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Document 62022CJ0151

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 21 de setembro de 2023.
    S e A contra Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Países Baixos).
    Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política comum em matéria de asilo — Requisitos para poder beneficiar do estatuto de refugiado — Diretiva 2011/95/UE — Artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2 — Motivos da perseguição — “Opinião política” — Conceito — Opinião política desenvolvida no Estado‑Membro de acolhimento — Artigo 4.o — Avaliação do receio fundado de perseguição devido a essa opinião política.
    Processo C-151/22.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:688

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    21 de setembro de 2023 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política comum em matéria de asilo — Requisitos para poder beneficiar do estatuto de refugiado — Diretiva 2011/95/UE — Artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2 — Motivos da perseguição — “Opinião política” — Conceito — Opinião política desenvolvida no Estado‑Membro de acolhimento — Artigo 4.o — Avaliação do receio fundado de perseguição devido a essa opinião política»

    No processo C‑151/22,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por Decisão de 16 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de março de 2022, no processo

    S,

    A

    contra

    Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie,

    sendo interveniente:

    Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, M. Safjan, N. Piçarra (relator), N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

    advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de S, por M. J. van Zantvoort, advocate,

    em representação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), por C. J. Ullersma, advocate,

    em representação do Governo Neerlandês, por K. Bulterman e A. Hanje, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo Alemão, por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma e F. Wilman, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de dois litígios que opõem, o primeiro, S e, o segundo, A ao Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Secretário de Estado da Segurança e Justiça, Países Baixos) (a seguir «Secretário de Estado»), a respeito da recusa deste último em lhes conceder o estatuto de refugiado.

    Quadro jurídico

    Direito internacional

    3

    O artigo 1.o, secção A, ponto 2, primeiro parágrafo, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951, e que entrou em vigor em 22 de abril de 1954 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], conforme completada pelo Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, assinado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, e que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»), dispõe que o termo «refugiado» se aplica a qualquer pessoa que, «receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país».

    Direito da União

    4

    Os considerandos 4, 12 e 16 da Diretiva 2011/95 enunciam:

    «(4)

    A Convenção [relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951] e o seu protocolo constituem a pedra basilar do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados.

    […]

    (12)

    O principal objetivo da presente diretiva consiste em assegurar, por um lado, que os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e, por outro, que exista em todos os Estados‑Membros um nível mínimo de benefícios à disposição dessas pessoas.

    […]

    (16)

    A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Em especial, a presente diretiva procura assegurar o respeito integral da dignidade humana e o direito de asilo dos requerentes de asilo e dos membros da sua família acompanhantes, e promover a aplicação dos artigos 1.o, 7.o, 11.o, 14.o, 15.o, 16.o, 18.o, 21.o, 24.o, 34.o e 35.o da Carta, e, por conseguinte, deverá ser aplicada em conformidade.»

    5

    O artigo 2.o desta diretiva prevê:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    […]

    d)

    “Refugiado”, o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o artigo 12.o;

    e)

    “Estatuto de refugiado”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como refugiado;

    […]

    h)

    “Pedido de proteção internacional”, um pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida que deem a entender que pretendem beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicitem expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva e suscetível de ser objeto de um pedido separado;

    i)

    “Requerente”, um nacional de um país terceiro ou um apátrida que tenha apresentado um pedido de proteção internacional em relação ao qual ainda não foi tomada uma decisão definitiva;

    […]»

    6

    O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Apreciação dos factos e circunstâncias», dispõe, nos n.os 3 e 5:

    «3.   A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

    a)

    Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e a forma como estas são aplicadas;

    b)

    As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição […]

    c)

    A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição […]

    d)

    Se as atividades empreendidas pelo requerente desde que deixou o seu país de origem tinham por fito único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades exporiam o interessado a perseguição […] se regressasse a esse país;

    […]

    4.   O facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição […] constitui um indício sério do receio fundado do requerente de ser perseguido […], a menos que haja motivos sérios para considerar que essa perseguição […] não se repetirá.

