/944, sob a epígrafe «Direito à mudança e regras aplicáveis às comissões relacionadas com a mudança», prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«2.   Os Estados‑Membros devem garantir que não são cobradas, pelo menos aos clientes domésticos e às pequenas empresas, quaisquer comissões relacionadas com a mudança.

3.   Em derrogação do n.o 2, os Estados‑Membros podem autorizar os comercializadores ou participantes no mercado envolvidos na agregação a cobrar aos clientes comissões de rescisão de contrato caso esses clientes pretendam voluntariamente rescindir seus contratos de fornecimento de eletricidade a prazo fixo e a preços fixos antes da sua data de vencimento, desde que essas comissões façam parte de um contrato celebrado voluntariamente pelo cliente e que essas comissões sejam comunicadas claramente ao cliente antes da celebração do contrato. Essas comissões devem ser proporcionadas e não podem exceder as perdas económicas diretas para o comercializador ou para o participante no mercado envolvido na agregação resultantes da rescisão do contrato [pelo] cliente, incluindo os custos de quaisquer investimentos ou serviços agrupados que já tenham sido prestados ao cliente como parte do contrato. O ónus da prova relativamente às perdas económicas diretas deve recair sobre o comercializador ou participante no mercado envolvido na agregação e a admissibilidade das comissões de rescisão de contrato deve ser monitorizada pela entidade reguladora ou por outra autoridade nacional competente.»

Direito polaco

15

Ustawa — Prawo energetyczne (Lei da Energia), de 10 de abril de 1997 (Dz. U. n.o 54, posição 348), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei da Energia»), prevê, no artigo 4j, n.o 3a:

«O cliente final pode rescindir o contrato celebrado por um período determinado, nos termos do qual uma empresa de eletricidade fornece combustível gasoso ou energia a esse cliente, sem ter de suportar custos e indemnizações diferentes dos resultantes do conteúdo do contrato, mediante a apresentação de uma declaração escrita à empresa de eletricidade.»

16

Ustawa — Kodeks cywilny (Lei que aprova o Código Civil), de 23 de abril de 1964 (Dz. U. n.o 16, posição 93), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código Civil»), prevê, no artigo 483.o, § 1:

«O contrato pode estipular que a reparação do dano resultante do incumprimento ou do cumprimento defeituoso de uma obrigação não pecuniária será efetuada mediante o pagamento de uma determinada quantia (penalização contratual).»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

Em 18 de março de 2017, S. J. e o comercializador celebraram um contrato de fornecimento de eletricidade (a seguir «contrato em causa no processo principal»), ao qual estavam anexados um anexo 1 e condições gerais de venda, que dele faziam parte integrante.

18

O artigo 7.o, n.o 2, deste contrato estipulava que este último era celebrado por um período determinado com termo em 31 de dezembro de 2021 e que o fornecimento de eletricidade começaria em 1 de janeiro de 2018. O n.o 6 deste artigo especificava que, nomeadamente em caso de rescisão do referido contrato pelo cliente antes da data indicada nesse n.o 2, este seria obrigado a pagar uma penalização contratual em conformidade com os princípios enunciados no ponto VI, n.os 1 a 3, dessas condições gerais de venda. Nos termos desse n.o 1, o montante dessa penalização correspondia ao produto da eletricidade não utilizada declarada pelo cliente no mesmo contrato como «quantidade de energia prevista» para um determinado local de fornecimento, ao preço unitário de 60 zlótis polacos (PLN) (cerca de 14 euros) por megawatt‑hora (MWh). A quantidade de energia não utilizada era calculada como a soma do consumo médio de energia estimado para cada um dos meses seguintes à rescisão do contrato em causa no processo principal e que restam até ao final do período indicado nesse artigo 7.o, n.o 2. O consumo de eletricidade previsto no ponto de consumo era de 20 MWh por ano e o ponto de consumo de eletricidade, especificado no anexo 1 desse contrato, era a exploração agrícola de S. J.

19

Por carta de 5 de maio de 2017, notificada ao comercializador em 8 de maio de 2017, S. J. indicou a este último que iria rescindir o contrato em causa no processo principal mediante o exercício do direito legal de rescisão previsto para os contratos de consumo. Além disso, apresentou uma declaração para rejeitar os efeitos jurídicos do contrato cuja celebração fora influenciada por um erro e invocou a sua nulidade.

20

Por carta de 22 de maio de 2020, o comercializador indicou que não considerava válidas essas declarações. Emitiu uma nota de débito concedendo a S. J. um prazo que expirava em 7 de julho de 2020 para pagar o montante de 4700,22 PLN (cerca de 1128 euros), a título de penalização contratual, bem como uma fatura datada de 5 de março de 2018, no montante de 254,33 PLN (cerca de 61 euros), e uma fatura retificada datada de 8 de janeiro de 2020, no montante de 314,90 PLN (cerca de 75 euros), a título da energia fornecida durante o período compreendido entre 1 e 10 de janeiro de 2018.

