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Document 52013IE3210

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Uma cidadania mais inclusiva aberta aos imigrantes» (parecer de iniciativa)

JO C 67 de 6.3.2014, p. 16–22 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

6.3.2014   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 67/16


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Uma cidadania mais inclusiva aberta aos imigrantes» (parecer de iniciativa)

2014/C 67/04

Relator: Luis Miguel PARIZA CASTAÑOS

Em 14 de fevereiro de 2013, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre

Uma cidadania mais inclusiva aberta aos imigrantes

(parecer de iniciativa).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 3 de outubro de 2013.

Na 493.a reunião plenária de 16 e 17 de outubro de 2013 (sessão de 16 de outubro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 176 votos a favor, 10 votos contra e 14 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Recomendações e propostas

1.1

O CESE assinala que, nos últimos dez anos, foram dados passos muito importantes na UE no sentido da equiparação dos direitos, liberdades e garantias associados ao estatuto de cidadania europeia, reforçando o critério da residência em relação ao da nacionalidade. A cidadania europeia está a evoluir na direção de uma cidadania de residência, vinculada à Carta dos Direitos Fundamentais e aos valores e princípios do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

1.2

O Comité considera que é chegado o momento de realizar uma avaliação e identificar as ações que estão por concluir e os obstáculos que ainda persistem para tornar a cidadania europeia mais inclusiva, participativa e cívica, aberta à integração de todas as pessoas com residência estável.

1.3

Os europeus do século XXI têm de enfrentar um grande desafio: alargar a base das nossas democracias, nomeadamente a novos cidadãos iguais em direitos e obrigações. Nesse sentido, o direito à nacionalidade dos Estados-Membros e à cidadania europeia deve incluir todas as pessoas oriundas da imigração, com uma grande diversidade nacional, étnica, religiosa e cultural. O Comité considera que as democracias europeias são sociedades livres e abertas e devem ter por fundamento a inclusão de todos os cidadãos independentemente das suas origens e referências.

1.4

O CESE propõe que se inicie uma reflexão sobre se as atuais bases regulamentares e políticas sobre as quais assenta a política europeia de imigração, cidadania e integração serão suficientes para as sociedades europeias de hoje, que são cada vez mais pluralistas e muito ricas em diversidade.

1.5

A crise económica afastou da agenda política a proteção dos direitos fundamentais, a integração e a luta contra a discriminação. O CESE adverte para os riscos do aumento da intolerância, do racismo e da xenofobia contra os imigrantes e as minorias. É imperativo que os responsáveis políticos, os dirigentes sociais e os meios de comunicação ajam com elevada responsabilidade e uma grande pedagogia política e social, a fim de prevenir esses comportamentos, e que as instituições da UE sejam resolutas na sua proteção dos direitos fundamentais.

1.6

O Comité pretende transmitir uma mensagem inequívoca a quem define a identidade nacional e a identidade europeia de uma perspetiva nacionalista de exclusão, alienando dos direitos de cidadania milhões de pessoas, com um estatuto jurídico frágil devido à sua origem nacional. Há que melhorar a qualidade da democracia na Europa, alargando o acesso à nacionalidade dos Estados-Membros e à cidadania europeia.

Recomendações aos Estados-Membros

1.7

Tendo em conta que muitos Estados-Membros têm legislações restritivas em relação ao acesso à nacionalidade, o CESE recomenda que sejam adotadas legislações e procedimentos administrativos mais flexíveis para que os nacionais de países terceiros com o estatuto de residência de longa duração (1) possam aceder à nacionalidade.

1.8

O Comité insta os Estados-Membros a celebrar acordos com os países de origem dos imigrantes para que estes possam ter dupla nacionalidade.

1.9

Os Estados-Membros devem assinar e ratificar a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade de 1997, a Convenção sobre a Participação dos Estrangeiros na Vida Pública ao Nível Local de 1992 e respeitar os princípios da proporcionalidade, do direito a uma ação perante um tribunal e de não discriminação nas suas políticas de acesso e perda de nacionalidade.

