COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 24.10.2023
COM(2023) 650 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
Relatório sobre o Estado da União da Energia de 2023
(nos termos do Regulamento (UE) 2018/1999 relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática)
{SWD(2023) 646 final}
Introdução e destaques
No último ano, precisamente quando o mundo começava a sair da crise económica desencadeada pela pandemia mundial, a União Europeia (UE) foi confrontada com um dos maiores desafios desde a sua fundação, com uma guerra a lavrar no continente e a pior crise energética registada nas últimas décadas a nível mundial. A Ucrânia foi alvo de uma agressão militar injustificada e não provocada e a Rússia instrumentalizou o aprovisionamento energético com o intuito de perturbar o aprovisionamento de combustíveis fósseis na Europa e, por conseguinte, prejudicar a nossa economia.
Foi necessário tomar medidas para poupar energia, diversificar o nosso aprovisionamento energético e acelerar a transição para as energias limpas, por forma a diminuir a dependência das importações de combustíveis fósseis russos o mais rapidamente possível. A UE e os seus 27 Estados-Membros adotaram medidas sólidas, decisivas e concertadas. A Comissão propôs o plano REPowerEU, o qual foi acompanhado, ao longo do ano, por várias medidas legislativas de emergência adotadas com grande celeridade. Enquanto UE, de forma conjunta, conseguimos evitar perturbações no aprovisionamento energético, lográmos aliviar a pressão sobre os mercados da energia e impulsionámos a oferta de energias renováveis limpas. Em maio de 2023, pela primeira vez na história, a UE produziu mais eletricidade a partir de energia eólica e solar do que a partir de combustíveis fósseis.
Em suma, a UE logrou evitar os piores efeitos da crise energética. Ao mesmo tempo, aproveitámos a crise para reforçar o nosso objetivo de acelerar a transição para as energias limpas, que visa tornar a Europa o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050. O Pacto Ecológico Europeu, a «resposta ao apelo da história» por parte da UE constitui não só um imperativo climático e uma estratégia de crescimento da Europa, mas também uma necessidade para a segurança e autonomia energéticas da UE. Com efeito, o Pacto Ecológico Europeu tornou-se um elemento central da nossa estratégia económica global e um facilitador essencial do crescimento e da competitividade.
Talvez os piores efeitos da crise tenham agora ficado para trás, mas não pode haver lugar para complacências. Os mercados da energia permanecem vulneráveis, os subsídios aos combustíveis fósseis aumentaram durante a crise, a inflação continua elevada, as nossas infraestruturas críticas têm de ser protegidas, nomeadamente contra sabotagens, e o impacto da crise demonstra os riscos de dependência de fontes pouco fiáveis. No longo prazo, a UE deverá continuar a assegurar aos agregados familiares energia fiável, acessível e a preços comportáveis, bem como ampliar a competitividade industrial e económica da sua indústria e economia, a fim de preservar a sua condição de ator essencial a nível mundial. A crise energética e as perturbações da cadeia de abastecimento nos últimos dois anos evidenciam a importância de expandir a capacidade de produção da indústria de impacto zero da UE e de reforçar a sua competitividade. Com o Regulamento Indústria de Impacto Zero, a Comissão propôs reformas importantes para aumentar a capacidade de produção na UE, as quais serão complementadas por medidas destinadas a proteger melhor a nossa indústria contra distorções do mercado por parte de países terceiros. Uma indústria europeia de tecnologias limpas forte é crucial para o futuro da UE.
O relatório anual sobre o Estado da União da Energia, a par dos relatórios que o acompanham, é um instrumento importante para fazer o balanço dos progressos realizados pela UE na consecução dos objetivos da União da Energia e da transição para as energias limpas, em consonância com as metas climáticas e energéticas. O relatório deste ano analisa a forma como a UE reagiu a crises e desafios sem precedentes durante o atual mandato da Comissão e toma em consideração os desafios que subsistem.
O relatório divide-se em três partes. A primeira parte descreve o modo como as elevadas ambições em matéria climática e ambiental no âmbito do Pacto Ecológico Europeu serviram de base à estratégia da UE de resposta a situações de crise e a uma estratégia para o crescimento e a competitividade. A segunda parte analisa a situação atual da realização da União da Energia nas suas cinco dimensões, tendo por base a avaliação pela Comissão dos relatórios intercalares dos Estados-Membros sobre os respetivos planos nacionais em matéria de energia e clima (PNEC). A última parte é dedicada aos desafios futuros para o sistema energético e a política energética da UE.