    5.   Caso os Estados‑Membros apliquem o princípio segundo o qual incumbe ao requerente justificar o seu pedido de proteção internacional e caso existam elementos das declarações do requerente não sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados se estiverem reunidas as seguintes condições:

    a)

    For autêntico o esforço envidado pelo requerente para justificar o seu pedido;

    b)

    Tenham sido apresentados todos os elementos pertinentes ao dispor do requerente e tenha sido dada uma explicação satisfatória para a eventual falta de outros elementos pertinentes;

    c)

    As declarações do requerente tenham sido consideradas coerentes e plausíveis, não contradizendo informações gerais ou particulares disponíveis pertinentes para o seu pedido;

    […]

    e)

    Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.»

    7

    Nos termos do artigo 6.o da mesma diretiva:

    «Podem ser agentes da perseguição ou ofensa grave:

    a)

    O Estado;

    b)

    As partes ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território;

    […]»

    8

    O artigo 9.o da Diretiva 2011/95 estabelece as condições para que um ato possa ser considerado um «ato de perseguição» na aceção do artigo 1.o, secção A, da Convenção de Genebra. Para o efeito, contém uma lista não exaustiva das formas que os atos de perseguição podem assumir e exige que possa ser estabelecida uma ligação entre esses atos e os motivos da perseguição referidos no artigo 10.o desta.

    9

    O artigo 10.o desta diretiva, sob a epígrafe «Motivos da perseguição», prevê:

    «1.   Ao apreciarem os motivos da perseguição, os Estados‑Membros devem ter em conta o seguinte:

    […]

    b)

    A noção de religião abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, outros atos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas;

    […]

    d)

    Um grupo é considerado um grupo social específico nos casos concretos em que:

    os membros desse grupo partilham uma característica inata ou uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e

    […]

    e)

    A noção de opinião política inclui, designadamente, o facto de se possuir uma opinião, ideia ou ideal em matéria relacionada com os agentes potenciais da perseguição a que se refere o artigo 6.o e com as suas políticas ou métodos, quer essa opinião, ideia ou ideal sejam ou não manifestados por atos do requerente.

    2.   Ao apreciar se o receio de perseguição do requerente tem fundamento, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.»

    10

    O artigo 13.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Concessão do estatuto de refugiado», tem a seguinte redação:

    «Os Estados‑Membros concedem o estatuto de refugiado ao nacional de um país terceiro ou ao apátrida que preencha as condições para ser considerado como refugiado nos termos dos capítulos II e III.»

    Direito neerlandês

    11

    O capítulo C2 da Vreemdelingencirculaire 2000 (Circular de 2000 relativa aos Cidadãos Estrangeiros), de 2 de março de 2001 (Stcrt. 2001, n.o 64), na sua versão aplicável aos processos principais, prevê, no seu n.o 3.2:

    «[…]

    Opinião política

    O facto de o cidadão estrangeiro não poder exprimir a sua opinião política no seu país de origem do mesmo modo que nos Países Baixos não basta para conceder uma autorização de residência temporária a um cidadão estrangeiro ao abrigo do direito de asilo […]

    Em todo o caso, na apreciação do pedido de uma autorização de residência temporária ao abrigo do direito de asilo, o [Immigratie‑ en Naturalisatiedienst (IND) (Serviço de Imigração e Naturalização)] tem igualmente em consideração:

    a.

    se se trata de uma questão de opinião política essencial. O IND avalia se, para o cidadão estrangeiro, esta opinião política é particularmente importante para conservar a sua identidade ou consciência;

    b.

    a forma como manifestou a sua opinião política, independentemente de estas atividades terem ocorrido no seu país de origem, nos Países Baixos ou noutro lugar, e a forma como, após o seu regresso, tenciona (continuar a) manifestá‑las;

    c.

    se, anteriormente, teve problemas com as autoridades devido ou não à sua opinião política;

    d.

    se a forma como manifestou a sua opinião política ou como pretende manifestá‑la em caso de regresso conduzirá a atos de perseguição como os previstos no artigo 3.36 do Voorschrift Vreemdelingen 2000 [(Regulamento de 2000 relativo aos Estrangeiros), de 18 de dezembro de 2000 (Stcrt. 2001, n.o 10)]; e

    e.

    se é plausível que anteriores manifestações da sua opinião política tenham chegado ao conhecimento das autoridades.

