EUR-Lex De toegang tot het recht van de Europese Unie

Terug naar de EUR-Lex homepage

Dit document is overgenomen van EUR-Lex

Document 62018TJ0280

Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção alargada) de 6 de julho de 2022 (Extratos).
ABLV Bank AS contra Conselho Único de Resolução (CUR).
União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Procedimento de resolução aplicável em caso de situação ou de risco de insolvência de uma entidade — Decisão do CUR de não adotar um programa de resolução — Recurso de anulação — Ato lesivo — Interesse em agir — Legitimidade ativa — Admissibilidade parcial — Artigo 18.o do Regulamento (UE) n.o 806/2014 — Competência do autor do ato — Direito de ser ouvido — Dever de fundamentação — Proporcionalidade — Igualdade de tratamento.
Processo T-280/18.

Jurisprudentie – Algemeen

ECLI-code: ECLI:EU:T:2022:429

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

6 de julho de 2022 ( *1 )

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Procedimento de resolução aplicável em caso de situação ou de risco de insolvência de uma entidade — Decisão do CUR de não adotar um programa de resolução — Recurso de anulação — Ato lesivo — Interesse em agir — Legitimidade ativa — Admissibilidade parcial — Artigo 18.o do Regulamento (UE) n.o 806/2014 — Competência do autor do ato — Direito de ser ouvido — Dever de fundamentação — Proporcionalidade — Igualdade de tratamento»

No processo T‑280/18,

ABLV Bank AS, com sede em Riga (Letónia), representada por O. Behrends, advogado,

recorrente,

contra

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por J. De Carpentier, E. Muratori e H. Ehlers, na qualidade de agentes, assistidos por J. Rivas Andrés, advogado, e B. Heenan, solicitor,

recorrido,

apoiado por

Banco Central Europeu (BCE), representado por R. Ugena, A. Witte e A. Lefterov, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada),

composto por: A. Kornezov, presidente, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk, G. Hesse (relator) e D. Petrlík, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos, nomeadamente:

a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de maio de 2018,

o articulado de intervenção do BCE entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de maio de 2019,

a Decisão de 17 de março de 2020 de suspender o processo até à decisão do Tribunal de Justiça que ponha termo à instância nos processos que deram origem ao Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE (C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369),

as novas provas entregues na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de outubro de 2021,

após a audiência de 28 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

1

Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, a ABLV Bank AS, pede a anulação das Decisões do Conselho Único de Resolução (CUR) de 23 de fevereiro de 2018 de não adotar um programa de resolução em relação às instituições de crédito ABLV Bank AS e ABLV Bank Luxembourg SA, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1).

Antecedentes do litígio

[Omissis]

12

Por duas Decisões (SRB/EES/2018/09 e SRB/EES/2018/10), de 23 de fevereiro de 2018, o CUR decidiu não adotar um programa de resolução em relação, respetivamente, à recorrente e à ABLV Luxemburgo (a seguir, conjuntamente, «decisões impugnadas»). O CUR fez sua a avaliação do BCE de que estas instituições de crédito se encontravam em situação ou em risco de insolvência na aceção do artigo 18.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014. Considerou também que não existia nenhuma perspetiva razoável de que outras ações impediriam a situação de insolvência dessas entidades num prazo razoável, em conformidade com artigo 18.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea b), do referido regulamento. Todavia, o CUR considerou que, tendo em conta as características específicas da requerente e da ABLV Luxemburgo, não era necessária uma medida de resolução em relação a estas para defesa do interesse público na aceção do artigo 18.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), e do artigo 18.o, n.o 5, do mesmo regulamento. No mesmo dia, as decisões impugnadas foram notificadas aos seus destinatários respetivos, a CMFC e a CSSF.

13

O artigo 1.o do dispositivo da Decisão SRB/EES/2018/09 tem a seguinte redação: «A ABLV Bank AS não será sujeita a um procedimento de resolução».

14

Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, do dispositivo da Decisão SRB/EES/2018/09: «[e]sta decisão é dirigida à [CMFC], na qualidade de autoridade nacional de resolução na aceção do artigo 3.o, n.o 1, ponto 3, do Regulamento n.o 806/2014».

15

O artigo 2.o, n.o 2, do dispositivo da Decisão SRB/EES/2018/09 prevê que, «[e]m conformidade com o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, a [CMFC] executará esta [d]ecisão e garantirá que qualquer medida tomada é conforme com a mesma, segundo as considerações previstas».

16

Os artigos 1.o e 2.o do dispositivo da Decisão SRB/EES/2018/10, relativa à ABLV Luxembourg, têm um teor idêntico.

[Omissis]

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

23

O CUR aduz quatro exceções de inadmissibilidade, relativas, em substância, a primeira, ao facto de a recorrente não ter baseado o seu recurso no texto das decisões impugnadas mas no do comunicado de imprensa, a segunda, à natureza não recorrível das decisões impugnadas, a terceira, à falta de legitimidade ativa da recorrente na medida em que as decisões impugnadas não lhe dizem diretamente respeito e, a quarta, à falta de interesse em agir da recorrente.

[Omissis]

Quanto à exceção de inadmissibilidade relativa à natureza não recorrível das decisões impugnadas

29

Segundo o CUR, as decisões impugnadas não são atos recorríveis, dado que não visam produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses da recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica. As decisões impugnadas não ordenaram a liquidação das duas instituições de crédito. Segundo o CUR, cabia às ANR tomar as medidas necessárias, em conformidade com o direito nacional aplicável, contra as referidas instituições depois de ter decidido não adotar um programa de resolução.

30

Importa recordar que constituem, em princípio, atos recorríveis as medidas que fixam definitivamente a posição de uma instituição no termo de um procedimento administrativo e que visam produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, com exceção das medidas intermédias cujo objetivo é preparar a decisão final, que não produzem tais efeitos (Acórdão de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

31

Mais especificamente, o Tribunal de Justiça já considerou que, embora a avaliação feita pelo BCE da situação ou do risco de insolvência de uma entidade, prevista no artigo 18.o, n.o 1, segundo e terceiro parágrafos, do Regulamento n.o 806/2014, não constitua um ato recorrível, não deixa de ser verdade que a subsequente adoção pelo CUR de um programa de resolução, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 6, do referido regulamento, ou a decisão de não adotar esse programa, podem ser objeto de recurso nos órgãos jurisdicionais da União, no âmbito do qual a referida avaliação é suscetível de ser objeto de fiscalização jurisdicional (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 56).

32

Além disso, o artigo 86.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que os Estados‑Membros e as instituições da União, bem como qualquer pessoa singular ou coletiva podem, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, interpor recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia contra as decisões do CUR (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 56).

33

Daqui resulta que a decisão do CUR de adotar ou de não adotar um programa de resolução relativamente a uma instituição de crédito é um ato recorrível. Com efeito, essa decisão fixa definitivamente a posição do CUR no termo do procedimento administrativo complexo previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 e ativado pela avaliação da situação ou do risco de insolvência de uma entidade, que é efetuada, num primeiro momento, pelo BCE. Este procedimento visa produzir efeitos jurídicos vinculativos em relação à recorrente na medida em que esta não será objeto de resolução.

34

Além disso, importa sublinhar que uma decisão de não adotar um programa de resolução, como as decisões impugnadas, é um ato recorrível, assim como também o é uma decisão de adotar tal programa. Com efeito, a decisão de adotar uma medida de resolução implica a imposição de instrumentos de resolução previstos no artigo 18.o, n.o 6, alíneas b) e c), e no artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014, como a alienação da atividade, a criação de uma instituição de transição, a segregação de ativos, a recapitalização interna ou ainda a utilização do Fundo Único de Resolução com vista a apoiar a medida de resolução. Por conseguinte, a decisão de não adotar tais instrumentos, alguns dos quais são suscetíveis de permitir à recorrente manter uma parte das suas atividades, produz efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses da recorrente.

