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Document 62016CJ0546

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 20 de setembro de 2018.
    Montte SL contra Musikene.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi.
    Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Competência do Tribunal de Justiça — Qualidade de órgão jurisdicional do órgão de reenvio — Diretiva 2014/24/UE — Procedimentos de adjudicação dos contratos públicos — Concurso aberto — Critérios de adjudicação — Avaliação técnica — Limiar mínimo de pontuação — Avaliação baseada no preço.
    Processo C-546/16.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:752

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    20 de setembro de 2018 ( *1 ) ( 1 )

    «Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Competência do Tribunal de Justiça — Qualidade de órgão jurisdicional do órgão de reenvio — Diretiva 2014/24/UE — Procedimentos de adjudicação dos contratos públicos — Concurso aberto — Critérios de adjudicação — Avaliação técnica — Limiar mínimo de pontuação — Avaliação baseada no preço»

    No processo C‑546/16,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi (Órgão Administrativo de Recurso de Decisões Administrativas em Matéria de Contratos Públicos da Comunidade Autónoma do País Basco, Espanha), por decisão de 21 de outubro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de outubro de 2016, no processo

    Montte SL

    contra

    Musikene,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda (relator), E. Juhász, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

    vistos os autos,

    visto o despacho de reabertura da fase oral do processo de 6 de março de 2018 e após a audiência de 16 de abril de 2018,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo espanhol, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agente,

    em representação do Governo helénico, por A. Dimitrakopoulou e K. Georgiadis, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por E. Sanfrutos Cano e A. Tokár, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de junho de 2018,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Montte SL à Musikene, a respeito de um procedimento de adjudicação de um contrato público.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O considerando 90 da Diretiva 2014/24 tem a seguinte redação:

    «A adjudicação de um contrato deverá realizar‑se com base em critérios objetivos que assegurem o respeito dos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento, com vista a assegurar uma comparação objetiva do valor relativo das propostas, a fim de determinar, em condições de concorrência efetiva, a proposta economicamente mais vantajosa. Convém estabelecer expressamente que a proposta economicamente mais vantajosa deverá ser avaliada com base na melhor relação qualidade/preço, que deverá sempre incluir um elemento de preço ou de custo. Deverá igualmente ser especificado que essa avaliação da proposta economicamente mais vantajosa também poderá ser efetuada apenas com base no preço ou na eficácia em termos de custos. Além disso, convém recordar que as autoridades adjudicantes poderão definir normas de qualidade adequadas através das especificações técnicas ou das condições de execução dos contratos.

    […]»

    4

    Nos termos do considerando 92 desta diretiva:

    «Ao avaliarem a melhor relação qualidade/preço, as autoridades adjudicantes deverão determinar os critérios económicos e qualitativos, ligados ao objeto do contrato, que utilizarão para esse efeito. Esses critérios deverão, portanto, permitir uma avaliação comparativa do nível de desempenho de cada proposta à luz do objeto do contrato, tal como definido nas especificações técnicas. No contexto da melhor relação qualidade/preço, a presente diretiva estabelece uma lista não exaustiva de possíveis critérios de adjudicação que incluem aspetos ambientais e sociais. As autoridades adjudicantes deverão ser incentivadas a escolher critérios de adjudicação que lhes permitam adquirir obras, fornecimentos e serviços de elevada qualidade e que correspondam perfeitamente às suas necessidades.

    Os critérios de adjudicação escolhidos não deverão conferir à autoridade adjudicante uma liberdade de escolha ilimitada, devendo assegurar a possibilidade de concorrência efetiva e leal e ser acompanhados de disposições que permitam uma verificação eficaz da informação fornecida pelos proponentes.