Juntamente com o presente relatório, é publicado um conjunto de relatórios anexos, indicados infra. Estes documentos avaliam mais aprofundadamente os progressos alcançados pelas iniciativas da União da Energia nas suas cinco dimensões e da transição para as energias limpas.
-Avaliação dos progressos realizados na consecução dos objetivos da União da Energia e da Ação Climática
-Relatório intercalar sobre a competitividade de 2023
-Relatório sobre a sustentabilidade da bioenergia, nos termos do Regulamento (UE) 2018/1999
-Relatório sobre a renovação do parque nacional de edifícios residenciais e não residenciais e sobre os edifícios com necessidades quase nulas de energia, nos termos do Regulamento (UE) 2018/1999
-Relatório sobre a aplicação da Diretiva Eletricidade [Diretiva (UE) 2019/944]
-Relatório de 2023 sobre os subsídios à energia na Europa
-Relatório intercalar sobre a ação climática
-Relatório sobre o funcionamento do mercado do carbono em 2022
-Relatório sobre a qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel para utilização nos transportes rodoviários
-Relatório sobre a aplicação da Diretiva 2009/31/CE relativa ao armazenamento geológico de dióxido de carbono
Estado da União da Energia — principais realizações em 2023
-A UE diversificou rapidamente as suas importações de energia para além da Rússia, tendo assim garantido, em última instância, a sua segurança energética. A Plataforma Energética da UE contribuiu para os objetivos de diversificação da UE, através de um mecanismo de agregação da procura. Até outubro de 2023, três concursos tinham sido realizados com êxito, os quais registaram uma procura agregada de 44,75 mil milhões de m3 e relativamente à qual o volume de propostas de fornecimento ascende a 52 mil milhões de m3.
-As importações totais de gás russo diminuíram para cerca de 80 mil milhões de m3 em 2022 e estima-se que diminuam para 40-45 mil milhões de m3 em 2023, comparativamente aos 155 mil milhões de m3 anuais antes da crise.
-Para compensar a redução das importações provenientes da Rússia, a UE aumentou as suas importações de gás natural e GNL da Noruega e dos EUA. Apesar do crescimento das importações de gás natural liquefeito (GNL) russo, a percentagem global de gás russo (GNL e gás natural conduzido) nas importações totais de gás da UE baixou de um intervalo entre 45 % e 50 % nos anos anteriores à crise para 15 %, e a percentagem de gás russo transportado por gasoduto baixou para menos de 10 % desde janeiro de 2023.
-A UE também intensificou os esforços envidados a nível mundial para incentivar o aumento da redução das emissões de metano, quer enquanto elemento da ação climática, quer enquanto forma de apoio à segurança energética. A exploração dos sistemas ditos de «aquisição condicionada à recolha» («You Collect/We Buy») aumenta a disponibilidade de gás para a UE e para o mercado mundial.
-A procura de energia da UE e da sua indústria energeticamente intensiva diminuiu em comparação com os níveis anteriores à crise da COVID-19, nomeadamente através de uma poupança no consumo de gás superior a 18 % em relação aos cinco anos anteriores. Ao mesmo tempo, a UE abasteceu as suas instalações de armazenamento de gás até uma capacidade de 95 % antes do inverno de 2022-2023 e evitou perturbações energéticas. A UE também tinha atingido a sua meta de enchimento de 90 % das instalações de armazenamento de gás em 18 de agosto, mais de dois meses antes da data-limite de 1 de novembro de 2023.
-A UE acelerou a instalação de capacidades de energias renováveis e produziu quantidades crescentes de eletricidade renovável. Em 2022, 39 % da e, em maio de 2023, a energia eólica e solar ultrapassou, pela primeira vez, a produção total de eletricidade a partir de combustíveis fósseis2022 foi um ano recorde para a nova capacidade instalada de energia solar fotovoltaica (41 GW), que aumentou 60 % em relação a 2021 (26 GW). A capacidade eólica marítima e terrestre alcançou resultados semelhantes (mais 45 % de capacidade instalada do que em 2021), graças também à aceleração dos processos de licenciamento.
