EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 52007IE1459

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Crédito e exclusão social na sociedade da abundância

JO C 44 de 16.2.2008, p. 74–83 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

16.2.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 44/74


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Crédito e exclusão social na sociedade da abundância»

(2008/C 44/19)

Em 16 de Fevereiro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre «Crédito e exclusão social na sociedade da abundância».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania que emitiu parecer em 2 de Outubro de 2007, sendo relator J. PEGADO LIZ.

Na 439.a reunião plenária de 24 e 25 de Outubro de 2007 (sessão de 25 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 59 votos a favor, sem votos contra e 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Na falta de uma orientação comunitária, os diversos Estados-Membros têm vindo a desenvolver os seus próprios sistemas jurídicos nacionais de prevenção, tratamento, recuperação e acompanhamento dos cidadãos e das famílias em situação de endividamento excessivo.

1.2

Face à crescente e preocupante evolução do fenómeno nas últimas décadas e tendo em especial conta o alargamento da União Europeia e o recente agudizar da situação em termos globais, o CESE, de há muito atento ao desenvolvimento da situação e às consequências sociais do endividamento excessivo em termos de exclusão e de justiça social e de perturbação na realização do mercado interno, decidiu reabrir a discussão pública desta questão com a sociedade civil e as demais instituições comunitárias, com vista à identificação e implementação de medidas, de âmbito comunitário, tendentes à definição exacta, ao controle e ao tratamento do fenómeno, nos seus vários aspectos, sociais, económicos e jurídicos.

1.3

A diversidade dos sistemas instituídos nos países que os desenvolveram, não só na Europa como no resto do mundo, aliada à sua ausência em outros países, potencia uma situação de desigualdade de oportunidades, geradora de injustiça social, de um lado e de efeitos de distorção à plena realização do mercado interno, de outro lado, a justificar uma necessária e proporcional intervenção da União Europeia, e para a qual existe a indispensável base jurídica no direito originário.

1.4

No presente Parecer passam-se em revista as principais questões suscitadas pelo fenómeno do endividamento excessivo, equacionam-se as soluções encontradas a nível nacional, dá-se conta das dificuldades encontradas e das falhas detectadas, avalia-se a dimensão global do fenómeno, reflecte-se sobre as lacunas ao nível do conhecimento e dos métodos e procura-se identificar pistas e encontrar áreas de actuação possível a nível comunitário.

1.5

Sugere-se mesmo a criação de um Observatório Europeu do Endividamento que acompanhe a evolução do fenómeno a nível europeu, possa funcionar como fórum de diálogo de todos os interessados e proponha, coordene e avalie o impacto de medidas da sua prevenção e contenção.

1.6

Tem-se, no entanto, a consciência de que uma aproximação com esta natureza e este âmbito só poderá ser levada a cabo se a Comissão, o Parlamento Europeu e o Conselho, em estreito diálogo com a sociedade civil organizada, onde se acham representados os principais interessados na matéria (famílias, trabalhadores, consumidores, instituições financeiras, etc.) resolverem integrar o tema nas suas prioridades de acção.

1.7

Nessa medida, saúdam-se os indícios de que a Comissão terá recentemente despertado para o assunto e recomenda-se vivamente que lhe dê o indispensável seguimento em termos de estudos de base, de consultas e de propostas legislativas e outras, pertinentes e adequadas, a iniciar com a publicação de um Livro Verde que defina e identifique os termos da questão e onde se dê voz a todos os interessados, mediante alargada consulta pública.

1.8

Mais se apela ao Parlamento Europeu e ao Conselho para que façam suas as grandes preocupações de que este Parecer procura dar conta por parte da sociedade civil e as incluam como prioridade nas respectivas agendas políticas.

2.   Introdução

2.1

Em si mesmo, é incontestável que o crédito tem permitido aos cidadãos europeus melhorarem a sua qualidade de vida e acederem a bens e serviços essenciais que de outro modo não alcançariam ou só o fariam ao fim de muito tempo, como sucede com a habitação ou o meio de transporte individual. No entanto, se não for contratado de forma sustentável — quando haja problemas laborais graves, quando o peso mensal das dívidas ultrapasse um valor razoável do rendimento mensal disponível, quando o número de créditos seja muito elevado e quando não exista alguma poupança capaz de amortecer situações pontuais de perda de rendimento — pode conduzir a situações de endividamento excessivo.

2.2

Aliás, a questão do endividamento excessivo e das suas consequências sociais não é nova, podendo, no limite, ir buscar-se a sua origem à Antiguidade Clássica, mais precisamente à crise agrária que a Grécia conheceu no século VI aC e às medidas tomadas por Sólon (594/593 aC) de abolição das dívidas dos pequenos proprietários agrícolas, entretanto reduzidos à escravatura e vendidos, e da sua consequente libertação e reintegração na vida social e produtiva de Atenas, como cidadãos livres (1).

2.3

Mas é inquestionavelmente nos nossos dias que o fenómeno se generaliza, assume contornos preocupantes e ganha as consciências como questão social, numa sociedade marcada por profundos contrastes e onde as assimetrias assumem cada vez maiores proporções e a solidariedade enfraqueceu.

2.4

É neste contexto que ganha um sentido especial a questão da exclusão bancária, com tal se significando a marginalização social de quantos, por razões diversas, se vêem inibidos de aceder aos serviços financeiros de base (2).

2.5

O presente Parecer procura identificar as principais causas desta situação, a dimensão do problema, os remédios mais utilizados e o porquê de se procurar uma solução a nível comunitário.

3.   Dimensão do problema

3.1   Exclusão social e exclusão bancária

3.1.1

De acordo com o Relatório do Eurobarómetro, de Fevereiro de 2007 (3), cerca de 25 % dos cidadãos europeus acham-se em risco de cair em situação de pobreza e 62 % crêem que esse é um risco que pode suceder a qualquer um, a qualquer momento da sua vida.

3.1.2

Segundo os dados do Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão Social, de 2007, da Comissão Europeia, em 2004, 16 % dos cidadãos da EU15 encontravam-se abaixo do limiar da pobreza, que corresponde a 60 % do rendimento médio de cada país (4).

3.1.3

Em termos qualitativos, a pobreza corresponde à ausência ou insuficiência de recursos materiais para a satisfação das necessidades vitais do indivíduo e é a face mais visível da exclusão social, que remete o indivíduo para a periferia da sociedade e alimenta sentimentos de rejeição e de auto-exclusão.

3.1.4

A dimensão e os contornos da exclusão social dependem, em cada país, de diversas variáveis, como o sistema de segurança social, o comportamento do mercado de trabalho, o funcionamento do sistema de justiça e das redes informais de solidariedade. Os imigrantes, as minorias étnicas, os idosos, as crianças com idade inferior a 15 anos, as pessoas de baixo rendimento e baixa escolaridade, as pessoas com deficiência e os desempregados são dos grupos mais vulneráveis ao risco de pobreza e de exclusão social.