1.10

O CESE assinala as barreiras que vários Estados-Membros mantêm aos direitos políticos de voto, de associação, de participação política, e recomenda que modifiquem as suas legislações para que os nacionais de países terceiros que residam de forma estável gozem de direitos políticos.

Proposta para a reforma do Tratado

1.11

O Comité propõe à União Europeia que, no futuro, quando de um novo processo de reforma do TFUE, altere o artigo 20.o de modo a permitir que se tornem também cidadãos da União as pessoas que, sendo nacionais de países terceiros, residam de forma estável na UE e detenham o estatuto de residência de longa duração.

1.12

O critério da residência das pessoas deve ser utilizado para obter a cidadania da União. Tal como o CESE assinalou num parecer anterior (2), no direito europeu, a residência constitui já um critério de atribuição de diversos direitos e liberdades económicos, sociais, culturais e cívicos aos nacionais de países terceiros. Muitos desses direitos são de natureza similar à da cidadania europeia. Mas, atualmente, estão excluídos determinados direitos políticos (direito de voto, por exemplo). O CESE gostaria de reiterar que «a residência legal estável deve ser também um meio de aceder à cidadania europeia» (3).

Proposta para as instituições europeias

1.13

A Carta dos Direitos Fundamentais da UE tem caráter vinculativo e estabelece um novo quadro para as políticas europeias de imigração, integração e cidadania. A Comissão deve examinar a forma como a Carta afeta o estatuto e os direitos dos nacionais de países terceiros para que se lancem novas iniciativas que adaptem a legislação em matéria de imigração às garantias da Carta.

1.14

A Carta dos Direitos Fundamentais estabelece as bases gerais de um novo conceito de cidadania cívica (um conjunto comum de direitos e obrigações fundamentais) para os nacionais de países terceiros. O Comité propõe que o desenvolvimento desta cidadania cívica constitua uma das prioridades do novo programa político que suceder ao Programa de Estocolmo, a partir de 2014.

1.15

A UE deve adotar um Código da Imigração que confira maior transparência e claridade jurídica aos direitos e liberdades dos nacionais de países terceiros que residam na UE. O Comité considera que a legislação europeia relativa à imigração deve garantir a igualdade de tratamento e o princípio da não discriminação.

1.16

A Comissão deve avaliar os problemas que persistem na prática nos Estados-Membros para a proteção dos direitos fundamentais dos nacionais de países terceiros, especialmente no que se refere aos direitos sociais, à mobilidade e ao direito à ação e a um tribunal imparcial.

1.17

A Comissão deve investigar os obstáculos mantidos por alguns Estados-Membros à aplicação do estatuto de longa duração e do Cartão Azul (4) e concluir os processos por infração contra os Estados-Membros que não cumprem a legislação europeia.

1.18

No quadro da Agenda para a Integração, a Comissão deve realizar uma avaliação dos procedimentos e obstáculos existentes nos Estados-Membros à aquisição e perda da nacionalidade e o seu impacto na cidadania da União.

1.19

O Comité solicita à Comissão Europeia que elabore um relatório sobre o andamento dos debates na UE em relação à Convenção das Nações Unidas sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias (5). A Comissão deve preparar as condições para a sua ratificação.

2.   Cidadania europeia

2.1

O ano de 2013 foi designado o Ano Europeu dos Cidadãos. A cidadania da União constitui um dos instrumentos mais eficazes para construir uma identidade comum de todos os europeus. O Comité considera deveras atual a filosofia política que já se defendia nas origens da UE, quando Jean Monnet afirmou que «não fazemos a coligação dos Estados, fazemos a união dos homens».

2.2

A cidadania europeia não é um conceito desprovido de conteúdo; representa antes um estatuto jurídico e político concreto, que consiste em direitos e liberdades. A democracia, a liberdade, o Estado de direito, a igualdade e os direitos do Homem são os valores fundamentais da UE, de acordo com o artigo 2.° do Tratado da União Europeia.

2.3

O CESE é de opinião que, em momentos tão difíceis como o atual, com a grave crise económica, social e política que assola a Europa, é necessário aplicar estratégias inovadoras para promover uma cidadania mais aberta e inclusiva e reforçar a confiança de todas as pessoas que residem na União Europeia.

