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Document 52019IE1463

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Promover cadeias de abastecimento alimentar alternativas e curtas na UE: o papel da agroecologia»(parecer de iniciativa)

    EESC 2019/01463

    JO C 353 de 18.10.2019, p. 65–71 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    18.10.2019   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 353/65


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Promover cadeias de abastecimento alimentar alternativas e curtas na UE: o papel da agroecologia»

    (parecer de iniciativa)

    (2019/C 353/11)

    Relatora: Geneviève SAVIGNY

    Decisão da Plenária

    24.1.2019

    Base jurídica

    Artigo 32.o do Regimento

    Parecer de iniciativa

    Competência

    Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

    Adoção em secção

    28.6.2019

    Adoção em plenária

    17.7.2019

    Reunião plenária n.o

    545

    Resultado da votação

    (votos a favor/votos contra/abstenções)

    135/7/21

    1.   Conclusões e recomendações

    1.1.

    Neste parecer, o CESE sublinha que as cadeias de abastecimento curtas e a agroecologia abrem novos horizontes à agricultura europeia. Embora vão em sentido contrário à globalização dos sistemas alimentares, há mais de cinquenta anos que estas abordagens inovadoras se estruturaram e são estudadas em numerosos programas de investigação nacionais e europeus, que o seu desenvolvimento é apoiado por fundos públicos e privados e que atraem cada vez mais agricultores para estes sistemas. Tendo sido confirmada a capacidade e a pertinência da resposta da agroecologia e das cadeias de abastecimento curtas aos desafios alimentares, estas poderão constituir um pilar essencial de uma política que vise criar sistemas alimentares sustentáveis e realizar objetivos de desenvolvimento sustentável num horizonte de dez anos (2030).

    1.2.

    Em toda a Europa, estão a ser desenvolvidos sistemas inovadores que aproximam os consumidores dos produtores, como a agricultura apoiada pela comunidade e outras formas de «cabazes». Muitos destes produtores praticam a agricultura biológica ou outros métodos agrícolas não classificados que respeitam o ambiente. Os órgãos de poder local e regional estão frequentemente envolvidos, criando sistemas de governação alimentar locais que agrupam os diferentes intervenientes e fomentam, nomeadamente, a utilização de produtos locais na restauração coletiva. A venda em cadeias de abastecimento curtas constitui uma verdadeira oportunidade para as pequenas estruturas aumentarem o valor acrescentado e a rentabilidade das explorações. Esta relocalização gera postos de trabalho e dinamismo a nível local, com um forte empenhamento dos agricultores que a praticam. Para os consumidores, constitui uma fonte de produtos frescos de boa qualidade, rica em história e em relações humanas, que lhes proporciona uma oportunidade de se interessarem e educarem no que respeita à alimentação e ao valor dos produtos.

    1.3.

    Este modo de produção-distribuição não se adequa a todas as explorações agrícolas, por razões que se prendem com o tipo de produção, a localização geográfica ou a inexistência de população urbana suficiente para, por exemplo, consumir a totalidade da produção de vinho ou de azeite de uma zona muito agrícola. Do mesmo modo, não substitui a necessidade de alimentos não produzidos localmente. Em cadeias de abastecimento mais longas, os sistemas de selos de qualidade europeus (indicação geográfica protegida, denominação de origem protegida, especialidade tradicional garantida) constituem uma fonte de identificação e de valorização que facilita a escolha dos consumidores.

    1.4.

    Neste contexto, o CESE observa a emergência da agroecologia como um novo paradigma alimentar e agrícola. Ciência, técnica e movimento social, a agroecologia considera o sistema alimentar no seu conjunto e tem por objetivo aproximar o produtor do seu ambiente, preservando, ou mesmo restaurando, a complexidade e a riqueza do sistema agroecossocial. Promovida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e objeto de inúmeros trabalhos de investigação e conferências, a agroecologia conhece um marcado desenvolvimento na Europa, nomeadamente a nível institucional, no âmbito de programas de desenvolvimento agrícola nacionais.

    1.5.