3.1.5

Na generalidade dos países europeus, as tendências de consumo apontam para a perda de importância relativa das despesas em bens alimentares, bebidas e tabaco, vestuário e calçado em detrimento do aumento relativo das despesas com a habitação, transportes e comunicações, serviços de saúde, serviços culturais e outros bens e serviços como os cuidados de saúde, as viagens turísticas e os serviços de hotelaria e restauração (5).

3.1.5.1

Esta nova distribuição das despesas familiares tende a reflectir-se no recurso ao crédito. O crédito ao consumo em sentido amplo, que inclui quer a aquisição de bens de consumo, quer da habitação, encontra-se hoje fortemente associado aos novos padrões de consumo e acompanha de perto as suas tendências e oscilações. Assim, o aumento do peso relativo das despesas relacionadas com o conforto da habitação (6), os transportes ou as viagens representam todas elas aquisições frequentemente realizadas a crédito.

3.1.5.2

Favorável, igualmente, ao aumento do consumo a crédito é o facto de este ter perdido a conotação negativa de pobreza ou de culpa na condução da vida ou do negócio, principalmente nos países de formação católica dominante, por oposição aos países de orientação protestante, e de se ter vulgarizado sobretudo nas grandes cidades. A publicidade intensa e sistemática das instituições financeiras para captação de novos clientes encoraja essa vulgarização. Para além disso, o crédito ao consumo confere status e facilita a camuflagem do estrato social, ao permitir adoptar um estilo de vida característico de uma classe superior à sua. O crédito é, ainda, para muitas famílias, uma forma corrente de gestão do orçamento familiar (sobretudo, os cartões de crédito), cujos riscos são reconhecidos, mas para os quais não há informação suficiente, remédios eficazes, nem estão ainda satisfatoriamente quantificados.

3.1.6

Estas condicionantes de natureza social e cultural são sustentadas também por factores económicos e financeiros, como a forte descida das taxas de juro na última década, a perda de hábitos de poupança, a manutenção de taxas de desemprego relativamente baixas e o crescimento económico (apesar da crise dos finais da década de noventa que, no entanto, não assumiu a gravidade de outros tempos). A isso acresce a desregulamentação de que foi alvo todo o mercado de crédito a partir de finais da década de 70 e princípios de 80 (7), que provocou uma forte expansão e a multiplicação de entidades que concedem crédito, incluindo algumas que não estão sujeitas às regras de controlo e supervisão financeira, e o aumento da concorrência entre si, com a consequente despersonalização da relação banco/cliente.

3.1.7

Todos estes factores, em conjunto, fazem da sociedade europeia uma sociedade cada vez mais dependente da concessão de crédito para permitir a satisfação de necessidades essenciais dos seus cidadãos. As taxas crescentes de endividamento na generalidade dos Estados-Membros ilustram bem essa realidade (8).

3.1.8

Se contratado de forma sustentável — quando não haja problemas laborais graves, quando o peso mensal das dívidas não ultrapasse um valor razoável do rendimento mensal disponível, quando o número de créditos não seja muito elevado e quando exista alguma poupança capaz de amortecer situações pontuais de perda de rendimento — o crédito contribui para os cidadãos europeus poderem melhorar a sua qualidade de vida e acederem a bens e serviços essenciais que de outro modo não alcançariam ou só o fariam ao fim de muito tempo, como sucede com a habitação ou o meio de transporte individual.

3.1.9

No entanto, a perspectiva de algo correr menos bem na vida pessoal ou familiar que impeça de continuar a liquidar pontualmente os compromissos assumidos é um risco a que estão sujeitos todos os que celebram contratos de crédito. Deste modo, um endividamento normal, controlado, pode transformar-se, por razões diversas, em endividamento excessivo, incontrolado.

3.2   Noção e medida do endividamento excessivo

3.2.1

Falar de endividamento excessivo ou de sobreendividamento é falar das situações em que o devedor se vê impossibilitado, de forma duradoura, de pagar o conjunto das suas dívidas, ou em que existe uma ameaça séria de que o não possa fazer no momento em que elas se tornem exigíveis (9). No entanto, os termos precisos desta noção variam consideravelmente entre os Estados-Membros e a sua definição, a nível europeu, está ainda por fazer (10). Saúda-se, por isso, a recente iniciativa da Comissão Europeia de contratar um estudo para esse efeito (11).

3.2.2

Se o conceito em si não é unívoco e a sua delimitação isenta de dificuldades, a forma de medir o endividamento excessivo também suscita divergências. Igualmente em estudo encomendado pela Comissão Europeia (12), foram identificadas três fórmulas ou modelos para medir o endividamento excessivo: o modelo administrativo (13), o modelo subjectivo (14) e o modelo objectivo (15).

3.2.3

Uma das principais dificuldades na avaliação da dimensão do endividamento excessivo na Europa diz respeito à falta de estatísticas fiáveis ou à impossibilidade de estabelecer comparações com os dados existentes, dadas as diferentes metodologias, conceitos e intervalos de medição utilizados. Esta será uma das áreas à qual a Comissão deve prestar a maior atenção, desenvolvendo os estudos necessários com vista à obtenção e ao tratamento de dados fiáveis e comparáveis.

4.   Principais causas do endividamento excessivo

4.1

Os numerosos estudos sociológicos efectuados em vários Estados-Membros identificam, como principais causas de endividamento excessivo, as seguintes:

a)

desemprego e deterioração das condições laborais;

b)

alterações na estrutura do agregado familiar, como, por exemplo, o divórcio, a morte do cônjuge, o nascimento não planeado de um filho, o apoio inesperado a pessoas idosas ou inválidas, a doença ou o acidente;

c)

insucesso do auto-emprego e falência de pequenos negócios familiares a que se prestaram garantias pessoais;

d)

incentivos excessivos ao consumo e apelos ao crédito fácil, aos jogos de azar e na Bolsa e à promoção do status na publicidade e no marketing;

e)

aumento das taxas de juro, cujo efeito negativo se faz sentir sobretudo nos créditos de longo prazo, como o crédito à habitação;

f)

gestão deficiente do orçamento familiar;

g)

ocultação deliberada pelo cliente de informação relevante para as instituições financeiras poderem avaliar a sua solvabilidade;

h)

recurso excessivo ao cartão de crédito, ao crédito revolving e a formas de crédito pessoal concedidos por sociedades financeiras, com taxas de juro elevadas;

i)

obtenção de crédito no mercado informal, sobretudo pelas pessoas de baixos rendimentos, a taxas de juro usurárias;

j)

créditos utilizados para pagar outros créditos, criando um efeito «bola de neve».

k)

o facto de pessoas com deficiência que vivem isoladas da sociedade e pessoas com capacidades cognitivas reduzidas poderem ser facilmente presa de mutuantes agressivos.

l)

indisponibilidade de certas instituições financeiras para renegociarem com os consumidores de menor riqueza o pagamento das suas dívidas em situações de dificuldades financeiras.

