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Document 52016IE1244

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Ameaças e entraves ao mercado único» (parecer de iniciativa)

JO C 125 de 21.4.2017, p. 1–9 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

21.4.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 125/1


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Ameaças e entraves ao mercado único»

(parecer de iniciativa)

(2017/C 125/01)

Relator:

Oliver RÖPKE

Decisão da plenária

21.1.2016

Base jurídica

Artigo 29.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

13.1.2017

Adoção em plenária

25.1.2017

Reunião plenária n.o

522

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

166/62/8

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O mercado único é uma grande conquista e constitui um elemento central do processo de integração europeia. Deve representar a pedra angular da prosperidade na Europa. A introdução do euro e o Acordo de Schengen foram momentos decisivos no percurso para a concretização do mercado único. Contudo, ambos têm vindo a ser submetidos a uma pressão crescente, em parte devido a interesses nacionais desprovidos de visão, e são cada vez mais postos em causa por uma parte significativa da população, também como resultado das preocupações reais dos cidadãos europeus.

1.2

O CESE sempre se mostrou defensor do reforço da livre circulação de bens, serviços, capitais, pagamentos e pessoas e da manutenção do equilíbrio necessário entre as políticas económicas, sociais e ambientais. É essencial seguir o caminho da convergência económica e social entre os Estados-Membros.

1.3

Para continuar a desenvolver o mercado único há que remover entraves desnecessários, a fim de assegurar o crescimento, o emprego, a prosperidade a longo prazo e uma economia social de mercado altamente competitiva, nomeadamente no que diz respeito aos obstáculos ao mercado sob a forma de um insuficiente reconhecimento de qualificações e diplomas, restrições técnicas a nível local, barreiras regulamentares decorrentes das diferenças entre legislações nacionais ou uma coordenação desadequada das soluções da administração pública em linha a nível da UE.

1.4

O CESE manifesta preocupação pelo facto de o mercado único da UE praticamente não ter crescido desde a crise financeira. Na área do euro, verificou-se mesmo uma contração da economia de 1,6 % entre 2008 e 2015. Em contrapartida, outras regiões económicas, como os EUA, a Austrália e o Japão, ultrapassaram largamente a União Europeia em termos de procura interna e de crescimento. São, pois, necessárias medidas vigorosas para voltar a aproximar a Europa dos objetivos políticos da Estratégia Europa 2020.

1.5

O CESE salienta, uma vez mais, a importância da mobilidade transfronteiras para as empresas e os trabalhadores. Contudo, o facto de uma parte significativa da população apoiar cada vez menos os princípios do mercado único não pode ser ignorado. Um dos motivos prende-se com o risco crescente de práticas desleais e ilegais persistentes associadas à prestação de serviços transfronteiras. O elevado risco de abuso abala fortemente a confiança dos trabalhadores e das empresas honestas no mercado único.

1.6

Há que adotar medidas decisivas para contrariar estas tendências e importa assegurar uma concorrência leal, também no interesse das empresas. Um mercado único funcional pressupõe o cumprimento da legislação europeia e nacional na execução de atividades transfronteiras. É por esse motivo que a maioria dos membros do CESE apoia todos os esforços para que, na prática, se introduza na União Europeia a igualdade de remuneração para trabalho igual realizado no mesmo lugar, conforme solicitado pelo presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker.

1.7

Ainda que a dimensão social do mercado único esteja solidamente alicerçada no TFUE e no direito derivado da UE, deveria alcançar-se, ao nível do direito primário, um equilíbrio mais justo entre as liberdades do mercado e os direitos sociais fundamentais, de forma a dar resposta à apreensão de muitas pessoas que cada vez mais consideram insuficiente a salvaguarda dos seus direitos e necessidades sociais no mercado único.

1.8

Por princípio, o CESE acolhe favoravelmente uma análise do direito da UE quanto à sua eficiência. Esta iniciativa poderá revelar-se importante para a redução de encargos administrativos desnecessários, que se aplicam quando a mesma matéria é objeto de diferentes disposições nacionais ou regionais para o mesmo âmbito. Por esse motivo, e especialmente no interesse das PME, a legislação harmonizada deve ser analisada quanto à sua necessidade. O CESE reitera, todavia, a sua posição de que os elevados níveis de defesa do consumidor não constituem um encargo desnecessário.