35

Por último, como decorre igualmente das Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona nos processos apensos ABLV Bank e o./BCE (C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:16, n.o 93), o respeito do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), é assegurado pelo facto de a decisão do CUR que põe termo ao procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 ser um ato recorrível, pelo que as eventuais ilegalidades que afetam a avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente, efetuada pelo BCE na primeira fase do procedimento, possam ser invocadas em apoio de um recurso contra a referida decisão do CUR. Daqui resulta que a recorrente deve poder pedir a anulação da decisão do CUR de adotar ou de não adotar um programa de resolução a seu respeito.

36

Por conseguinte, as decisões impugnadas são atos recorríveis.

Quanto à exceção de inadmissibilidade relativa à falta de legitimidade ativa da recorrente

37

O CUR alega que as decisões impugnadas não dizem diretamente respeito à recorrente. Estas não produziram diretamente efeitos na sua situação jurídica e deixam toda a liberdade às ARN encarregadas da sua execução. A liquidação da recorrente e da sua filial é o resultado de decisões tomadas a nível nacional e não da aplicação das regras do direito da União.

38

Antes de mais, importa salientar que a afetação individual da recorrente, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, não foi posta em causa pelo CUR. Com efeito, as decisões impugnadas visam, respetivamente, a recorrente e a sua filial detida a 100 % enquanto instituições de crédito em relação às quais o CUR não adota um programa de resolução e, assim, individualizam a recorrente de uma forma análoga à do seu destinatário. Por conseguinte, as decisões impugnadas dizem individualmente respeito à recorrente.

39

Quanto à pretensa inexistência de afetação direta da recorrente no caso em apreço, importa recordar que o requisito segundo o qual a decisão objeto do recurso deve dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, conforme previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, exige que estejam preenchidos dois critérios cumulativos, a saber, que a medida contestada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica dessa pessoa e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários encarregados da sua execução, uma vez que esta execução tem um caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (Acórdãos de 22 de março de 2007, Regione Siciliana/Comissão, C‑15/06 P, EU:C:2007:183, n.o 31; de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 66; e de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Commissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Commissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42).

– Quanto à afetação direta da recorrente na medida em que o recurso é dirigido contra a Decisão SRB/EES/2018/10 relativa à ABLV Luxembourg

40

Antes de mais, saliente‑se que o recurso foi interposto pela recorrente em seu próprio nome contra a Decisão SRB/EES/2018/09 e como sociedade‑mãe e acionista única da ABLV Luxembourg no que respeita à Decisão SRB/EES/2018/10.

41

Importa recordar que, como resulta do n.o 12, supra, a Decisão SRB/EES/2018/10 prevê que não será adotado nenhum programa de resolução em relação à ABLV Luxembourg. Assim, essa decisão produz efeitos na situação jurídica desta instituição de crédito (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2020, Bernis e o./CRU, T‑282/18, não publicado, EU:T:2020:209, n.o 39).

42

Em contrapartida, a Decisão SRB/EES/2018/10 não produz diretamente efeitos na situação jurídica dos acionistas como a recorrente, uma vez que o direito dos referidos acionistas de receberem dividendos e de participarem na gestão da ABLV Luxembourg não foi afetado pela referida decisão (v., por analogia, Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o., C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923, n.o 110).

43

Efetivamente, como resulta do Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923), o efeito negativo para os acionistas da revogação da autorização de uma instituição de crédito é de natureza económica e não jurídica, uma vez que, embora esta deixe de poder prosseguir a sua atividade na sequência dessa revogação e, de facto, de distribuir dividendos, o direito dos acionistas de receberem dividendos e de participarem na gestão permanece inalterado (v., neste sentido, Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o., C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923, n.o 111, e Despacho de 14 de maio de 2020, Bernis e o./CUR, T‑282/18, não publicado, EU:T:2020:209, n.o 41).

44

No caso em apreço, isto é tanto mais assim quanto a Decisão SRB/EES/2018/10 prevê apenas que a ABLV Luxembourg não será sujeita a um procedimento de resolução. Portanto, contrariamente à situação em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923), a referida decisão não tem por objeto nem por efeito retirar ao referido banco a sua autorização para exercer uma atividade de instituição de crédito (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2020, Bernis e o./CUR, T‑282/18, não publicado, EU:T:2020:209, n.o 42).

45

Tendo em conta o que precede, há que concluir que a Decisão SRB/EES/2018/10 não diz diretamente respeito à recorrente na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

– Quanto à afetação direta da recorrente na medida em que o recurso é dirigido contra a Decisão SRB/EES/2018/09 relativa à recorrente

46

O presente recurso foi interposto pela recorrente em seu próprio nome na parte em que visa a anulação da Decisão SRB/EES/2018/09.

47

Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se esta decisão produz diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente, importa recordar que, em conformidade com o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, caso o BCE considere, na sua avaliação, que a entidade em causa se encontra em situação ou em risco de insolvência na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento, isso tem como consequência o início do procedimento previsto no artigo 18.o deste regulamento. Em contrapartida, se o BCE chegar à conclusão inversa, o procedimento de resolução não é iniciado, uma vez que o artigo 18.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe que o BCE deve comunicar a sua avaliação à Comissão e ao CUR apenas quando considerar que a entidade se encontra em situação ou em risco de insolvência (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.os 67 e 70).

48

Assim, por um lado, a conclusão do CUR, baseada na avaliação feita pelo BCE, segundo a qual a recorrente está em situação ou em risco de insolvência é, portanto, uma condição sine qua non do dispositivo da Decisão SRB/EES/2018/09 que prevê não adotar um programa de resolução em relação à recorrente. Por conseguinte, a conclusão segundo a qual a recorrente se encontra em situação ou em risco de insolvência constitui o suporte necessário do artigo 1.o do dispositivo da referida decisão. Assim, a Decisão SRB/EES/2018/09, na parte em que declara a situação ou o risco de insolvência da recorrente produz diretamente efeitos na sua situação jurídica na aceção da jurisprudência referida no n.o 39, supra.

49

Por outro lado, como salientado no n.o 34, supra, a decisão de não adotar um programa de resolução e, portanto, de não impor instrumentos de resolução na aceção do Regulamento n.o 806/2014, alguns dos quais são suscetíveis de permitir à recorrente manter uma parte das suas atividades, produz diretamente efeitos na sua situação jurídica.

50

Em segundo lugar, quanto à questão de saber se essa decisão deixa um poder de apreciação aos destinatários encarregados de a executar na aceção da jurisprudência recordada no n.o 39, supra, há que observar que tal não se verifica no caso em apreço. Com efeito, a decisão de não adotar um programa de resolução em relação à recorrente não deixa nenhum poder de apreciação aos destinatários encarregados de a executar, uma vez que esta execução tem um caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias. Efetivamente, a ANR em causa não dispõe de nenhuma margem de manobra relativamente à decisão do CUR segundo a qual não será adotado nenhum instrumento de resolução em relação à recorrente, uma vez que essa decisão não necessita da aplicação de nenhuma regra ou medida intermédia para produzir os seus efeitos jurídicos vinculativos. Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a referida ARN poder ser levada a tomar medidas de execução da Decisão SRB/EES/2018/09, em conformidade com o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, cujo teor é recordado no artigo 2.o, n.o 2, do dispositivo da referida decisão, uma vez que estas se situam fora do âmbito do mecanismo de resolução (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2020, Bernis e o./CUR, T‑282/18, não publicado, EU:T:2020:209, n.o 43).