-A UE acordou metas mais elevadas no respeitante à transição para as energias limpas, em conformidade com o REPowerEU e o Pacto Ecológico Europeu. Os colegisladores chegaram a acordo sobre uma meta de 42,5 % de energias renováveis no cabaz energético da UE até 2030, com a ambição de atingir 45 %, e sobre a meta de redução do consumo de energia final a nível da UE de 11,7 % até 2030 comparativamente às projeções do cenário de referência de 2020.
-Em resultado da atual legislação da UE em matéria de clima e energia, as emissões de gases com efeito de estufa da UE já diminuíram 32,5 % em relação a 1990, enquanto a economia da UE cresceu mais de 67 % no mesmo período, dissociando o crescimento das emissões.
-Em março de 2023, a Comissão propôs uma reforma seletiva da configuração do mercado da eletricidade e do regulamento relativo à integridade e à transparência nos mercados grossistas da energia. As disposições propostas visam tornar a indústria da UE limpa e mais competitiva e incluem medidas estruturais para capacitar e proteger os consumidores e reduzir a influência dominante do gás no preço da eletricidade. A reforma proposta promoverá mercados competitivos e uma fixação dos preços transparente, com vista a preparar o sistema energético da UE para uma economia descarbonizada.
-Paralelamente a estas intervenções, foram introduzidas medidas de apoio com o objetivo de aliviar os agregados familiares e as empresas perante os elevados preços da energia. Essas medidas lograram atenuar os impactos da crise energética no custo de vida. Nomeadamente, embora o número de pessoas afetadas pela pobreza energética tenha registado um aumento de 10,7 milhões em toda a UE, esse aumento teria sido ainda mais significativo se não tivesse havido intervenções políticas.
-A Comissão tem apoiado os Estados-Membros a fim de otimizar a utilização das nossas infraestruturas de gás. Ao longo dos últimos meses, a UE realizou progressos notáveis na diversificação do seu aprovisionamento energético e no reforço das infraestruturas de gás natural existentes através de gasodutos, como, por exemplo, o gasoduto báltico, Polónia-Eslováquia, o Interconector Grécia-Bulgária, permitindo o fluxo inverso entre a França e a Alemanha, e os terminais de GNL, por exemplo, na Alemanha, Itália e Finlândia.
-Pouco depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 16 de março de 2022, a UE sincronizou a Ucrânia e a Moldávia com a rede continental europeia, o que representou um marco histórico. As trocas comerciais de eletricidade tiveram início no verão de 2022. Os Estados bálticos chegaram a acordo no sentido de acelerar, até fevereiro de 2025, a sincronização das suas redes com a rede continental europeia.
-Em janeiro de 2023, os Estados-Membros chegaram a acordo sobre objetivos não vinculativos para a produção de energia renovável marítima até 2050, com objetivos intermédios para 2030 e 2040, em cada uma das cinco bacias marítimas da UE. Os novos objetivos para 2030 são quase o dobro da meta de 61 GW estabelecida na estratégia da Comissão para 2020. Tal resulta numa ambição global de instalar cerca de 111 GW de capacidade de produção de energia renovável marítima até ao final da presente década e aumenta para cerca de 317 GW até meados do século, em conformidade com a Estratégia para a Energia de Fontes Renováveis ao Largo.
-Em maio de 2023, a Comissão emitiu recomendações específicas por país no âmbito do Semestre Europeu sobre a transição ecológica para todos os Estados-Membros, centradas particularmente nas energias renováveis, nas infraestruturas energéticas e na eficiência energética.
-A execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência prossegue a bom ritmo. Dos 705 objetivos intermédios e metas cumpridos de forma satisfatória até à data, 261 objetivos intermédios e metas cumpridos contribuem para o objetivo climático. Desde 1 de março de 2022, a maioria dos progressos foi alcançada nos domínios de intervenção da eficiência energética, da mobilidade sustentável, das energias renováveis e das redes. A contribuição total prevista para a ação climática dos 27 planos nacionais de recuperação e resiliência ascende a 254 mil milhões de EUR, ou seja, 50 % da sua dotação global.
-Em fevereiro de 2023, a UE adotou o Regulamento Mecanismo de Recuperação e Resiliência alterado, que prevê financiamento adicional (até 166 mil milhões de EUR disponíveis) para investimentos e reformas que concretizarão os objetivos REPowerEU.