    A fim de identificar a proposta economicamente mais vantajosa, a decisão de adjudicação do contrato não deverá assentar apenas em critérios diferentes dos custos. Os critérios qualitativos devem, por conseguinte, ser acompanhados de um critério de custos que poderá ser, à escolha da autoridade adjudicante, o preço ou uma abordagem custo‑eficácia como o cálculo dos custos do ciclo de vida. Todavia, os critérios de adjudicação não deverão afetar a aplicação de disposições nacionais que determinem a remuneração de determinados serviços ou estabeleçam preços fixos para certos tipos de fornecimentos.»

    5

    O artigo 18.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Princípios da contratação», prevê, no seu n.o 1:

    «As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

    Os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera‑se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.»

    6

    Nos termos do artigo 27.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Concurso aberto»:

    «1.   Nos concursos abertos, qualquer operador económico interessado pode apresentar uma proposta em resposta a um convite à apresentação de propostas.

    O prazo mínimo de receção das propostas é de 35 dias a contar da data de envio do anúncio de concurso.

    A proposta deve ser acompanhada das informações solicitadas para efeitos de seleção qualitativa pela autoridade adjudicante.

    2.   Se as autoridades adjudicantes tiverem publicado um anúncio de pré‑informação que não tenha sido utilizado como meio de abertura de concurso, o prazo mínimo para a receção das propostas, conforme estabelecido no segundo parágrafo do n.o 1 do presente artigo, pode ser reduzido para 15 dias, desde que estejam preenchidas todas as seguintes condições:

    a)

    O anúncio de pré‑informação incluiu todas as informações exigidas para o anúncio de concurso nos termos do anexo V, parte B, secção I, na medida em que essas informações tenham estado disponíveis à data de publicação do anúncio de pré‑informação;

    b)

    O anúncio de pré‑informação foi enviado para publicação entre um mínimo de 35 dias e um máximo de 12 meses antes da data de envio do anúncio de concurso.

    3.   Nos casos em que uma situação de urgência devidamente fundamentada pelas autoridades adjudicantes inviabilize o cumprimento dos prazos fixados no segundo parágrafo do n.o 1, essas autoridades podem fixar um prazo que não será inferior a 15 dias a contar da data de envio do anúncio de concurso.

    4.   As autoridades adjudicantes podem reduzir em cinco dias os prazos de receção de propostas estabelecidos no segundo parágrafo do n.o 1 do presente artigo, nos casos em que aceitem que as propostas possam ser apresentadas por meios eletrónicos em conformidade com o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e n.os 5 e 6.»

    7

    O artigo 29.o da Diretiva 2014/24, sob a epígrafe «Procedimento concorrencial com negociação», dispõe, no seu n.o 6:

    «O procedimento concorrencial com negociação pode desenrolar‑se em fases sucessivas, de modo a reduzir o número de propostas a negociar aplicando os critérios de adjudicação especificados no anúncio de concurso, no convite à confirmação de interesse ou noutro documento do concurso. A autoridade adjudicante deve indicar, no anúncio de concurso, no convite à confirmação de interesse ou noutro documento do concurso, se irá utilizar essa opção.»

    8

    O artigo 30.o desta diretiva, sob a epígrafe «Diálogo concorrencial», enuncia, no seu n.o 4:

    «Os diálogos concorrenciais podem desenrolar‑se em fases sucessivas, de modo a reduzir o número de soluções a debater durante a fase de diálogo, aplicando os critérios de adjudicação definidos no anúncio de concurso ou na memória descritiva. A autoridade adjudicante deve indicar, no anúncio de concurso ou na memória descritiva, se irá utilizar esta opção.»

    9

    O artigo 31.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Parcerias para a inovação», prevê, no seu n.o 5:

    «As negociações no decurso dos procedimentos de parcerias para a inovação podem desenrolar‑se em fases sucessivas, de modo a reduzir o número de propostas a negociar aplicando os critérios de adjudicação especificados no anúncio de concurso, no convite à confirmação de interesse ou na documentação relativa ao concurso. A autoridade adjudicante deve indicar claramente no anúncio de concurso, no convite à confirmação de interesse ou na documentação relativa ao concurso se irá utilizar esta opção.»