51

Em particular, a liquidação da recorrente, em conformidade com o direito letão, não faz parte de nenhum programa de resolução e não decorre da Decisão SRB/EES/2018/09. Com efeito, a referida liquidação foi decidida pelos acionistas dessa sociedade na sequência da decisão do CUR nos termos da qual não era necessário, no interesse público, aplicar um programa de resolução à recorrente em conformidade com o Regulamento n.o 806/2014 (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 49). Assim, a liquidação não foi ordenada por essa decisão (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2020, Bernis e o./CUR, T‑282/18, não publicado, EU:T:2020:209, n.os 39 a 45).

52

Resulta do que precede que a recorrente não tem legitimidade ativa para impugnar a Decisão SRB/EES/2018/10 e que o recurso é inadmissível na medida em que é dirigido contra essa decisão. Em contrapartida, a recorrente dispõe de legitimidade ativa para impugnar a Decisão SRB/EES/2018/09.

Quanto à exceção de inadmissibilidade relativa à falta de interesse em agir da recorrente

53

Segundo o CUR, a recorrente não demonstrou que tinha um interesse em agir efetivo e atual. Não demonstrou de que forma beneficiaria de uma anulação das decisões impugnadas. Quanto aos interesses invocados pela recorrente na medida em que as decisões impugnadas tinham lesado a reputação das instituições de crédito, o CUR sustenta que esta não foi afetada pelas decisões impugnadas, mas pelo projeto de medida do FinCEN ou pela avaliação da situação ou do risco de insolvência das duas instituições de crédito feita pelo BCE. O interesse que consiste em permitir a interposição de uma ação de indemnização não é um interesse efetivo e atual no contexto do presente recurso de anulação. Por último, na hipótese de a recorrente ter sofrido um prejuízo, este seria o resultado da decisão dos acionistas de proceder à sua autoliquidação.

54

Importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato seja suscetível, por si só, de ter consequências jurídicas e que o resultado do recurso possa, assim, proporcionar um benefício à parte que o interpôs (v. Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 55 e jurisprudência referida).

55

É pacífico que, embora peça a anulação integral da Decisão SRB/EES/2018/09, a recorrente não se queixa da recusa de implementar um programa de resolução, mas opõe‑se, em substância, às conclusões do CUR de que estava em situação ou em risco de insolvência e não havia qualquer perspetiva razoável de que outras ações impediriam essa insolvência.

56

Todavia, o presente processo caracteriza‑se por particularidades que não permitem, por esse facto, negar o interesse em agir da recorrente.

57

Por um lado, como resulta igualmente dos n.os 47 e 48, supra, se o BCE concluir que a entidade em causa não está em situação ou em risco de insolvência, não é transmitida ao CUR nenhuma avaliação e, portanto, o procedimento de resolução não é iniciado. A avaliação da situação ou do risco de insolvência, uma vez adotada pelo CUR, é, portanto, uma condição prévia sine qua non do início do procedimento de resolução previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 e, por conseguinte, de uma decisão formal de adotar ou de não adotar um programa de resolução.

58

Assim, a fundamentação da Decisão SRB/EES/2018/09, nomeadamente a avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente pelo BCE, adotada pelo CUR, constituem o suporte necessário do dispositivo dessa decisão. Com efeito, se o Tribunal Geral devesse concluir que essa avaliação estava errada, o procedimento que deu origem a essa decisão não deveria ter sido ativado contra a recorrente.

59

Por outro lado, com vista ao exercício das suas atividades bancárias, a entidade em causa tem um interesse legítimo em não ser objeto de uma avaliação da qual resulte que está em situação ou em risco de insolvência.

60

Tendo em conta o que precede, há que concluir que a recorrente tem interesse em pedir a anulação da Decisão SRB/EES/2018/09.

61

Por conseguinte, o recurso é inadmissível na parte em que visa a Decisão SRB/EES/2018/10 e admissível na parte em que visa a anulação da Decisão SRB/EES/2018/09.

Quanto ao mérito

[Omissis]

Quanto ao terceiro e quarto fundamentos, relativos à violação do artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014

87

O terceiro e quarto fundamentos, que importa tratar em conjunto, são compostos, respetivamente, por uma parte e por quatro partes. No âmbito do quarto fundamento, que importa abordar primeiro, a recorrente alega, em primeiro lugar, que o CUR errou ao não proceder a um exame próprio da condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014. O CUR baseou‑se completamente na avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente feita pelo BCE. Em segundo lugar, no que respeita a esta avaliação, a recorrente alega que os problemas de liquidez temporária com que se confrontou na sequência do projeto de medida do FinCEN não constituem, por si só, motivo suficiente para a considerar em situação ou em risco de insolvência. Em conformidade com as Orientações EBA/GL/2015/07 da Autoridade Bancária Europeia (ABE), de 6 de agosto de 2015, relativas à interpretação das diferentes situações em que uma instituição deve ser considerada em situação ou em risco de insolvência por força do artigo 32.o, n.o 6, da Diretiva 2014/59 (a seguir «Orientações da ABE»), é recomendado que se tenham em conta todos os elementos objetivos e é desaconselhado basear a avaliação da situação ou do risco de insolvência de uma entidade num único elemento, como a disponibilidade imediata de liquidez. Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que o montante exigido pelo BCE de mil milhões de euros disponível na conta da recorrente no Banco da Letónia, antes do eventual levantamento da moratória, em 23 de fevereiro de 2018, era desproporcionado. Com efeito, o BCE sobrestimou o levantamento de depósitos previsto em caso de reabertura da recorrente baseando‑se numa média de levantamentos de 200 milhões de euros por dia durante um período de cinco dias seguidos. Em quarto lugar, a recorrente invoca uma série de argumentos em apoio da sua tese de que o BCE não teve em conta todos os seus ativos líquidos, sobretudo aqueles a que não tinha acesso instantaneamente. No âmbito do terceiro fundamento, a recorrente alega que o CUR não examinou suficientemente se existia uma perspetiva razoável de que outras ações impediriam a sua insolvência.

[Omissis]

– Quanto à questão de saber se o CUR tinha o direito de se basear na avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente feita pelo BCE

103

A recorrente alega, na réplica, que o CUR não se podia basear unicamente na avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente efetuada pelo BCE sem proceder, ele mesmo, a um exame próprio. Esta alegação, que importa tratar em primeiro lugar, deve ser rejeitada independentemente da questão de saber se se trata de uma alegação nova na aceção do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

104

Com efeito, esta alegação equivale a ignorar o papel do BCE no sistema instituído pelo artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, conforme salientado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE (C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369).

105

É certo que o CUR não está vinculado pela avaliação da situação ou do risco de insolvência de uma entidade, estabelecida pelo BCE. Com efeito, essa avaliação não é um ato vinculativo e, em particular, não coloca o CUR em situação de competência vinculada a essa avaliação. Nada na redação dessa disposição indica que o CUR fique privado de um poder de apreciação quanto à situação ou ao risco de insolvência da entidade em questão (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 67).