21

Tendo S. J. recusado pagar esses montantes, o comercializador intentou uma ação no Sąd Rejonowy dla m. st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia‑Capital, Varsóvia, Polónia) pedindo que S. J. fosse condenado a pagar‑lhe. Esse órgão jurisdicional julgou a ação improcedente. Por um lado, considerou que S. J. não tinha a qualidade de consumidor e que, portanto, não tinha podido legalmente retratar‑se do contrato em causa no processo principal com fundamento na regulamentação relativa à proteção dos consumidores. A este respeito, salientou, nomeadamente, que o contrato em causa no processo principal designava como ponto de consumo a exploração agrícola de S. J. e que, embora seja certo que este último tinha indicado que a energia comprada se destinava igualmente ao seu uso doméstico, isso era insuficiente para o qualificar de consumidor, uma vez que este contrato estipulava que se destinava a pessoas que não têm a qualidade de consumidor. Com efeito, segundo o referido órgão jurisdicional, a utilização de uma proposta destinada a clientes que não tinham a qualidade de consumidor provava, por si só, que S. J. tinha celebrado o contrato em causa no processo principal enquanto profissional e que esse contrato estava diretamente relacionado com a sua atividade profissional, a saber, a sua exploração agrícola.

22

Por outro lado, o mesmo órgão jurisdicional aplicou o artigo 4j, n.o 3a, da Lei da Energia, mas considerou, no entanto, que não devia ser dado provimento ao pedido de pagamento da penalização contratual, uma vez que, por força do artigo 483.o, n.o 1, do Código Civil, essa penalização só pode ser prevista em caso de incumprimento ou de incorreta execução de uma obrigação não pecuniária, ao passo que, no caso em apreço, o objeto da prestação do adquirente em caso de venda de energia é uma prestação pecuniária, a saber, o pagamento do preço.

23

Além disso, os pedidos de pagamento relativos à energia consumida foram indeferidos por falta de fundamento, uma vez que o comercializador não forneceu nenhuma quantidade de energia.

24

O comercializador interpôs recurso dessa sentença para o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Este último invoca, nomeadamente, uma violação do artigo 4.o, n.o 3a, da Lei da Energia e do artigo 483.o, n.o 1, do Código Civil.

25

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, segundo as declarações de S. J., representantes de uma empresa de eletricidade compareceram na sua exploração agrícola em 18 de março de 2017 e ofereceram‑lhe uma oferta de fornecimento de eletricidade. Seguindo os seu conselhos, assinou os formulários em branco que lhe tinham sido apresentados e recebeu, no final do mês de abril de 2017, um exemplar do contrato em causa no processo principal, no qual, por um lado, os dados e os anexos eram diferentes dos da proposta que lhe tinha sido feita e, por outro, tinham sido introduzidas arbitrariamente informações relativas ao consumo de energia previsto. Foi por isso que, por carta de 5 de maio de 2017, manifestou a sua vontade de rescindir o contrato.

26

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre se S. J. tem a qualidade de profissional ou de consumidor e se, por conseguinte, a sua rescisão era válida. A este respeito, observa, nomeadamente, que o Sąd Rejonowy dla m. st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia‑Capital, Varsóvia, Polónia) declarou que o contrato em causa no processo principal mencionava como destinatário a «exploração agrícola» de S. J. e que foi unicamente com base no artigo 2.o, n.o 4, desse contrato, segundo o qual o referido contrato se destinava a pessoas que não tinham a qualidade de consumidor, que este último órgão jurisdicional concluiu que S. J. não tinha essa qualidade. Salienta também que, nos termos do direito polaco, um agricultor deve ser considerado um profissional, exceto se gerir a sua exploração agrícola para as suas próprias necessidades.

27

Embora seja certo que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a qualidade de consumidor ou de profissional, na aceção da Diretiva 93/13, deve ser determinada à luz de um critério funcional, que consiste em apreciar se a relação contratual em causa se inscreve no âmbito de atividades alheias ao exercício de uma profissão, tal distinção funcional não é, todavia, possível no caso em apreço, dado que é incontestável que o contrato em causa no processo principal tinha por objeto a compra de energia tanto para efeitos da exploração agrícola em causa como de um uso doméstico de S. J. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que os contratos com dupla finalidade não são mencionados na Diretiva 93/13 e que, embora o considerando 17 da Diretiva 2011/83 vise este tipo de contrato, o Tribunal de Justiça adotou, nomeadamente no Acórdão de 20 de janeiro de 2005, Gruber (C‑464/01, EU:C:2005:32), critérios diferentes dos enunciados nesse considerando 17 para determinar se o signatário desse contrato pode ser considerado um consumidor.

28

Tendo em conta estes elementos, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta de que modo deve ser interpretado o conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, quando o contrato em causa é celebrado em parte para fins privados e em parte para fins profissionais.

29

Em segundo lugar, constatando que, tendo em conta a data de celebração do contrato em causa no processo principal, é a Diretiva 2009/72 que é pertinente para a resolução do litígio que lhe foi submetido, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a possibilidade de mudar livremente de comercializador de energia e a proteção específica dos consumidores figuram entre os princípios formulados nesta diretiva e que a possibilidade de rescisão de um contrato está estreitamente ligada à mudança de comercializador. Ora, a possibilidade de impor comissões ao cliente em caso de rescisão, por este, de um contrato de fornecimento de energia celebrado por um período determinado é, em seu entender, problemática à luz da garantia da liberdade de mudar livremente de comercializador de energia.

30

Decorre do artigo 3.o, n.o 7, e do anexo I da Diretiva 2009/72 que um cliente que tenha a qualidade de consumidor nada tem a pagar em caso de mudança de comercializador ou de rescisão do contrato. Além disso, este artigo 3.o, n.o 7, implica que deve ser garantida a possibilidade de um consumidor mudar facilmente de comercializador, sem que sofra uma discriminação em matéria de custos e sem que as desvantagens financeiras impostas constituam um meio de discriminação arbitrária em relação a outros comercializadores, para que o cliente não possa efetivamente mudar de comercializador.