1.9

O CESE salienta que, face ao seu enorme potencial de crescimento, o mercado único digital deve fazer parte das prioridades políticas. Os fatores de incerteza jurídica nos domínios do emprego, economia e consumidores têm de ser analisados e eliminados sem demora. A Comissão deve instaurar um quadro jurídico claro para novas formas de economia e novos modelos de negócio no mercado único, tais como as várias formas da economia da partilha, com vista a colmatar lacunas regulamentares, respeitando plenamente a legislação em vigor e, em particular, garantindo os direitos dos consumidores e dos trabalhadores, assim como a concorrência leal.

1.10

A criação de uma União dos Mercados de Capitais também deve continuar a ser uma prioridade, uma vez que a maior eficiência na afetação de capitais que lhe está associada pode ter um impacto positivo na economia e no emprego, bem como nos consumidores. Eventos recentes, como o Brexit, não podem atrasar ou comprometer desnecessariamente a execução destes planos.

1.11

O CESE reitera a sua convicção de que as lacunas regulamentares na política fiscal conduzem à concorrência desleal no mercado único. Como tal, apoia as medidas em prol de uma matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades, os relatórios por país, bem como os esforços atualmente desenvolvidos para combater a elisão fiscal e os paraísos fiscais. A fixação de uma taxa mínima comum para o imposto sobre as sociedades poderia ser um complemento útil a estas iniciativas e acabar com a corrida ao imposto mais baixo.

1.12

Os serviços públicos, também designados por serviços de interesse geral, desempenham um papel essencial na economia social de mercado e são de importância vital para a população em geral. Os serviços de interesse geral são parte integrante dos valores comuns da União Europeia, contribuindo para a promoção da coesão social e territorial.

1.13

Este papel de promoção da coesão social e territorial deve ser tomado em consideração no âmbito dos «princípios e condições» que a UE pode definir para estes serviços. Relativamente à reforma prevista da Diretiva Serviços, o CESE remete para o Protocolo n.o 26 do Tratado da União Europeia relativo aos serviços de interesse geral, segundo o qual é concedido às autoridades nacionais, regionais e locais dos Estados-Membros amplo poder de apreciação sobre os serviços de interesse económico geral.

1.14

No âmbito da adjudicação de contratos públicos são necessárias várias medidas para combater práticas desleais, que reduzem o valor das propostas a um nível inferior ao considerado justo, por vezes não respeitam os requisitos relativos ao salário mínimo aplicáveis à luz das respetivas leis e práticas nacionais e, frequentemente, acabam por ultrapassar largamente os custos. Sobretudo, há que criar transparência quanto ao preço e ao serviço da melhor proposta e a eventuais derrapagens de custos que venham a ocorrer posteriormente, a fim de fazer prevalecer o princípio da oferta mais vantajosa sobre o princípio da oferta mais barata.

2.   Desafios para o mercado único

2.1

A integração europeia deve perseguir o objetivo de alcançar o equilíbrio necessário entre as políticas económicas, sociais e ambientais. A livre circulação de bens, serviços, capitais, pagamentos e pessoas deve ser complementada pelo respeito dos direitos sociais fundamentais consagrados nos Tratados da UE através da Carta dos Direitos Fundamentais. Os direitos sociais fundamentais têm de ser aplicados no mercado interno. Simultaneamente, quaisquer entraves desnecessários ainda presentes no mercado único devem ser eliminados a fim de assegurar prosperidade a longo prazo e uma economia social de mercado altamente competitiva.

2.2

O CESE já reiterou em diversas ocasiões, e mais recentemente no seu parecer sobre o tema «Melhorar o mercado único» (1), que o mercado único é um elemento central da integração europeia, capaz de proporcionar benefícios concretos e gerar crescimento sustentável para as economias da Europa.

2.3

O mercado único é uma grande conquista e deve constituir a pedra angular da prosperidade da Europa. A introdução do euro na área do euro e o Acordo de Schengen foram momentos decisivos no percurso para a criação de um mercado único comum. Contudo, encontram-se agora sob uma enorme pressão, o que ilustra quão diferentes são os interesses dos Estados-Membros da UE. Em certa medida, a tomada de decisões e a supervisão continuam a ocorrer a nível nacional.

2.4

O CESE assinala que persistem importantes obstáculos ao mercado sob a forma de um reconhecimento insuficiente de qualificações e diplomas, divisão de programas curriculares, restrições técnicas a nível local, barreiras regulamentares decorrentes sobretudo da fragmentação do mercado único devido a diferentes enquadramentos jurídicos nacionais, encargos administrativos associados ao cumprimento de regras nacionais em matéria fiscal e aduaneira, bem como a ausência de uma estrutura da administração pública em linha e a falta de coordenação das soluções para esse tipo de administração a nível europeu.