    Em caso de opinião política essencial, o IND não exige reserva se as atividades (que o cidadão estrangeiro projeta) estiverem relacionadas com esta opinião política essencial. Se não se tratar de uma opinião política essencial, então o IND exige reserva.

    O IND avalia se as medidas e sanções que serão tomadas contra o cidadão estrangeiro em caso de regresso ao país de origem, devido a essas manifestações ou atos que constituem um corolário de opinião política essencial, têm consequências suficientemente graves para a questão da perseguição.

    Mesmo quando não se trata de opinião política essencial, o IND avalia se as atividades políticas do cidadão estrangeiro ou as suas manifestações de opinião política no seu país de origem, nos Países Baixos ou noutro lugar chegaram ao conhecimento das autoridades ou chegarão ao seu conhecimento e se, por esse facto, justificam suficientemente que se admita um receio fundado de perseguições em caso de regresso devido à opinião política que lhe é atribuída.

    […]»

    Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

    Primeiro litígio no processo principal

    12

    S, nacional sudanesa, chegou aos Países Baixos em 21 de janeiro de 2012. No seu quarto pedido de asilo apresentado ao Secretário de Estado, expôs que, em caso de regresso ao seu país de origem, seria perseguida pelas autoridades sudanesas devido às atividades políticas levadas a cabo nos Países Baixos a favor, por um lado, do partido Oumma, que pertencia à Aliança «Forças da Liberdade e da Mudança» e coordenou a revolução sudanesa ocorrida em 2019, e, por outro, da Darfur Vereniging Nederland (Associação Darfur dos Países Baixos).

    13

    S afirmou também que participou em mais de uma dezena de manifestações organizadas nos Países Baixos contra o Governo Sudanês, no decurso das quais entoou slogans contra o regime sudanês, que informou outras mulheres sobre as atividades do partido Oumma, incentivando‑as a participar nestas manifestações, e que criticou o Governo Sudanês nas suas contas Facebook e Twitter.

    14

    S não alegou em nenhum dos seus pedidos de asilo S que, quando ainda se encontrava no Sudão, manifestou uma opinião política que a obrigou a abandonar este país. Também não alegou que a opinião política que exprimiu depois da sua partida chegou ao conhecimento das autoridades sudanesas.

    15

    Por Decisão de 30 de agosto de 2019, o Secretário de Estado indeferiu o pedido de autorização de residência temporária ao abrigo do direito de asilo apresentado por S, por considerar que, não obstante a credibilidade das suas declarações relativas às suas atividades nos Países Baixos, estas não resultavam de uma opinião política digna de proteção. Segundo o Secretário de Estado, S não identificou claramente estas opiniões, não indicou que tinham uma importância essencial para si, nem especificou quais as atividades concretas que pretendia levar a cabo no futuro com base nas referidas opiniões.

    16

    Por Sentença de 20 de maio de 2020, o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos) deu provimento ao recurso interposto por S e anulou esta decisão, declarando que a interessada tinha demonstrado de forma bastante que tinha uma «opinião política» na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/95. Segundo este órgão jurisdicional, a questão de saber se esta opinião era digna de proteção devia ser apreciada à luz dos pontos 80, 82 e 86 do Manual de Procedimentos e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado e Diretrizes sobre a Proteção Internacional de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 Relativos ao Estatuto dos Refugiados, estabelecido pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), na sua versão reeditada em fevereiro de 2019 (HCR/1P/4/FRE/REV.4, a seguir «Manual de Procedimentos»). O referido órgão jurisdicional considerou também que o critério enunciado na Circular de 2000 relativa aos Cidadãos Estrangeiros, nos termos do qual a opinião política deve ser «essencial», era equívoco e confundia‑se com os critérios aplicáveis ao motivo de perseguição relacionado com a religião.