-Importa salientar que a primeira avaliação dos progressos dos Estados-Membros na execução dos respetivos PNEC apresentados em 2019, realizada em 2023, revela que continuam a ser necessários esforços de execução e uma ambição substancial para cumprir os objetivos reforçados da UE para 2030 e manter o rumo de consecução da neutralidade climática até 2050.
|
1. O PACTO ECOLÓGICO EUROPEU ENQUANTO ESTRATÉGIA DE CRESCIMENTO E RESPOSTA A SITUAÇÕES DE CRISE: RUMO À NEUTRALIDADE CLIMÁTICA
1.1
O Pacto Ecológico Europeu e a União da Energia: ponto da situação e evolução após as crises
A energia desempenha, desde os primórdios da integração europeia, um papel fundamental. Em 1952, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, antecessora da UE, criou um mercado único para o carvão e o aço, congregando as principais fontes de energia nessa altura. Alguns anos mais tarde, juntamente com o Tratado de Roma (1957), foi estabelecida a Euratom, com vista a formar um mercado comum para o desenvolvimento das utilizações pacíficas da energia atómica. Na década de 1990, as energias renováveis chegaram à agenda europeia, com as primeiras metas indicativas. O Tratado de Lisboa (2007) consagrou nos Tratados da UE a política energética como uma competência partilhada entre os Estados-Membros e a UE. Desde então, a sua importância tem vindo a aumentar de forma constante, como se pode observar igualmente na atual agenda da Comissão.
Figura 1: Cronograma desde a entrada em funções da atual Comissão
Pouco depois de tomar posse, a presidente Ursula von der Leyen anunciou o Pacto Ecológico Europeu como prioridade estratégica abrangente. A Comissão comprometeu-se a enfrentar os desafios energéticos, climáticos e ambientais e a alcançar a neutralidade climática até 2050, em conformidade com o Acordo de Paris. A Lei Europeia em matéria de Clima determina que a União Europeia deve reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em, pelo menos, 55 % até 2030, em comparação com os níveis de 1990, exigindo que a UE se torne climaticamente neutra até 2050. Para tal, será necessário transformar a UE numa sociedade que proteja o seu capital natural, dotada de uma economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva, baseada em energias limpas. A transformação do sistema energético tem um papel fundamental no cumprimento deste objetivo, dado que a produção e a utilização de energia representam mais de 75 % das emissões de GEE da UE. A União da Energia apoia a transição para as energias limpas, porquanto congrega todos os aspetos da política energética numa abordagem coerente e integrada. A União da Energia baseia-se em cinco dimensões: 1) segurança, solidariedade e confiança; 2) um mercado interno da energia plenamente integrado; 3) eficiência energética; 4) ação climática e descarbonização da economia; e 5) investigação, inovação e competitividade. Todas estas dimensões são essenciais para o Pacto Ecológico Europeu e para a ambição declarada da UE de liderar a nível mundial a resposta ao desafio das alterações climáticas e da degradação ambiental, dando um exemplo credível na transição energética.
Apenas quatro meses após a entrada em funções da Comissão, o surto da pandemia de COVID-19 representou um ponto de viragem nos trabalhos previstos, tendo a Comissão entrado em modo de gestão de crises. Os confinamentos de grande escala causaram uma grave crise económica. A Comissão tomou a decisão estratégica de acelerar a transformação da economia e da sociedade e de utilizar o Pacto Ecológico Europeu como estratégia de retoma e crescimento.
A Comissão concebeu o instrumento de recuperação NextGenerationEU, através do qual tem vindo a mobilizar fundos mediante empréstimos contraídos junto dos mercados de capitais em nome da UE como um todo, a uma escala sem precedentes. Tal permite à Comissão oferecer condições mais atrativas, que são transferidas para os beneficiários dos seus programas de financiamento. Deste modo, a UE pode conceder empréstimos aos Estados-Membros no âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) em consonância com a notação de risco e a escala da UE enquanto emitente. Ao abrigo deste instrumento, a UE tornou-se o maior emitente de obrigações verdes a nível mundial. Pelo menos 37 % das verbas do MRR estão a ser direcionadas para reformas e investimentos em tecnologias e capacidades verdes, nomeadamente nos domínios da mobilidade sustentável, da eficiência energética, das energias renováveis, da adaptação às alterações climáticas, da economia circular e da biodiversidade. Tal permitiu um investimento maciço na transição para as energias limpas e, ao mesmo tempo, amenizou as consequências da crise económica.