31

No entanto, o artigo 4j, n.o 3a, da Lei da Energia, que prevê a possibilidade de impor comissões ao cliente em caso de rescisão antecipada de um contrato celebrado por um período determinado, não contém nenhuma isenção para os consumidores. Coloca‑se, portanto, a questão de saber se esta lei é contrária à Diretiva 2009/72, mais especificamente ao elevado nível de proteção dos consumidores previsto no anexo I, n.o 1, alíneas a) e e), da mesma, e visado no considerando 51 desta diretiva. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o direito polaco permite a aplicação de penalizações contratuais, mas não prevê um critério para o seu cálculo, nomeadamente em termos de proporcionalidade com os custos, com os riscos incorridos ou com o dano sofrido, o que seria contrário às exigências impostas, nomeadamente, pelo artigo 3.o, n.o 7, da referida diretiva. Com efeito, na prática, tais penalizações podem ser iguais aos custos potencialmente faturados a título do fornecimento de energia acordado, o que, de facto, obsta à possibilidade de rescindir esses contratos.

32

Nestas circunstâncias, o Sąd Okręgowy W Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

O artigo 2.o, alíneas b) e c), da Diretiva [93/13] e [o conceito] de [“]consumidor[”] nele contido, bem como o considerando 17 da Diretiva [2011/83] também abrangem um agricultor que celebra um contrato de compra de eletricidade tanto para uma exploração agrícola como para fins privados para um agregado familiar?

2.

Devem o artigo 3.o, n.os 5 e 7, o considerando 51 e o anexo I, n.o 1, alíneas a) e e), da Diretiva [2009/72] que impõem que não sejam cobradas taxas aos consumidores em caso de rescisão de um contrato de fornecimento de serviços de eletricidade, ser interpretados no sentido de que se opõem à possibilidade de impor a um cliente de energia, que é um consumidor, uma penalização contratual em caso de rescisão de um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por um período determinado [(artigo 4j, n.o 3a, da Lei da Energia)]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

33

Antes de mais, importa salientar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio, na redação da sua primeira questão, remeta não só para o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, que define o conceito de «consumidor», na aceção desta diretiva, mas também para a alínea c) deste artigo, que define o conceito de «profissional», na aceção da referida diretiva, resulta igualmente desta redação e dos fundamentos do pedido de decisão prejudicial que esse órgão jurisdicional pretende obter uma interpretação apenas do referido conceito de «consumidor».

34

Nestas condições, há que entender que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, lido à luz do considerando 17 da Diretiva 2011/83, deve ser interpretado no sentido de que está abrangido pelo conceito de «consumidor», na aceção desta disposição, um agricultor que celebra um contrato de compra de eletricidade que se destina simultaneamente à sua exploração agrícola e ao seu consumo doméstico.

35

De acordo com o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, é considerado «consumidor» qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional.

36

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o conceito de «consumidor», na aceção deste artigo 2.o, alínea b), tem caráter objetivo e é independente dos conhecimentos concretos que a pessoa em causa possa ter ou das informações de que essa pessoa realmente dispõe. A qualidade de «consumidor» da pessoa em causa deve ser determinada à luz de um critério funcional, que consiste em apreciar se a relação contratual em causa se insere no âmbito de atividades estranhas ao exercício de uma profissão [v., neste sentido, Despacho de 19 de novembro de 2015, Tarcău, C‑74/15, EU:C:2015:772, n.o 27, e Acórdão de 8 de junho de 2023, YYY. (Conceito de consumidor), C‑570/21, EU:C:2023:456, n.o 30 e jurisprudência referida].

37

Quanto à questão de saber se e, em caso afirmativo, em que casos, uma pessoa que celebrou um contrato com dupla finalidade, a saber, um contrato relativo a um bem ou um serviço destinado a uma finalidade parcialmente relacionada com a sua atividade profissional, e que, portanto, só em parte é alheia a essa atividade, pode, no entanto, ser abrangida pelo conceito de «consumidor», na aceção do referido artigo 2.o, alínea b), o Tribunal de Justiça já salientou que, embora a redação desta disposição não permita determiná‑lo, o contexto em que a referida disposição se insere não exclui que, em certos casos, uma pessoa singular que celebra esse contrato possa ser qualificada de «consumidor», na aceção da mesma disposição [v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2023, YYY. (Conceito de consumidor), C‑570/21, EU:C:2023:456, n.o 31 a 39].

38

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, para garantir o respeito dos objetivos prosseguidos pelo legislador da União no domínio dos contratos celebrados pelos consumidores e a coerência do direito da União, deve, especialmente, ser tido em conta o conceito de «consumidor» constante do considerando 17 da Diretiva 2011/83, que explicita a vontade do legislador da União no que respeita à definição do conceito de «consumidor» nos contratos com dupla finalidade e do qual resulta que, se o contrato for celebrado para fins relacionados em parte com a atividade comercial da pessoa e em parte à margem dessa atividade e se o objetivo da atividade for tão limitado que não seja predominante no contexto global do contrato, essa pessoa deverá ser igualmente considerada consumidor [v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2023, YYY. (Conceito de consumidor), C‑570/21, EU:C:2023:456, n.o 40 a 45].

39

Além disso, o Tribunal de Justiça recordou que o caráter imperativo das disposições constantes da Diretiva 93/13 e as exigências particulares de proteção do consumidor exigem uma interpretação lata do conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta diretiva, a fim de assegurar o efeito útil desta última [v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2023, YYY. (Conceito de consumidor), C‑570/21, EU:C:2023:456, n.o 46].