A análise sociológica do fenómeno constata, assim, um predomínio das chamadas causas passivas, embora seja de referir o peso que, nalguns países, é reconhecido à má gestão financeira (16). Esta constatação sugere a existência de dificuldades por parte dos indivíduos em conduzir o seu orçamento de forma prudente e sustentável (17).

4.2

A exclusão social traduz-se, normalmente, na dificuldade ou no impedimento do acesso ao mercado dos serviços financeiros de base, designadamente a abertura de conta à ordem, a posse de meios de pagamento electrónicos, a possibilidade de efectuar transferências bancárias e de contratar seguros de protecção ao crédito.

4.3

Esta exclusão financeira abrange, por maioria de razão, o acesso a crédito de baixo custo que possibilite a aquisição de bens e serviços indispensáveis à economia familiar (casa, electrodomésticos, transportes, educação), à criação do auto-emprego e à gestão de um pequeno negócio de base individual ou familiar.

4.4

Acontece que, hoje, o acesso a uma conta bancária, a certas formas de crédito, e a meios electrónicos de movimentação de contas, são condição essencial para, por seu turno, aceder a bens e serviços essenciais. O emprego, o pequeno negócio, a casa de habitação, o equipamento doméstico, o transporte, a informação, até a alimentação, o vestuário e o lazer passam pelo acesso ao crédito e à Banca, que assume, assim, uma especial responsabilidade social de quase serviço público.

4.5

É aqui que a linha de fronteira entre uma classe média cada vez mais numerosa e empobrecida e os definitivamente excluídos, sem abrigo, mendigos, pedintes, dependentes da caridade pública, se tende a esbater e a diluir. Ora é precisamente neste limiar da pobreza que a questão da prevenção do endividamento excessivo e do seu tratamento e recuperação ganha todo o sentido, como forma de evitar que pessoas social e economicamente inseridas ou recuperáveis, caiam irremediavelmente no ciclo da pobreza e na exclusão social.

5.   Prevenção e tratamento do endividamento excessivo

5.1   Prevenção

Nos sistemas nacionais é geralmente posto o acento tónico nas medidas de prevenção do endividamento excessivo, destacando-se as seguintes:

a)

Uma informação mais completa e divulgada relativa aos serviços financeiros em geral, aos seus custos e ao seu funcionamento.

b)

A educação financeira, incluída cedo nos currículos escolares e noutros domínios da educação e formação, como um long-life learning process que acompanha as necessidades e as competências dos destinatários, variáveis ao longo dos ciclos de vida e de acordo com a cultura, o sistema de valores, as características sócio-demográficas e económicas, os padrões de consumo e de endividamento dos destinatários; de destacar que, nalguns Estados-Membros, os «media» e, em particular a TV, na sua função de serviço público, com a colaboração das associações de consumidores e das próprias instituições financeiras, vêm editando programas de sensibilização para as questões do crédito e do endividamento, muitas vezes em «prime-time». Além disso, há que aproveitar as estruturas da educação para adultos, como as garantidas pelos centros de acompanhamento e aconselhamento de famílias existentes em vários países.

c)

A criação ou o alargamento de redes de serviços de aconselhamento financeiro que ajudem os cidadãos a fazer uma gestão equilibrada do seu orçamento, a escolher as melhores opções de financiamento dos respectivos consumos, de modo a reduzir as assimetrias de informação face às instituições financeiras e a definir planos de reembolso sustentáveis, mediante simulações «ex-ante».

d)

Incentivos à poupança (fiscais, sociais, educativos) como primeira linha de defesa das famílias quando são chamadas a enfrentar dificuldades financeiras e objecto de contrapublicidade para os apelos desenfreados ao crédito.

e)

Utilização de sistemas de credit scoring , próprios das instituições de crédito ou contratados com empresas especializadas, para avaliar o risco de crédito dos seus clientes, permitindo estimar o risco de insolvência através da avaliação de uma multiplicidade de variáveis e o estabelecimento objectivo de limites de endividamento individual e familiar (18).

f)

Garantia de pensões condignas integradas em sistemas de segurança social eficazes por parte dos serviços públicos, pensões antecipadas e outras prestações sociais de que beneficiam pessoas excluídas do mercado de trabalho que, na prática, equivalem a sistemas de segurança social, como condição necessária para manter dentro da sociedade quem não tenha possibilidade de aceder a fundos de pensões de natureza privada (19).

g)

Acessibilidade aos seguros essenciais de securização dos créditos como protecção contra o risco financeiro (20).

h)

Crédito social, microcrédito e crédito abordável (affordable)

Iniciativas como o microcrédito, os credit unions, as caisses d'épargne, os fundos sociais alemães e holandeses, os bancos postais e o crédito social, são, a par de outras iniciativas emergentes nos Estados-Membros, exemplos a ter em conta na obtenção de créditos abordáveis por pessoas em risco de exclusão. O micro-crédito, por exemplo, tem servido para financiar pequenos negócios e o auto-emprego, o que permite recuperar alguns desempregados para o mercado de trabalho e para a actividade económica. A necessidade de apoio especializado (de gestão, contabilístico, comercial) aos beneficiários do micro-crédito na gestão da sua actividade por parte das entidades financeiras é recomendável e está já a ser adoptada em vários casos (21).

i)

Crédito responsável, significando um maior comprometimento das instituições de crédito com as necessidades e condições dos seus devedores individuais e a procura do instrumento financeiro mais ajustado às circunstâncias de cada um, ou mesmo a recusa de mais crédito em casos de risco iminente de sobreendividamento (22).

j)

Ficheiros de crédito

A utilização de bases de dados contendo todo o historial financeiro dos seus clientes (ficheiros de crédito positivos) ou apenas os incidentes de pagamentos (ficheiros de crédito negativos) — apesar dos riscos que, em especial quanto aos primeiros, são reconhecidos em termos de protecção da vida privada e de ineficácia nas situações de endividamento passivo, pela impossibilidade de previsão do facto futuro causador da situação, bem como pela não inclusão de outras dívidas de origem não financeira (por exemplo, dívidas dos serviços essenciais e fiscais) — permite às instituições de crédito conhecer o nível de endividamento de um cliente e fundamentar melhor uma decisão de concessão de um empréstimo.

k)

A auto e co-regulação conduzindo à elaboração de Códigos de Conduta pelas entidades financeiras, nomeadamente em parceria com organizações de defesa do consumidor, pode ajudar a prevenir algumas práticas abusivas e a incorporar a perspectiva mais social na actividade das instituições de crédito. Este tipo de medida é útil também para reforçar o controlo da actividade das debt collection agencies (empresas de recuperação de créditos), permitindo disciplinar a forma de lidar com os devedores, como complemento de um quadro legislativo rigoroso e efectivamente aplicado.

l)