Ao mesmo tempo que arquitetava a recuperação da crise e orientava os novos investimentos para os objetivos do Pacto Ecológico Europeu, a Comissão pôs em marcha várias medidas legislativas no sentido de fazer avançar a transição para as energias limpas e o cumprimento do seu objetivo climático reforçado para 2030. Em julho e dezembro de 2021, a Comissão propôs o pacote «Objetivo 55», um conjunto de propostas para rever e atualizar a legislação da UE em matéria de energia, clima e biodiversidade. Este pacote incluía, nomeadamente, propostas sobre a Diretiva Energias Renováveis, a Diretiva Eficiência Energética, a Diretiva Tributação da Energia, a Diretiva Desempenho Energético dos Edifícios, o pacote legislativo relativo aos mercados do hidrogénio e do gás descarbonizado, o regulamento relativo à redução das emissões de metano no setor da energia, o Fundo Social em matéria de Clima, bem como várias outras propostas destinadas a reforçar o princípio do poluidor-pagador e os aspetos de biodiversidade e a aumentar os sumidouros naturais de carbono. As negociações relativas a estes dossiês importantes registaram progressos significativos e, em larga medida, foram concluídas ainda em 2023. Os colegisladores aprovaram uma meta mais ambiciosa em matéria de energias renováveis, bem como uma meta mais ambiciosa em matéria de eficiência energética. Estão em curso negociações sobre o desempenho energético dos edifícios e a legislação relativa aos mercados do hidrogénio e do gás descarbonizado, sendo que o objetivo dos colegisladores é alcançar um acordo até ao final de 2023. Também estão em curso negociações sobre a Diretiva Tributação da Energia, que se prevê estarem concluídas até 2024.
Em fevereiro de 2022, assistiu-se ao início da guerra de agressão injustificada e não provocada da Rússia contra a Ucrânia. A somar à anterior manipulação do aprovisionamento de combustíveis e dos preços pela Rússia, como forma de exercer pressão sobre a Europa, este conflito contribuiu para a grave crise dos preços da energia, que já começara a emergir no outono de 2021. Os preços da energia atingiram o pico em agosto de 2022, com o gás a custar 294 EUR/MWh e a eletricidade a custar 474 EUR/MWh, o que fez subir consideravelmente o custo de vida, reduziu a competitividade global das empresas da UE e limitou a produção das indústrias energeticamente intensivas. Uma vez mais, a UE e os seus Estados-Membros mantiveram-se unidos, tendo chegado a acordo sobre a eliminação progressiva da dependência da UE em relação aos combustíveis fósseis russos até 2027. Os Estados-Membros instituíram várias medidas para atenuar o impacto dos elevados preços da energia, designadamente através de apoios diretos aos consumidores finais. Além disso, os Estados-Membros incentivaram a poupança de energia e intervieram tanto nos mercados grossistas como retalhistas da energia.
A Comissão liderou a resposta da UE à crise energética e, em maio de 2022, adotou o plano REPowerEU, incluindo uma estratégia para a ação externa da UE no domínio da energia. Os seus objetivos consistiam em poupar energia e enfrentar os elevados preços da energia, diversificar o aprovisionamento energético e continuar a acelerar a transição para as energias limpas, com o objetivo último de pôr termo à dependência das importações de combustíveis fósseis russos, o mais tardar, até 2027.
O plano REPowerEU também alargou as possibilidades de financiamento no âmbito do MRR, que se tornou o principal instrumento para canalizar fundos da UE destinados a apoiar os objetivos REPowerEU. Na sequência da adoção do Regulamento REPowerEU, os Estados-Membros deveriam apresentar novos capítulos específicos no quadro dos seus planos de recuperação e resiliência atualizados, nos quais delineariam reformas e investimentos para aumentar a resiliência, a segurança e a sustentabilidade do sistema energético da UE. Até à data, no âmbito dos planos existentes, os Estados-Membros afetaram 50 % das suas dotações – ou seja, um total de 252 mil milhões de EUR – a medidas que contribuem para o objetivo climático e apoiam, portanto, os objetivos REPowerEU e a independência energética.