2.5

A Comissão procura aplicar uma harmonização plena em alguns domínios, o que poderá conduzir à redução do nível de proteção existente em alguns Estados-Membros. O CESE sublinha que se opôs a tais medidas em diversos pareceres. A harmonização plena nas situações visadas pela Comissão deve ser alcançada, embora preservando o nível de proteção já em vigor.

2.6

Os cidadãos dos Estados-Membros consideram cada vez mais que a Europa não faz o suficiente para proteger as normas sociais e os rendimentos, nem para lograr uma tributação equitativa e contribuições equitativas para a segurança social. Não obstante a dimensão social sólida do mercado único, assente no TFUE e no direito derivado da UE, deveria alcançar-se um equilíbrio mais justo entre as liberdades do mercado económico e os direitos sociais fundamentais.

2.7

As medidas apresentadas ao abrigo do pilar europeu dos direitos sociais devem refletir os princípios fundadores da União e assentar na convicção de que o desenvolvimento económico deve levar a mais progresso e coesão no plano social e de que as políticas sociais, ao mesmo tempo que asseguram redes de segurança adequadas no respeito pelos valores europeus, devem igualmente ser consideradas como fator produtivo.

2.8

Apesar dos muitos resultados alcançados pela política de coesão da UE, a verdadeira convergência económica e social entre os Estados-Membros ainda está longe de ser realizada e há grandes diferenças em matéria de salários e normas sociais. Os salários mais baixos praticados atualmente em alguns Estados-Membros devem-se ao seu historial de desenvolvimento e à diversidade natural do amplo mercado interno europeu e são o reflexo dos níveis de produtividade locais para além de muitos outros fatores, incluindo os interesses dos investidores. Não obstante, há que dedicar maior atenção ao dumping social, que deve ser definido como uma prática desleal e ilegal de incumprimento das regras relativas à remuneração do trabalho ou ao pagamento da segurança social e de seguros de saúde, que permite obter uma vantagem desleal sobre os concorrentes (2).

2.9

Desde o início da crise financeira, ou seja, no período entre 2008 e 2015, o mercado único registou um crescimento de 0,4 % — quase zero em termos reais. Na área do euro, o mercado único chegou mesmo a diminuir 1,6 %. A maioria das restantes regiões económicas ultrapassou largamente a União Europeia em termos de procura interna (por exemplo, os EUA +8,8 %, a Austrália +17,9 %, o Japão +3,8 %) (3). Medidas para revitalizar a procura no mercado único, tais como o Plano de Investimento para a Europa, com o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos, ainda não produziram o efeito desejado.

2.10

Preocupa o CESE que os objetivos sociais e de emprego da Estratégia Europa 2020 baseada no crescimento inteligente, sustentável e inclusivo não consigam ser alcançados (4). O abrandamento económico, a concretização lenta de reformas estruturais importantes e a falta de procura no mercado único surtiram, até agora, o efeito oposto: a taxa de emprego caiu de 70,3 % em 2008 para 69,2 % em 2014. Contudo, deveria ser de 75 % em 2020. Em vez de o número de pessoas afetadas pela pobreza e pela exclusão social ter diminuído em 20 milhões até 2020, aumentou 4,9 milhões em 2014. Além disso, no final de 2015, a União Europeia tinha mais seis milhões de desempregados do que antes da crise.

2.11

Outro aspeto importante na Estratégia Europa 2020 é a educação. O CESE congratula-se com a diminuição da proporção da população que abandona precocemente o ensino e a formação, de 14,2 % em 2008 para 11 %. A conclusão do ensino superior também melhorou, subindo de 31,3 % para 38,7 % entre 2008 e 2015. O CESE saúda a estratégia da Comissão Europeia para as competências e salienta que um elevado nível de qualificação é indispensável para atrair empresas e criar novos empregos.

2.12

A decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia representa um desafio de monta para o mercado único europeu. O CESE recomenda que as futuras negociações se baseiem no respeito de todos os princípios fundadores e valores do mercado único.

3.   Observações específicas

3.1    Trabalho por conta própria e mobilidade dos trabalhadores no mercado único

3.1.1

A mobilidade laboral pode ser importante para que as empresas tenham acesso a mão de obra qualificada e para que os trabalhadores, por conta própria ou por conta de outrem, tenham oportunidade de aceder a bons empregos, a novas competências e a boas condições de trabalho. Todavia, alguns entraves ainda persistem.

3.1.2

Um estudo que analisou os obstáculos e os custos (5) observa que, além da poupança de custos para os serviços administrativos, os cidadãos e as empresas, espera-se que os serviços da administração pública em linha interoperáveis tenham um impacto particularmente significativo na mobilidade dos trabalhadores. Melhorar o reconhecimento dos diplomas profissionais é crucial para que as empresas e os trabalhadores circulem além-fronteiras.