Prevenção de práticas creditícias abusivas

Face a práticas predatórias e usurárias que ameaçam os grupos mais desfavorecidos da população — como por exemplo, crédito por telefone ou telemóvel com taxas de juro muito elevadas, contratos de crédito interligados com contratos de compra e venda ou de prestação de serviços que não são conhecidos, concessão de créditos para aquisição de títulos em Bolsa por vezes do próprio banco, cláusulas penais draconianas, cartões de crédito e cartões de loja com vertente de crédito de acesso fácil, exigência de garantias reais e simultaneamente de garantias pessoais (colaterais) para contratos de crédito ao consumo de pequeno montante, informação incompleta ou pouco rigorosa, publicidade dirigida a jovens — algumas autoridades nacionais, organizações de defesa do consumidor e outras ONG's, e as próprias instituições de crédito têm acordado regras e procedimentos para evitar a sua utilização. Para além dos aspectos benéficos na concessão de créditos responsáveis, tais medidas contribuem para a diminuição de distorções à concorrência no mercado e promovem a responsabilidade social das instituições de crédito.

m)

Fiscalização e controlo da publicidade ao crédito

Embora legítima enquanto estratégia de promoção dos produtos financeiros, a forma como estes são publicitados justifica que seja objecto de uma fiscalização atenta por parte das autoridades públicas. Também os conteúdos publicitários, os canais e as técnicas de publicidade devem ser objecto de uma disciplina forte e harmonizada, que não permita criar nos consumidores a imagem de que o crédito não tem riscos e de que é facilmente acessível e sem custos. Nesta área devem ser igualmente incentivadas as iniciativas de auto-regulação e co-regulação e as boas práticas empresariais. Estas iniciativas devem garantir que o mutuário tenha plena clareza sobre as condições do crédito contraído e que o mutuante assuma especial responsabilidade perante pessoas que, pelas suas capacidades psíquicas reduzidas, não estão à altura de avaliar as consequências decorrentes da assunção de um compromisso financeiro.

5.2   Tratamento e recuperação

No que diz respeito aos modelos de tratamento e recuperação dos devedores insolventes são usualmente referenciados dois modelos ou paradigmas:

5.2.1

O modelo do fresh start , de matriz norte-americana e acolhida em alguns países europeus, assenta nos princípios da liquidação imediata do património não isento do devedor e no perdão directo das dívidas não pagas, excepto daquelas que não podem legalmente ser perdoadas. Este modelo assenta na responsabilidade limitada do devedor, na partilha do risco com os credores e na necessidade de recuperar o mais rapidamente possível o devedor para a actividade económica e para o consumo, e na clara não estigmatização do sobreendividado (23).

5.2.2

O modelo da reeducação, predominante em alguns países europeus, tem por base a ideia de que o devedor falhou e merece ser ajudado, mas não deve ser exonerado sem mais do seu dever de cumprir as suas obrigações (pacta sunt servanda). Este modelo, assente na ideia da «culpa» do sobreendividado nem que seja por imprevisão ou mera negligência, desenvolve-se em torno da renegociação das dívidas com os credores, tendo em vista a aprovação de um plano global de pagamentos. Esse plano pode ser negociado nos tribunais ou extrajudicialmente, sendo importante aqui o papel desempenhado pelos serviços de aconselhamento e mediação de dívidas (24).

6.   Porquê uma abordagem a nível comunitário

6.1   Antecedentes

6.1.1

Não é a primeira vez que o tema do endividamento excessivo é abordado a nível comunitário e mesmo de uma perspectiva comunitária, no seio das instituições da UE. E se é certo que foi a 13 de Julho de 1992, que o Conselho, em Resolução sobre as prioridades futuras para o desenvolvimento da política de protecção dos consumidores, considerou, pela primeira vez, a investigação sobre o sobreendividamento como uma prioridade, o certo é que, a partir daí, embora o fenómeno do sobreendividamento tenha ganho importância crescente ao nível nacional nos vários Estados-Membros, de forma a ter justificado a adopção de medidas legislativas e administrativas específicas na generalidade deles, a questão da sua abordagem a nível comunitário foi praticamente esquecida.

Coube ao CESE, em Maio de 1999, reabrir a discussão do tema, elaborando primeiro um Relatório de Informação sobre o «Sobreendividamento das Famílias», a que se seguiu o seu Parecer de Iniciativa sobre o mesmo tema, em 2002, e para cujas observações e recomendações se remete (25).

6.1.2

É, aliás, no decurso da elaboração destes documentos que o Conselho Consumidores do Luxemburgo, de 13 de Abril de 2000, retomou o tema e chamou a atenção da Comissão e dos Estados-Membros para a necessidade de uma aproximação comunitária desta matéria e, no seu seguimento, o Conselho adoptou a sua Resolução relativa ao crédito e ao endividamento dos consumidores (26), onde, dando-se conta da progressão rápida do fenómeno, insta a Comissão a que desenvolva esforços no sentido de colmatar as deficiências na informação quanto à real dimensão do endividamento excessivo na Europa e de aprofundar a reflexão quanto à possibilidade de harmonização das medidas de prevenção e de tratamento das situações de sobreendividamento (27).

6.1.3

Força é de constatar que a Comissão não levou a cabo, até hoje, este mandato do Conselho, tendo sido apenas na sua proposta inicial de revisão da Directiva do Crédito ao Consumo (2002) (28), que, episodicamente, a questão do crédito responsável foi abordada (29), para afinal vir mesmo a desaparecer na sua versão final (2005) (30), confirmada na Presidência alemã (31). Esta situação faz pressagiar que, no âmbito do crédito ao consumo, dificilmente a Comissão venha a adoptar qualquer nova medida de prevenção e muito menos de tratamento das situações de endividamento excessivo (32).

6.1.4

Referências recentes, embora esparsas, em alguns documentos da Comissão e até declarações do seu Presidente, parecem, no entanto, manifestar uma eventual mudança no sentido de prestar uma atenção renovada ao fenómeno (33).

6.1.5

Uma menção muito especial, pela sua importância, merece a Resolução do Conselho da Europa tomada pelos Ministros Europeus da Justiça, em 8 de Abril de 2005, relativa à «procura de soluções jurídicas para os problemas do endividamento numa sociedade de crédito»  (34), a qual, exprimindo a sua preocupação quanto «ao acesso fácil ao crédito que pode, em certos casos, saldar-se pelo sobreendividamento das famílias levando à exclusão social dos indivíduos e das famílias», abre claramente a porta para a elaboração «de um instrumento apropriado enunciando medidas legislativas e administrativas e propondo soluções práticas»  (35).

6.1.6

Por outro lado, uma renovada consciência para o problema parece ter sido despertada por recentes estudos académicos (36) e outros especialmente encomendados pela Comissão (37), tendo sido objecto de recentes intervenções públicas de alguns chefes de estado e ministros de alguns países membros (38).

6.2   Possibilidade, necessidade e oportunidade de uma acção a nível comunitário

6.2.1

O CESE de há muito que vem defendendo, e reafirma agora, que uma acção a nível comunitário nesta matéria não só é possível e desejável, como necessária e imperiosa.

6.2.2

O CESE não ignora que, nos termos do Tratado, e sem a adopção do texto constitucional (39), nos aspectos específicos de natureza puramente social de que o fenómeno do endividamento excessivo, enquanto causa de exclusão social, releva, não caberão no objecto próprio das competências específicas da UE.