    O CESE considera que a agroecologia constitui o horizonte para que deve tender a agricultura europeia, que depende intrinsecamente da preservação dos recursos naturais para o seu desenvolvimento. Inspirados em modelos comprovados, como a agricultura biológica (com exclusão de certos derivados do biológico «industrial»), a permacultura e outros sistemas agrícolas tradicionais, os compromissos com a transição para a redução da utilização de insumos, a revitalização dos solos, a diversificação das culturas e a proteção da biodiversidade devem ser incentivados e valorizados.

    1.6.

    O CESE gostaria de ver implantado o projeto agroecológico ao nível da União Europeia (UE), com base num plano de ação estruturado e apoiado por diferentes meios, a nível local, regional e europeu. Uma política alimentar abrangente promovida pelo CESE pode facultar o enquadramento necessário. Entre as medidas importantes, destacam-se:

    a disponibilização de financiamento para os equipamentos necessários, individuais ou coletivos (segundo pilar da PAC);

    a aplicação da legislação alimentar, bem como das exigências em matéria de rotulagem, etc., de forma adaptada aos pequenos produtores, com flexibilidade para as produções de pequena escala;

    a criação ou o reforço de serviços de educação e de aconselhamento adequados para a transformação, a venda direta e a agroecologia;

    a facilitação de redes de intercâmbio entre agricultores;

    a orientação da investigação para a agroecologia e para as necessidades dos produtores em cadeias de abastecimento curtas;

    ao nível dos territórios: estabelecimento de regras de concorrência adaptadas para facilitar o abastecimento da restauração coletiva em cadeias de abastecimento curtas e locais.

    2.   Introdução

    2.1.

    O CESE destacou em dois pareceres (1) a necessidade de desenvolver na UE uma política alimentar abrangente assente em vários pilares, entre os quais o desenvolvimento de cadeias de abastecimento alimentar mais curtas.

    2.2.

    A nível local e regional, está a ser lançado um número crescente de iniciativas destinadas a apoiar sistemas alimentares alternativos e cadeias alimentares curtas. Uma política alimentar abrangente deve alicerçar-se numa governação comum a todos os níveis — local, regional, nacional e europeu —, que esta política deve igualmente estimular e desenvolver. Tal abordagem permitirá criar um quadro propício à multiplicação de iniciativas desta natureza, de diferentes dimensões, e é necessária para a realização dos objetivos de desenvolvimento sustentável na Europa.

    2.3.

    Neste contexto, a agroecologia surge como um novo paradigma agrícola e alimentar que acompanha o desenvolvimento destas novas práticas de abastecimento e de produção alimentares.

    2.4.

    O presente parecer visa observar a aproximação entre os produtores e os consumidores em cadeias mais curtas e o desenvolvimento da agroecologia, a fim de identificar as condições e as ferramentas que permitem orientar o sistema alimentar no sentido da plena realização dos objetivos de desenvolvimento sustentável.

    3.   O desenvolvimento das cadeias de abastecimento curtas

    3.1.

    A União Europeia, no âmbito das políticas de desenvolvimento rural [Regulamento (UE) n.o 1305/2013], define a cadeia de abastecimento curta como «uma cadeia de abastecimento que envolve um número limitado de operadores económicos empenhados na cooperação, o desenvolvimento económico local e relações geográficas e sociais estreitas entre produtores, transformadores e consumidores» (2).

    3.2.