40

Neste contexto, o Tribunal de Justiça sublinhou igualmente que, na medida em que o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 visa proteger os consumidores em caso de utilização de cláusulas contratuais abusivas, a interpretação estrita do conceito de «consumidor» adotada no Acórdão de 20 de janeiro de 2005, Gruber (C‑464/01, EU:C:2005:32), para efeitos da determinação do âmbito das regras de competência derrogatórias previstas nos artigos 13.o a 15.o da Convenção, de 27 de setembro de 1968, relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32), conforme alterada pelas sucessivas convenções relativas à adesão dos novos Estados‑Membros a esta convenção, no caso de um contrato com dupla finalidade, não pode ser alargada, por analogia, ao conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 [Acórdão de 8 de junho de 2023, YYY. (Conceito de consumidor), C‑570/21, EU:C:2023:456, n.o 51].

41

Tendo em conta estes elementos, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «consumidor», na aceção desta disposição, uma pessoa que tenha celebrado um contrato de mútuo destinado a uma utilização em parte ligada à sua atividade profissional e em parte estranha a essa atividade, conjuntamente com outro mutuário que não atuou no âmbito da sua atividade profissional, quando o objetivo profissional for tão limitado que não é predominante no contexto global desse contrato [v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2023, YYY. (Conceito de consumidor), C‑570/21, EU:C:2023:456, n.o 53].

42

Decorre do exposto que, para determinar se uma pessoa singular que celebra um contrato com dupla finalidade, abrangido pela Diretiva 93/13, atua para fins que não entram no âmbito da sua atividade profissional e, por conseguinte, está abrangida pelo conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, há que examinar se o objetivo profissional desse contrato é tão limitado que não é predominante no seu contexto global.

43

Em conformidade com jurisprudência constante, incumbe ao juiz nacional que conhece de um litígio que tem por objeto um contrato suscetível de entrar no âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 verificar, tendo em conta todos os elementos de prova, designadamente os termos desse contrato, se a pessoa em causa pode ser qualificada de «consumidor», na aceção dessa diretiva. Para tal, o juiz nacional deve ter em conta todas as circunstâncias do caso concreto, e nomeadamente a natureza do bem ou do serviço que é objeto do contrato em causa, suscetíveis de demonstrar para que fim esse bem ou esse serviço são adquiridos [Acórdão de 8 de junho de 2023, YYY. (Conceito de consumidor), C‑570/21, EU:C:2023:456, n.o 55 e jurisprudência referida].

44

O mesmo se diga, quando está em causa um contrato com dupla finalidade, para efeitos da apreciação, por um lado, da amplitude de cada uma das duas partes desse contrato, no seu contexto global e, por outro, da finalidade predominante desse contrato. Assim, quando está em causa um contrato com dupla finalidade, incumbe ao juiz nacional examinar todas as circunstâncias que rodeiam o contrato em causa e apreciar, com base nos elementos de prova objetivos de que dispõe, em que medida o objetivo profissional ou não profissional desse contrato é predominante no seu contexto global [v., por analogia, Acórdão de 8 de junho de 2023, YYY. (Conceito de consumidor), C‑570/21, EU:C:2023:456, n.o 56].

45

Por conseguinte, embora os termos do contrato em causa devam ser tidos em conta, não bastam, por si só, para determinar se, ao celebrar esse contrato com dupla finalidade, a pessoa singular em causa agiu ou não para fins que não se inserem no âmbito da sua atividade profissional. No entanto, tendo em conta o objeto do contrato em causa no processo principal, que tem por objeto uma compra de eletricidade, importa especificar que uma estimativa anual do consumo de eletricidade prevista de forma elevada pelas partes pode revelar que a finalidade profissional é predominante, ao passo que uma estimativa do consumo pouco elevada é suscetível de indicar que a finalidade predominante consiste num uso doméstico.

46

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, lido à luz do considerando 17 da Diretiva 2011/83, deve ser interpretado no sentido de que está abrangido pelo conceito de «consumidor», na aceção desta disposição, um agricultor que celebra um contrato de compra de energia elétrica que se destina simultaneamente à sua exploração agrícola e ao seu uso doméstico, quando a finalidade profissional desse contrato é tão limitada que não é predominante no contexto global do referido contrato.

Quanto à segunda questão

47

A título preliminar, há que salientar, antes de mais, que o pedido de decisão prejudicial não revela em que medida a interpretação do artigo 3.o, n.o 5, da Diretiva 2009/72, referido na redação da segunda questão, é pertinente para a resolução do litígio no processo principal. Com efeito, por força deste n.o 5, alíneas a) e b), os Estados‑Membros devem garantir que, por um lado, se um cliente, no respeito das condições contratuais, quiser mudar de comercializador, essa mudança seja efetuada pelo(s) operador(es) em causa no prazo de três semanas e, por outro, os clientes tenham o direito de obter todos os dados de consumo relevantes, devendo esses direitos ser concedidos aos clientes sem discriminação em matéria de custos, esforço e tempo.

48

Ora, resulta deste pedido que o contrato em causa no processo principal foi rescindido antes da sua data de produção de efeitos e antes de ter tido lugar qualquer fornecimento de eletricidade ao abrigo deste. Nestas condições, e na falta de explicação do órgão jurisdicional de reenvio a este respeito, nada indica de que modo o litígio no processo principal diz respeito a uma hipótese de mudança de comercializador. Do mesmo modo, nada indica que este litígio diga respeito à comunicação, pelo comercializador, de dados de consumo. Por outro lado, o direito de mudar facilmente de comercializador, que, por força do artigo 2.o, ponto 12, da Diretiva 2009/72, lido em conjugação com o artigo 33.o desta, beneficia, desde 1 de julho de 2007, todos os clientes, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, desta diretiva, e à luz do qual o órgão jurisdicional de reenvio exprime as dúvidas que justificam a sua segunda questão, está especificamente previsto no artigo 3.o, n.o 7, da referida diretiva, que é também objeto desta questão.