106

Todavia, o artigo 18.o, n.o 1, segundo parágrafo, do mesmo regulamento confere um papel prioritário, mesmo que não seja exclusivo, ao BCE, uma vez que é a este que cabe, regra geral, proceder, num primeiro momento, à avaliação da situação ou do risco de insolvência de uma entidade. Embora o CUR também possa proceder a essa avaliação, só o pode fazer após ter informado o BCE da sua intenção e apenas se este, no prazo de três dias após a receção dessas informações, não proceder a essa avaliação. Por conseguinte, é reconhecida ao BCE uma competência prioritária para proceder a essa avaliação, baseada no conhecimento de que dispõe enquanto autoridade de supervisão, uma vez que, tendo acesso, nessa qualidade, a toda a informação prudencial sobre a entidade em causa, está em melhor posição para determinar se está preenchida essa condição, à luz da definição de situação ou de risco de insolvência que figura no artigo 18.o, n.o 4, deste regulamento, que se refere, nomeadamente, a elementos relacionados com a situação prudencial, como as condições de autorização, o montante do ativo por comparação com o passivo ou a dívida atual ou futura (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 62).

107

No caso em apreço, o CUR expôs, no ponto 3.2.1 da Decisão impugnada SRB/EES/2018/09, baseando‑se na avaliação efetuada pelo BCE, que a recorrente era considerada em situação ou em risco de insolvência na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, lido em conjugação com o artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do mesmo regulamento, pelo facto de que, se a moratória fosse levantada depois de 23 de fevereiro de 2018, seria muito provável que as saídas de tesouraria das instituições prosseguiriam ao mesmo ritmo que antes da introdução da moratória, tendo em conta o prejuízo para a sua reputação causado pelo projeto de medida do FinCEN. Por este motivo, o CUR fez sua a apreciação do BCE segundo a qual a recorrente devia dispor de uma capacidade de reequilíbrio de mil milhões de euros na sua conta no Banco da Letónia, montante que permitiria responder à dimensão dos levantamentos de dinheiro esperados durante os cinco dias imediatamente seguintes ao levantamento da moratória. Uma vez que essa capacidade de reequilíbrio não foi alcançada, o CUR também fez sua a estimativa do BCE, afirmando que a recorrente não seria provavelmente capaz, num futuro próximo, de pagar as suas dívidas no respetivo vencimento e que se encontrava em situação ou em risco de insolvência.

108

Nestas condições e atendendo à ampla margem de apreciação de que dispunha o CUR em aplicação da jurisprudência evocada nos n.os 91 a 94, supra, no âmbito da apreciação económica complexa que é a avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente, o CUR, embora não estando vinculado pelo exame e a estimativa do BCE, não cometeu um erro de direito ao basear‑se nesta, uma vez que o BCE é a instituição mais bem colocada para efetuar a avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente.

109

Por conseguinte, a argumentação da recorrente não pode ser acolhida.

– Quanto à avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente, que se baseia essencialmente na sua crise de liquidez

110

Segundo a recorrente, o BCE considerou, erradamente, que um problema temporário de acesso a uma certa liquidez justificava a conclusão de que ela se encontrava em situação ou em risco de insolvência. O BCE baseou‑se numa única circunstância, a saber, a escassez temporária de tesouraria na sequência dos levantamentos maciços de dinheiro no período de 14 a 16 de fevereiro de 2018, e não teve suficientemente em conta a situação global da recorrente. Esta sustenta que nem o seu rácio de cobertura nem a sua forte capitalização foram suficientemente tidas em conta. Resulta, nomeadamente, das Orientações da ABE que todos os elementos objetivos que rodeiam as dificuldades de uma instituição de crédito devem ser ponderados para determinar se esta se encontra em situação ou em risco de insolvência.

111

Importa salientar, antes de mais, que, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014, considera‑se que uma entidade se encontra em situação ou em risco de insolvência quando se verificar uma ou mais das circunstâncias enumeradas nas alíneas a) a d) da referida disposição. No caso em apreço, o BCE entendeu que a recorrente era incapaz, ou existiam elementos objetivos que permitiam concluir que iria ser, dentro de pouco tempo, incapaz de pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento, na aceção do artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do mesmo regulamento. Como alegou acertadamente o BCE, não resulta do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 que o BCE e o CUR devam ter em conta elementos como o rácio de cobertura ou a capitalização de uma instituição de crédito antes de poderem concluir que esta está em situação ou em risco de insolvência.

112

Esta consideração não pode ser posta em causa pelas Orientações da ABE. Com efeito, segundo o ponto 5 da sua versão em língua inglesa, as referidas orientações visam favorecer, por força do artigo 32.o, n.o 6, da Diretiva 2014/59, a convergência das práticas de supervisão e de resolução no que respeita à interpretação das diferentes circunstâncias em que uma instituição é considerada em situação ou em risco de insolvência. O BCE sustenta, com razão, que estas orientações não podem ser interpretadas em contradição com o Regulamento n.o 806/2014 e que, portanto, não impõem condições suplementares que não decorrem do artigo 18.o do referido regulamento.

113

Em todo o caso, em conformidade com o ponto 14 das Orientações da ABE, na versão em língua inglesa, a autoridade de resolução deve avaliar os elementos objetivos relativos, nomeadamente, à situação de fundos próprios da instituição de crédito e à sua posição de liquidez. Ora, segundo o ponto 16 da versão em língua inglesa dessas orientações, embora, na maior parte dos casos, esteja previsto que vários dos fatores definidos nas referidas orientações, e não apenas um deles, permitem determinar se uma instituição de crédito se encontra em situação ou em risco de insolvência, não é menos verdade que, em certas circunstâncias, é possível que apenas uma das condições baste para desencadear uma resolução, em função da sua severidade e do seu impacto prudencial. Portanto, contrariamente ao que alega a recorrente, não resulta das Orientações da ABE que várias condições ou fatores têm necessariamente de ser tomadas em consideração antes de se poder concluir que uma instituição de crédito não está ou não estará em condições de pagar as suas dívidas ou outras obrigações num futuro próximo.

114

Em seguida, como alegou o BCE, a existência de liquidez é primordial para uma instituição de crédito, dado que a sua função principal é receber depósitos do público e reinvesti‑los na economia real através da concessão de empréstimos. Esta função de intermediário assenta na premissa de que um depositante deve poder obter a devolução dos depósitos a pedido, em princípio, de imediato. Se um banco não pode reembolsar os fundos dos depositantes, isso afeta não só a confiança nessa instituição de crédito mas também, potencialmente, por propagação, a confiança na totalidade do sistema bancário. Por outro lado, é pacífico que os fenómenos de levantamento maciço dos depósitos afetam não só as instituições de crédito em dificuldade mas também as instituições sãs na sequência de uma perda de confiança do público na solidez deste sistema (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Kantarev, C‑571/16, EU:C:2018:807, n.o 56 e jurisprudência referida).

115

Consequentemente, em circunstâncias como as do caso em apreço, caracterizadas por levantamentos maciços de depósitos na sequência de uma quebra de confiança entre a instituição de crédito e a sua clientela, o rácio de cobertura dessa instituição e a sua capitalização são de menor importância em relação à disponibilidade imediata de liquidez nessa instituição. Por conseguinte, a argumentação da recorrente deve ser rejeitada.

– Quanto à conclusão do BCE segundo a qual a recorrente devia dispor, para impedir a sua insolvência, de mil milhões de euros em dinheiro detidos no Banco da Letónia em 23 de fevereiro de 2018 às 18h00

116

A recorrente alega, em substância, que a capacidade de reequilíbrio no montante de mil milhões de euros na sua conta no Banco da Letónia, considerada necessária pelo BCE para reembolsar os depósitos suscetíveis de serem levantados a curto prazo no momento de uma eventual reabertura da recorrente após um levantamento da moratória, era desproporcionada.