3.1.3

No seu parecer sobre o «Abuso do estatuto de trabalhador por conta própria» (6), o CESE salientou que o falso trabalho por conta própria pode conduzir ao não pagamento das contribuições para a segurança social, à evasão fiscal, ao abuso dos direitos dos trabalhadores e ao trabalho não declarado, pelo que deve ser erradicado. A este respeito, o CESE congratula-se com a criação da plataforma europeia contra o trabalho não declarado, considerando-a um passo na direção certa (7).

3.1.4

Através desta plataforma pretende-se prevenir e travar o trabalho não declarado, reforçando a cooperação entre as autoridades competentes dos Estados-Membros, tais como a inspeção do trabalho, a autoridade tributária e a segurança social. Esta cooperação inclui a partilha de boas práticas sobre medidas de prevenção e dissuasão, a identificação de princípios comuns para a inspeção de empregadores, a promoção de intercâmbios de pessoal e da formação conjunta, bem como a facilitação de ações de controlo conjuntas.

3.1.5

Hoje em dia, muitos trabalhadores são contratados como «prestadores de serviços por conta própria», em vez de celebrarem contratos de duração indeterminada, como era o caso anteriormente. Estas pessoas não têm um contrato de trabalho, porque, de acordo com o seu estatuto, trabalham por conta própria. Neste tipo de relação laboral, na maioria dos casos, não é necessário cumprir a legislação laboral nacional. Cumpre recorrer a critérios claros e vinculativos para avaliar se um indivíduo é, na verdade, um trabalhador por conta de outrem ou se é genuinamente trabalhador por conta própria. Por este motivo, o CESE criticou a proposta da Comissão de uma diretiva relativa às sociedades unipessoais de responsabilidade limitada, afirmando que esta «ainda não está devidamente amadurecida» (8), já que exerce especial pressão sobre as microempresas, as PME e os verdadeiros trabalhadores por conta própria.

3.2    Mercado único e destacamento de trabalhadores

3.2.1

A diretiva de 1996 define o quadro regulamentar da UE, a fim de estabelecer um equilíbrio adequado e justo entre os objetivos de promover e facilitar a prestação de serviços transfronteiras, proteger os trabalhadores destacados e assegurar condições concorrenciais equitativas entre as empresas estabelecidas localmente e no estrangeiro.

3.2.2

A diretiva de execução de 2014 (9) prevê instrumentos novos e reforçados para combater e sancionar evasões, fraude e abusos, complementando a Diretiva 96/71/CE e contribuindo para uma maior eficácia do complexo enquadramento para o destacamento de trabalhadores.

3.2.3

O CESE adotou recentemente um outro parecer relativo à proposta da Comissão de uma revisão específica da Diretiva Destacamento de Trabalhadores, que apresenta observações às principais alterações e propostas (10) e que se baseia no apelo formulado pelo Presidente Jean-Claude Juncker nas suas orientações políticas para a próxima Comissão: «Na nossa União, o mesmo trabalho realizado no mesmo local deve ser remunerado da mesma forma» (11).

3.2.4

No seu parecer sobre «Mobilidade laboral mais justa na UE» (12), o CESE insta a Comissão a fazer frente às práticas desleais que conduzem ao dumping social. Este problema está a tornar-se cada vez mais premente, na medida em que os exemplos práticos dos Estados-Membros revelam que o risco de dumping salarial e social aumenta acentuadamente em contextos transfronteiras. Inspeções realizadas pela BUAK (13), na Áustria, revelaram que das 7 238 empresas austríacas inspecionadas em 2015, 38 eram suspeitas de pagarem aos seus trabalhadores salários inferiores, nos termos da lei de combate ao dumping salarial e social. Isto significa que 0,53 % das empresas estavam sob suspeita de pagarem aos seus trabalhadores salários inferiores. No mesmo período, foram realizadas inspeções a 1 481 empresas a operar na Áustria, mas sediadas noutros países da UE. Destas empresas, 398 eram suspeitas de pagarem aos seus trabalhadores salários inferiores, ou seja, de praticarem dumping salarial, representando 26,87 %.

3.2.5

No caso das empresas estrangeiras que operam numa base transfronteiras e recorrem a trabalhadores destacados, a probabilidade de dumping salarial é 50 vezes superior à dos operadores locais. Trata-se de um alerta para o (mau) funcionamento do mercado único. O elevado risco de abuso abala fortemente a confiança dos trabalhadores europeus no mercado único.