49

Do mesmo modo, a interpretação solicitada do anexo I, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2009/72, igualmente referida na redação da segunda questão, não se afigura necessária para efeitos da resolução do litígio no processo principal. Com efeito, esta disposição visa a hipótese de uma mudança de comercializador de eletricidade quando, como constatado no número anterior do presente acórdão, o pedido de decisão prejudicial não revela em que medida esse litígio diz respeito a essa hipótese.

50

Em seguida, importa recordar que o conceito de «consumidor», utilizado pelo órgão jurisdicional de reenvio na redação da segunda questão, não é definido pela Diretiva 2009/72, mas que o Tribunal de Justiça já declarou que, na falta de indicação em contrário numa determinada disposição desta diretiva, este termo reveste, nesta última, um sentido amplo e inclui, em princípio, qualquer «cliente final», na aceção do artigo 2.o, ponto 9, da referida diretiva, a saber, tanto os «cliente[s] doméstico[s]», na aceção deste artigo 2.o, ponto 10, como os «cliente[s] não doméstico[s]», na aceção do referido artigo 2.o, ponto 11 [v., neste sentido, Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 35].

51

No entanto, resulta do pedido de decisão prejudicial que é o alcance da medida enunciada no anexo I, n.o 1, alínea a), quinto travessão, da Diretiva 2009/72 que está no cerne das interrogações do órgão jurisdicional de reenvio. Ora, este anexo I diz respeito, mais especificamente, como decorre do artigo 3.o, n.o 7, último período, desta diretiva, aos «clientes domésticos», na aceção do artigo 2.o, ponto 10, da referida diretiva.

52

Por último, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o contrato em causa no processo principal foi celebrado não só por tempo determinado mas também por um preço fixo para toda a duração desse contrato.

53

Tendo em conta estes elementos, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 7, e o anexo I, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/72, lidos à luz do considerando 51 desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que permite que uma penalização contratual seja imposta a um cliente doméstico quando este rescinde antecipadamente um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo.

54

Para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [Acórdãos de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.o 41, e de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 32].

55

No que respeita, em primeiro lugar, à redação das disposições cuja interpretação é pedida, importa recordar que o artigo 3.o, n.o 7, da Diretiva 2009/72 impõe que os Estados‑Membros adotem medidas adequadas para proteger os clientes finais, garantam níveis elevados de proteção dos consumidores, especialmente no que respeita à transparência das condições contratuais, às informações gerais e aos mecanismos de resolução de litígios, e assegurem que os clientes elegíveis possam de facto mudar facilmente de comercializador. Esta disposição acrescenta que, pelo menos no que respeita aos clientes domésticos, estas medidas devem incluir as previstas no anexo I da referida diretiva.

56

Como resulta deste anexo I, n.o 1, alínea a), quinto travessão, figuram entre estas medidas que têm por objeto assegurar que os clientes tenham direito a um contrato com o seu comercializador de eletricidade que especifique, nomeadamente, «se existe a possibilidade de resolução do contrato sem encargos».

57

Todavia, resulta de uma comparação das diferentes versões linguísticas da Diretiva 2009/72 que é unicamente na sua versão em língua francesa que esta disposição parece indicar que, pelo menos no que respeita aos clientes domésticos, os Estados‑Membros devem tomar medidas para garantir que o contrato que os clientes celebram com o seu comercializador de eletricidade preveja o seu direito de obter a sua resolução sem encargos. Com efeito, em todas as outras versões linguísticas desta diretiva, a referida disposição limita‑se a indicar, em substância, que, pelo menos no que respeita aos clientes domésticos, os Estados‑Membros devem tomar medidas que tenham por objeto garantir que os clientes tenham direito a um contrato celebrado com o seu comercializador de eletricidade que especifique se é possível rescindir esse contrato sem encargos.

58

Ora, em conformidade com jurisprudência constante, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição, nem ter, a esse respeito, caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. Com efeito, a necessidade de uma aplicação e, por conseguinte, de uma interpretação uniformes de um ato da União Europeia exclui que este seja considerado isoladamente numa das suas versões, mas exige que seja interpretado em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que a mesma constitui um elemento (Acórdão de 30 de junho de 2022, Allianz Elementar Versicherung, C‑652/20, EU:C:2022:514, n.o 36 e jurisprudência referida).

59

Por outro lado, importa recordar que o último parágrafo do anexo I, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/72 especifica que as condições dos contratos devem ser equitativas e previamente conhecidas e que, em qualquer caso, as informações enumeradas nesta disposição devem ser prestadas antes da celebração ou confirmação do contrato.

60

Destes elementos decorre que a redação do artigo 3.o, n.o 7, e do anexo I, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/72 indica que, pelo menos no que respeita aos clientes domésticos, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que esses clientes possam, se assim o desejarem, mudar facilmente de comercializador. Além disso, devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as estipulações contratuais sejam equitativas, sejam redigidas em termos claros e previamente conhecidas, para que o cliente possa compreender o seu alcance antes da assinatura do contrato e consentir livremente e de forma esclarecida, respondendo assim à condição de transparência que esta redação impõe, e para que exista um mecanismo de resolução dos litígios que possam surgir entre esses clientes e o seu comercializador de eletricidade.