2.4

A Comissão Europeia publicou o segundo relatório sobre a cidadania europeia, intitulado «Cidadãos europeus: os seus direitos, o seu futuro», que analisa alguns dos obstáculos e problemas existentes. O CESE acolhe favoravelmente o relatório da Comissão, mas assinala a ausência de uma ação política relativa aos nacionais de países terceiros, que têm direitos e liberdades europeias semelhantes, mas não a cidadania plena.

2.5

O Comité está a dar início a uma série de iniciativas para promover uma cidadania europeia mais ativa, mas chama a atenção para a gravidade do problema que faz com que muitos jovens, descendentes de imigrantes de segunda e terceira geração, enfrentem situações graves de discriminação e exclusão, o que enfraquece significativamente o sentido de pertença a uma sociedade que os considera «cidadãos de segunda».

3.   Agenda Europeia para a Integração: participação dos imigrantes no processo democrático

3.1

O CESE propôs, já há dez anos, que a integração fosse uma parte fundamental da política comum de imigração e solicitou a implantação de uma agenda europeia. Em 2004, o Conselho aprovou os princípios básicos comuns para a integração, designadamente: «o acesso às instituições, aos bens e aos serviços públicos e privados, por parte dos imigrantes, numa base de igualdade face aos cidadãos nacionais e de forma não discriminatória, é um fundamento essencial para uma melhor integração». Adicionalmente, «a participação de imigrantes no processo democrático e na elaboração de políticas e medidas de integração, especialmente a nível local, apoia a sua integração».

3.2

A Comissão Europeia, com a colaboração do CESE, está a desenvolver a Agenda Europeia para a Integração e a impulsionar inúmeras atividades de apoio aos Estados-Membros. O CESE e a Comissão constituíram o Fórum Europeu da Integração (6), a fim de facilitar a participação dos imigrantes e das organizações da sociedade civil.

3.3

O Comité contribuiu para a Agenda para a Integração através da elaboração de diversos pareceres (7).

3.4

O Fórum analisou a importância que a participação dos imigrantes no processo democrático tem para a integração e considerou que a integração é mais eficaz nos Estados-Membros que facilitam o acesso dos imigrantes aos direitos de cidadania. Por conseguinte, o Comité recomenda aos Estados-Membros que, no quadro das suas legislações nacionais, adotem legislações mais flexíveis para que os nacionais de países terceiros com o estatuto de residência de longa duração possam aceder à nacionalidade.

3.5

O Comité aprecia que os sindicatos, as entidades patronais e as ONG tenham uma atitude integradora e facilitem a participação dos imigrantes na vida democrática das suas organizações. A sociedade civil dirige-se aos nacionais de países terceiros para que sejam membros ativos das organizações.

3.6

A integração é um processo social bidirecional de adaptação mútua entre os imigrantes e a sociedade de acolhimento, que se deve apoiar através de uma boa governação na União Europeia, a nível nacional, regional e local. Uma estratégia comum europeia reveste-se de grande valor acrescentado, na medida em que vincula a integração aos valores e princípios do Tratado, à igualdade de tratamento e à não discriminação, à Carta dos Direitos Fundamentais, à Convenção Europeia de Direitos Humanos e à Estratégia Europa 2020.

3.7

A legislação europeia relativa à imigração deve garantir a igualdade de tratamento e o princípio da não discriminação. Convém, a esse respeito, mencionar a questão dos direitos e possibilidades em matéria de língua e de religião. O Comité considera muito positiva a iniciativa da Comissão ao propor uma diretiva (8) para facilitar o exercício dos direitos dos trabalhadores europeus no quadro da liberdade de circulação.

3.8

Contudo, o CESE propôs que todas as pessoas residentes na UE recebam um tratamento justo, independentemente do seu estatuto de migração ou nacionalidade. Para tanto, será necessário superar algumas das restrições que o estatuto de cidadania da União apresenta atualmente.