    A distribuição alimentar tem sofrido alterações profundas desde o final da década de 1990. Devido à melhoria da educação alimentar e às sucessivas crises sanitárias decorrentes de práticas agrícolas e agroindustriais inadequadas, cada vez mais consumidores adotam novos critérios de qualidade que têm em conta a saúde e o desenvolvimento sustentável (3). A desregulamentação dos mercados agrícolas, a forte volatilidade dos preços, frequentemente inferiores ao custo de produção, e os baixos rendimentos agrícolas, por um lado, e a crescente preocupação dos consumidores em adotar uma alimentação saudável e de qualidade, por outro, levam alguns agricultores a rever os seus modos de produção e de comercialização. Observam-se fenómenos de diversificação em toda a cadeia de abastecimento, desde a produção ao consumo. Surgem novas produções agrícolas, os produtores têm de tomar a iniciativa de procurar novos mercados ou criar novas formas de venda através de cadeias de abastecimento curtas, para que o investimento humano e económico na diversificação tenha retorno, e as práticas evoluem no sentido de uma maior sustentabilidade, impulsionadas pela aproximação realizada entre produtores e consumidores. Em 2015, o Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (SEPE) salientou que 15 % dos agricultores venderam metade da sua produção através de cadeias de abastecimento curtas, enquanto uma sondagem Eurobarómetro de 2016 revelou que quatro em cada cinco cidadãos europeus consideram importante «reforçar o papel dos agricultores na cadeia agroalimentar». As cadeias de abastecimento curtas estão a ganhar terreno na Europa, embora de forma desigual nos diferentes países.

    3.3.

    Neste contexto, existem muitas formas de venda direta. Além das formas tradicionais, nas explorações ou no exterior, crescem outras iniciativas. Um dos setores de inovação mais dinâmicos dos últimos vinte anos é o das parcerias locais e solidárias, que associam consumidores e produtores para entregas de «cabazes»numa base contratual, essencialmente de produções biológicas, que foram constituídas e desenvolvidas pela organização internacional Urgenci. Observam-se igualmente em vários países iniciativas coletivas de dinamização do setor através da organização de feiras ou de eventos locais como, por exemplo, a rede «Campagna amica»em Itália. O contributo do setor cooperativo é muito importante. Trata-se de um setor que atrai os jovens e agricultores recém-instalados, que, muitas vezes, estão fortemente motivados.

    3.4.

    O impacto «muito positivo»das cadeias de abastecimento alimentar curtas foi salientado no parecer acima mencionado (4), em especial no que respeita à frescura e à qualidade organolética e nutricional dos produtos. Após o desenvolvimento de um sistema alimentar globalizado há mais de trinta anos, parece reconhecer-se e partilhar-se a ideia de que o estreitamento dos laços entre produtores e consumidores e os sistemas localizados apresentam múltiplos efeitos benéficos. As cadeias de abastecimento curtas melhoram o valor acrescentado e a rentabilidade das pequenas explorações, permitem vender produtos identificados que «contam uma história»aos consumidores, dispostos a pagar mais caro por estes produtos, e criam animação e laços sociais nas zonas rurais. A melhoria da qualidade da produção alimentar e das cadeias de comercialização responsabiliza os consumidores no que diz respeito ao valor dos alimentos e ao desperdício e, por conseguinte, contribui para reduzir o impacto da alimentação nas alterações climáticas.

    3.4.1.

    Este modo de comercialização gera externalidades positivas para toda a comunidade (criação de postos de trabalho não deslocalizáveis, manutenção do valor acrescentado no território, atratividade turística ou residencial). Estas externalidades acrescidas devem ser tidas em conta no apoio ao desenvolvimento das cadeias de abastecimento curtas e nas dinâmicas dos territórios.

    3.4.2.

    As iniciativas de cadeias de abastecimento curtas prosperam tendo por base inovações sociais, organizacionais e territoriais que continuam a ser estruturadas. Em numerosos estudos, a dimensão territorial e a identidade coletiva são destacadas como fatores essenciais da sua sustentabilidade e da sua perenidade. O desafio consiste, portanto, em disponibilizar meios para criar sistemas alimentares territoriais assentes numa governação local e representativa dos próprios intervenientes (5).

    3.5.

    A Internet tem demonstrado ser um novo espaço de exploração e de inovação para as cadeias de abastecimento curtas. A sua generalização ao longo da última década também ocorreu nas cadeias de abastecimento alimentar curtas. Ao proporcionar um mercado maior do que o mercado de produtores tradicional, permite também melhorar e agilizar as trocas comerciais. Nos últimos cinco anos, surgiram numerosas plataformas de encomendas em linha. Estes «centros de distribuição alimentar»permitem o estabelecimento de «ligações diretas»entre produtores e consumidores, nomeadamente no caso dos produtos que só estão disponíveis localmente. Podem permitir aos produtores, mas também aos consumidores, juntar-se para efetuar compras e vendas de forma agrupada, facilitando assim a logística nas cadeias de abastecimento alimentar curtas. Outras utilizações da digitalização aplicam-se à produção e à transformação de produtos.