61

Em contrapartida, a redação destas disposições não permite determinar se estas excluem a faculdade de os Estados‑Membros preverem, na sua regulamentação nacional, que possa ser imposta uma penalização contratual a um cliente doméstico quando rescinde antecipadamente um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo.

62

A este respeito, importa, em especial, salientar que o facto de uma regulamentação nacional permitir que esse contrato estipule que será devida uma penalização contratual em caso de rescisão antecipada deste pelo cliente não obsta necessariamente a que esse cliente possa efetivamente mudar facilmente de comercializador, como prevê a redação do artigo 3.o, n.o 7, da Diretiva 2009/72, desde que essa regulamentação contenha os instrumentos que permitem assegurar o respeito das condições enunciadas no n.o 60 do presente acórdão, nomeadamente fiscalizar o montante dessa penalização [v., por analogia, Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 37]. Com efeito, é mais esse montante do que a própria existência de uma tal penalização, no seu princípio, que é suscetível de impedir tal alteração.

63

No que respeita, em segundo lugar, ao contexto em que se inserem o artigo 3.o, n.o 7, e o anexo I, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/72, há que salientar, antes de mais, que o artigo 3.o, n.o 5, desta diretiva especifica que as mudanças de comercializador são efetuadas no respeito das condições contratuais. Neste mesmo sentido, o artigo 37.o, n.o 1, alínea l), da referida diretiva investe as entidades reguladoras da obrigação de respeitar a liberdade contratual em matéria de contratos de fornecimento interruptível e de contratos a longo prazo, desde que estes sejam compatíveis com o direito da União e coerentes com as políticas da União.

64

Em seguida, é verdade que, por força do anexo I, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2009/72, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 7, da mesma, os Estados‑Membros devem, pelo menos no que respeita aos clientes domésticos, tomar medidas destinadas a garantir que esses clientes «[n]ão tenham de efetuar qualquer pagamento por mudarem de comercializador». Todavia, não se pode deduzir daí que a Diretiva 2009/72 se opõe, por princípio, à imposição de uma penalização contratual em caso de rescisão antecipada, por um cliente doméstico, de um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo.

65

Com efeito, considerar que o anexo I, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2009/72 implica que, mesmo quando um cliente doméstico rescinde antecipadamente um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo, nunca lhe pode ser imposta uma penalização contratual, iria contra a redação deste anexo I, n.o 1, alínea a), quinto travessão, na maior parte das suas versões linguísticas e, consoante a versão linguística escolhida, privaria esta última disposição de efeito útil ou viciaria a Diretiva 2009/72 de uma contradição.

66

Ora, quando uma disposição do direito da União possa ser objeto de várias interpretações, deve dar‑se prioridade à que é adequada para salvaguardar o seu efeito útil (Acórdãos de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑434/97, EU:C:2000:98, n.o 21, e de 23 de novembro de 2023, EVN Business Service e o., C‑480/22, EU:C:2023:918, n.o 37 e jurisprudência referida). Além disso, segundo um princípio geral de interpretação, um ato da União deve ser interpretado, na medida possível, no sentido de não pôr em causa a sua validade (Acórdãos de 4 de outubro de 2001, Itália/Comissão, C‑403/99, EU:C:2001:507, n.o 37, e de 21 de setembro de 2023, Stappert Deutschland, C‑210/22, EU:C:2023:693, n.o 47 e jurisprudência referida).

67

Por conseguinte, há que considerar que as eventuais comissões de mudança de comercializador, referidas no anexo I, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2009/72 se distinguem das comissões ligadas à rescisão de um contrato, referidas na alínea a) desta disposição, e que este anexo I, n.o 1, alínea e), não exclui, por princípio, que os Estados‑Membros conservem a faculdade de prever, na sua legislação nacional, que pode ser imposta uma penalização contratual a um cliente doméstico quando este rescinde antecipadamente um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo.

68

Foi, aliás, neste sentido que o legislador da União se pronunciou expressamente quando adotou a Diretiva 2019/944, como resulta inequivocamente do artigo 12.o, n.os 2 e 3, desta diretiva, que constitui, em conformidade com o seu considerando 1, uma reformulação da Diretiva 2009/72 e que a substitui desde 1 de janeiro de 2021.

69

Por último, o considerando 51 da Diretiva 2009/72 limita‑se a indicar, primeiro, que os interesses dos consumidores devem estar no cerne desta diretiva e que a qualidade do serviço deve ser uma responsabilidade central das empresas de eletricidade; segundo, que os atuais direitos dos consumidores devem ser reforçados, direitos esses que devem incluir uma maior transparência; terceiro, que a proteção dos consumidores deve assegurar que todos os consumidores beneficiam de um mercado competitivo e, quarto, que os direitos dos consumidores devem ser respeitados pelos Estados‑Membros, ou quando o Estado‑Membro o tiver determinado, pelas entidades reguladoras. Este considerando não contém, assim, nenhuma indicação no sentido de privar, por princípio, os Estados‑Membros da faculdade de preverem, na sua legislação nacional, que possa ser imposta uma penalização contratual a um cliente doméstico quando rescinda antecipadamente um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo.

70

Em contrapartida, o considerando 52 desta diretiva enuncia que os consumidores deverão dispor de informações claras e compreensíveis sobre os seus direitos no setor da energia e o seu considerando 54 especifica que os meios de resolução de litígios previstos no artigo 3.o, n.o 7, da referida diretiva devem ser utilizados em benefício de todos os consumidores.