    17

    O Secretário de Estado interpôs recurso daquela sentença no Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), que é o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que o órgão jurisdicional de primeira instância declarou erradamente que os motivos de perseguição baseados, respetivamente, em opiniões políticas e em convicções religiosas são de natureza diferente. Com efeito, quando da respetiva apreciação, há que verificar se as opiniões ou as convicções alegadas pelo requerente são de tal modo determinantes para a identidade ou a consciência deste que não se lhe pode exigir que a elas renuncie ou as dissimule em caso de regresso ao seu país de origem.

    18

    Por seu turno, S, que interpôs um recurso subordinado da Sentença de 20 de maio de 2020, mencionada no n.o 16 do presente acórdão, acusou o órgão jurisdicional de primeira instância de ter declarado que a avaliação dos requisitos a preencher por um requerente para poder obter o estatuto de refugiado depende da importância e da força da sua opinião política. Nem a Diretiva 2011/95 nem o Manual de Procedimentos exigem que esta opinião seja «essencial» para ser digna de proteção.

    Segundo litígio no processo principal

    19

    A, cidadão sudanês, chegou aos Países Baixos em 20 de julho de 2011. No seu segundo pedido de asilo, referiu que, em caso de regresso ao seu país de origem, seria perseguido pelas autoridades sudanesas devido às suas tomadas de posição críticas, nos Países Baixos, sobre a situação política no Sudão e às suas iniciativas a favor dos direitos da tribo Al‑Gimir do oeste do Darfur.

    20

    Resulta da decisão de reenvio que os elementos fornecidos por A no seu primeiro pedido de asilo para demonstrar que, antes da sua partida do Sudão, foi detido e torturado devido a suspeitas de adesão a um partido político de oposição, foram considerados não credíveis. Por outro lado, A só se tornou politicamente ativo nos Países Baixos após o indeferimento deste primeiro pedido de asilo.

    21

    Por Decisão de 18 de junho de 2020, o Secretário de Estado indeferiu o pedido de autorização de residência temporária ao abrigo do direito de asilo apresentado por A e aplicou‑lhe uma proibição de entrada no território, com o fundamento de que este não tinha demonstrado de forma bastante que as suas atividades nos Países Baixos resultavam de uma opinião política essencial.

    22

    Por Sentença de 28 de agosto de 2020, o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia) negou provimento ao recurso interposto por A que teve por objeto a decisão do Secretário de Estado. Este órgão jurisdicional declarou que este último considerou, com razão, que não era credível a hipótese de as atividades políticas exercidas por A nos Países Baixos resultarem de uma opinião política essencial. O referido órgão jurisdicional sublinhou que A não tinha precisado o objeto das manifestações em que participou nem o fim que prosseguiu ao participar nas mesmas.

    23

    A interpôs recurso desta sentença acusando o órgão jurisdicional de primeira instância de não ter verificado, nomeadamente, que não existia uma linha decisória uniforme por parte do Secretário de Estado em relação ao conceito de «opinião política», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/95. Em todo o caso, não resulta desta diretiva nem do Manual de Procedimentos que esta opinião deve ser «essencial» para ser digna de proteção.

    24

    No âmbito destes dois litígios, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) interroga‑se, em especial, sobre a questão de saber se, para estar abrangido pelo conceito de «opinião política», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/95, numa situação na qual o requerente ainda não foi objeto da atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição do seu país de origem, as opiniões em causa devem revestir «alguma força». Este órgão jurisdicional pergunta também se e em que medida tal circunstância é pertinente para apreciar o mérito de um pedido de proteção internacional.

    25

    Foi nestas condições que, nos dois litígios nos processos principais, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1.

    Deve o artigo 10.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva [2011/95] ser interpretado no sentido de que também podem invocar o motivo de perseguição por opinião política os requerentes que se limitem a afirmar terem uma convicção política e/ou a expressá‑la, sem que, durante a sua permanência no respetivo país de origem e desde a sua chegada ao país de acolhimento, um agente da perseguição tenha manifestado atenção negativa em relação a eles?