4.   Nacionalidade, residência e cidadania da União Europeia

4.1

O Comité pretende incitar novamente à reflexão sobre a natureza da cidadania europeia no que se refere aos nacionais de países terceiros que residem legalmente e de forma estável na UE. Há que retomar a abordagem inicialmente estabelecida nas conclusões do Conselho de Tampere (9). O tratamento justo e equitativo entre os cidadãos europeus e os nacionais de países terceiros, definido em Tampere (10), continua a constituir uma das prioridades políticas, já que, após catorze anos de desenvolvimento da política comum de imigração, os objetivos não foram alcançados.

4.2

Cabe aos Estados-Membros conceder a nacionalidade com base na sua própria legislação, visto que o Tratado não confere, atualmente, à UE qualquer competência de harmonização legislativa, pelo que se trata de um assunto de soberania nacional.

4.3

Não obstante, as organizações de imigrantes, os sindicatos e outras ONG desenvolvem em todos os Estados-Membros iniciativas e debates para reduzir os prazos e flexibilizar os procedimentos de naturalização e de acesso à nacionalidade para os imigrantes, com vista a facilitar a integração, tendo em conta que não é inclusiva a sociedade nem o Estado que excluem da igualdade de tratamento e dos direitos de participação inúmeras pessoas com residência estável.

4.4

O conceito de cidadania europeia está firmemente consagrado nos Tratados, no direito da UE e na Carta dos Direitos Fundamentais. O TFUE, em particular o seu artigo 20.o, declara que «é cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional, não a substituindo». A nacionalidade, cuja aquisição e perda é definida nos ordenamentos jurídicos nacionais, constitui, pois, a chave de acesso à cidadania da UE (11).

4.5

A relação estreita entre o estatuto de cidadania europeia e a nacionalidade de um Estado-Membro tem sido objeto de inúmeros debates e críticas desde a instituição da cidadania europeia em 1992 com o Tratado de Maastricht. Essa relação implica, em princípio, a exclusão formal da cidadania da União para os nacionais de países terceiros que residem legalmente na UE, pelo que essas pessoas têm permanecido «invisíveis» nos debates a nível europeu sobre a cidadania, bem como na participação na política e na vida democrática.

4.6

Uma interpretação limitada do conceito de cidadania da União constata a existência, por um lado, de um grupo homogéneo e claramente identificável de pessoas denominadas de cidadãos europeus e, por outro, de um grupo de pessoas classificadas como nacionais de países terceiros que não são considerados cidadãos da Europa.

4.7

Mas quem são esses «cidadãos» europeus? Será adequado limitar o âmbito pessoal da cidadania da União às pessoas que têm a nacionalidade de um Estado-Membro? Os nacionais de países terceiros já têm alguns direitos e liberdades semelhantes e equiparáveis aos cidadãos europeus? Quais são as limitações e os desafios atuais da cidadania da União? Qual é o papel da participação política e do direito de voto neste contexto? Porque é que muitos jovens descendentes de imigrantes continuam a ser «cidadãos de segunda classe»? Se a participação dos imigrantes no processo democrático facilita a sua integração, por que motivo estão excluídos?

4.8

Até ao momento, têm sido os Estados-Membros a decidir indiretamente quem são os cidadãos da União. Há que mudar este facto, para que a cidadania da União esteja no coração da integração europeia.

5.   Uma cidadania europeia «civil»

5.1

A Carta dos Direitos Fundamentais estabelece as bases gerais de um novo conceito de cidadania civil, inclusiva e participativa que o Comité considera que deve ser desenvolvido.

5.2

A Comissão assinalou que a Carta dos Direitos Fundamentais é a referência para desenvolver o conceito de cidadania civil relativamente a nacionais de países terceiros (com um conjunto comum de direitos e obrigações fundamentais).

5.3

A Carta dos Direitos Fundamentais da UE tem caráter vinculativo com um valor jurídico semelhante aos Tratados. A Carta transformou e consolidou os componentes do estatuto de cidadania da União. O seu âmbito pessoal de aplicação inclui tanto os cidadãos europeus como os nacionais de países terceiros. O Título V é dedicado à «Cidadania», mas mesmo o artigo 41.o («Direito a uma boa administração») e o artigo 45.o, n.o 2 («Liberdade de circulação e de permanência»), também incluem os nacionais de países terceiros.