3.2.6

Outro problema prende-se com o falso destacamento de trabalhadores. Os casos de falsos trabalhadores destacados, ou seja, abuso através de falsos certificados de destacamento A1, são indicativos dos problemas causados por atestados, certificados ou documentos similares emitidos oficialmente ou por organismos públicos. Assim, é cada vez mais difícil para as microempresas, as PME e os trabalhadores qualificados fazerem face aos concorrentes que agem de modo desleal. O falso destacamento de trabalhadores tem, por isso, de ser eliminado.

3.2.7

A Comissão apresentou recentemente uma proposta de alteração ao Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social. Em resposta ao pedido da Comissão Europeia, o CESE adotará um parecer específico sobre o tema, esperando-se o desenvolvimento de um sistema modernizado de coordenação dos regimes de segurança social que corresponda à realidade social e económica nos Estados-Membros e que respeite os princípios do direito da União, em particular no que respeita à igualdade de tratamento e à não discriminação.

3.2.8

O CESE toma nota da proposta de um passaporte (ou cartão de identidade) de serviços, que deverá eliminar a necessidade de múltiplos pedidos de informações e documentos já fornecidos ao Estado-Membro de origem, através da criação de um repositório eletrónico comum de documentos. O CESE opõe-se a qualquer medida contrária ao princípio do país de destino e elaborará um parecer específico sobre a matéria.

3.3    REFIT e legislar melhor

3.3.1

Em princípio, serão acolhidas favoravelmente medidas para verificar se a legislação da UE é eficaz. Um acordo interinstitucional celebrado entre a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu pode proporcionar um mecanismo útil para facilitar o cumprimento do objetivo de uma legislação da UE mais simples e mais eficaz. Contudo, no âmbito da cooperação, é necessário garantir que as normas jurídicas da UE que oferecem benefícios em matéria de política social ou económica são protegidas e não são questionadas.

3.3.2

As PME são tão afetadas quanto os consumidores e os trabalhadores. De acordo com o princípio «pensar primeiro em pequena escala», é particularmente importante evitar encargos desnecessários para as PME. É necessária uma política de defesa dos consumidores assente num elevado nível de defesa nos termos do artigo 169.o do TFUE, para que o mercado único funcione devidamente.

3.3.3

A iniciativa REFIT pode desempenhar igualmente um papel importante na redução dos custos regulamentares aplicáveis quando a mesma matéria é objeto de diferentes normas regionais. A harmonização da legislação poderá originar consideráveis poupanças de custos e promover o crescimento nas regiões da UE mediante a eliminação destes obstáculos. Por conseguinte, há que analisar a sua exequibilidade.

3.3.4

Muitos dos atos legislativos a rever ao abrigo do programa REFIT para reduzir a burocracia dizem respeito a normas jurídicas que protegem os trabalhadores e os consumidores e aportam, por isso, um considerável benefício sociopolítico e económico. O CESE reitera que os elevados níveis de defesa do consumidor não constituem um encargo desnecessário.

3.3.5

O CESE remete para o seu parecer de 14 de dezembro de 2014 (14) e reitera que uma regulamentação inteligente não dispensa a obrigação de respeitar as regras em matéria de proteção dos direitos dos cidadãos, consumidores e trabalhadores, de igualdade entre homens e mulheres ou de defesa do ambiente. Além disso, o princípio «pensar primeiro em pequena escala» não pode isentar as microempresas e as PME da aplicação da legislação, embora esta deva ter em conta os seus interesses e necessidades.

3.3.6

A recusa da Comissão de prosseguir com a iniciativa legislativa prevista relativa aos cabeleireiros, mesmo existindo acordo entre os parceiros sociais europeus sobre esta matéria, é totalmente incompreensível. A abordagem da Comissão contraria os princípios e os valores do diálogo social, assim como o respeito pelo princípio da representatividade, e reflete extrema falta de visão, uma vez que a ausência de regulamentação relativa à saúde no trabalho pode originar doenças profissionais e, desta forma, resultar em custos consideráveis para as empresas e para o setor público.

3.3.7

O CESE chama a atenção para a declaração conjunta dos parceiros sociais europeus sobre uma retoma do diálogo social, baseada nos resultados dos grupos temáticos, que refere a interação entre o diálogo social da UE e a abordagem de legislar melhor.

3.3.8

O CESE congratula-se com o lançamento do diálogo na plataforma REFIT recentemente criada. Além do objetivo de facilitar a realização de negócios e de salvaguardar as normas relativas aos trabalhadores, tanto a Comissão como os peritos da plataforma devem assegurar, no âmbito dos seus esforços para simplificar a legislação da UE, que os direitos dos consumidores são protegidos.