    2.

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão e de se entender, portanto, que uma convicção política já é suficiente para ser considerada uma opinião política, que papel deve ser atribuído à força dessa opinião, ideia ou ideal político e ao interesse do cidadão estrangeiro nas atividades daí decorrentes na análise e na apreciação de um pedido de asilo, ou seja, na análise da questão de saber até que ponto é realista o receio de perseguição invocado por esse requerente?

    3.

    Em caso de resposta negativa à primeira questão, é então aplicável o critério de que essa opinião política deve estar profundamente enraizada ou, caso assim não seja, qual o critério a aplicar e como deverá este ser aplicado?

    4.

    Se o critério for o do profundo enraizamento dessa opinião política, pode esperar‑se de um requerente que não demonstre ter uma opinião política profundamente enraizada que renuncie a expressar a sua opinião política ao regressar ao seu país de origem, a fim de não suscitar a atenção negativa de um agente da perseguição?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto às questões primeira, terceira e quarta

    26

    Com as suas questões primeira, terceira e quarta, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para que as opiniões, as ideias ou os ideais de um requerente que ainda não foi objeto da atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição no seu país de origem possam estar abrangidos pelo conceito de «opinião política», é suficiente que este requerente afirme que tem ou que exprima estas opiniões, ideias ou ideais.

    27

    Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/95, «[a] noção de opinião política inclui, designadamente, o facto de se possuir uma opinião, ideia ou ideal em matéria relacionada com os agentes potenciais da perseguição a que se refere o artigo 6.o e com as suas políticas ou métodos, quer essa opinião, ideia ou ideal sejam ou não manifestados por atos do requerente». Segundo o artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva, «[a] o apreciar se o receio de perseguição do requerente tem fundamento, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à […] [opinião política] que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição».

    28

    Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme. Ao procurar esta interpretação deve ter‑se em conta não só os seus termos, mas também o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [Acórdãos de 18 de janeiro de 1984, Ekro,327/82, EU:C:1984:11, n.o 11, e de 2 de junho de 2022, T.N. e N.N. (Declaração relativa à renúncia à sucessão), C‑617/20, EU:C:2022:426, n.o 35 e jurisprudência referida].

    29

    Em primeiro lugar, resulta dos próprios termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, da Diretiva 2011/95 que o conceito de «opinião política» deve ser interpretado de maneira ampla. É o que acontece, antes de mais, com a enumeração não exaustiva dos elementos suscetíveis de identificar este conceito, que resulta da utilização da locução adverbial «designadamente». Em seguida, é mencionada não só uma opinião, mas também uma «ideia» e um «ideal» em matérias relacionadas com os agentes potenciais da perseguição e com as «políticas» e os «métodos» destes agentes, sem que esta opinião, ideia ou ideal devam necessariamente ser manifestados por atos do requerente. Por último, é dada ênfase à perceção da natureza política dos mesmos pelos agentes potenciais da perseguição e não aos motivos pessoais do requerente [v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, Migracijos departamentas (Motivos de perseguição baseados em opiniões políticas), C‑280/21, EU:C:2023:13, n.o 26].

    30

    Daqui resulta que a redação do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, da Diretiva 2011/95, independentemente da versão linguística em causa, não dá nenhuma indicação no sentido de que, para serem abrangidos pelo conceito de «opinião política», na aceção destas disposições, as opiniões, as ideias ou os ideais que o requerente afirma ter ou exprimir devem revestir um certo grau de convicção, ou mesmo estar tão profundamente enraizadas, que este requerente, em caso de regresso ao seu país de origem, não poderia deixar de os manifestar para não suscitar a atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição neste país.