5.4

O CESE chama a atenção para as demais disposições da Carta, que se aplicam a todas as pessoas independentemente da sua nacionalidade. A Carta limita a capacidade discricionária dos Estados-Membros no que se refere a questões relacionadas com a segurança de residência, reagrupamento familiar, expulsão e inclusive aquisição e perda da nacionalidade. Um dos aspetos fundamentais é o Título VI sobre «Justiça», que abrange o direito à ação e a um tribunal imparcial caso alguns direitos fundamentais e de cidadania tenham sido violados.

5.5

O CESE considera que a combinação entre a cidadania da União e a Carta pode ter um impacto profundo quando do alargamento do âmbito pessoal do estatuto de cidadania europeia. Um dos maiores desafios pendentes é assegurar o acesso a uma ação perante um tribunal pelos nacionais de países terceiros cujos direitos e liberdades fundamentais tenham sido derrogados ou violados pelos Estados-Membros e respetivas autoridades no âmbito do direito europeu (12).

5.6

Durante os trabalhados preparatórios para a Convenção Europeia, o CESE adotou uma resolução em que afirmou que «Há que melhorar as políticas de integração dos imigrantes. O Comité solicita que a Convenção estude a possibilidade de atribuir a cidadania da União aos nacionais dos países terceiros com estatuto de residentes de longa duração.» (13)

5.7

Na sua Comunicação relativa a uma política da Comunidade em matéria de imigração (14), a Comissão estabeleceu o objetivo de definir um quadro jurídico europeu em matéria de admissão e residência de nacionais de países terceiros e um estatuto jurídico comum que se basearia no princípio da concessão de direitos e obrigações, numa base de igualdade com os cidadãos europeus, mas diferenciados em função do período de estadia.

5.8

Permitir a migrantes a aquisição da cidadania após um período mínimo de cinco anos poderá ser uma garantia suficiente para que muitos migrantes se fixem com êxito numa determinada sociedade ou constituir um primeiro passo no processo da aquisição da nacionalidade do Estado-Membro.

5.9

O CESE, no seu parecer sobre o «Acesso à Cidadania da União Europeia», indicou que a definição lata de cidadania europeia correspondia ao conceito de «cidadania civil» adotado pela Comissão.

5.10

O CESE defendeu que uma «cidadania civil» ao nível europeu devia ser entendida como uma «cidadania participativa e inclusiva» para todos os residentes estáveis no território da União, sendo o princípio de igualdade de todas as pessoas perante a lei um dos eixos centrais. No seu parecer sobre o «Acesso à Cidadania da União Europeia», o CESE já assinalara que, desta forma, se alcançaria «um compromisso a favor do tratamento equitativo (…), a fim de promover e facilitar a integração cívica dos nacionais de países terceiros que residem legalmente e de maneira estável num dos Estados-Membros da União Europeia (igualdade perante a lei)» e se combateria a discriminação atual de que são alvo os cidadãos de países terceiros.

6.   Dez anos depois persistem problemas que há que resolver

6.1

Na última década, a Europa definiu políticas, adotou legislações e ditou a jurisprudência relevante tanto para a cidadania da União como para o estatuto dos nacionais de países terceiros. Estes processos envolveram um alargamento gradual de direitos, liberdades e garantias próprias da cidadania europeia, com base na residência. O CESE considera, porém, que esse alargamento está incompleto e conta com demasiadas limitações.

6.2

Um dos passos mais importantes no domínio legislativo foi a adoção da Diretiva 2004/38/CE relativa à cidadania que harmonizou, num único instrumento jurídico, o anterior quadro legislativo europeu disperso e fragmentado sobre a livre circulação e residência. A UE mostrou-se particularmente ativa no reconhecimento de direitos e disposições contra a discriminação para os nacionais de países terceiros que são membros da família de cidadãos europeus. A diretiva reconhece expressamente, para esses membros da família nacionais de países terceiros, diversos direitos e liberdades de natureza muito semelhante à dos conferidos aos cidadãos europeus.