117

Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a avaliação da sua situação ou do seu risco de insolvência efetuada pelo BCE, e retomada pelo CUR, não teve em conta o facto de que os depósitos à ordem, sem vencimento e, portanto, exigíveis no imediato, tinham sido convertidos em depósitos a prazo num montante de 449 milhões de euros em 22 de fevereiro de 2018. De acordo com a recorrente, esses depósitos não eram exigíveis, sem o seu consentimento, durante um período de seis meses após a conversão, razão pela qual esses depósitos não podiam ser reclamados a curto prazo. O montante dos depósitos imediatamente exigíveis ascendia, por conseguinte, a 1,596 mil milhões de euros e não a 2,043 mil milhões de euros, como avaliado pelo BCE.

118

Em segundo lugar, a recorrente entende que a tese do BCE de que os levantamentos de depósitos continuaram ao mesmo ritmo que durante os três dias que precederam a suspensão dos pagamentos, de 14 a 16 de fevereiro de 2018, a saber, levantamentos de 200 milhões de euros em média por dia, não tem fundamento. Nada demonstra que o levantamento dos depósitos teria retomado de forma linear após o eventual levantamento da moratória. Alega que, após o levantamento inicial dos depósitos mais voláteis, restaria um saldo de base de depósitos mais estáveis. Quanto a este ponto, a recorrente refere‑se ao processo interno de avaliação da adequação da liquidez (internal liquidity adequacy assessment process, ILAAP), aprovado pelo BCE no âmbito da sua decisão mais recente relativa ao processo de controlo e de avaliação prudenciais (Supervisory Review and Evaluation Process, SREP) de 2017, do qual resulta que uma grande parte dos depósitos à ordem é estável e beneficia da confiança dos depositantes.

119

Além disso, o volume das saídas já era menos elevado em 16 de fevereiro de 2018 por comparação com a véspera. As tentativas de levantar montantes através da Internet só dizem respeito a 28 milhões de euros por dia útil durante a moratória. Acresce que a recorrente já tinha cumprido um número considerável das suas obrigações de pagamento em dólares dos Estados Unidos através de transferências de títulos em euros, embora, em 15 de fevereiro de 2018, tivesse tomado a decisão de substituir os pagamentos em dólares dos Estados Unidos por pagamentos em euros ou em espécie e, a partir de 16 de fevereiro, de cessar completamente os pagamentos sobre as dívidas expressas em dólares dos Estados Unidos, invocando uma causa de força maior. Durante este período de força maior, foram ainda pagos em espécie 167 milhões de euros a título das obrigações da recorrente de pagamento em dólares dos Estados Unidos. É muito improvável que os pedidos destinados a levantar depósitos imediatamente após o levantamento da moratória dissessem respeito a montantes de 200 milhões de euros por dia.

120

Em resposta a estes argumentos, primeiro, há que salientar, à semelhança do BCE, que não havia a garantia de que os depósitos convertidos em depósitos a prazo não seriam levantados a curto prazo, eventualmente mediante o pagamento de uma penalidade. O BCE sublinhou ainda, na audiência de alegações, que a grande maioria dos depositantes não tinha aceitado a conversão em depósitos a prazo. Daí deduziu que esses depositantes que recusaram a conversão podiam reclamar a restituição dos seus depósitos a curto prazo. Tratava‑se de depósitos no valor de 1,596 mil milhões de euros. Além disso, salientou que a conversão de um certo número de depósitos não alterou a estimativa de que os levantamentos iriam prosseguir a um ritmo de 200 milhões de euros por dia em média e que, por conseguinte, era necessário que a recorrente dispusesse de uma capacidade de reequilíbrio de mil milhões de euros antes da eventual reabertura dessa instituição de crédito.

121

Os argumentos invocados pela recorrente não são suscetíveis de pôr em causa a apreciação dos factos feita pelo BCE. Com efeito, a recorrente limita‑se a afirmar, sem apresentar provas que o sustentem, que estava acordado quanto aos depósitos a prazo que estes não seriam reclamados durante um período de seis meses. Em todo o caso, mesmo admitindo que esta afirmação esteja provada e fundamentada, não infirma a estimativa do BCE de que os levantamentos iriam provavelmente prosseguir à mesma velocidade e na mesma dimensão após uma reabertura hipotética da entidade em causa e que, por conseguinte, era necessário dispor de um montante elevado de liquidez para fazer face aos pedidos durante os cinco dias seguintes a essa reabertura. Com efeito, os depósitos não convertidos ascendiam ainda a 1,596 mil milhões de euros, montante que ultrapassa largamente a capacidade de reequilíbrio de mil milhões de euros exigida pelo BCE.

122

Segundo, nada nos autos de que dispõe o Tribunal Geral permite pôr em causa a estimativa do BCE de que as avaliações internas anteriores da adequação da liquidez da recorrente, invocadas por esta, eram de um valor limitado no momento da situação excecional que deu origem à Decisão SRB/EES/2018/09. É verdade que o ILAAP da recorrente tinha sido aprovado pelo BCE em 2017, mas é ponto assente que a recorrente foi confrontada, em fevereiro de 2018, com uma situação imprevista de levantamentos maciços dos depósitos na sequência de uma perda de confiança do público na solidez desta instituição de crédito, e isso independentemente da questão de saber se era uma instituição sã ou em dificuldade.

123

Nestas condições extraordinárias, o BCE não cometeu um erro manifesto de apreciação ao basear‑se no montante dos levantamentos de depósitos de 14 a 16 de fevereiro de 2018, que refletia de forma adequada a situação dessa instituição de crédito no momento da avaliação da situação ou do risco de insolvência e da adoção da decisão impugnada. Com efeito, como alegou acertadamente o BCE, a utilização da média das saídas de tesouraria de 200 milhões de euros por dia de 14 a 16 de fevereiro de 2018 para efeitos do cálculo da reserva de liquidez prevista na data‑limite explica‑se pelo facto de que, durante uma crise de liquidez, as saídas de tesouraria podem ser voláteis e a tomada em consideração de uma média reduz o risco de erro de cálculo. Além disso, o BCE baseou‑se em dados não contestados, objetivos e atuais no momento da adoção da Decisão SRB/EES/2018/09. Tendo em conta o prejuízo para a reputação da recorrente e a consequente falta de confiança, o BCE não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que os levantamentos de depósitos continuariam ao mesmo ritmo após o levantamento da moratória, uma vez que não tinha entretanto ocorrido nenhum evento suscetível de tranquilizar os mercados.

124

De resto, o argumento da recorrente de que a dimensão dos levantamentos de depósitos tinha demonstrado uma tendência decrescente entre 14 e 16 de fevereiro de 2018 também não pode ser acolhido. A este respeito, o BCE indicou, na audiência de alegações, sem ser contraditado, que o montante dos levantamentos era mais elevado em 15 de fevereiro que em 14 de fevereiro, pelo que não havia fundamento para concluir por uma tendência crescente ou decrescente. Por conseguinte, a argumentação da recorrente deve ser rejeitada.

– Outros argumentos relativos à avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente pelo BCE, adotada pelo CUR

125

A recorrente invoca uma série de outros argumentos em apoio da sua contestação do resultado da avaliação da situação ou do risco de insolvência feita pelo BCE, adotada pelo CUR. Assim, alega, em substância, que o BCE não teve em conta todos os ativos líquidos de que dispunha ou podia dispor. O BCE teve em consideração o montante de 694 milhões de euros disponíveis na data‑limite, em 23 de fevereiro de 2018 às 18h00, na conta da recorrente no Banco da Letónia e ignorou os ativos que não figuravam nessa conta. A recorrente argumenta, em substância, que uma série de ativos no valor de 690 milhões de euros foram indevidamente excluídos pelo BCE, ativos que poderiam ter sido convertidos em numerário se o BCE o tivesse pedido. Esses ativos estariam disponíveis num prazo razoável em função e à medida dos levantamentos de depósitos.