    31

    Em segundo lugar, esta interpretação ampla do conceito de «opinião política» é confirmada pelo contexto geral em que se insere o conceito de «opinião política», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, da Diretiva 2011/95. Com efeito, as diretrizes que figuram no Manual de Procedimentos ao qual deve ser feita referência, tendo em conta a sua pertinência particular devido ao papel confiado pela Convenção de Genebra ao ACNUR (v., neste sentido, Acórdão de 23 de maio de 2019, Bilali,C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 57), sublinham que o conceito de «opinião política» pode abranger qualquer opinião ou questões que envolvam o aparelho estatal, o Governo, a sociedade ou a política, independentemente da sua força ou das suas raízes no recorrente [v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, Migracijos departamentas (Motivos de perseguição baseados em opiniões políticas), C‑280/21, EU:C:2023:13, n.o 27].

    32

    No que respeita ao contexto específico da Diretiva 2011/95, importa recordar que a «opinião política» constitui, em conformidade com o artigo 1.o, secção A, ponto 2, primeiro parágrafo, da Convenção de Genebra, um dos cinco «motivos da perseguição» enumerados no artigo 10.o da Diretiva 2011/95, sendo os outros a raça, a religião, a nacionalidade e a pertença a um determinado grupo social. Cada um destes «motivos da perseguição», enquanto conceito próprio e distinto, é objeto de definições autónomas nos cinco pontos do n.o 1 deste artigo 10.o

    33

    Atendendo às dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa salientar, em especial, por um lado, que o motivo da perseguição relativo à «religião» e o motivo relativo à «opinião política», previstos, respetivamente, na alínea b) e na alínea e) deste artigo 10.o, n.o 1, visam, como enunciado no considerando 16 da Diretiva 2011/95, promover a aplicação de direitos fundamentais distintos, de conteúdo e de alcance diferentes. No primeiro caso, trata‑se da liberdade de pensamento, de consciência e de religião, garantida no artigo 10.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais. No segundo caso, trata‑se da liberdade de expressão, garantida no artigo 11.o, que compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de poderes públicos e sem consideração de fronteiras. Daqui resulta que estes dois «motivos da perseguição» não devem, em princípio, ser apreciados sem ter em consideração esta diferença.

    34

    Por outro lado, importa salientar que é apenas a respeito do motivo da perseguição relacionado com a «pertença a um grupo social específico», referido no artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95, que é feita referência a «uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem». A exigência de tal elemento, para efeitos da definição do conceito de «opinião política», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, desta diretiva, equivaleria, assim, a restringir indevidamente o alcance que deve ser dado a este último conceito.

    35

    Em terceiro lugar, uma interpretação ampla do conceito de «opinião política», na aceção destas disposições, é corroborada pelo objetivo da referida diretiva, que consiste, nomeadamente, como enuncia o seu considerando 12, em identificar as pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional, com base em critérios comuns.

    36

    Com efeito, como o ACNUR salientou nas suas observações escritas, mesmo na hipótese de a opinião política invocada por um requerente não revestir um certo grau de convicção, ou não ser «essencial» ou não estar profundamente enraizada neste requerente, este poderia ser exposto, em caso de regresso ao seu país de origem, ao um risco real de ser perseguido devido a essa opinião política ou à opinião que os agentes potenciais da perseguição neste país lhe poderiam atribuir, atendendo à situação pessoal do requerente e ao contexto geral do referido país. Nesta perspetiva, só uma interpretação ampla do conceito de «opinião política» como motivo da perseguição pode assegurar o objetivo mencionado no número anterior.

    37

    Atendendo a todos os fundamentos que precedem, há que responder às questões primeira, terceira e quarta que o artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para que as opiniões, as ideias ou os ideais de um requerente que ainda não foi objeto da atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição no seu país de origem possam estar abrangidos pelo conceito de «opinião política», é suficiente que este requerente afirme que tem ou que exprima estas opiniões, ideias ou ideais. Isto não prejudica que se avalie se é fundado o receio do requerente de ser perseguido devido a esta opinião política.