3.4    Economia digital, novas formas de economia e novos modelos de negócio

3.4.1

O mercado único digital deve ser uma das prioridades, tendo em conta os benefícios esperados caso seja concretizado. Estima-se que os potenciais ganhos do PIB decorrentes da conclusão do mercado único digital sejam de 415 mil milhões de EUR por ano (15).

3.4.2

O CESE concorda com a Comissão Europeia em que os fatores de incerteza jurídica existentes nos domínios do emprego, da economia e do consumo têm de ser analisados e solucionados. Cabe ter em conta, neste contexto, a salvaguarda das normas em vigor de proteção dos direitos laborais, sociais e dos consumidores e assegurar um enquadramento jurídico fiável para as empresas. Não devem existir regras diferentes para o mundo «totalmente digital» e para o mundo «não digital» no mercado único digital. A Comissão deve prever normas jurídicas que possam ser aplicadas no mercado único digital e não digital.

3.4.3

No seu parecer sobre o «Bloqueio geográfico injustificado» (16), o CESE acolheu favoravelmente a proposta de regulamento relativo ao bloqueio geográfico, tanto no que se refere às empresas como aos consumidores, considerando-o um elemento indispensável da Estratégia para o Mercado Único Digital. Trata-se, contudo, de um pequeno passo e não de um ponto de viragem. Importa pôr termo à prática do bloqueio geográfico, ou seja, discriminação de consumidores no acesso a serviços em linha em função da sua residência, endereço Internet geográfico ou nacionalidade. O redirecionamento de consumidores para um sítio web local com preços superiores constitui igualmente uma discriminação no mercado único. O CESE examinará as conclusões do Conselho (Competitividade) de novembro de 2016 quanto à abordagem geral do texto proposto, sublinhando claramente que é necessário fazer uma distinção entre discriminação dos preços e diferenciação dos preços.

3.4.4

Em domínios como o bloqueio geográfico, a entrega de encomendas transfronteiras, os seguros transfronteiras, a concessão de direitos de autor e os mercados financeiros, há que considerar que a União Europeia e os Estados-Membros são responsáveis principalmente por eliminar os entraves ao comércio transfronteiras e por assegurar um melhor funcionamento do mercado.

3.4.5

A livre circulação de dados requer uma maior proteção dos dados pessoais e da privacidade, que serão cruciais no futuro, e é necessário ter em consideração uma política coerente relativa a grandes volumes de dados, serviços em nuvem e Internet das coisas.

3.4.6

A crescente digitalização da economia gera novos modelos de negócio e oferece novas oportunidades, mas coloca também novos desafios. O CESE realizou debates aprofundados acerca deste novo fenómeno, que deram origem a diversos pareceres (17).

3.4.7

A Comissão deve igualmente avançar com a sua proposta de um Portal Digital Único, a fim de tornar este instrumento verdadeiramente eficaz.

3.4.8

O empreendedorismo social e cooperativo é fundamental para a coesão social e para assegurar aos cidadãos europeus um crescimento económico mais eficiente e sustentável. O CESE insta novamente a Comissão a levar a cabo toda uma série de medidas de caráter político indispensáveis para que, a nível da UE e nos diversos Estados-Membros, as múltiplas modalidades da economia da partilha sejam apoiadas, implementadas e ganhem credibilidade e confiança (18).

3.5    Criação de um mercado único de capitais

3.5.1

A Comissão publicou em 2015 um plano de ação para uma União dos Mercados de Capitais. O Comité (19) é de opinião que esta união deve servir a causa da estabilidade económica e financeira na UE e conduzir a uma melhor e mais eficiente afetação de capitais, com resultados positivos tanto para os investimentos e o crescimento, como para o emprego e os consumidores. Naquela ocasião, o Comité (20) manifestou igualmente a sua preocupação com o facto de que seria necessário algum tempo para alcançar o resultado final e, à luz de uma série de acontecimentos recentes, como o Brexit e outros supracitados (ver ponto 2), esta preocupação só poderá aumentar.

3.5.2

O plano de ação contém no mínimo 33 medidas, que devem ser aplicadas a curto e médio prazo em diferentes domínios. Algumas dessas medidas permitem disponibilizar fundos adicionais, em particular para as PME e os agregados familiares. O Comité (21) solicita que estas propostas sejam implementadas a curto prazo, tendo em conta os princípios da segurança, da transparência e da garantia do cumprimento. Com uma preocupação semelhante em termos de segurança e estabilidade, o Comité (22), em múltiplas ocasiões, afirmou que o problema do sistema bancário paralelo deveria ser enfrentado e regulamentado.