6.2.2.1

No entanto, várias disposições do Tratado da União Europeia e da Comunidade Europeia apontam quer para competências partilhadas, quer para acções e medidas de acompanhamento e incentivo das políticas dos Estados-Membros neste domínio (40), que à Comissão compete assegurar e desenvolver.

6.2.2.2

Acresce, até, que alguns domínios de actuação possível a nível comunitário caem hoje no terceiro pilar, relevando da cooperação em matéria judiciária (41).

6.2.2.3

Finalmente, é a própria realização do mercado interno, agora inequivocamente orientado para os cidadãos e os consumidores (42), que exige e justifica a harmonização de certos aspectos relacionados com o endividamento excessivo dos cidadãos, as suas consequências sociais e a sua prevenção e tratamento a nível comunitário, como forma de evitar distorções à concorrência e ao funcionamento normal do mercado.

6.3   Principais domínios de actuação a nível comunitário

6.3.1   Um conceito único de endividamento excessivo

6.3.1.1

O esforço de harmonização deve incidir, desde logo, na definição do conceito e dos parâmetros qualitativos e quantitativos do fenómeno, para permitir uma adequada informação e observação das realidades sociais subjacentes, em termos idênticos em toda a Europa — desejavelmente em todo o mundo — assente na recolha e no tratamento de dados estatísticos comparáveis, que permitam a definição de uma matriz económica para a sua quantificação.

6.3.1.2

Com base nesta definição conceptual e metodológica, a Comissão deverá promomover a realização de um estudo alargado a todo o espaço comunitário que permita apurar a dimensão económico-social do endividamento excessivo (43).

6.3.2   Ao nível da prevenção e da contenção

6.3.2.1

Deve, também, alcançar, de forma autónoma e harmonizada, em termos legislativos, medidas de previsão, de prevenção e de contenção dos seus efeitos.

Destacam-se, em especial, normas relativas a:

a)

exaustiva informação pré-contratual e contratual e acompanhamento pós-venda;

b)

co-responsabilidade na concessão de crédito, baseada na dupla assunção das obrigações de o solicitante informar com verdade o concedente do crédito acerca da sua situação e de este diligenciar tudo o que estiver ao seu alcance para avaliar correctamente e aconselhar devidamente o primeiro (44);

c)

possibilidade da sua transferência sem custos;

d)

fiscalização da publicidade, «marketing» e comunicações comerciais relativas ao crédito ao consumo;

e)

parâmetros do «credit scoring» e proibição das decisões exclusivamente automatizadas;

f)

garantia de um serviço bancário de base e da universalidade da conta bancária e da sua transferibilidade e da utilização de meios electrónicos de mobilização das contas (cartões de débito);

h)

definição de parâmetros para o micro-crédito e outros tipos de crédito social e promoção de instituições financeiras «alternativas» vocacionadas para estes segmentos;

h)

identificação e sancionamento das práticas comerciais desleais e das cláusulas abusivas especificamente relacionadas com a concessão de crédito;

i)

direito de retratação;

j)

delimitação da exigência de garantias pessoais colaterais;

k)

regras de comissionamento;

o)

regime dos intermediários de crédito;

l)

reforço das competências e das medidas de supervisão das autoridades nacionais competentes no domínio dos serviços financeiros nesta área;

m)

estabelecimento dos parâmetros para a definição dos níveis da usura.

n)

inclusão na directiva sobre o crédito ao consumo de uma disposição que obrigue os bancos a dar resposta, num prazo determinado, às reclamações.

Além disso, a longo prazo, deve elaborar-se legislação sobre os seguintes aspectos:

a)

regime uniforme de seguros de natureza social;

b)

garantia da sustentabilidade dos regimes de pensões e sua aplicação uniforme em todos os

c)

definição de um sistema único de ficheiro de crédito com respeito integral da protecção devida aos dados pessoais, incluindo a delimitação de quem pode aceder e dos fins a que se destina a informação (restritos à concessão de crédito);

6.3.2.2

Paralelamente, a Comissão deverá incentivar as boas práticas neste domínio, promovendo a adopção de Códigos Europeus de Conduta, em regime de auto ou de co-regulação, no quadro de um regime jurídico coercivo bem definido e efectivamente aplicado.

6.3.2.3

A Comissão deverá ainda, por sua iniciativa ou em colaboração com os Estados-Membros, desenvolver programas específicos de informação, acções de educação focalizadas nos aspectos práticos da utilização do crédito e experiências de acompanhamento e de aconselhamento neste domínio, recorrendo ao instrumento dos «projectos-piloto» que tão bons resultados já deu noutras áreas (45).

6.3.2.4

Finalmente, o CESE sugere que seja criado um Observatório Europeu do Endividamento, o qual, em colaboração com os organismos nacionais já existentes e outros que sejam criados nos Estados-Membros, funcione como um fórum de diálogo de todos os interessados, analise a evolução do fenómeno a nível europeu e acompanhe e proponha as iniciativas mais adequadas à sua prevenção, avaliando o seu impacto, e desde já se oferece para o albergar no seu quadro institucional, pelo menos até ser decidida a sua autonomização.

6.3.3   Ao nível do tratamento e da recuperação

6.3.3.1

Tendo em conta a diversidade de sistemas criados a nível nacional, com origens, princípios e métodos dissemelhantes (46), o esforço da Comissão deverá centrar-se predominantemente, não numa tentativa de harmonização, mas antes na definição de um quadro de referência e de um conjunto de princípios fundamentais que todos os regimes de direito processual civil relativos a execuções por dívidas incumpridas ou de recuperação de créditos de particulares deverão garantir, incentivando a sua adopção e impondo o seu reconhecimento.

6.3.3.2

De entre esses princípios fundamentais, destacam-se:

soluções céleres e próximas das partes, sem custos ou com custos mínimos que não constituam entrave ao seu acesso e que não sejam estigmatizantes para os endividados e as suas famílias;

medidas que tenham em conta os interesses legítimos dos credores, mas também as suas responsabilidades no nível de endividamento das famílias;

soluções que favoreçam o consenso e a celebração de acordos voluntários de pagamento extrajudiciais que possibilitem, na medida do possível, a manutenção dos bens essenciais ao bem-estar da família, como a habitação;

medidas flexíveis que permitam, nos casos mais graves, optar pela liquidação dos bens penhoráveis, com o perdão das dívidas não pagas tomar na devida consideração a situação dos terceiros que tenham agido como garantes dos devedores;

acompanhamento especializado dos devedores ao longo do cumprimento dos planos de pagamento no pós-falência, a fim de evitar a reincidência e de os ajudar a modificar os seus padrões de consumo e de endividamento, para que possam efectivamente começar de novo.