71

Por conseguinte, há que constatar que não resulta do contexto em que o artigo 3.o, n.o 7, e o anexo I, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/72 se inserem que estas disposições se opõem, por princípio, a uma regulamentação nacional que permite que uma penalização contratual seja imposta a um cliente doméstico quando rescinde antecipadamente um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por tempo determinado e a um preço fixo. Em contrapartida, decorre, em substância, deste contexto, que tal regulamentação nacional deve, como já indica a redação das disposições a interpretar, assegurar que os clientes, nomeadamente domésticos, tenham o direito de escolher o seu comercializador e de ser informados de forma clara e compreensível dos seus direitos e que estejam em condições de os fazer respeitar no âmbito de um mecanismo de resolução de litígios [v., por analogia, Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 44].

72

No que respeita, em terceiro lugar, aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2009/72, o Tribunal de Justiça já salientou que, nos termos do seu artigo 1.o, esta diretiva tem por objetivo estabelecer regras comuns para a produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade, bem como regras para a proteção dos consumidores, a fim de melhorar e integrar mercados da energia competitivos na União. Neste contexto, e como resulta dos considerandos 3, 7 e 8 da referida diretiva, esta visa, nomeadamente, estabelecer um mercado interno da eletricidade plenamente aberto e competitivo que permita a todos os consumidores escolher livremente os seus comercializadores e a estes últimos fornecerem livremente os seus produtos aos seus clientes, promover a competitividade no mercado interno, a fim de assegurar o fornecimento de eletricidade ao preço mais baixo possível e criar condições de concorrência equitativas neste mercado, a fim de alcançar a plena realização do mercado interno da eletricidade [Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 45 e jurisprudência referida].

73

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça também já declarou que os contratos de fornecimento de eletricidade de duração determinada e a preço fixo podem assegurar a proteção dos clientes ao garantir‑lhes um preço baixo e estável da eletricidade, oferecendo aos consumidores a certeza de que os custos que terão de suportar não variam durante todo o período de vigência do contrato. No entanto, para fazer face às suas obrigações decorrentes destes contratos, o comercializador de eletricidade em causa pode ter suportado despesas específicas, que lhe podem ter acarretado custos suplementares em relação a um contrato de duração indeterminada e sem preço fixo, nomeadamente para se precaver contra a volatilidade dos custos no mercado grossista. Assim, a possibilidade de permitir a imposição de uma penalização contratual a cargo do cliente quando este rescinde de forma antecipada este tipo de contrato de duração determinada e a preço fixo pode permitir ao comercializador compensar os custos específicos que para ele resultam deste tipo de contrato, evitando ao mesmo tempo ter de repercutir sobre todos os seus clientes o risco financeiro ligado a este tipo de contrato, o que se poderia traduzir num aumento dos preços da eletricidade relativamente a estes e o que seria, em última análise, contrário ao objetivo de assegurar os preços mais baixos possíveis para os consumidores [Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 47].

74

O Tribunal de Justiça acrescentou que, todavia, há que também ter em conta o objetivo geral prosseguido pela Diretiva 2009/72 de alcançar a plena realização do mercado interno da eletricidade, bem como os objetivos mais específicos, enunciados nos considerandos 51 e 57 desta diretiva, de permitir que os consumidores possam retirar benefícios de um mercado competitivo e liberalizado. Assim, constatou que a realização desses objetivos ficaria comprometida se uma regulamentação nacional permitisse a imposição de penalizações contratuais desproporcionais relativamente aos custos ocasionados pelo contrato, mas não totalmente amortizados devido à rescisão antecipada deste. Com efeito, tais penalizações são suscetíveis de dissuadir artificialmente os clientes em causa de rescindir antecipadamente o seu contrato de fornecimento de eletricidade de duração determinada e a preço fixo, nomeadamente com vista a mudar de comercializador e, assim, impedi‑los de beneficiar plenamente de um mercado interno da eletricidade competitivo e liberalizado [v., neste sentido, Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 48].

75

Ora, estas considerações, formuladas pelo Tribunal de Justiça no âmbito de um processo relativo à rescisão antecipada de um contrato de fornecimento de eletricidade de duração determinada e a preço fixo por um cliente não doméstico, são transponíveis para um contrato da mesma natureza celebrado com um cliente doméstico, não fazendo a Diretiva 2009/72, no que respeita aos objetivos recordados nos n.os 72 a 74 do presente acórdão, nenhuma distinção consoante a qualidade do consumidor em causa.

76

Assim, os objetivos da Diretiva 2009/72 indicam que os Estados‑Membros devem, em princípio, ter a faculdade de prever, na sua legislação nacional, que possa ser imposta uma penalização contratual a um cliente doméstico quando rescinda antecipadamente um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo, desde que as condições gerais decorrentes desta diretiva, relativas, em especial, à necessária informação desse cliente e à existência de um mecanismo de resolução de litígios, estejam preenchidas.

77

No entanto, uma vez que a segunda questão é relativa, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, a uma regulamentação nacional que permite a aplicação de penalizações contratuais, mas sem prever um critério para o seu cálculo, nomeadamente em termos de proporcionalidade com os custos, com os riscos incorridos ou com o dano sofrido, importa ainda especificar que, embora a Diretiva 2009/72 não contenha nenhuma indicação a este respeito, os Estados‑Membros devem, em conformidade com jurisprudência constante, exercer as suas competências no respeito do direito da União e não podem, portanto, ao fazê‑lo, prejudicar o efeito útil da Diretiva 2009/72 [Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 50 e jurisprudência referida].