    10

    Nos termos do artigo 66.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Redução do número de propostas e soluções»:

    «Quando as autoridades adjudicantes recorrerem à faculdade de reduzir o número de propostas a negociar, conforme previsto no artigo 29.o, n.o 6, ou de reduzir as soluções a debater, conforme previsto no artigo 30.o, n.o 4, procedem a essa redução aplicando os critérios de adjudicação indicados nos documentos do concurso. O número a que se chegar na fase final deve permitir assegurar uma concorrência real, desde que o número [de] proponentes, de soluções ou de candidatos qualificados seja suficiente.»

    11

    O artigo 67.o, n.os 1, 2 e 4, da Diretiva 2014/24, sob a epígrafe «Critérios de adjudicação», dispõe:

    «1.   Sem prejuízo das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais relativas ao preço de certos fornecimentos ou à remuneração de determinados serviços, as autoridades adjudicantes devem adjudicar os contratos públicos com base no critério da proposta economicamente mais vantajosa.

    2.   A proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da autoridade adjudicante deve ser identificada com base no preço ou custo, utilizando uma abordagem de custo‑eficácia, como os custos do ciclo de vida em conformidade com o artigo 68.o, e pode incluir a melhor relação qualidade/preço, que deve ser avaliada com base em critérios que incluam aspetos qualitativos, ambientais e/ou sociais ligados ao objeto do contrato público em causa. Estes critérios podem compreender, por exemplo:

    a)

    Qualidade, designadamente valor técnico, características estéticas e funcionais, acessibilidade, conceção para todos os utilizadores, características sociais, ambientais e inovadoras, negociação e respetivas condições;

    b)

    Organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato em questão, caso a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato; ou

    c)

    Serviço e assistência técnica pós‑venda, condições de entrega, tais como a data de entrega, processo de entrega e prazo de entrega ou de execução.

    O fator custo pode igualmente assumir a forma de um preço ou custo fixo com base no qual os operadores económicos concorrem exclusivamente em termos de critérios de qualidade.

    Os Estados‑Membros podem prever que as autoridades adjudicantes não possam utilizar o preço ou o custo como único critério de adjudicação, ou podem restringir essa utilização exclusiva a determinadas categorias de autoridades adjudicantes ou a determinados tipos de contratos.

    […]

    4.   Os critérios de adjudicação não podem ter por efeito conferir à autoridade adjudicante uma liberdade de escolha ilimitada. Devem assegurar a possibilidade de concorrência efetiva e ser acompanhados de especificações que permitam verificar efetivamente a informação fornecida pelos proponentes, a fim de avaliar até que ponto estes cumprem os critérios de adjudicação. Em caso de dúvida, as autoridades adjudicantes verificam de facto a exatidão das informações e provas fornecidas pelos proponentes.»

    Direito espanhol

    12

    Segundo o artigo 40.o, n.o 6, do Texto Refundido de la Ley de Contratos del Sector Público (Texto consolidado da Lei dos contratos do setor público), ao abrigo do Real Decreto Legislativo 3/2011 por el que se aprueba el Texto Refundido de la Ley de Contratos del Sector Público (Real Decreto Legislativo n.o 3/2011, que aprova o texto consolidado da Lei dos contratos do setor público), de 14 de novembro de 2011 (BOE n.o 276, de 16 de novembro de 2011, p. 117729), o recurso especial em matéria de concurso público, antes da interposição de um recurso contencioso administrativo, tem um caráter facultativo.