    4.   A agroecologia, uma nova forma de abordar a agricultura

    4.1.

    No Segundo Simpósio Internacional sobre a Agroecologia, realizado em Roma em 2018, a FAO propôs a seguinte definição: a agroecologia consiste na aplicação de conceitos e princípios ecológicos de forma a otimizar as interações entre as plantas, os animais, os seres humanos e o ambiente, sem esquecer os aspetos sociais que é necessário ter em conta para que o sistema alimentar seja sustentável e equitativo; a agroecologia, ao criar sinergias, pode não apenas contribuir para a produção alimentar, para a segurança alimentar e para a nutrição, mas também permitir recuperar os serviços ecossistémicos e a biodiversidade, que são essenciais para uma agricultura sustentável (6).

    4.2.

    A agroecologia desenvolveu-se em torno de três grandes dimensões. A primeira é a agroecologia surgida na década de 1920 como um conjunto de disciplinas científicas (física, química, ecologia, ordenamento do território) que abordam a agricultura através de sistemas complexos de interações do ecossistema agrícola. A segunda dimensão é a agroecologia enquanto conjunto de práticas agrícolas sustentáveis que otimizam e estabilizam as colheitas. Por último, a terceira dimensão da agroecologia é a sua faceta de movimento social empenhado na procura da soberania alimentar e de novas vertentes multifuncionais para a agricultura (7). A agroecologia evoluiu igualmente no sentido de uma melhor tomada em consideração dos desafios alimentares, como o demonstram documentos como «Redesigning the food system»(Hill, 1985) e «Agroecologia: Processos Ecológicos em Agricultura Sustentável», obra de referência de Steve Gliessman.

    4.3.

    A agroecologia baseia-se num pilar comum de dez princípios, definidos e enumerados pela FAO, que visam ajudar os países a transformar os seus sistemas alimentares e agrícolas, a generalizar a agricultura sustentável e a realizar o objetivo de «erradicar a fome»e vários outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável:

    diversidade, sinergias, eficiência, resistência, reciclagem, cocriação e partilha de conhecimentos (descrição das características comuns dos sistemas agroecológicos, práticas de base e abordagens inovadoras);

    valores humanos e sociais, cultura e tradições alimentares (características contextuais);

    economia circular e solidária, governação responsável (ambiente favorável).

    Os dez elementos da agroecologia estão interligados e são interdependentes (8).

    4.4.

    Com base nestes dez princípios, várias formas de agricultura podem afirmar-se agroecológicas: a agricultura biológica, que utiliza os mesmos princípios num quadro normalizado [Regulamento (CE) relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos (9)], a agricultura biodinâmica, a agricultura integrada, a agrossilvicultura, que combina culturas e produção arborícola, ou a permacultura têm uma base comum que consiste numa abordagem complexa e sistémica da agricultura, desde a produção até ao consumo dos alimentos. É importante salientar o papel central da preservação da qualidade e da vida dos solos nestas formas de agricultura.

    A agroecologia constitui uma mudança de paradigma para a agricultura, a fim de lutar contra as alterações climáticas, reconstituir os ecossistemas vivos e proteger a água, o solo e todos os recursos de que a produção agrícola depende. É conveniente incentivar todos os compromissos dos agricultores no sentido de reavaliarem as suas práticas e a sua relação com o ecossistema a fim de diminuírem as externalidades negativas e aumentarem as externalidades positivas. A redução dos insumos químicos, a introdução de maior diversidade nas rotações, a agricultura de conservação e a preservação da biodiversidade são outras tantas etapas a incentivar na via da transição agroecológica das explorações agrícolas europeias.