6.3.3.3

Todo este trabalho deve, no entanto, ser aberto à participação dos interessados e dos seus representantes, para tanto se sugerindo uma prévia consulta pública orientada através da publicação de um Livro Verde que defina os termos da questão, proceda à sua quantificação a nível europeu, analise os diversos meios e sistemas de prevenir, acompanhar e remediar as situações de endividamento excessivo e conclua pelas linhas gerais de uma actuação integrada a nível comunitário entre as várias Direcções-Gerais envolvidas e igualmente concertada com as autoridades e as organizações da sociedade civil nos vários Estados-Membros e a nível comunitário (47).

7.   A audição pública

7.1

No dia 25 de Julho de 2007, o CESE promoveu uma audição pública relativa ao tema do presente Parecer a que compareceram vários convidados, especialistas na matéria.

7.2

Do confronto das opiniões expressas, durante uma sessão muito participada e com a produção de variados documentos de grande valia, saiu claramente reforçada a iniciativa do parecer, o qual acolhe muitas das sugestões então feitas.

Bruxelas. 25 de Outubro de 2007

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  Como dá conta Aristóteles na sua «Constituição dos Atenienses», (nomeadamente no Ponto 6, onde se pode ler: «Depois de se haver tornado senhor da situação, Sólon libertou o povo tanto no presente como para o futuro ao proibir os empréstimos sob garantia pessoal. Além disso, promulgou leis e procedeu a um cancelamento das dívidas, fossem privadas ou públicas, medidas que os Atenienses designam por “ seisachtheia”, porque vieram a desfazer-se de um fardo». ed. Calouste Gulbenkian, 2003, pag 28) e cuja «identidade» de situações terá pesado na interessante intervenção de Udo REIFNER «Renting a slave — European Contract Law in the Credit Society» durante a Conferência sobre Direito Privado e as Várias Culturas da Europa, realizada na Universidade de Helsínquia, a 27 de Agosto de 2006. De recordar que a prisão por dívidas se manteve na maioria dos países europeus até ao século XX.

(2)  Sobre este tema ver o recente contributo de Georges GLOUKOVIEZOFF intitulado «From Financial Exclusion to Overindebtedness: The Paradox of Difficulties for People on Low Incomes?» in «New Frontiers in Banking Services», Luisa ANFERLONI, Maria Debora BRAGA e Emanuele Maria CARLUCCIO, Springer.

(3)  Cf. Special Eurobarometer 273, European Social Reality, 2007.

(4)  Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão Social 2007, aprovado pelo Conselho a 22.2.2007 (COM(2007) 13 final de 19.1.2007).

(5)  Cf. Eurostat — Les nouveaux consommateurs, Larrousse 1998.

(6)  Ainda que sem esquecer a diferença profunda da sua natureza, mesmo em termos de direitos fundamentais.

(7)  Esta situação ocorreu nos novos países da adesão apenas durante a década de noventa.

(8)  Cf. os valores referidos no Boletim do Banco de França, n.o 144, de Dezembro de 2005.

URL: http://www.banque-france.fr/fr/publications/telechar/bulletin/etu144_1.pdf.

(9)  Na definição exemplar de Udo REIFNER «Over indebtedness means being objectively unable to pay; more precisely, the relevant income after deduction of living expenses is no longer sufficient to meet the repayment of debts when they fall due»(in «Consumer Lending and Over Indebtedness among German Households»).

(10)  O conceito de sobreendividamento que subjaz às mais diversas iniciativas regulatórias deduz-se sobretudo das normas legais que fixam as condições de acesso a um qualquer procedimento de reestruturação do passivo, seja ele do tipo extrajudicial ou judicial. Assim, por exemplo, o direito francês admite o acesso aos devedores de boa fé que estejam manifestamente impossibilitados de fazer face ao conjunto das suas dívidas profissionais vencidas ou vincendas (artigo L.331-2 do Code de la Consommation). Do mesmo modo, a lei finlandesa (1993) considera sobreendividado ou insolvente, o devedor que não tenha condições para pagar as suas dívidas logo que elas se tornem exigíveis, devendo tratar-se de uma incapacidade permanente e não apenas acidental ou transitória. Outros países, porém, limitam-se a definir um conjunto de requisitos procedimentais e pessoais para o acesso aos regimes de tratamento do sobreendividamento, sem se arriscarem a definir esta figura. É o caso dos direitos belga (Loi du 5 juillet 1998, modificada pela Loi du 19 avril 2002) e norte-americano (Bankruptcy Code, na revisão de 2005).

(11)  «Common operational European definition of over-indebtedness (Contract n.o VC/2006/0308, de 19.12.2006»), financiado pela Comissão Europeia, DG Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades e conduzido pelo Observatoire de l'Épargne Européenne.

(12)  «Study of the Problem of Consumer Indebtedness: Statistical Aspects (contract n.o B5-1000/00/000197)», elaborado pelo OCR Macro para a DG SANCO.

(13)  No modelo administrativo, a medida do sobreendividamento é dada pelas estatísticas oficiais referentes aos procedimentos formais de tratamento destes casos. Esta opção deixa de fora uma parte da realidade, pois nem todos os devedores em dificuldades recorrem a procedimentos oficiais e legais. Além disso, a variedade de soluções jurídicas existentes nos países europeus impede que se possam fazer comparações rigorosas entre eles.

(14)  O modelo subjectivo baseia-se na percepção dos indivíduos ou das famílias sobre a sua solvência financeira. Consideram-se sobreendividadas as famílias que afirmam ter grandes dificuldades em pagar todas as suas dívidas ou as que afirmam já não o conseguir fazer. Este critério suscita também dificuldades de operacionalização que comprometem a comparabilidade dos dados. São cada vez mais os autores que chamam a atenção para os enviesamentos dos indivíduos — overoptimism, underestimation of risk and hyperbolic discount — quando se trata de avaliar a sua sustentabilidade financeira e decidir sobre o recurso ao crédito.

(15)  O modelo objectivo utiliza como medida da incapacidade a situação económico-financeira do agregado familiar, isto é, a relação entre a dívida total e o rendimento líquido ou rendimento líquido e património. Esta é a fórmula geralmente utilizada pelas instituições financeiras e também por algumas ordens jurídicas nacionais. Embora não seja isento de problemas, como, por exemplo, o de saber até que ponto o comportamento do devedor, a sua honestidade e boa fé devem influir no acesso a um sistema de saneamento e perdão de dívidas, afigura-se como o critério que permitirá estabelecer algumas comparações e servir de base à elaboração de um conceito jurídico comum.

(16)  Dados do Banco de França relativos a 2004 estimam que 73 % dos dossiers de sobreendividamento depositados nas comissões de sobreendividamento se devem a causas passivas (Banque de France, 2004).

(17)  Sobre os factores de sobreendividamento, ver o Relatório de Informação do CESE de 26.6.2000«O sobreendividamento das famílias», relator Mr Ataíde Ferreira, onde o tema foi largamente analisado.