    13

    O artigo 150.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do texto consolidado da Lei dos contratos do setor público dispõe o seguinte:

    «Quando seja tido em consideração mais de um critério, deverá ser especificada a ponderação relativa atribuída a cada um deles, que poderá ser expressa estabelecendo um intervalo de valores com uma amplitude adequada. Nos casos em que o procedimento de adjudicação se desenrole em várias fases, será também indicado em quais delas irão sendo aplicados os diferentes critérios, assim como o limiar mínimo de pontuação exigida ao proponente para continuar no processo de seleção.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    14

    A Musikene é uma fundação de direito público da Comunidad Autónoma de Euskadi (Comunidade Autónoma do País Basco, Espanha). Em julho de 2016, lançou um concurso aberto para a adjudicação de um contrato público relativo ao «[f]ornecimento de equipamento mobiliário e sinalética, mobiliário musical especializado, instrumentos musicais, equipamento eletroacústico, de gravação e audiovisuais, equipamento informático e reprografia», cujo valor estimado ascendia a 1157430,59 euros. O caderno de encargos do concurso foi aprovado pela direção da Musikene em 14 de julho de 2016 e o anúncio de concurso foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia (2016/S 142‑257363) em 26 de julho de 2016.

    15

    Os critérios de adjudicação do contrato estão enunciados no anexo VII — A do caderno de encargos que rege o concurso, da seguinte forma:

    «a)

    A “apresentação e descrição do projeto” com uma ponderação de 50 pontos em 100, dividida em subcritérios ou critérios secundários diferentes para cada um dos cinco lotes em que se divide o contrato. Adicionalmente, estabelece‑se, para todos os lotes, o seguinte:

    “Limiar mínimo de pontuação necessária para continuar no processo de seleção: Os proponentes que não atinjam 35 pontos na Proposta Técnica não passarão à fase económica.”

    b)

    Para todos os lotes, a redução do preço de concurso proposto, com uma ponderação de 50 pontos em 100, de acordo com o seguinte critério:

    “Será atribuído um máximo de 50 pontos. À proposta cujo valor seja igual ao valor do concurso serão atribuídos 0 pontos.

    Serão aplicados 5 pontos por cada 1% de redução sobre o preço do concurso, de tal forma que:

    Valor percentual de redução de 1% relativamente ao valor do concurso: 5 pontos

    Valor percentual de redução de 5% relativamente ao valor do concurso: 25 pontos

    Valor percentual de redução de 10% relativamente ao valor do concurso: 50 pontos”.»

    16

    Em 11 de agosto de 2016, o Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi (Órgão Administrativo de Recurso de Decisões Administrativas em Matéria de Contratos Públicos da Comunidade Autónoma do País Basco, Espanha) foi chamado a pronunciar‑se sobre um recurso especial interposto pela empresa Montte contra o referido caderno de encargos do concurso. A Montte alega que o requisito de que um limiar mínimo de pontuação é necessário no final da fase técnica para continuar a participar no processo de seleção deve ser anulado uma vez que limita o acesso dos proponentes à fase económica do procedimento de adjudicação do contrato e esvazia, na prática, de qualquer conteúdo a ponderação conjunta dos critérios técnicos e económicos prevista pelo caderno de encargo do concurso. A Montte alega que, contrariamente ao critério do preço, que se aplica automaticamente mediante a execução de uma fórmula, os critérios técnicos, que são objeto de uma apreciação qualitativa menos objetiva, são, na prática, objeto de uma ponderação de 100% da pontuação total. Por conseguinte, segundo a Montte, ao aplicar esses critérios, os proponentes não podem ser julgados igualmente em função do preço da sua proposta e a Musikene não pode, portanto, conhecer a proposta mais vantajosa depois de ter ponderado todos os critérios.

    17

    Por sua vez, a Musikene considera que o referido requisito é justificado. Alega que, uma vez que o concurso público em causa no processo principal diz respeito à instalação de um equipamento que fará parte de um edifício, justifica‑se exigir aos proponentes que as suas propostas preencham determinados requisitos mínimos relativos ao cumprimento dos prazos e à qualidade técnica das prestações.