126

Antes de mais, quanto ao facto de só os ativos líquidos na conta da recorrente no Banco da Letónia terem sido tomados em consideração pelo BCE, há que salientar que este confirmou, na audiência de alegações, que só a liquidez disponível nessa conta era verificável por si, ao passo que a disponibilidade imediata de outros ativos não era controlável. De resto, o argumento da recorrente de que não tinha sido informada do facto de que só a liquidez disponível nessa conta podia ser tomada em consideração para calcular a capacidade de reequilíbrio na data‑limite não pode deixar de ser rejeitado. Como alegou o BCE, no n.o 93 do articulado de intervenção e sem ser contraditado, esta exigência foi comunicada de forma clara aos representantes da recorrente, nomeadamente numa reunião de 20 de fevereiro de 2018, cuja ata figura no anexo F.4.1 do articulado de intervenção do BCE.

127

A recorrente não pode validamente criticar o BCE por não ter distinguido entre a liquidez na sua posse e o acesso a essa liquidez, dado que alguns ativos estavam temporariamente inacessíveis. Com efeito, a recorrente não demonstrou que o acesso a essa liquidez teria sido restabelecido a tempo para satisfazer os pedidos de levantamentos de depósitos.

128

Daqui resulta que o BCE teve em conta e avaliou os ativos mencionados pela recorrente, mas baseou, devido à incerteza quanto à disponibilidade imediata desses ativos, a sua conclusão apenas nos ativos concretamente disponíveis na conta da recorrente no Banco da Letónia na data‑limite.

129

A este respeito, o BCE explicou, nos n.os 15 a 19 do articulado de intervenção, que os ativos líquidos que uma instituição de crédito detém para responder às saídas de tesouraria proveem principalmente de duas fontes. A primeira fonte é constituída por dinheiro, isto é, em princípio, contas em dinheiro detidas no banco central ou noutros intervenientes, aos quais a instituição em questão pode ter acesso mediante pedido. A segunda fonte de liquidez é constituída por determinados títulos negociáveis de alta qualidade que podem ser dados em garantia, geralmente após aplicação de uma redução sobre o valor nominal, para obter um empréstimo em dinheiro junto de um banco central ou de um parceiro ou que podem ser cedidos a um terceiro para obter o respetivo preço em dinheiro. A obtenção de um empréstimo exige que o depositário detentor dos títulos dê esses títulos em garantia, ao passo que a cessão de títulos pode necessitar de mais tempo, dado que implica a assistência de outros intervenientes, além do depositário detentor do título, como o depositário central de títulos e o banco comercial ou central.

130

Em seguida, sustentou que os fundos existentes nas contas em numerário, em particular os detidos num banco central, estavam imediatamente disponíveis para um banco que tinha necessidade de tesouraria para reembolsar depositantes e outros credores. Todavia, o empréstimo nos mercados monetários, ou a obtenção de numerário junto de outras fontes diferentes do banco central, depende da vontade dos parceiros comerciais. Por conseguinte, o financiamento do mercado não pode ser considerado adquirido e pode ser limitado ou ser objeto de reduções muito importantes aplicadas às garantias ou, por vezes, estar completamente indisponível. Tendo em conta estas restrições ao financiamento de mercado, muitos bancos centrais mantêm uma função de mutuante de último recurso, no âmbito da qual concedem geralmente empréstimos de emergência em dinheiro aos bancos comerciais em troca de garantias, nas situações em que os outros operadores ativos no mercado não estão dispostos a fazê‑lo.

131

Neste contexto, ainda segundo o BCE, a solução para a crise de liquidez da recorrente, que este e a recorrente subscreveram, era tentar transformar os ativos supostamente líquidos desta instituição de crédito num montante em dinheiro suficiente, uma capacidade de reequilíbrio, que seria imediatamente mobilizável pelo banco sem qualquer restrição a fim de responder aos pedidos de levantamentos.

132

Ora, dado que vários parceiros detentores de valores mobiliários da recorrente não quiseram libertar os ativos desta devido ao projeto de medida do FinCEN e que a maioria dos bancos correspondentes da recorrente puseram termo às suas relações comerciais ou impuseram limites importantes aos montantes das operações, só os saldos de tesouraria ou os títulos detidos no Banco da Letónia podiam ser considerados imediatamente mobilizáveis a fim de responder aos futuros pedidos de levantamentos dos depósitos, segundo o BCE.

133

Tendo em conta o que precede, o BCE forneceu uma explicação plausível das razões pelas quais os ativos, cuja disponibilidade real na conta da recorrente no Banco da Letónia no momento do vencimento não estava provada, não podiam ser tidos em conta para efeitos do cálculo da capacidade de reequilíbrio.

134

Por outro lado, a recorrente invoca um certo número de categorias específicas de ativos que o BCE deveria ter tomado em consideração para fazer a avaliação da sua situação ou do seu risco de insolvência.

135

No que respeita, em primeiro lugar, aos rendimentos da venda de títulos no valor de 407 milhões de euros, não se pode deixar de observar que a recorrente não fez prova bastante de que esses títulos constituíam ativos fácil e imediatamente mobilizáveis e utilizáveis para pagar aos depositantes que pretendiam levantar os seus depósitos imediatamente após o eventual levantamento da moratória. É pacífico que o produto desta venda, admitindo que tenha sido realizada, não foi depositado na conta da recorrente no Banco da Letónia antes de 23 de fevereiro de 2018 às 18h00, como salientou com razão o BCE. Por conseguinte, o BCE não pode ser criticado por não ter contabilizado os títulos ou os rendimentos da sua presumida venda na liquidez diretamente disponível no dia seguinte a 23 de fevereiro de 2018 para restituir os depósitos em caso de pedido.

136

No que respeita, em segundo lugar, aos ativos líquidos que a recorrente detinha nas contas «nostro» (contas bancárias detidas pela recorrente noutros bancos) no valor de 29 milhões de euros e aos ativos no valor de 13 milhões de euros na sua posse na conta detida no Euroclear, há que observar que o BCE os teve em conta nos pontos 30 e 31 da avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente. Os títulos detidos junto do Euroclear por conta da recorrente eram, em seu entender, títulos de alta qualidade, como obrigações do Estado, e facilmente convertíveis num prazo razoável. Todavia, há que declarar que o produto dessas conversões também não foi liberado tempestivamente, pelo que os montantes correspondentes não estavam disponíveis na conta da recorrente no Banco da Letónia em 23 de fevereiro de 2018 às 18h00. Com efeito, resulta das tabelas que figuram nos anexos G.4 e G.5 das observações da recorrente relativas ao articulado de intervenção do BCE que uma parte considerável dos produtos das vendas foi pago pelo Euroclear à recorrente bastante depois dessa data.

137

O argumento da recorrente de que a conversão dos ativos muito líquidos devia ser feita em função dos pagamentos correntes e que, depois de 23 de fevereiro de 2018, se constatou que o prazo de conversão de certos títulos tinha diminuído não pode pôr em causa a apreciação do BCE, dado que este considerou, sem cometer um erro manifesto de apreciação, como resulta dos n.os 126 a 133, supra, que só a existência de liquidez na conta da recorrente no Banco da Letónia garantia a sua disponibilidade imediata.