    4.5.

    O movimento social lançado nas décadas de 1970 e 1980 na América Latina, por organizações como a Via Campesina, iniciou a expansão internacional exponencial desta abordagem do sistema alimentar nas suas três dimensões (científica, técnica e social). A Europa também está empenhada neste movimento. A FAO organizou um primeiro simpósio em Roma, em setembro de 2014, sobre o tema «A agroecologia em prol da segurança alimentar e da nutrição», a que se seguiram vários seminários regionais, como o de Budapeste, em novembro de 2016, dedicado à Europa, e defende o reforço da agroecologia para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris. O próximo evento terá lugar na Europa, no final de 2019. O programa de investigação europeu Horizonte 2020 integrou vários temas ligados à agroecologia, à agricultura biológica e às cadeias de abastecimento curtas, e a Parceria Europeia de Inovação para a produtividade e a sustentabilidade agrícolas (PEI-AGRI), que também explorou estes temas no âmbito do desenvolvimento agrícola, organizará a próxima Cimeira da Inovação Agrícola, dedicada à agroecologia, em França, em junho de 2019.

    4.6.

    A agroecologia está a ser gradualmente institucionalizada, sobretudo em França (10). Inscrevendo a agroecologia no código rural nacional e dotando-se de instrumentos jurídicos e financeiros neste domínio, a França transformou a agroecologia num eixo do seu desenvolvimento agrícola (11). Os meios financeiros e a orientação de vários programas específicos franceses geraram e apoiaram numerosas dinâmicas de projetos de organizações coletivas de agricultores, direcionando o desenvolvimento e a produção agrícolas para objetivos de maior sustentabilidade (12).

    4.6.1.

    Entre os resultados comprovados da agroecologia salientados pelos estudos académicos e divulgados pelos organismos de desenvolvimento, destacam-se os seguintes:

    para os agricultores: o aumento da fertilidade dos solos, a redução dos custos de produção, uma maior autonomia nas decisões, o aumento da resistência dos sistemas agrícolas face aos riscos climáticos e a revalorização da profissão;

    para os consumidores: a qualidade sanitária e nutricional dos alimentos e das águas, a preservação da biodiversidade e da paisagem, bem como garantias em termos de práticas agrícolas (na pecuária ou nas culturas) (13).

    4.6.2.

    Estes resultados são reforçados pela dimensão coletiva proporcionada por projetos agroecológicos, pela participação dos agricultores enquanto fonte de propostas e de inovação no seu contexto, pela vontade de fazer melhor e pela necessidade de reduzir os custos de produção. Determinadas plataformas na Internet (14) podem permitir o necessário aproveitamento das referências técnicas e científicas produzidas e dos testemunhos de agricultores que fizeram esta transição, sem esquecer o impacto das formações e dos ateliês.

    4.6.3.

    A formação dos futuros agricultores nos estabelecimentos públicos de ensino agrícola incorpora a missão de contribuir para o desenvolvimento da agroecologia. Os conteúdos pedagógicos neste domínio são cada vez mais numerosos (15), e os alunos estão mais predispostos a promover a transição e a produção agroecológicas na sua vida profissional futura (16). O programa francês de transição agroecológica prevê a melhoria da alimentação dos alunos através da introdução de produtos locais nas ementas das cantinas das escolas agrícolas, reforçando assim a sua sensibilização para a questão alimentar.

    4.6.4.

    A fim de acompanhar a transição ao nível dos territórios, o Governo francês criou os projetos alimentares territoriais (PAT), nos quais entidades coletivas livremente constituídas concebem as medidas necessárias para melhorar o sistema alimentar local. Aparentemente, apesar dos meios insuficientes, os programas suscitam interesse e os resultados são encorajadores.

    4.7.    As cadeias de abastecimento curtas e a agroecologia, transições interligadas

    4.7.1.

    A agroecologia caracteriza-se, nomeadamente, pela diversidade da complementaridade entre produções ao nível das explorações. É importante criar e manter novos mercados para os produtos provenientes quer da pecuária, quer das culturas agroecológicas. As cadeias de abastecimento alimentar curtas representam, pois, uma resposta adequada a este desafio de transição.