(18)  Sendo este um instrumento importante na gestão do risco pelas entidades financeiras, sublinha-se a necessidade de uma maior transparência sobre a composição dos sistemas de scoring e sua combinação com elementos subjectivos de análise para permitir uma justa e real avaliação da capacidade de endividamento dos devedores, e impedir uma decisão baseada apenas em modelos automatizados e a necessidade de as variáveis do modelo matemático serem controladas pelas autoridades públicas competentes. De considerar é também a possibilidade de os devedores terem acesso, à semelhança do que sucede em países como os EUA e a Inglaterra, ao seu credit report, por forma a saberem como melhorar o seu perfil de risco.

(19)  Por outro lado, há que prevenir as práticas financeiras que procuram servir-se abusivamente das pensões das pessoas mais dependentes como garantia para empréstimos desajustados da sua capacidade de reembolso. No Brasil, por exemplo, foi criado em 2004 um tipo de crédito dirigido às pessoas idosas chamado crédito consignado. Este crédito especial é descontado na pensão destas pessoas antes de elas a receberem, até um limite de 30 % do valor desse benefício. Ao oferecerem juros mais baixos do que os juros praticados no mercado, permite-lhes aceder ao crédito. No entanto, este facto parece estar a causar dificuldades financeiras nos pensionistas dos escalões mais baixos, levando-os a atrasar outros pagamentos e privando-os de recursos suficientes para assegurar as suas necessidades básicas.

(20)  Os seguros desempenham uma função ambivalente em termos de exclusão social. Um seguro de vida obrigatório pode excluir do mercado de crédito as pessoas com problemas de saúde. Mas a existência de um seguro de vida pode evitar que alguém inesperadamente afectado por uma doença perca os bens segurados e com isso caia na pobreza e na exclusão.

(21)  Em França e na Bélgica os microcréditos ao consumo (chamados microcréditos sociais) estão a ser utilizados em regime experimental por várias redes bancárias em partenariado com estruturas associativas. Até agora a experiência tem-se revelado razoavelmente positiva, mas será ainda cedo para se poder fazer um balanço definitivo. Destaca-se, no caso belga, a experiência da Credal, uma cooperativa belga de crédito social que resulta de uma parceria público-privada estabelecida entre o Governo da Região da Valónia e algumas instituições financeiras.

(22)  Veja-se por exemplo o «Protocollo sullo sviluppo sostensibile e compatibile del system bancário» assinado em 16 de Junho de 2004 em Roma entre a «Associazione bancária Italiana» e a «Federazione Autonoma Lavoratori del Credito e del Risparmio Italiani (Falcri)», a «Federazione Italiana Bancari e Assicurativi (Fiba-Cisl)», a «Federazione Italiana Sindicale Lavoratori Assicurazione e Credito (Fisac-Cgil)», a «Uil Cridito, Essattorie e Assicurazioni (Uil C.A.)».

(23)  Para uma completa descrição crítica deste modelo, ver os escritos de Karen Gross, bem conhecida na Europa, de que se destaca «Failure and Forgiveness. Rebalancing the bankrupcy system», New Haven, Yale University Press (1997).

(24)  Algumas ordens jurídicas, como a francesa e a belga, introduziram reformas nas suas leis de tratamento do sobreendividamento das pessoas singulares para incorporarem soluções alternativas assentes na liquidação. Nos casos mais graves, onde o plano de pagamentos não se mostra como solução, é possível a liquidação, seguido de perdão de dívidas. No entanto, o perdão de dívidas nunca é imediato como na lei americana. O devedor terá de cumprir um período probatório, durante o qual afectará parte do seu rendimento ao pagamento da dívida restante. Só depois disso e se tiver revelado um comportamento honesto e de boa fé poderá beneficiar do perdão. Excepcionalmente, no caso francês, a eliminação da dívida é possível logo no começo do processo quando o juiz considere que não há esperança de que a situação da pessoa venha a melhorar, embora a experiência na sua aplicação seja reduzida.

(25)  Ambos os documentos são da autoria do ex-conselheiro Manuel ATAIDE FERREIRA.

(26)  Resolução de 26 de Novembro de 2001, in JO C 364 de 20 de Dezembro de 2001.

(27)  Da acta deste Conselho Consumidores de 26 de Novembro de 2001, consta que os Ministros, entre outras constatações e recomendações, consideraram que «as divergências ao nível do tratamento tanto preventivo como social, jurídico e económico do sobreendividamento entre os Estados-Membros pode dar lugar a importantes disparidades quer entre consumidores europeus quer entre os fornecedores de crédito», pelo que «julgaram que (…) deverá ser encarada uma reflexão a nível comunitário para integrar, em complemento das medidas a favor do desenvolvimento do crédito transfronteiras, medidas susceptíveis de prevenir o sobreendividamento, ao longo de todo o ciclo do crédito».

(28)  COM(2002) 443 final de 11.9.2002.

(29)  De resto, em termos muito discutíveis, como o CESE teve ocasião de assinalar no parecer sobre esta proposta (CES 918/2003 de 17de Julho de 2003), de que foi relator o conselheiro PEGADO LIZ ver também «La presencia del sobreendeudamiento en la propuesta de directiva sobre el credito a los consumidores» de Manuel Angel, LÓPES SÁNCHEZ, in «Études droit de la consommation» — «Liber Amicorum Jean Calais Auloy», p. 62.

(30)  COM(2005) 483 final/2 de 23.11.2005.

(31)  São, no entanto, de salientar algumas iniciativas de debate público promovidas por várias instituições comunitárias, incluindo a Comissão, sobre o tema, de que se destacam uma audição pública, com o apoio da Presidência Sueca, em Estocolmo, no dia 18 de Junho de 2000; a 2 de Julho de 2001, com a colaboração do Consiglio Nazionale dei Consumatori e degli Utenti (CNCU) uma importante conferência subordinada ao tema «Regras de concorrência na UE e sistemas bancários em confronto», onde o Director da Direcção dos Serviços Financeiros da DG SANCO teve oportunidade de fazer a apresentação das orientações seguidas na proposta da nova Directiva sobre o crédito ao consumo, e os problemas do sobreendividamento na sua vertente comunitária; a 4 de Julho de 2001, a DG SANCO tomou a iniciativa de realizar, em Bruxelas, uma audição com peritos dos governos para debate das alterações propostas à Directiva do Crédito ao Consumo, onde foram salientados aspectos parcelares que interessam à prevenção do sobreendividamento; durante a Presidência Belga, teve lugar, em Charleroi, a 13 e 14 de Novembro de 2001, um importante colóquio sobre o tema «Crédito ao Consumo e Harmonização Comunitária» onde, designadamente, o Ministro da Economia e da Investigação Científica da Bélgica fez questão de salientar os aspectos sociais e económicos do problema e de ressaltar a sua ligação ao desenvolvimento dos serviços financeiros e do comércio transfronteiras no mercado interno e onde um perito da Comissão Europeia fez a apresentação das grandes linhas directrizes para a revisão da Directiva relativa ao crédito ao consumo, onde certas preocupações com a informação dos consumidores relevam da prevenção do sobreendividamento; a «Jornada sobre el sobreendeudamiento de los consumidores: Mecanismos de Proteccion en Europa», promovida pelo PSOE e pelo Grupo Socialista do PE, em 29.11.2002, em Madrid.