    Quanto à segunda questão

    38

    No âmbito do processo de cooperação previsto no artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça pode ser chamado a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer este órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. Cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal [v., neste sentido, Acórdãos de 12 de dezembro de 1990, SARPP,C‑241/89, EU:C:1990:459, n.o 8, e de 1 de agosto de 2022, TL (Falta de intérprete e de tradução), C‑242/22 PPU, EU:C:2022:611, n.o 37].

    39

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio não faz referência a nenhuma disposição específica no enunciado da segunda questão. No entanto, resulta do pedido de decisão prejudicial que este órgão jurisdicional pretende determinar os critérios de apreciação do motivo da perseguição referido no artigo 10.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/95. Esta apreciação é regida pelas disposições do artigo 4.o desta diretiva, relativas à apreciação dos factos e das circunstâncias e, mais especificamente, pelos n.os 3 a 5 deste último artigo.

    40

    Nestas condições, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.os 3 a 5, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da avaliação do caráter fundado do receio de um requerente de ser perseguido devido à sua opinião política, as autoridades competentes dos Estados‑Membros devem ter em conta o grau de convicção desta opinião e, em especial, verificar se a referida opinião está tão profundamente enraizada no requerente que, em caso de regresso ao seu país de origem, este não poderia deixar de a manifestar, expondo‑se assim ao risco de sofrer atos de perseguição na aceção do artigo 9.o desta diretiva.

    41

    A este respeito, importa recordar que, embora as disposições do artigo 4.o da Diretiva 2011/95 sejam aplicáveis a todos os pedidos de proteção internacional, independentemente dos motivos de perseguição invocados em apoio destes pedidos, incumbe às autoridades competentes adaptar as suas modalidades de apreciação das declarações e dos elementos de prova documentais ou outros, em função das características próprias de cada categoria de pedido de proteção internacional, no respeito dos direitos garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais (Acórdão de 25 de janeiro de 2018, F,C‑473/16, EU:C:2018:36, n.o 36).

    42

    Na sistemática da Diretiva 2011/95, a avaliação do caráter fundado do receio de um requerente de ser perseguido devido à sua «opinião política», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, desta diretiva, deve, em conformidade com o seu artigo 4.o, n.o 3, revestir caráter individual e ser efetuada casuisticamente. Quando as autoridades nacionais competentes procedem a esta avaliação, devem determinar se as circunstâncias estabelecidas constituem ou não uma ameaça que pode fundar o receio da pessoa em questão, atendendo à sua situação individual, de ser efetivamente objeto de atos de perseguição. Esta determinação, que, em todos os casos, deve ser efetuada com vigilância e prudência, deve basear‑se unicamente numa apreciação concreta dos factos e das circunstâncias em conformidade com as regras enunciadas, designadamente, no artigo 4.o, n.os 3 a 5, da referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2012, Y e Z, C‑71/11 e C‑99/11, EU:C:2012:518, n.os 76 e 77).

    43

    O artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 enumera, nas suas alíneas a) a e), os elementos que devem ser tidos em conta para este efeito, entre os quais figuram, nomeadamente, todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem do requerente à data da decisão sobre o pedido, as declarações e a documentação que permitem determinar se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição, bem como a situação e as circunstâncias pessoais do requerente. O artigo 4.o, n.o 4, desta diretiva precisa que o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição constitui um indício sério do receio fundado do requerente de ser perseguido, a menos que haja motivos sérios para considerar que esta perseguição não se repetirá.

    44

    Por último, o artigo 4.o, n.o 5, da referida diretiva fixa, caso existam elementos das declarações do requerente não sustentados por provas documentais ou de outra natureza, as condições cumulativas necessárias para que estes aspetos não careçam de confirmação. Entre estas condições figuram a coerência e a plausibilidade das declarações do requerente e a sua credibilidade geral.