138

A mesma consideração é válida, em terceiro lugar, no que respeita aos outros títulos de que dispunha a recorrente e que poderiam ter sido vendidos no valor de 358 milhões de euros, entre os quais figurava uma quantidade de títulos de primeira ordem no valor de 229 milhões de euros e, em quarto lugar, aos 12 milhões de euros em dinheiro que a recorrente afirma que dispunha. Não se pode deixar de observar que a disponibilidade imediata dos referidos ativos após o eventual levantamento da moratória não foi provada e que esses ativos também não tinham sido convertidos em liquidez na conta da recorrente no Banco da Letónia em 23 de fevereiro de 2018 ao final do dia.

139

Em quinto lugar, a recorrente alega que o BCE errou ao decidir, em 21 de fevereiro de 2018, limitar o acesso da recorrente às operações de política monetária (monetary policy operations, MPO). Assim, não teve acesso a uma linha de crédito de 40 milhões de euros que poderia ter sido utilizada para libertar liquidez adicional. O BCE responde que se trata de uma decisão do seu Conselho de 21 de fevereiro de 2018 tomada no âmbito da supervisão prudencial. Não se pode deixar de observar que a recorrente não contesta realmente a procedência dessa decisão do Conselho do BCE e não expõe claramente de que modo o acesso à referida linha de crédito poderia ter contribuído para liberar liquidez adicional a fim de satisfazer o objetivo da disponibilidade de mil milhões de euros na conta da recorrente no Banco da Letónia. Em todo o caso, a referida decisão não faz parte da decisão impugnada no presente recurso, nem constitui o seu fundamento jurídico, pelo que não é objeto do litígio.

140

Importa sublinhar que, em condições como as do caso em apreço, tendo em conta a precaução e a prudência exigidas ao BCE em situações de crise, este tinha o direito de tomar em conta unicamente a liquidez imediatamente disponível na conta da recorrente no Banco da Letónia, a fim de afastar qualquer risco de os pedidos de levantamentos não serem satisfeitos nos cinco dias seguintes ao levantamento da moratória, uma vez que os ativos que a recorrente alega dispor noutro local não estavam rapidamente disponíveis.

141

A avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente pelo BCE, em seguida, adotada pelo CUR, também não é posta em causa pelo argumento de que a exigência formulada pelo BCE relativamente à capacidade de reequilíbrio não era razoável, dado que a recorrente, para cumprir essa exigência, teria de desembolsar quantias importantes a fim de converter títulos e outros ativos em dinheiro imediatamente disponível. Com efeito, este argumento não retira nada à apreciação do BCE em matéria de capacidade de reequilíbrio cuja existência devia ser provada na data de vencimento.

142

Por último, segundo a recorrente, a moratória poderia ter sido prolongada a fim de restabelecer a sua situação em matéria de liquidez sem ativar o sistema de garantia de depósitos. A este respeito, a recorrente entende que o BCE se baseou numa interpretação errada do artigo 2.o, n.o 8, da Noguldījumu garantiju likums (Lei letã sobre a garantia dos depósitos). Esta disposição indica que a CMFC devia tomar uma decisão relativamente à indisponibilidade dos depósitos no prazo de cinco dias úteis a contar da data em que ficou demonstrado que um depositário era incapaz de restituir esses depósitos. Ora, na vigência de uma moratória, é impossível constatar a indisponibilidade dos depósitos, dado que os pagamentos estão, em todo o caso, suspensos. Por este motivo, o argumento apresentado pelo BCE de que uma prorrogação da moratória teria ativado automaticamente o sistema de garantia de depósitos e, por conseguinte, não teria sido possível está, portanto, errado.

143

Este argumento também não pode ser acolhido.

144

No caso em apreço, o BCE considerou que a recorrente estava em situação de carência de tesouraria na sequência dos levantamentos de depósitos maciços que tinham ocorrido entre 14 e 16 de fevereiro de 2018. Fixou à recorrente um prazo de cinco dias, a contar da entrada em vigor da moratória, para restabelecer a sua situação em matéria de liquidez, a fim de poder fazer face a uma próxima vaga de levantamentos. Todavia, passado esse prazo, a recorrente não estava em condições de demonstrar que dispunha de mil milhões de euros na sua conta no Banco da Letónia.

145

Foi, portanto, sem cometer um erro manifesto de apreciação que o BCE concluiu, nesse momento, com base no artigo 18.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea a), e segundo parágrafo, e n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, que a recorrente estava em situação ou em risco de insolvência. Nestas condições, o BCE não estava de forma alguma obrigado a dar instruções à CMFC para prorrogar a moratória.

146

Por conseguinte, tendo em conta a margem de apreciação de que dispunha o CUR no âmbito da sua análise económica complexa, a recorrente não demonstrou que este tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao considerar que ela estava em situação ou em risco de insolvência.

– Quanto à existência de uma perspetiva razoável que outras ações impediriam uma insolvência

147

A recorrente sustenta, em substância, que o CUR não fundamentou suficientemente a sua conclusão de que não existia nenhuma perspetiva razoável de que outras ações do setor privado ou prudenciais, realizadas em relação à recorrente, impediriam a sua insolvência num prazo razoável.

148

O CUR contesta estes argumentos.

149

Em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014, só pode ser adotado um programa de resolução se, nomeadamente, tendo em conta os prazos e outras circunstâncias pertinentes, não existir nenhuma perspetiva razoável de que uma ação alternativa do setor privado, incluindo medidas tomadas por um sistema de proteção institucional, ou uma ação de supervisão, incluindo medidas de intervenção precoce ou de redução ou conversão dos instrumentos de capital relevantes nos termos do artigo 21.o do mesmo regulamento, realizadas em relação à entidade, impediriam a situação de insolvência da entidade num prazo razoável.

150

No ponto 3.2.2 da Decisão SRB/EES/2018/09, o CUR considerou que não existia nenhuma ação alternativa que pudesse razoavelmente ter evitado a insolvência da recorrente. O CUR baseou‑se, em substância, no âmbito do seu exame, em elementos apresentados pelo BCE no contexto da sua avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente.

151

O CUR não pode ser criticado se ter baseado na avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente feita pelo BCE para efetuar o exame da condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014. É certo que as condições referidas no artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), deste regulamento são distintas. Não é menos verdade que, no caso em apreço, o exame de ações alternativas referidas no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento foi integrado na avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente efetuada pelo BCE relativa à condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do mesmo regulamento. Com efeito, antes de concluir que, segundo o BCE, a recorrente se encontrava em situação ou em risco de insolvência, este examinou se essa insolvência podia ainda ser evitada por uma ação alternativa, como uma prorrogação da moratória ou a execução das opções de recuperação da liquidez disponível no plano de recuperação da recorrente de 2017. Além disso, segundo o artigo 18.o, n.o 1, quarto parágrafo, «[é] efetuada uma avaliação da condição referida no primeiro parágrafo, alínea b), pelo CUR […] em estreita cooperação com o BCE» e «[o] BCE pode também informar o CUR […] de que considera que a condição prevista nessa alínea está preenchida». Portanto, o CUR podia basear‑se na análise efetuada pelo BCE.

152

Face aos elementos concretos e objetivos apresentados pelo CUR no ponto 3.2.2 da Decisão SRB/EES/2018/09, a recorrente continua a não expor as razões pelas quais as ações alternativas tomadas em consideração pelo CUR e pelo BCE eram suscetíveis de impedir a sua insolvência num prazo razoável. A recorrente não identifica outras ações que o CUR deveria ter tido em conta no âmbito do seu exame. Nestas condições, a simples afirmação não fundamentada de que o CUR tinha ignorado a existência de ações alternativas não basta para privar de plausibilidade a apreciação deste último e não é suscetível de demonstrar a existência de um erro manifesto de apreciação.