    18

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que a legislação e a prática nacional em causa no processo principal podem ser contrárias à Diretiva 2014/24. A este respeito, salienta, em primeiro lugar, que esta diretiva parece permitir a fixação de critérios de adjudicação do concurso que se aplicam durante as fases eliminatórias sucessivas apenas nos procedimentos em que esta possibilidade está expressamente prevista, e não nos concursos abertos e limitados, que são regulados por normas que precisam o seu desenrolar de forma específica. Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o sistema de critérios de adjudicação do concurso aplicável durante as etapas eliminatórias sucessivas nos concursos abertos pode, em violação do artigo 66.o da Diretiva 2014/24, prejudicar a concorrência real quando a aplicação de limiares reduz consideravelmente o número de proponentes na fase final. Por último, considera que o limiar eliminatório em causa no processo principal, que exige o mínimo de 35 pontos em 50 na avaliação técnica, pode impedir que as propostas mais competitivas no que diz respeito ao preço sejam analisadas e avaliadas.

    19

    Nestas circunstâncias, o Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi (Órgão Administrativo de Recurso de Decisões Administrativas em Matéria de Contratos Públicos da Comunidade Autónoma do País Basco) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    A Diretiva [2014/24] opõe‑se a uma disposição nacional, como o artigo 150.o, n.o 4, do [texto consolidado da Lei] de contratos do setor público, ou a uma interpretação e aplicação da referida disposição que autorizem as autoridades adjudicantes a estabelecer, nos documentos que regem o procedimento de um concurso aberto, critérios de adjudicação que são aplicáveis em fases sucessivas eliminatórias para as propostas que não atingem um valor mínimo de pontuação predeterminado?

    2)

    Em caso de resposta negativa à primeira questão, a referida Diretiva 2014/24 opõe‑se a uma legislação nacional, ou a uma interpretação e aplicação da referida legislação, que utilize no concurso aberto o referido sistema de critérios de adjudicação aplicáveis em fases sucessivas eliminatórias de forma a que à última fase não chegue um número de propostas suficiente para garantir uma concorrência real?

    3)

    Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, a referida Diretiva 2014/24, por não garantir uma concorrência real ou por não respeitar o mandato de adjudicar o contrato à proposta com a melhor relação qualidade/preço, opõe‑se a uma cláusula como a discutida, na qual o fator preço só é avaliado para as propostas que tenham obtido 35 em 50 pontos nos critérios técnicos?»

    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    20

    A título prévio, há que analisar a questão de saber se o Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi (Órgão Administrativo de Recurso de Decisões Administrativas em Matéria de Contratos Públicos da Comunidade Autónoma do País Basco) preenche os critérios para poder ser considerado um órgão jurisdicional nacional, na aceção do artigo 267.o TFUE.

    21

    A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, para apreciar se o organismo de reenvio tem a natureza de «órgão jurisdicional», questão que deve ser decidida unicamente no âmbito do direito da União, o Tribunal de Justiça toma em consideração um conjunto de elementos, como a origem legal do organismo, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo organismo, das regras de direito, bem como a sua independência (Acórdão de 24 de maio de 2016, MT Højgaard e Züblin, C‑396/14, EU:C:2016:347, n.o 23 e jurisprudência referida).

    22

    No caso em apreço, por um lado, resulta da decisão de reenvio que o órgão de reenvio é um órgão permanente e independente com origem numa disposição legal e que adota as suas decisões com base em critérios exclusivamente jurídicos no termo de um processo contraditório. No que diz respeito, mais especificamente, à independência deste órgão, a decisão precisa que o órgão jurisdicional de reenvio exerce as suas funções com objetividade, imparcialidade e com total autonomia, na medida em que não está sujeito a nenhuma relação hierárquica nem recebe instruções de terceiros.

    23

    Por outro lado, no que diz respeito ao caráter vinculativo da jurisdição do órgão de reenvio, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 267.o TFUE, é verdade que a competência deste órgão reveste apenas um caráter facultativo, por força do artigo 40.o, n.o 6, do texto consolidado da Lei dos contratos do setor público. Assim, uma pessoa que pretenda contestar a regularidade de um procedimento de adjudicação de um contrato público tem a escolha entre o recurso especial perante o órgão de reenvio e o recurso contencioso administrativo.