6.2.1

O CESE partilha da opinião da Comissão de que um dos desafios mais importantes é tornar os direitos previstos na diretiva acessíveis a todas as pessoas na vida quotidiana, eliminando algumas más práticas nacionais, bem como oferecer a possibilidade de instaurar uma ação perante um tribunal a toda a pessoa cujas liberdades de cidadania tenham sido violadas.

6.2.2

Embora estes «direitos de cidadania» emanem diretamente da relação familiar, o seu acesso só pode ser ativado quando os cidadãos europeus e os membros das suas famílias exercem o seu direito de livre circulação ou emigram para um segundo Estado-Membro. O ato de mobilidade intraeuropeia continua a ser uma das condições para a aplicação da proteção conferida pela cidadania europeia aos membros da família (15). A diretiva também reconhece um direito de residência permanente a esses membros da família após um período de residência de cinco anos.

6.2.3

Todavia, o CESE considera que as autoridades nacionais ainda mantêm legislações e práticas que impedem a liberdade de circulação e de residência dos membros da família dos cidadãos europeus. Persistem igualmente situações de discriminação inversa sofrida por membros estrangeiros da família de cidadãos europeus, que devem ser resolvidas (16).

6.3

O Tribunal de Justiça da UE tem-se mantido muito ativo e tem desempenhado um papel positivo para proteger e interpretar de forma proativa os contornos legislativos e os direitos individuais da cidadania europeia (17). O TJUE afirmou que «o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados-Membros» (18).

6.3.1

O CESE acolhe com agrado a jurisprudência emanada do Tribunal do Luxemburgo sobre cidadania e assinala que, com a adoção da diretiva, foi integrada a maior parte da jurisprudência do TJUE pois ela reúne os seus acórdãos mais pertinentes sobre questões relacionadas com a livre circulação e a cidadania europeia até 2004.

6.3.2

O TJUE desenvolveu também uma ampla jurisprudência sobre os princípios gerais do direito europeu (19), como os relativos à proporcionalidade e à não discriminação, que são aplicáveis a todas a pessoas, independentemente da sua nacionalidade ou estatuto migratório, abrangidas por ações ou pelo direito da União. A jurisprudência abrangeu também as competências dos Estados-Membros sobre questões de obtenção e perda da nacionalidade e as suas implicações para a cidadania europeia e os direitos conexos.

6.3.3

O Tribunal reiterou em várias ocasiões que, no exercício das suas competências relativas a questões de nacionalidade, os Estados-Membros têm a obrigação de prestar especial atenção às consequências das suas legislações e decisões no quadro do direito europeu de cidadania e livre circulação, em particular, o pleno exercício dos direitos e liberdades inerentes à cidadania da União (20).

6.4

Desde 2003 que está em vigor um pacote de direito europeu em matéria de imigração, com instrumentos jurídicos relativos às condições de entrada e residência de nacionais de países terceiros, que oferecem direitos e garantias, alguns dos quais similares aos conferidos pela cidadania europeia. A Diretiva 2003/109/CE  (21) relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração estabeleceu um estatuto jurídico comum para os nacionais de países terceiros que residam de forma legal e ininterrupta no território de um Estado-Membro durante um período de cinco anos.

6.4.1

O CESE destaca que a filosofia da diretiva era a aproximação entre o estatuto dos cidadãos europeus e o dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, bem como a proteção da sua segurança de residência na União. No entanto, o estatuto comum não concede a estas pessoas uma igualdade e cidadania plenas, mas sim uma «quase igualdade» ou «quase cidadania "de terceira"» sujeita a uma série de condições (22). Tal como a Comissão assinalou no seu relatório sobre a aplicação da diretiva (23), embora o artigo 11.o da diretiva preveja uma «quase igualdade de tratamento» entre os residentes de longa duração e os nacionais, existe uma falta de informação grave relativamente à sua transposição, que causa problemas na sua aplicação efetiva.

6.4.2

Por outro lado, a diretiva prevê, como um dos aspetos do seu valor acrescentado, a possibilidade de exercer a «livre circulação» ou mobilidade para um segundo Estado-Membro e obter um tratamento «quase igual». A inclusão de uma dimensão de mobilidade intraeuropeia ou livre circulação faz pensar no mesmo modelo de cidadania da União que o direito europeu de cidadania seguiu para fomentar a mobilidade intraeuropeia.