78

Ora, o efeito útil da Diretiva 2009/72 seria prejudicado se, no âmbito do mecanismo de resolução de litígios que os Estados‑Membros são obrigados a prever, por força desta diretiva, em benefício dos consumidores de eletricidade, a autoridade administrativa ou judicial chamada a pronunciar‑se estivesse impossibilitada de avaliar o montante de uma penalização contratual como a que está em causa no processo principal e, sendo caso disso, de impor a sua redução, ou até mesmo a sua supressão, se se verificar que esta é, à luz de todas as circunstâncias que caracterizam o caso em apreço, de um montante desproporcionado em relação aos custos ocasionados por um contrato como o que está em causa no processo principal, mas não totalmente amortizados devido à rescisão antecipada deste último, pelo que, na prática, teria por efeito esvaziar de conteúdo o direito de o cliente final de escolher livremente o seu comercializador e prejudicar os objetivos da referida diretiva recordados nos n.os 72 e 74 do presente acórdão [v., por analogia, Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 51].

79

Embora esta apreciação da proporcionalidade do montante desta penalização contratual caiba exclusivamente à autoridade nacional chamada a conhecer de um eventual litígio, importa, no entanto, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, indicar que, para efeitos da referida apreciação, podem, nomeadamente, ser tidas em conta a duração inicial do contrato em causa, a duração que ainda não tinha decorrido no momento da sua rescisão, a quantidade de eletricidade que foi comprada com vista à execução deste contrato, mas que acabará por não ser consumida pelo cliente, bem como os meios de que teria disposto um comercializador razoavelmente diligente para limitar as eventuais perdas económicas que teria sofrido devido a esta rescisão antecipada [v., por analogia, Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 52].

80

Decorre do exposto que o artigo 3.o, n.o 7, e o anexo I, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/72, lidos à luz do considerando 51 desta diretiva, não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, desde que essa regulamentação garanta que a penalização contratual que pode ser estipulada ao abrigo da mesma seja equitativa, clara, previamente conhecida e livremente consentida, e que exista uma possibilidade de recurso, administrativo ou judicial, em cujo âmbito a autoridade chamada a pronunciar‑se pode apreciar o caráter proporcionado dessa penalização à luz de todas as circunstâncias do caso concreto e, se for caso disso, impor a sua redução ou a sua supressão [v., por analogia, Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 55].

81

A fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, importa ainda especificar que, por um lado, tendo em conta esta interpretação, é indiferente que, no âmbito do litígio no processo principal, S. J. seja qualificado de «cliente doméstico», na aceção do artigo 2.o, ponto 10, da Diretiva 2009/72, ou de cliente «não doméstico», na aceção do artigo 2.o, ponto 11, da mesma, sendo aplicável uma interpretação análoga quando está em causa a rescisão antecipada, por um cliente não doméstico, de um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo [v., neste sentido, Acórdão de 11 de janeiro de 2024, G (Comissões de rescisão antecipada), C‑371/22, EU:C:2024:21, n.o 55].

82

Assim sendo, e por outro lado, em conformidade com o anexo I, n.o 1, da Diretiva 2009/72, a referida interpretação não prejudica os direitos que um cliente como S. J. poderia, sendo caso disso, retirar da regulamentação da União relativa à proteção dos consumidores, nomeadamente da Diretiva 93/13, se esse cliente, além disso, estiver abrangido pelo conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta última diretiva.

83

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 7, e o anexo I, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/72, lidos à luz do considerando 51 desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, em caso de rescisão antecipada, por um cliente doméstico, de um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo, este está obrigado a proceder ao pagamento da penalização contratual estipulada no contrato, desde que essa regulamentação, por um lado, garanta que uma tal penalização contratual seja equitativa, clara, previamente conhecida e livremente consentida, e que, por outro lado, exista uma possibilidade de recurso, administrativo ou judicial, em cujo âmbito a autoridade chamada a pronunciar‑se pode apreciar o caráter proporcionado dessa penalização à luz de todas as circunstâncias do caso concreto e, se for caso disso, impor a sua redução ou a sua supressão. Esta interpretação não prejudica os direitos que, sendo caso disso, podem decorrer para esse cliente da regulamentação da União relativa à proteção dos consumidores, nomeadamente da Diretiva 93/13, se esse cliente, além disso, estiver abrangido pelo conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta última diretiva.

Quanto às despesas

84

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, lido à luz do considerando 17 da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho,

deve ser interpretado no sentido de que:

está abrangido pelo conceito de «consumidor», na aceção desta disposição, um agricultor que celebra um contrato de compra de energia elétrica que se destina simultaneamente à sua exploração agrícola e ao seu uso doméstico, quando a finalidade profissional desse contrato é tão limitada que não é predominante no contexto global do referido contrato.

 

2)

O artigo 3.o, n.o 7, e o anexo I, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE, lidos à luz do considerando 51 da Diretiva 2009/72,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, em caso de rescisão antecipada, por um cliente doméstico, de um contrato de fornecimento de eletricidade celebrado por duração determinada e a um preço fixo, este está obrigado a proceder ao pagamento da penalização contratual estipulada no contrato, desde que essa regulamentação, por um lado, garanta que tal penalização contratual seja equitativa, clara, previamente conhecida e livremente consentida, e que, por outro lado, exista uma possibilidade de recurso, administrativo ou judicial, em cujo âmbito a autoridade chamada a pronunciar‑se pode apreciar o caráter proporcionado dessa penalização à luz de todas as circunstâncias do caso concreto e, se for caso disso, impor a sua redução ou a sua supressão. Esta interpretação não prejudica os direitos que, sendo caso disso, podem decorrer para esse cliente da regulamentação da União relativa à proteção dos consumidores, nomeadamente da Diretiva 93/13, se esse cliente, além disso, estiver abrangido pelo conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta última diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

( i ) O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.

Início