    4.7.2.

    Por fim, é importante salientar que a associação entre a agroecologia e as cadeias de abastecimento curtas, ao nível europeu, nacional e local, conduz atualmente ao aparecimento de uma governação alimentar territorial com novas modalidades de participação das partes interessadas. Estes procedimentos para restabelecer a ligação entre os núcleos urbanos e as zonas de produção alimentar próximas estão já a ser aplicados em inúmeros locais: Milão, em Itália, Montpellier, em França, Gante, Bruxelas e Liège, na Bélgica, ou Toronto, no Canadá.

    5.   Desenvolvimento das cadeias de abastecimento curtas e da agroecologia em prol de sistemas alimentares sustentáveis

    5.1.    Contributo para uma alimentação de qualidade

    5.1.1.

    Em 2012, um programa europeu de investigação coliderado pela Universidade de Coventry sobre as cadeias de abastecimento curtas e os sistemas alimentares locais, com a participação da Direção-Geral da Agricultura e da Direção-Geral da Saúde da Comissão Europeia, salientou os aspetos de qualidade, de rastreabilidade e de transparência que devem estar no centro do ato de compra e venda. A UE deve, por conseguinte, proporcionar aos produtores e aos consumidores meios para construir e estabilizar este tríptico, independentemente da forma da cadeia de abastecimento curta. Observa-se que a maior parte dos produtos vendidos em cadeias de abastecimento curtas provêm da agricultura biológica ou de métodos não certificados, sem insumos de síntese, consoante os países. Este parece ser o elemento decisivo para conciliar a agroecologia com as cadeias de abastecimento curtas. Na verdade, os princípios e o quadro da agroecologia podem criar um contexto de confiança suficientemente amplo e estável, que não tem de ser um sistema de agricultura certificado, para que os consumidores possam encontrar a qualidade, a rastreabilidade e a transparência necessárias ao desenvolvimento e à sustentabilidade das cadeias de abastecimento curtas. Visitas regulares dos consumidores e de outros produtores às explorações agrícolas surgem como um método de «garantia participativa»eficaz para reforçar a transparência, bem como para permitir a elaboração de indicadores contextualizados e o acompanhamento das práticas agroecológicas (17).

    5.1.2.

    A nível individual, os estudos mais recentes revelam que as cadeias de abastecimento curtas melhoram sensivelmente a saúde das pessoas. Por um lado, as pessoas estão mais atentas ao que comem e ao modo como os alimentos são produzidos. Por outro, estes dispositivos são locais de aprendizagens sociais muito importantes, nomeadamente em termos de comportamentos alimentares saudáveis.

    5.2.    Acessibilidade e segurança alimentar

    5.2.1.

    Atualmente, vários projetos europeus de investigação (18) (19) demonstram que as cadeias de abastecimento curtas tendem a estruturar-se e a organizar-se de forma a evoluírem de nichos do mercado para hábitos reais de consumo alimentar. Para isso contribuiu, nomeadamente, a integração em rede de numerosas partes interessadas à escala da UE através de projetos apoiados por diferentes programas de financiamento europeus. Contudo, esta evolução continua a ser limitada, devido às dificuldades de penetração de alguns produtos nas famílias com rendimentos mais baixos. Seria pertinente prosseguir o trabalho realizado nos pareceres anteriores do CESE sobre a questão dos meios de ação para garantir a acessibilidade destes produtos alimentares. Vários projetos de investigação neste âmbito estão em final de programação em França (RMT Alimentation (20), projeto Casdar ACCESSIBLE (21) ou os projetos alimentares territoriais (22)).

    5.2.2.