6.5

Outras diretivas que fazem parte do direito europeu em matéria de imigração também incluem uma orientação e uma dimensão de «mobilidade intraeuropeia» similar à do estatuto de longa duração, a fim de melhorar a capacidade de atração dos mercados de trabalho europeus, como a Diretiva 2009/50/CE relativa ao Cartão Azul para imigrantes altamente qualificados.

6.6

Todavia, o CESE considera que, devido a uma transposição deficiente das diretivas por alguns Estados-Membros, as condições e critérios aplicáveis aos nacionais de países terceiros e aos membros das suas famílias para residir e trabalhar num segundo Estado-Membro diferente daquele que lhes concedeu a autorização europeia estão longe de ser equiparáveis à liberdade de circulação transfronteiriça dos cidadãos europeus.

6.7

Além disso, o caráter fragmentado e setorial do quadro legislativo em matéria de imigração legal não favorece uma igualdade de tratamento nem um quadro uniforme de direitos para os nacionais de países terceiros que residem e querem exercer a livre circulação na UE (24).

7.   Diálogo com os países de origem

7.1

O Comité afirmou noutros pareceres que se deve melhorar o diálogo político e social com os países de origem dos imigrantes que vêm para a Europa. O CESE regozija-se com o facto de terem sido assinados vários acordos.

7.2

Este diálogo deve incluir também os direitos de cidadania. O Comité considera que os acordos entre Estados que permitem a dupla nacionalidade são muito positivos para que os nacionais de países terceiros possam gozar dos direitos civis, sociais e políticos.

7.3

Mas alguns Estados-Membros condicionam os direitos políticos à reciprocidade. O Comité assinala que, apesar de este ser um instrumento positivo, pode, em alguns casos, limitar os direitos das pessoas quando os países de origem não perfilhem o critério da reciprocidade.

7.4

O CESE espera que a política externa da UE se empenhe a fundo na gestão mundial das migrações internacionais no âmbito das Nações Unidas, com base na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção Internacional da ONU sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias (o Comité propôs (25) a sua ratificação à UE), no Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos, no Pacto sobre os Direitos Económicos Sociais e Culturais e nas convenções da OIT, para além de outros instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis.

Bruxelas, 16 de outubro de 2013

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  Diretiva 2003/109/CE.

(2)  JO C 208 de 3.9.2003, p. 76.

(3)  JO C 208 de 3.9.2003, p. 76, ponto 4.3.

(4)  Diretiva 2009/50/CE.

(5)  Assembleia-Geral da ONU de 18.12.1990

(6)  http://ec.europa.eu/ewsi/en/policy/legal.cfm

(7)  JO C 318 de 29.10.2011, pp. 69–75; JO C 48 de 15.2.2011, pp. 6–13; JO C 354 de 28.12.2010, pp. 16–22; JO C 347 de 18.12.2010, pp. 19–27; JO C 128 de 18.5.2010, pp. 29–35; JO C 27 de 3.2.2009, pp. 95–98; JO C 318 de 23.12.2006, pp. 128-136; JO C 125 de 27.5.2002, pp. 112-122.

(8)  COM(2013) 236 final.

(9)  Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Tampere, 15 e 16 de outubro de 1999.

(10)  O ponto 18 estabelece o seguinte:

«A União Europeia tem de garantir um tratamento equitativo dos nacionais de países terceiros que residem legalmente no território dos seus Estados-Membros. Uma política de integração mais determinada deverá ter como objetivo assegurar-lhes direitos e obrigações comparáveis aos dos cidadãos da União. Deverá de igual modo promover a não discriminação na vida económica, social e cultural e desenvolver medidas contra o racismo e a xenofobia».

O ponto 21 das conclusões estabelece como prioridade o seguinte:

«O estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros deverá ser aproximado do dos nacionais dos Estados-Membros. O Conselho Europeu fez seu o objetivo de proporcionar aos nacionais de países terceiros, que residam legalmente desde há muito na União, a possibilidade de obter a nacionalidade do Estado-Membro em que residem».