    24

    Não obstante, resulta da decisão de reenvio que as decisões do órgão de reenvio, cuja competência não depende do acordo das partes, são vinculativas para as mesmas. Nestas condições, este órgão satisfaz também o critério do caráter vinculativo da sua jurisdição (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Consorci Sanitari del Maresme, C‑203/14, EU:C:2015:664, n.os 23 a 25).

    25

    Daqui resulta que o Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi (Órgão Administrativo de Recurso de Decisões Administrativas em Matéria de Contratos Públicos da Comunidade Autónoma do País Basco) preenche os critérios para ser considerado um órgão jurisdicional nacional, na aceção do artigo 267.o TFUE, e que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça são admissíveis.

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    26

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que permite às autoridades adjudicantes impor, no caderno de encargos que rege o procedimento de um concurso aberto, requisitos mínimos quanto à avaliação técnica, de forma que as propostas apresentadas que não atinjam um limiar mínimo de pontuação predeterminado no termo desta avaliação são excluídas da avaliação posterior, baseada tanto em critérios técnicos como no preço.

    27

    Embora o artigo 27.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24 disponha que, nos concursos abertos, qualquer operador económico interessado pode apresentar uma proposta em resposta a um convite à apresentação de propostas, esta diretiva permite às autoridades adjudicantes impor, no âmbito desse processo, requisitos mínimos na avaliação técnica.

    28

    A este respeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 37 das suas conclusões, o artigo 27.o da Diretiva 2014/24 não inclui nenhuma regra sobre o desenrolar do procedimento de adjudicação, com exceção das relativas ao prazo mínimo de receção de propostas a partir da data de envio do anúncio de concurso.

    29

    Além disso, o considerando 90 da referida diretiva recorda que as autoridades adjudicantes só podem fixar normas de qualidade adequadas através das especificações técnicas ou das condições de execução do contrato, enquanto o considerando 92 da mesma diretiva precisa que esta tem por objetivo incentivar as autoridades adjudicantes a escolher critérios de adjudicação que lhes permitam adquirir obras, fornecimentos ou serviços de elevada qualidade que correspondam perfeitamente às suas necessidades.

    30

    Por sua vez, o artigo 67.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 enuncia que as autoridades adjudicantes devem adjudicar os contratos públicos com base no critério da proposta economicamente mais vantajosa. O artigo 67.o, n.o 2, desta diretiva prevê que a proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da autoridade adjudicante deve ser identificada com base no preço ou custo e pode incluir a melhor relação qualidade/preço, que deve ser avaliada com base em critérios que incluam aspetos qualitativos, tais como a qualidade, incluindo o valor técnico.

    31

    Há que acrescentar que esses critérios devem, como resulta do considerando 90 da referida diretiva e do seu artigo 67.o, n.o 4, assegurar o respeito dos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento, com vista a garantir uma comparação objetiva do valor relativo das propostas e, por conseguinte, uma concorrência efetiva. Tal não será o caso de critérios que conferem à entidade adjudicante uma liberdade de escolha incondicionada [v., por analogia, no que diz respeito à Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114), Acórdão de 10 de maio de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑368/10, EU:C:2012:284, n.o 87].

    32

    Por conseguinte, as autoridades adjudicantes dispõem, no respeito pelos requisitos enunciados no número anterior do presente acórdão, da liberdade de determinar, em conformidade com as suas necessidades, nomeadamente, o nível de qualidade técnica que as propostas apresentadas devem assegurar em função das características e do objeto do contrato em causa e de estabelecer um limiar mínimo que essas propostas devem respeitar de um ponto de vista técnico. Para o efeito, como alegou a Comissão nas suas observações escritas, o artigo 67.o da Diretiva 2014/24 não se opõe à possibilidade, na fase de adjudicação do contrato, de começar por excluir as propostas apresentadas que não atinjam um limiar mínimo de pontuação predeterminado quanto à avaliação técnica. A este respeito, é evidente que uma proposta que não atinge esse limiar não corresponde, em princípio, às necessidades da autoridade adjudicante e não deve ser tida em conta na determinação da proposta economicamente mais vantajosa. Desta forma, a autoridade adjudicante, nesse caso, não é obrigada a determinar se o preço dessa proposta é inferior ao das propostas não eliminadas que atinjam o referido limiar e correspondam, por conseguinte, às necessidades da autoridade adjudicante.