    45

    Resulta do que precede que as autoridades competentes dos Estados‑Membros devem efetuar uma análise exaustiva e aprofundada de todas as circunstâncias pertinentes, relativas à situação pessoal específica deste requerente e ao contexto mais geral do seu país de origem, nomeadamente nas suas vertentes política, jurídica, judiciária, histórica e sociocultural, para determinar se o referido requerente receia com razão ser pessoalmente perseguido devido à sua opinião política, designadamente aquelas que os agentes potenciais da perseguição no seu país de origem podem ser levados a atribuir‑lhe [v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, Migracijos departamentas (Motivos de perseguição baseados em opiniões políticas), C‑280/21, EU:C:2023:13, n.os 33 e 38].

    46

    Neste contexto, o grau de convicção da opinião política invocada pelo requerente e a eventual prática de atividades de promoção desta opinião constituem elementos pertinentes para a avaliação individual do seu pedido, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95. Com efeito, estes elementos são tidos em conta para apreciar o risco de terem suscitado ou de poderem suscitar a atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição no país de origem do requerente e de, em caso de regresso a este país, o requerente poder ser perseguido.

    47

    A circunstância de um requerente, através da opinião política que exprimiu ou das atividades que eventualmente exerceu para promover esta opinião durante a sua permanência no país de origem ou desde a sua partida deste país, já ter chamado a atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição do referido país constitui, também ela, um elemento pertinente para a avaliação individual imposta pelo artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95.

    48

    Daqui resulta que, numa situação na qual o requerente afirma que tem ou que exprime opiniões, ideias ou ideais adquiridos desde que saiu do seu país de origem, sem provar que chamou a atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição neste país, suscetível de conduzir a atos de perseguição da sua parte se regressasse, as autoridades competentes dos Estados‑Membros devem ter em conta, para efeitos da apreciação individual do pedido que são obrigadas a efetuar, nomeadamente o grau de convicção da opinião política invocada pelo requerente e a eventual prática, por este, de atividades destinadas a promover esta opinião. Estas autoridades não podem, no entanto, exigir que esta opinião política esteja tão profundamente enraizada no referido requerente que, ao regressar ao seu país de origem, este não poderia deixar de a manifestar para não suscitar a atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição neste país, suscetível de os conduzir a atos de perseguição, na aceção do artigo 9.o da Diretiva 2011/95.

    49

    Atendendo ao que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 4.o, n.os 3 a 5, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, para avaliar se é fundado o receio de um requerente de ser perseguido devido à sua opinião política, as autoridades competentes dos Estados‑Membros devem ter em conta o facto de esta opinião política, devido ao grau de convicção com que se exprime ou à eventual prática, por este requerente, de atividades destinadas a promover a referida opinião, ter podido ou poder suscitar a atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição no país de origem deste requerente. No entanto, não se exige que esta mesma opinião esteja tão profundamente enraizada no requerente que, em caso de regresso ao seu país de origem, este não poderia deixar de a manifestar, expondo‑se assim ao risco de sofrer atos de perseguição na aceção do artigo 9.o desta diretiva.

    Quanto às despesas

    50

    Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 10.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    para que as opiniões, as ideias ou os ideais de um requerente que ainda não foi objeto da atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição no seu país de origem possam estar abrangidos pelo conceito de «opinião política», é suficiente que este requerente afirme que tem ou que exprima estas opiniões, ideias ou ideais. Isto não prejudica que se avalie se é fundado o receio do requerente de ser perseguido devido a esta opinião política.

     

    2)

    O artigo 4.o, n.os 3 e 5, da Diretiva 2011/95

    deve ser interpretado no sentido de que:

    para avaliar se é fundado o receio de um requerente de ser perseguido devido à sua opinião política, as autoridades competentes dos Estados‑Membros devem ter em conta o facto de esta opinião política, devido ao grau de convicção com que se exprime ou à eventual prática, por este requerente, de atividades destinadas a promover a referida opinião, ter podido ou poder suscitar a atenção desfavorável dos agentes potenciais da perseguição no país de origem deste requerente. No entanto, não se exige que esta mesma opinião esteja tão profundamente enraizada no requerente que, em caso de regresso ao seu país de origem, este não poderia deixar de a manifestar, expondo‑se assim ao risco de sofrer atos de perseguição na aceção do artigo 9.o desta diretiva.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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