3.5.3

A regulação dos mercados financeiros pela UE e a sua aplicação efetiva não foram suficientes para impedir operações especulativas, o sobre-endividamento e a assunção irresponsável de riscos, que conduziram à crise financeira, com consequências graves para toda a sociedade. O CESE apela novamente à Comissão para que apresente uma proposta relativa ao endividamento excessivo dos particulares.

3.6    Política fiscal

3.6.1

Tal como o CESE defendeu em 2012, no seu relatório sobre «Entraves ao mercado único europeu», as lacunas regulamentares na política fiscal conduzem à concorrência desleal. Serão acolhidos favoravelmente os planos da Comissão Europeia para uma matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades. O CESE criou um grupo de estudo para este tema. A fim acabar com a corrida ao imposto mais baixo e lograr uma política fiscal mais justa, poderia igualmente visar-se a fixação de uma taxa mínima para o imposto sobre as sociedades.

3.6.2

Tanto o intercâmbio de informações fiscais entre os Estados-Membros como a adoção de medidas jurídicas destinadas a bloquear os métodos mais comuns utilizados na fuga aos impostos serão bem acolhidos. Para o efeito, é fundamental estabelecer em todos os países um requisito de informação para as empresas que operam transfronteiras, sem que tal implique encargos administrativos desnecessários.

3.6.3

Devem também ser tomadas medidas contra os paraísos fiscais. Numa audição do Parlamento Europeu, o economista e prémio Nobel Joseph Stiglitz apelou para uma ação à escala mundial para combater estes sistemas de evasão fiscal (23). O académico francês Gabriel Zucman estima que cerca de 5 800 milhões de EUR em ativos financeiros estejam localizados em paraísos fiscais por todo o mundo, 80 % dos quais não tributados (24). A Comissão propõe agora medidas que deverão ser adotadas a nível internacional para fazer face aos paraísos fiscais.

3.6.4

Como primeiro passo, é necessário assegurar a execução dos acordos de assistência mútua e o intercâmbio automático de informações entre cada um dos países. Deve ser ponderada a criação de uma rede internacional de auditorias fiscais para empresas multinacionais. No caso das transferências de ativos e de capitais para países classificados como paraísos fiscais, obrigar as instituições financeiras a comunicar as suas transferências pode ser um ponto de partida (25).

3.7    Serviços de interesse geral e Diretiva Serviços

3.7.1

No seu relatório de 2012 sobre os entraves ao mercado único, o CESE já salientara os obstáculos existentes no setor dos serviços. Segundo a Comissão, muitos Estados-Membros não estão a cumprir a sua obrigação de notificar as autoridades da UE sobre medidas regulamentares, sendo difícil à Comissão avaliar se uma nova regra é justificada e proporcional.

3.7.2

A Comissão pretende, por conseguinte, reformar o procedimento de notificação, que deve passar a aplicar-se também aos serviços excluídos atualmente do âmbito da Diretiva Serviços. A Comissão deve assegurar que as propostas não são formuladas de forma a colocar em risco a soberania ou o princípio democrático dos Estados-Membros.

3.7.3

Os serviços de interesse geral desempenham um papel essencial na economia social de mercado. A disponibilidade de habitação, água e energia, os serviços de tratamento de resíduos e saneamento, os transportes públicos, os cuidados de saúde, os serviços sociais, os serviços de apoio aos jovens e à família, a cultura e as comunicações são vitais para os cidadãos. Os serviços de interesse geral ocupam um lugar entre os valores comuns da UE e contribuem para a promoção da coesão social e territorial. Este papel de promoção da coesão social e territorial deve ser tomado em consideração no âmbito dos «princípios e condições».

3.7.4

Relativamente à reforma prevista da Diretiva Serviços, o CESE destaca o protocolo n.o 26 do Tratado da União Europeia relativo aos serviços de interesse geral, que constitui a interpretação juridicamente vinculativa do artigo 14.o do TFUE: as autoridades nacionais, regionais e locais dos Estados-Membros têm amplo poder de apreciação sobre os serviços de interesse económico geral, devido às diversas situações geográficas, sociais ou culturais. Relativamente a esses serviços, a disponibilizar de acordo com as necessidades dos utilizadores, é necessário assegurar um elevado nível de qualidade, de segurança e de acessibilidade de preços, a igualdade de tratamento e a promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores, garantindo simultaneamente a eficiência e a gestão adequada dos referidos serviços.