    Entre os instrumentos disponíveis, há meios de investigação e de inovação assegurados pela parceria PEI-AGRI e pela Direção-Geral da Investigação no futuro Programa Horizonte Europa que podem ser consagrados à agroecologia e às cadeias curtas. No âmbito da futura política agrícola comum (PAC), há que mobilizar os programas de ecologização (regimes ecológicos) para promover a adoção progressiva pelos agricultores de métodos decorrentes da agroecologia e a evolução dos sistemas rumo a cadeias de abastecimento curtas. O mesmo se aplica às medidas do segundo pilar, como as medidas agroambientais e climáticas e as subvenções necessárias para as pôr em prática, bem como aos instrumentos de transformação e comercialização. No âmbito dos programas LEADER, devem ser desenvolvidos meios de formação e de aconselhamento adaptados, bem como animação local. O apoio às iniciativas territoriais pode igualmente beneficiar de fundos no âmbito da política de coesão.

    5.2.3.

    Há que definir regras adaptadas para permitir o fornecimento de contratos públicos através de cadeias de abastecimento curtas, atualmente condicionado pelas regras da concorrência. É igualmente necessário estabelecer regras adaptadas para as cadeias de abastecimento curtas. O Regulamento (CE) n.o 852/2004, relativo à higiene dos géneros alimentícios (23), oferece possibilidades de flexibilidade na aplicação do método HACCP (análise dos perigos e do controlo dos pontos críticos) para os produtores de pequenas quantidades, que devem ser utilizadas em todos os países da UE. O mesmo se aplica às regras de rotulagem dos produtos. A rotulagem de origem (por exemplo, na restauração ou na restauração coletiva) dos alimentos transformados pode desempenhar um papel de apoio: se a origem de um produto alimentar for transparente, é mais provável que o consumidor escolha o produto ou o prato que foi produzido na proximidade, mesmo que tenha de pagar um pouco mais caro. Uma cobertura 4G (telefonia e Internet) nas zonas rurais é importante para facilitar o acesso e o contacto com os consumidores, graças ao desenvolvimento da digitalização.

    5.2.4.

    É frequente questionar-se a capacidade da agroecologia e das cadeias de proximidade para alimentar o mundo e os dez mil milhões de seres humanos que, segundo as previsões, nele viverão em 2050. Os estudos de numerosas organizações de investigação são claros a este respeito: à escala internacional, o desenvolvimento da agroecologia e a mobilização de recursos, na agricultura e não só, são indispensáveis e possíveis, atentos os imperativos económicos, ambientais e sociais. Na Europa, os estudos recentes do Instituto do Desenvolvimento Sustentável e das Relações Internacionais (IDDRI) demonstram que é possível alimentar toda a população europeia no horizonte de 2050 com uma transformação agroecológica progressiva, que integre a pecuária, as culturas e a arboricultura, com um objetivo de emissões zero de carbono.

    5.3.    A via para a agroecologia

    5.3.1.

    A implantação do projeto agroecológico à escala da UE deve basear-se num plano de ação estruturado, com o apoio de diferentes meios em diversas vertentes da ação pública e privada, abrangendo vários domínios: formação, desenvolvimento agrícola, reorientação dos auxílios, adaptação dos regulamentos, territorialização das cadeias de abastecimento, seleção genética, regiões ultramarinas e ação internacional (24). Justifica-se, portanto, que a UE reavalie as oportunidades de apoio para que a agroecologia e as cadeias curtas possam desenvolver-se em conjunto e conciliar-se para garantir a sua sustentabilidade comum. É importante que este meio de ação tenha ambição suficiente para permitir que um vasto leque de empresas agrícolas possa assumir um compromisso de longo prazo com essa transição. O conceito de temporalidade é importante, já que não apenas permitirá dar tempo às partes interessadas para atuar, mas também possibilitará às partes interessadas ativas assegurar a transição completa de um sistema que é, de facto, difícil de aplicar.

    5.3.2.

    Uma política mundial de alimentação, que o CESE advoga há vários anos, liderada por um Conselho Europeu da Alimentação, de que o CESE poderá ser o promotor, e coordenada ao nível das direções-gerais pertinentes por um vice-presidente da Comissão Europeia, pode proporcionar o quadro para um programa. A proposta de uma política alimentar comum foi avançada ao nível da União Europeia por trabalhos do IPES-Food (25).