Além do plano REPowerEU e do Regulamento Armazenamento de Gás, que constituiu o primeiro ato legislativo proposto, em março de 2022, para responder à crise, no decurso de 2022, a Comissão propôs, e o Conselho adotou em tempo recorde, várias iniciativas legislativas de emergência, nos termos do artigo 122.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), com vista a atenuar os efeitos da crise energética na indústria e nos agregados familiares. Entre essas iniciativas contam-se o regulamento relativo à redução da procura de gás, o regulamento para fazer face aos elevados preços da energia, o regulamento relativo à solidariedade, o Mecanismo de Correção do Mercado e o regulamento relativo ao licenciamento. Estas iniciativas ajudaram a garantir a segurança do aprovisionamento de gás mediante a redução da procura de gás em 18 % e de eletricidade (durante as horas de ponta) e a aceleração da implantação das energias renováveis. Também visavam reorientar os lucros excedentários dos produtores de energia para os consumidores e a indústria, reduzir os aumentos excessivos dos preços e reforçar a solidariedade entre os Estados-Membros, possibilitando a intervenção de um Estado-Membro caso outro esteja em risco de escassez do aprovisionamento de gás. Os Estados-Membros decidiram agregar a sua procura de gás por intermédio da recém-criada Plataforma Energética da UE e dar os primeiros passos no sentido da aquisição conjunta através do AggregateEU, o mecanismo de agregação da procura. Entretanto, foi prorrogado o regulamento relativo à redução da procura de gás. Outras medidas adotadas ao abrigo do artigo 122.º do TFUE demonstraram a sua utilidade numa perspetiva de mais longo prazo e já foram, ou poderão vir a ser, incluídas na legislação permanente.
Ao mesmo tempo, a UE apoiou o sistema energético da Ucrânia com o fornecimento de 4 969 geradores de eletricidade e de 2 507 transformadores através do Mecanismo de Proteção Civil da UE, a criação de um Fundo de Apoio à Energia da Ucrânia pelo Secretariado da Comunidade da Energia, cujos compromissos dos doadores ascendem atualmente a 218 milhões de EUR, a doação de 5 700 painéis solares e a estabilização das redes elétricas ucraniana e moldava, através da sua sincronização com a rede continental europeia. A UE disponibilizou igualmente à Ucrânia assistência relacionada com materiais e com a segurança nuclear num valor superior a 54,8 milhões de EUR. Em conjunto com a Comunidade da Energia, a Comissão apoia o alinhamento contínuo da Ucrânia, da Moldávia e dos Balcãs Ocidentais pelo acervo da UE, o que constitui um passo importante na preparação da futura adesão à UE. Através de mecanismos de coordenação internacionais, como o grupo de coordenação do G7+, a UE coordena com os intervenientes mundiais a resposta à campanha de destruição dirigida à infraestrutura energética ucraniana por parte da Rússia.
A preparação para o futuro, ao garantir um aprovisionamento seguro de tecnologias de impacto zero e de matérias-primas críticas para a dupla transição, foi outra medida crucial tomada para defender a autonomia estratégica. O atual contexto geopolítico também aumentou a concorrência na indústria de impacto zero, prevendo-se que o mercado mundial de tecnologias de impacto zero essenciais produzidas em série triplique até 2030, com um valor anual de cerca de 600 mil milhões de EUR. Além disso, vários países terceiros estabeleceram iniciativas para fomentar o desenvolvimento de cadeias de valor nacionais das tecnologias de energia limpa. A combinação dos efeitos diretos e indiretos dos elevados preços da energia e da turbulência económica e geopolítica fez subir os custos de produção e instalação dos projetos eólicos e, em menor medida, dos projetos solares. Uma análise das cadeias de valor das energias limpas revela que a UE depende fortemente de países terceiros para ter acesso a materiais e produtos essenciais para a implantação das tecnologias de energia limpa e que depende da China, pelo menos, numa fase das cadeias de valor. Considerando especificamente o setor da energia solar, em 2022, quase todos os painéis vendidos na UE eram importados e cerca de 90 % provinham da China. Nos últimos cinco anos, foram gastos com produtos chineses 18,5 mil milhões de EUR, ou seja, 91 % do total de despesas de importação de produtos fotovoltaicos.