(32)  Curiosamente, em outros textos, como na Proposta da Comissão sobre a SEPA (Single European Payments Area) surgem várias preocupações cujo objecto é a prevenção do endividamento excessivo.

(33)  Referem-se, em especial, o Inquérito Eurobarómetro de finais de 2006, a Comunicação «Uma Agenda para os Cidadãos» aprovada pelo Conselho em Julho de 2006 e a Comunicação da Comissão relativa ao Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão Social 2007 (COM(2007) 13 final de 19 de Janeiro de 2007).

(34)  Tomada na 26.a Conferência do Conselho de Ministros Europeus da Justiça do Conselho da Europa, realizada em Helsínquia a 7 e 8 de Abril de 2005.

(35)  No seguimento do bem elaborado «Report on Legal Solutions to Debt Problems in Credit Societies» do Bureau of the European Committee on Legal Co-operation, do Conselho da Europa, de 11 de Outubro de 2005 (CDCJ-BU(2005) 11 rev).

(36)  O mundo académico parece estar especialmente atento à problemática do crédito ao consumo e do sobreendividamento, como demonstra a recente reunião científica internacional promovida entre 25 e 28 de Julho em Berlim pela Law and Society Association, e na qual esteve reunido um grupo de investigadores europeus, americanos (do Norte e do Sul), asiáticos e australianos que, ao longo de oito sessões, debateram diversos aspectos relacionados com aquelas temáticas.

(37)  Cf. «Consumer Over indebtedness and Consumer Law in the European Union», Udo REIFNER, Joahanna KIESILAIEN, Nick HULS e Helga SPRINGENNER(Contrato n.o B5-1000/02/000353, para a DG SANCO Sept. 2003); «Estudo do problema do endividamento do consumidorAspectos estatísticos», ORC Macro (Contrato n.o B5-1000/00/000197, para a DG SANCO, 2001); «Credit Consumption and Debt Accumulation among Low Income Consumers: Key consequences and Intervention Strategies» Deirdre O'LOUGHIN (Nov. 2006); «Exclusion et Liens Financiers, L'exclusion bancaire des particuliers» Rapport du Centre Walrass, Georges GLOUKOVIEZOEF; «EC Consumer Law Compendium: Comparative Analysis», 2006, (contract n.o 17.020100/04/389299) conduzido por Hans Schulte-Nölke, da Universidade de Bielefeld para a Comissão Europeia; «Financial education & better access to adequate financial services», conduzido pelo ASB Schuldnerberatungen (Áustria), em cooperação com o GP-Forschungsgruppe: Institutfür Grundlagen-und Programmforschung (Germany), a Association for Promotion of Financial Education SKEF (Poland) e L'Observatoire du Crédit et de l'Endettement (Belgium), Projecto co-financiado pela DG Emprego e Assuntos Sociais (Setembro de 2005-Setembro de 2007).

(38)  Cf. por exemplo os recentes discursos de Tony BLAIR, Stephen TIMMS e Ruth KELLY em Setembro de 2006.

(39)  Com efeito, no Projecto de Tratado Constitucional, o artigo I-3 dispunha, como objectivo da União: «A União combate a exclusão social e as discriminações e promove a justiça e a protecção sociais …».

(40)  Salientam-se, em especial, os preceitos dos artigos 2 e 34 do Tratado UE e 2, 3, 136, 137 e 153 do Tratado de Roma, depois de Amsterdão. Não se pode, aliás, olvidar o método aberto de coordenação integrado (MAC) introduzido em 2006, no sentido de reforçar a capacidade da UE para apoiar os Estados-Membros nos seus esforços em prol de uma maior coesão social na Europa.

(41)  Cf. os artigos 65 e 67 do Tratado e o rol já bem extenso de medidas tomadas no sentido da definição de um espaço judiciário europeu.

(42)  Bem evidenciado no notável Relatório Intermédio ao Conselho Europeu da primavera 2007, Comunicação da Comissão sobre «Um mercado único para os cidadãos» (COM(2007) 60 final de 21.2.2007), e em vários discursos e entrevistas recentes do próprio Presidente da Comissão.

(43)  Os dados sobre a situação europeia são pouco actualizados, reportando-se ao estudo apresentado em 2001 pelo ORC Macro, já referido anteriormente. Contudo, vários Estados-Membros reconhecem existir um crescimento significativo do número de famílias em situação de sobreendividamento, nos últimos anos. Dados sobre a realidade alemã indicam que, em 1989, apenas existiam 3,5 % de famílias com graves dificuldades financeiras, contra 8,1 % das famílias sobreendividadas em 2005. Em França, o número de processos entrados nas Comissões de Sobreendividamento registou um crescimento anual de 6, %, entre 2002 e 2006, altura em que se atingiu os 866 213 processos. Na Escócia, também em 2004, foram mais de 3 000 os processos de insolvência abertos. Na Suécia, apesar da sua taxa de crescimento económico anual ser das mais altas da UE, o número de processos de sobreendividamento cresceu em 2005, 13,6 % face a 2004 e 30,7 % relativamente a 2003. A excepção parece ser a Bélgica, onde um sistema bem desenhado e bem aplicado parece estar a dar os seus frutos, para tal contribuindo recentes alterações legislativas (Loi et Arrêté Royal de 1 de Abril de 2007, modificando a Lei de 24 de Março de 2003 e o Arrêté Royal de 7 de Setembro de 2003, sobre o serviço bancário de base). Em 2005, nos EUA, foram peticionados mais de 1 600 mil processos de falência. Na Austrália, 81 % dos processos de falência que deram entrada nos tribunais, em 2005/2006, diziam respeito a falências de indivíduos. Em 2006 foram 106.629 os processos de insolvência (liquidação ou proposal) que deram entrada nos tribunais canadianos.

(44)  Como consta exemplarmente das Secções 79 a 81 do National Credit Act N.o 34/2005 da África do Sul.

(45)  Recordam-se, por exemplo, os casos dos projectos de mediação e de resolução extrajudicial de conflitos de consumo, que estão na origem das várias redes hoje existentes na Europa, de que, para o caso em apreço, se destaca a «Consumer DebtNet» criada em 1994, actualmente em processo de redefinição sob a designação de European Consumer Debt Net (ECDN).

(46)  E também a existência de Estados-Membros como Portugal que, ainda hoje, não possuem qualquer sistema adequado para o efeito.

(47)  Aliás, no Relatório de Informação do CESE de 2000 antes referido, já se terminava recomendando à Comissão que «como primeiro passo, dê imediato início à preparação de um Livro Verde relativo ao Sobreendividamento das Famílias na Europa, onde divulgue os estudos já disponíveis sobre o assunto, faça o ponto da situação dos regimes jurídicos e dos dados estatísticos dos diversos Estados-Membros e em processo de adesão, procure definir um conceito unívoco de sobreendividamento e defina a orientação que, em seu entender, dever ser dada nos passos subsequentes, por forma a serem atingidos os objectivos para que aponta o presente Relatório.».


Top