153

Por conseguinte, há que rejeitar o terceiro e quarto fundamentos.

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do direito de ser ouvido e do direito de acesso ao processo administrativo

154

A recorrente alega que o CUR violou o seu direito de ser ouvida, na aceção do artigo 41.o da Carta, ao não lhe dar a possibilidade de apresentar observações perante ele antes da adoção da Decisão SRB/EES/2018/09. Também não teve acesso ao processo administrativo do CUR.

155

O CUR contesta estes argumentos.

156

Há que recordar que artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta prevê que o direito a uma boa administração compreende o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente.

157

O direito de ser ouvido garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses. Importa ainda precisar que o direito de ser ouvido prossegue um duplo objetivo. Por um lado, serve para instruir o processo e apurar os factos do modo mais preciso e correto possível e, por outro, permite assegurar uma proteção efetiva do interessado. O direito de ser ouvido visa, em especial, garantir que qualquer decisão lesiva seja adotada com pleno conhecimento de causa e tem, nomeadamente, por objetivo permitir à autoridade competente corrigir um erro ou à pessoa em causa invocar os elementos relativos à sua situação pessoal que militam no sentido de que a decisão seja tomada, não seja tomada ou tenha determinado conteúdo (v. Acórdão de 4 de junho de 2020, SEAE/De Loecker, C‑187/19 P, EU:C:2020:444, n.os 68 e 69 e jurisprudência referida).

158

Importa salientar que o Tribunal de Justiça afirmou a importância do direito de ser ouvido e o seu alcance muito lato na ordem jurídica da União, ao considerar que este direito deve ser aplicado em qualquer processo que possa ter como resultado um ato lesivo. O respeito do direito de ser ouvido impõe‑se mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente tal formalidade (v. Acórdãos de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 85 e 86 e jurisprudência referida; de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 67 e jurisprudência referida; e de 7 de novembro de 2019, ADDE/Parlamento, T‑48/17, EU:T:2019:780, n.o 89 e jurisprudência referida).

159

O artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta prevê o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial.

160

Importa salientar, antes de mais, que o Regulamento n.o 806/2014 tem por objetivo instituir, em conformidade com o seu considerando 8, mecanismos de resolução mais eficientes, os quais devem constituir um instrumento essencial para evitar os danos que resultaram de situações de insolvência de bancos que ocorreram no passado. Ora, quanto ao procedimento previsto no artigo 18.o deste regulamento, tal objetivo pressupõe uma tomada de decisão rápida, frequentemente em condições de urgência, como ilustram os curtos prazos previstos nesta disposição, para que a estabilidade financeira não seja posta em perigo (Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 55).

161

Todavia, embora a necessidade de celeridade do procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 deva assim ser tida em conta, deve igualmente ser conciliada com o direito de ser ouvido.

162

Além disso, o considerando 26 do Regulamento n.o 806/2014 confirma simultaneamente a competência partilhada entre o BCE, autoridade de supervisão no âmbito do MUS, e o CUR, autoridade de resolução, para avaliar se uma instituição de crédito está ou pode vir a estar em situação de insolvência, e a competência exclusiva do CUR para apreciar se estão preenchidas as outras condições exigidas para a adoção de um programa de resolução (Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 64).

163

Atendendo à natureza desse procedimento administrativo complexo previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 e conduzido pelo BCE e pelo CUR conjunta e sucessivamente, nem o artigo 41.o da Carta nem as disposições do referido regulamento exigem que a entidade afetada pela decisão de adotar ou não adotar um programa de resolução seja ouvida em cada fase do procedimento por cada um destes dois órgãos separadamente.

164

No caso em apreço, é pacífico, em primeiro lugar, que, embora a recorrente não tenha sido ouvida pelo CUR antes da adoção da Decisão SRB/EES/2018/09, foi ouvida várias vezes pelo BCE.

165

Assim, foi dada à recorrente a possibilidade de se exprimir, no âmbito da avaliação da situação ou do risco de insolvência, sobre os elementos pertinentes. Além disso, como resulta do n.o 151, supra, o BCE examinou as ações alternativas suscetíveis de impedir a insolvência da recorrente. Na sua avaliação, efetuada após ter ouvido a recorrente, o BCE examinou os seus argumentos, resumindo‑os e respondendo‑lhes. Por conseguinte, o CUR, ao qual a avaliação do BCE foi, em seguida, comunicada, tinha pleno conhecimento dos argumentos da recorrente quando da adoção da Decisão SRB/EES/2018/09, na qual fez suas as conclusões do BCE relativas às condições impostas pelo artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014.

166

É certo que, na Decisão SRB/EES/2018/09, o CUR examinou pela primeira vez a condição imposta pelo artigo 18.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, segundo a qual deve ser necessária uma medida de resolução para defesa do interesse público. Todavia, nenhuma das críticas da recorrente é dirigida contra a alegada falta de interesse público, mas sim contra, por um lado, as conclusões de que a recorrente se encontrava em situação ou em risco de insolvência, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, e, por outro, a constatação de que, tendo em conta os prazos e outras circunstâncias relevantes, não existia nenhuma perspetiva razoável de que uma ação alternativa do setor privado ou uma ação prudencial impediriam a situação de insolvência da recorrente num prazo razoável na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento. Por conseguinte, quanto aos pontos que contesta, a recorrente foi ouvida no âmbito do procedimento administrativo.

167

Importa igualmente sublinhar que não ocorreu nenhum novo acontecimento e que não foi dado conhecimento ao CUR de nenhum novo dado entre, por um lado, a comunicação, pelo BCE, da sua avaliação da situação ou do risco de insolvência da recorrente e, por outro, a adoção da decisão impugnada. Além disso, o CUR não baseou a Decisão SRB/EES/2018/09 em elementos diferentes dos já considerados pelo BCE e sobre os quais a recorrente já foi ouvida, no que respeita aos elementos dessa decisão que foram contestados pela recorrente no âmbito do presente processo. O CUR também não baseou essa decisão em fundamentos diferentes dos expostos pelo BCE.

168

Nestas condições, há que salientar que o direito da recorrente de ser ouvida não foi violado.

169

Em segundo lugar, em relação ao direito de acesso ao processo, o Tribunal de Justiça considerou que a existência de uma violação dos direitos de defesa, incluindo o referido direito, deve ser apreciada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto, nomeadamente da natureza do ato em causa, do contexto em que foi adotado e das regras jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 97 e jurisprudência referida) No caso em apreço, basta salientar que a recorrente não alegou nem demonstrou que não tinha podido consultar os documentos pertinentes para o exame efetuado pelo BCE, nomeadamente no âmbito do diálogo entre ela e esta instituição no contexto do referido exame e os autos submetidos ao Tribunal Geral não contém nenhum indício nesse sentido. A recorrente também não precisou os documentos a que alegadamente não tinha tido acesso no âmbito do exame efetuado pelo BCE e aos quais deveria ter tido acesso no âmbito do procedimento perante o CUR, nem de que modo estes lhe teriam permitido assegurar melhor a sua defesa. Além disso, não se pode deixar de observar que o CUR não se baseou em documentos diferentes daqueles em que se baseou o exame efetuado pelo BCE.

170

Por conseguinte, há que rejeitar o quinto fundamento.

[Omissis]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A ABLV Bank AS é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas pelo Conselho Único de Resolução (CRU).

 

3)

O Banco Central Europeu (BCE) suportará as suas próprias despesas.

 

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de julho de 2022.


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

Naar boven