    5.3.3.

    O trabalho da FAO pode constituir uma fonte de inspiração para o desenvolvimento da agroecologia à escala europeia. A este respeito, as recomendações do «Simpósio regional para sistemas agrícolas e alimentares sustentáveis na Europa e na Ásia Central»são particularmente esclarecedoras. O guia sobre a criação de laços entre os pequenos agricultores e os mercados, adotado em 2016 pelo Comité da Segurança Alimentar Mundial, recomenda aos Estados que apoiem os mercados territoriais (locais, regionais e nacionais) com vista à realização dos objetivos de desenvolvimento sustentável.

    Bruxelas, 17 de julho de 2019.

    O Presidente

    do Comité Económico e Social Europeu

    Luca JAHIER


    (1)  Parecer do CESE — Sistemas alimentares mais sustentáveis (JO C 303 de 19.8.2016, p. 64) e Parecer do CESE — Contributo da sociedade civil para o desenvolvimento de uma política alimentar global na UE (JO C 129 de 11.4.2018, p. 18).

    (2)  Regulamento (UE) n.o 1305/2013.

    (3)  Codron, J.-M., Sirieix, L., Reardon, T., «Social and Environmental Attributes of Food Products: Signaling and Consumer Perception, With European Illustrations»[Atributos sociais e ambientais dos produtos alimentares: elementos de identificação e perceção dos consumidores, com exemplos europeus], Agriculture and Human Values, vol. 23, n.o 3, 2006, p. 283-297.

    (4)  Ver nota de rodapé n.o 1.

    (5)  Le Velly, R., «Dynamiques des systèmes alimentaires alternatifs»[Dinâmicas dos sistemas alimentares alternativos], Systèmes agroalimentaires en transition, Édition Quae, 2017, p. 149-158.

    (6)  http://www.fao.org/about/meetings/second-international-agroecology-symposium/fr/

    (7)  https://pubs.iied.org/14629IIED/?c=foodag.

    (8)  http://www.fao.org/3/i9037fr/I9037fr.pdf.

    (9)  Regulamento (CE) n.o 834/2007 do Conselho, de 28 de junho de 2007, relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 2092/91.

    (10)  Estudos de S. Bellon.

    (11)  Artigo 1.o, alterado pela lei relativa ao futuro da agricultura, aprovada em 13 de outubro de 2014, do Código Rural e da Pesca Marítima.

    (12)  Parceria Europeia de Inovação Agroecology Europe: http://www.agroecology-europe.org/

    (13)  Claveirol, C., «La transition agroécologique: défis et enjeux»[A transição agroecológica: desafios e implicações], parecer do Conselho Económico, Social e Ambiental, 2016.

    (14)  https://rd-agri.fr/

    (15)  https://pollen.chlorofil.fr/?s=agroecologie.

    (16)  http://www.bergerie-nationale.educagri.fr/fileadmin/webmestre-fichiers/formation/articles_presse/Plan_EPA1-bilan-Fevrier_2019.pdf.

    (17)  http://www.cocreate.brussels/-CosyFood-.

    (18)  https://ec.europa.eu/eip/agriculture/sites/agri-eip/files/eip-agri_brochure_short_food_supply_chains_2019_en_web.pdf.

    (19)  http://www.shortfoodchain.eu/news/

    (20)  www.rmt-alimentation-locale.org/

    (21)  http://www.civam.org/images/M%C3%A9lanie/AcceCible/PRESENTATION-Accessible.pdf.

    (22)  http://rnpat.fr/les-projets-alimentaires-territoriaux-pat/

    (23)  Regulamento (CE) n.o 852/2004.

    (24)  Claveirol, C., «La transition agroécologique: défis et enjeux»[A transição agroecológica: desafios e implicações], parecer do Conselho Económico, Social e Ambiental, 2016.

    (25)  IPES-Food, Towards a Common Food Policy for the European Union [Rumo a uma política alimentar comum para a União Europeia], Bruxelas, IPES Food, 2017.


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