    33

    Neste contexto, importa ainda precisar que, se uma adjudicação do contrato é feita na sequência da avaliação técnica, a autoridade adjudicante deverá necessariamente ter em conta o preço das propostas que atinjam o limiar mínimo de um ponto de vista técnico.

    34

    A constatação feita no n.o 32 do presente acórdão não é colocada em causa pela circunstância, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de a Diretiva 2014/24 prever expressamente a possibilidade de determinados procedimentos de adjudicação de contratos diferentes dos concursos abertos se desenrolarem em fases sucessivas, o que é o caso do procedimento concorrencial com negociação (artigo 29.o, n.o 6), do procedimento de diálogo concorrencial (artigo 30.o, n.o 4), ou ainda do procedimento de parcerias para a inovação (artigo 31.o, n.o 5).

    35

    Com efeito, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 48 das suas conclusões, o facto de a Diretiva 2014/24 reservar para determinados procedimentos, como os referidos no seu artigo 29.o, n.o 6, no seu artigo 30.o, n.o 4, e no seu artigo 31.o, n.o 5, a possibilidade de se desenrolar em fases sucessivas não permite concluir que uma avaliação em dois tempos das propostas, durante a única fase de adjudicação do contrato, não é admissível no âmbito de um concurso aberto como o que está em causa no processo principal.

    36

    A este respeito, importa salientar que, como alegou a Comissão nas suas observações escritas, a possibilidade conferida pelas referidas disposições à autoridade adjudicante de rejeitar propostas que, embora cumpram os requisitos mínimos, não figuram entre as melhores, justifica‑se pela natureza específica dos procedimentos em causa, no âmbito dos quais a negociação ou o diálogo pode revelar‑se difícil de realizar se um número excessivo de propostas ou de soluções se mantiver até à fase final do procedimento de adjudicação do contrato.

    37

    No entanto, o processo principal diz respeito a uma situação diferente das contempladas nas disposições indicadas no n.o 34 do presente acórdão. Com efeito, não resulta do caderno de encargos do contrato público em causa no processo principal que a autoridade adjudicante dispunha da possibilidade de rejeitar propostas que preenchessem os critérios de adjudicação e de considerar apenas as melhores propostas. Pelo contrário, em conformidade com o referido caderno, as únicas propostas que a autoridade adjudicante está autorizada a afastar da avaliação baseada nos preços são aquelas que não cumprem os requisitos mínimos relativos à avaliação técnica e, portanto, não satisfazem as necessidades da autoridade adjudicante. Ora, essa forma de proceder não tem por objeto limitar o número de propostas apresentadas à avaliação baseada no preço, uma vez que todas as propostas apresentadas podem, em princípio, cumprir esses requisitos mínimos.

    38

    Em qualquer caso, há que recordar que as autoridades adjudicantes devem, durante todo o procedimento, cumprir os princípios da adjudicação dos contratos enunciados no artigo 18.o da Diretiva 2014/24, entre os quais figuram, nomeadamente, os princípios da igualdade de tratamento, da transparência e da proporcionalidade.

    39

    Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão, que a Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que permite às autoridades adjudicantes impor, no caderno de encargos que rege o procedimento de um concurso aberto, requisitos mínimos quanto à avaliação técnica, de forma que as propostas apresentadas que não atinjam um limiar mínimo de pontuação predeterminado no termo desta avaliação são excluídas da avaliação posterior, baseada tanto em critérios técnicos como no preço.