3.8    Contratos públicos

3.8.1

No que toca aos contratos públicos, não existem estatísticas sobre os custos reais comparados com os custos apresentados pelo melhor proponente no processo adjudicatório. Em muitos casos, há uma derrapagem significativa dos custos (26).

3.8.2

Vezes sem conta, os vencedores são proponentes que operam de modo desleal, que fixam os custos das suas propostas abaixo de um preço justo e recorrem a subempreiteiros pouco fiáveis. Consequentemente, surgem com frequência custos subsequentes que ultrapassam o preço da segunda ou da terceira melhor proposta.

3.8.3

Para contrariar esta prática são necessárias várias medidas: a introdução de um processo de contratação pública eletrónica deverá criar uma capacidade de recolha de dados estatísticos, permitindo identificar os concorrentes que nivelam por baixo e incentivar os responsáveis a agir de forma positiva. No âmbito da análise estatística, o preço da melhor proposta e os seus custos subsequentes reais devem ser registados a nível central, a fim de garantir transparência na eventualidade de derrapagem dos custos. As propostas baseadas em preços que não cumpram os requisitos mínimos estipulados nas respetivas leis e práticas nacionais devem ser excluídas do concurso, a fim de evitar uma eventual corrida à redução de custos e ao nivelamento por baixo das normas de qualidade.

Bruxelas, 25 de janeiro de 2017.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 177 de 18.5.2016, p. 1.

(2)  «Social dumping: political catchphrase or threat to labour standards?» [Dumping social: slogan político ou ameaça para as normas laborais?], Magdalena Bernaciak, Documento de Trabalho de 2012, Instituto Sindical Europeu.

(3)  Comissão Europeia, DG ECFIN, base de dados Ameco.

(4)  Comunicação da Comissão Europeia — Europa 2020: Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, 3 de março de 2010, COM(2010) 2020 final.

(5)  «Reducing costs and barriers for businesses in the Single Market» [Redução dos custos e obstáculos às empresas no mercado único», estudo realizado para a Comissão IMCO do PE, DG Políticas Internas.

(6)  JO C 161 de 6.6.2013, p. 14.

(7)  Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece uma Plataforma Europeia para reforçar a cooperação na prevenção e dissuasão do trabalho não declarado, COM(2014) 221 final.

(8)  JO C 458 de 19.12.2014, p. 19.

(9)  Diretiva 2014/67/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, respeitante à execução da Diretiva 96/71/CE relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços e que altera o Regulamento (UE) n.o 1024/2012 relativo à cooperação administrativa através do Sistema de Informação do Mercado Interno («Regulamento IMI») (JO L 159 de 28.5.2014, p. 11).

(10)  JO C 75 de 10.3.2017, p. 81.

(11)  Alocução de abertura da sessão plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, 15 de julho de 2014.

(12)  JO C 264 de 20.7.2016, p. 11.

(13)  Caixa austríaca de pagamento de licenças e indemnizações por despedimento dos trabalhadores da construção, estatísticas anuais 2015.

(14)  JO C 230 de 14.7.2015, p. 66.

(15)  Estudo intitulado «Reducing costs and barriers for businesses in the Single Market» [Redução dos custos e obstáculos às empresas no mercado único].

(16)  JO C 34 de 2.2.2017, p. 93.

(17)  JO C 264 de 20.7.2016, p. 57; JO C 303 de 19.8.2016, p. 28; JO C 303 de 19.8.2016, p. 36; JO C 264 de 20.7.2016, p. 86; JO C 389 de 21.10.2016, p. 50.

(18)  JO C 303 de 19.8.2016, p. 36.

(19)  JO C 133 de 14.4.2016, p. 17 (pontos 1.2, 1.3 e 1.7).

(20)  JO C 133 de 14.4.2016, p. 17 (ponto 1.12).

(21)  JO C 82 de 3.3.2016, p. 1 (pontos 1.2, 1.6 e 1.7).

(22)  JO C 133 de 14.4.2016, p. 17 (pontos 1.9 e 3.8); JO C 251 de 31.7.2015, p. 33 (ponto 4.2).

(23)  Ver artigo do Parlamento Europeu, ref.a 20161114STO51063 de 17.11.2016.

(24)  Ver Gabriel Zucman, «Steueroasen: wo der Wohlstand der Nationen versteckt wird» [Paraísos fiscais: onde se esconde a riqueza das nações], 2014, Suhrkamp-Verlag.

(25)  JO C 264 de 20.7.2016, p. 93.

(26)  O caso do aeroporto de Berlim, do projeto Skylink do aeroporto de Viena ou da estação ferroviária de Estugarda.


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