Adotado em fevereiro de 2023, o Plano Industrial do Pacto Ecológico definiu planos que visam assegurar a liderança industrial da UE nas tecnologias de impacto zero e a sua passagem de um importador líquido para uma maior dependência de uma base de produção interna forte, através da aceleração do acesso ao financiamento, do reforço das competências e do apoio ao comércio, com vista a impulsionar a competitividade das nossas tecnologias limpas. As propostas legislativas subsequentes, a saber, o Regulamento Indústria de Impacto Zero e o Regulamento Matérias-Primas Críticas, foram apresentadas com o fito de simplificar o quadro regulamentar, tratando-se de um aspeto crucial para atrair investimentos, reduzir a dependência da UE de importações altamente concentradas e aumentar as abordagens da economia circular para o aprovisionamento de matérias-primas estratégicas. Os referidos atos estão ambos a ser atualmente negociados pelos colegisladores, com o intuito de chegar a acordo até dezembro de 2023. A este propósito, o relatório intercalar de 2023 em matéria de competitividade das tecnologias de energia limpa, que acompanha o presente relatório, fornece informações sobre os principais motores, oportunidades e desafios para o reforço da competitividade da UE na indústria de impacto zero e, mais especificamente, nas tecnologias estratégicas de impacto zero. Outras medidas destinadas a aumentar a competitividade da UE no setor das tecnologias limpas incluem um pacote europeu para a energia eólica, um plano de ação para as redes, uma série de diálogos sobre a transição limpa com a indústria e um Plano Estratégico para as Tecnologias Energéticas revisto. Todas estas medidas destinam-se a impulsionar a competitividade da UE no setor das energias limpas e serão complementadas pelo relatório especial de Mario Draghi sobre o futuro da competitividade europeia.
Ao mesmo tempo, a UE tem intensificado os seus esforços para avançar no sentido de uma economia circular, no contexto da qual seria possível uma redução de um terço da extração e utilização de materiais a nível mundial, através de uma melhoria na conceção, durabilidade, reutilização e reciclagem dos produtos, que, no seu conjunto, permitiriam igualmente reduzir os impactos ambientais. O Regulamento Matérias-Primas Críticas fomentará a reciclagem de matérias-primas críticas, com o objetivo de satisfazer 15 % da procura na UE através de matérias-primas secundárias. Tal permitirá reforçar a segurança do aprovisionamento de matérias-primas críticas na Europa, sem criar dependências em relação a outras regiões.
A UE tem desenvolvido um trabalho contínuo para capacitar os consumidores de energia e garantir que possam beneficiar da implantação de energias renováveis de baixo custo em todo o sistema energético da UE. Em março de 2023, a Comissão propôs uma reforma seletiva da configuração do mercado da eletricidade e do regulamento relativo à integridade e à transparência nos mercados grossistas da energia, com o objetivo de tornar a indústria da UE mais limpa e competitiva e de incluir medidas estruturais para capacitar e proteger os consumidores, reduzindo, ao mesmo tempo, a influência dominante do gás no preço da eletricidade. A reforma proposta promoverá mercados competitivos e uma fixação dos preços transparente. Os consumidores e a indústria da UE ficarão mais bem protegidos contra a manipulação e o abuso de mercado, graças ao reforço do papel da Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) da UE. Os colegisladores tencionam concluir as negociações até ao final de 2023.
A acessibilidade dos preços da energia é um dos principais objetivos da União da Energia e desempenha um papel fundamental no Pacto Ecológico Europeu e nas medidas de resposta a situações de crise. A fim de assegurar que a transição para as energias limpas não deixa nenhuma pessoa, setor ou região para trás, este quadro de políticas é mais importante do que nunca.
Já antes da crise energética, a Comissão tinha proposto diversas ações para assegurar a participação de todos na transição ecológica e, neste contexto, o Mecanismo para uma Transição Justa assume-se como uma iniciativa importante. Juntamente com a iniciativa para as regiões carboníferas em transição, a Comissão continua a prestar apoio às regiões mais afetadas pela transição para a neutralidade climática. Até ao final de outubro de 2023, 27 Estados-Membros tinham apresentado 70 planos territoriais de transição justa, que especificam o percurso da sua transição até 2030, em consonância com os planos nacionais em matéria de energia e clima (PNEC). A Plataforma para uma Transição Justa presta assistência personalizada e orientada para as necessidades e reforça as capacidades das regiões carboníferas e com utilização intensiva de carbono, além de apoiar a execução do Fundo para uma Transição Justa.