    Quanto à segunda questão

    40

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, em caso de resposta negativa à primeira questão, o artigo 66.o da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que permite às autoridades adjudicantes impor, no caderno de encargos que rege o procedimento de um concurso aberto, requisitos mínimos quanto à avaliação técnica, de forma que as propostas apresentadas que não atinjam um limiar mínimo de pontuação predeterminado no termo desta avaliação são excluídas das fases sucessivas da adjudicação do contrato, e isto independentemente do número de proponentes restantes.

    41

    A este respeito, na medida em que as condições estabelecidas pela Diretiva 2014/24, designadamente nos seus artigos 18.o e 67.o, tenham sido aplicadas corretamente, há que admitir que foi assegurada uma concorrência efetiva pela autoridade adjudicante. Além disso, há que precisar, desde logo, que, embora, na sequência da avaliação técnica, apenas subsista uma proposta a ser considerada pela autoridade adjudicante, esta última não está obrigada a aceitá‑la (v., por analogia, Acórdão de 16 de setembro de 1999, Fracasso e Leitschutz, C‑27/98, EU:C:1999:420, n.os 32 a 34). Nestas circunstâncias, caso a autoridade adjudicante considere que o procedimento de adjudicação de contrato é, tendo em conta as especificidades e o objeto do contrato em causa, caracterizado por uma falta de concorrência efetiva, pode terminar este procedimento e, em caso de necessidade, lançar um novo procedimento com critérios de adjudicação diferentes.

    42

    É certo que, ao abrigo do artigo 66.o da Diretiva 2014/24, quando as autoridades adjudicantes recorram à faculdade de reduzir o número de propostas a negociar, prevista no artigo 29.o, n.o 6, desta diretiva, ou à de reduzir o número de soluções a discutir, prevista no artigo 30.o, n.o 4, da referida diretiva, devem efetuar esta redução aplicando os critérios de adjudicação indicados no caderno de encargos do contrato, pelo que o número de propostas apresentadas na fase final permite assegurar uma concorrência real, desde que haja um número suficiente de propostas que preencham as condições exigidas.

    43

    Não obstante, pelas razões evocadas no n.o 37 do presente acórdão, o processo principal diz respeito a uma situação diferente das referidas no artigo 29.o, n.o 6, e no artigo 30.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, de modo que não está abrangido pelo seu artigo 66.o Por conseguinte, a necessidade de assegurar uma concorrência efetiva até à fase final do procedimento previsto neste último artigo não diz respeito aos concursos abertos como o que está em causa no processo principal.

    44

    Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão, que o artigo 66.o da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que permite às autoridades adjudicantes impor, no caderno de encargos que rege o procedimento de um concurso aberto, requisitos mínimos quanto à avaliação técnica, de forma que as propostas apresentadas que não atinjam um limiar mínimo de pontuação predeterminado no termo desta avaliação são excluídas das fases sucessivas da adjudicação do contrato, e isto independentemente do número de proponentes restantes.

    Quanto à terceira questão

    45

    Tendo a terceira questão sido submetida apenas no caso de o Tribunal de Justiça dar uma resposta afirmativa à segunda questão, não há que responder a esta questão.

    Quanto às despesas

    46

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    1)

    A Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que permite às autoridades adjudicantes impor, no caderno de encargos que rege o procedimento de um concurso aberto, requisitos mínimos quanto à avaliação técnica, de forma que as propostas apresentadas que não atinjam um limiar mínimo de pontuação predeterminado no termo desta avaliação são excluídas da avaliação posterior, baseada tanto em critérios técnicos como no preço.

     

    2)

    O artigo 66.o da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que permite às autoridades adjudicantes impor, no caderno de encargos que rege o procedimento de um concurso aberto, requisitos mínimos quanto à avaliação técnica, de forma que as propostas apresentadas que não atinjam um limiar mínimo de pontuação predeterminado no termo desta avaliação são excluídas das fases sucessivas da adjudicação do contrato, e isto independentemente do número de proponentes restantes.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

    ( 1 ) O n.o 33 do presente texto foi objeto de uma alteração de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.

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