(11)  De Groot, G.R. (1998), The relationship between the nationality legislation of the Member States of the European Union and European Citizenship [A relação entre a legislação relativa à nacionalidade dos Estados-Membros da União Europeia e a cidadania europeia], capítulo VI, in M. La Torre (ed.), European Citizenship: An Institutional Challenge [Cidadania europeia: Um desafio institucional] Haia: Kluwer International Law.

(12)  S. Carrera, M. De Somer e B. Petkova (2012), The Court of Justice of the European Union as a Fundamental Rights Tribunal: Challenges for the Effective Delivery of Fundamental Rights in the Area of Freedom, Security and Justice [O Tribunal de Justiça da União Europeia como tribunal dos direitos fundamentais: Desafios para a execução efetiva dos direitos fundamentais no espaço de liberdade, segurança e justiça], CEPS Policy Brief, Centro de Estudos de Política Europeia, Bruxelas.

(13)  JO C 61 de 14.3.2003, p. 170, ponto 2.11.

(14)  COM(2000) 757 final.

(15)  Guild, E. (2004), The Legal Elements of European Identity: EU Citizenship and Migration Law [Os elementos jurídicos da identidade europeia: Legislação da UE em matéria de cidadania e migração], Haia: Kluwer Law International, Biblioteca de Direito Europeu.

(16)  Relatório anual europeu sobre a livre circulação dos trabalhadores na Europa 2010-2011, K. Groenendijk et al., janeiro de 2012, Comissão Europeia, DG Emprego. Ver http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=475&langId=en.

(17)  Kostakopoulou, T. (2007), European Citizenship: Writing the Future [Cidadania europeia: delineando o futuro], European Law Journal, Edição especial sobre a Cidadania da UE, Vol. 13, n.o 5, pp. 623-646.

(18)  Acórdão C-184/99 – Grzelczyk.

(19)  De Groot, G.R. (2005), Towards a European Nationality Law [Rumo a uma legislação sobre nacionalidade europeia], in H. Schneider (ed.), Migration, Integration and Citizenship: A Challenge for Europe’s Future [Migração, integração e cidadania: Um desafio para o futuro da Europa], Vol. I, pp. 13-53.

(20)  Ver, a título de exemplo, os processos C-369/90 – Micheletti, C-192/99 – Kaur e C-135/08 – Rottmann. Ver: J. Shaw (ed) (2012), Has the European Court of Justice Challenged Member States Sovereignty in Nationality Law? [O Tribunal de Justiça da União Europeia desafiou a soberania dos Estados-Membros na legislação nacional?], documento de trabalho RSCAS 2011/62, Observatório Europeu para a Democracia do Instituto Universitário de Florença.

(21)  Para uma análise da diretiva e das suas origens, ver S. Carrera (2009), In Search of the Perfect Citizen? The intersection between integration, immigration and nationality in the EU [Em busca do cidadão perfeito? O encruzamento entre integração, imigração e nacionalidade na UE], Martinus Nijhoff Publishers: Leiden.

(22)  Ver artigo 11.o da diretiva. Groenendijk, K. (2006), The Legal Integration of Potential Citizens: Denizens in the EU in the final years before the implementation of the 2003 directive on long-term resident third country nationals [A integração jurídica de potenciais cidadãos: os habitantes da UE nos anos anteriores à aplicação da Diretiva de 2003 relativa aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração], in R. Bauböck, E. Ersboll, K. Groenendijk e H. Waldrauch (eds), Acquisition and Loss of Nationality, Volume I: Comparative Analyses: Policies and Trends in 15 European Countries [Análise comparativa: políticas e tendências em 15 países europeus], Amesterdão: Amsterdam University Press, pp. 385-410.

(23)  COM(2011) 585: Relatório sobre a aplicação da Diretiva 2003/109/CE.

(24)  S. Carrera et al. (2011), Labour Immigration Policy in the EU: A Renewed Agenda for Europe 2020 [Política de imigração laboral na UE: Uma agenda renovada para a Estratégia Europa 2020] CEPS Policy Brief, Centro de Estudos de Política Europeia, Bruxelas.

(25)  JO C 302 de 7.12.2004, p. 49.


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