O Fundo Social em matéria de Clima visa prevenir os impactos negativos que podem advir do novo sistema de comércio de licenças de emissão da UE, que estende o instrumento de fixação do preço do carbono às emissões provenientes dos edifícios, do transporte rodoviário e da queima de combustíveis na indústria que não estejam abrangidas pelo sistema de comércio de licenças de emissão atualmente em vigor. Adotado em abril de 2023, o Fundo Social em matéria de Clima disponibilizará um montante estimado de 86,7 mil milhões de EUR aos Estados-Membros no período de 2026-2032, a fim de apoiar os agregados familiares, as microempresas e os utilizadores de transportes vulneráveis, ajudando-os a investir na eficiência energética dos edifícios, descarbonizar o aquecimento e o arrefecimento de edifícios e mudar para uma energia mais renovável, bem como conceder um melhor acesso à mobilidade e aos transportes com nível nulo ou baixo de emissões. Os Estados-Membros terão também a possibilidade de aplicar parte dos recursos através de apoio direto temporário ao rendimento.
A atualização da Diretiva Eficiência Energética dá também maior ênfase à redução da pobreza energética e à capacitação dos consumidores. As novas disposições incluem a primeira definição da UE de «pobreza energética» e exigem que os Estados-Membros, na aplicação de medidas de eficiência energética, deem prioridade às pessoas afetadas pela pobreza energética, aos clientes vulneráveis, aos agregados familiares com baixos rendimentos e, se for caso disso, às pessoas que vivem em habitação social.
Durante a crise energética, muitos agregados familiares não conseguiram pagar as suas faturas de energia. O Painel de Avaliação das Condições dos Consumidores de 2023 revela que, em 2022, 16 % dos consumidores europeus tiveram dificuldades em pagar as suas faturas de energia e 71 % mudaram de hábitos para poupar energia. Em 2022, a pobreza energética, medida em função da impossibilidade de assegurar um aquecimento adequado da habitação, afetou 9,3 % da população da UE, atingindo cerca de 40 milhões de pessoas, contra aproximadamente 30 milhões em 2021. Os resultados da modelização mostram que, como consequência das variações dos preços da energia entre agosto de 2021 e janeiro de 2023 (em comparação com os 18 meses anteriores), a pobreza energética teria aumentado significativamente em toda a UE se não tivesse havido intervenções políticas. Entre as iniciativas legislativas de emergência lançadas em 2022 para proteger os consumidores dos elevados preços da energia, a Comissão propôs igualmente um regulamento relativo à solidariedade, que atenuou o impacto no preço do gás, ao intervir sobre a procura, e o Mecanismo de Correção do Mercado, que limitou os preços nos mercados de gás da UE.
Em outubro de 2022, a Comissão propôs medidas de apoio à energia a preços acessíveis, mediante as quais os Estados-Membros puderam aplicar os fundos da política de coesão não utilizados no âmbito da sua dotação relativa a 2014-2020 para prestar apoio direto às famílias vulneráveis e às pequenas e médias empresas. Os Estados-Membros introduziram regimes para proteger os consumidores e as empresas, com base nas regras ajustadas em matéria de auxílios estatais (Quadro Temporário de Crise e Transição) e noutras medidas de política social. Estima-se que, em 2022, o montante total dos subsídios à energia pagos tenha sido de 93 mil milhões de EUR para os agregados familiares e de 53 mil milhões de EUR para a indústria. No total, estima-se que os subsídios à energia em 2022 tenham ascendido a 390 mil milhões de EUR.
A Comissão publicou igualmente uma recomendação sobre a pobreza energética e intermediou uma declaração conjunta sobre uma melhor proteção dos consumidores entre as principais partes interessadas no setor da energia. Por último, a Comissão criou formalmente um grupo de coordenação sobre a pobreza energética, no qual os Estados-Membros podem partilhar boas práticas e soluções para ajudar os mais vulneráveis da sociedade a enfrentar a crise.
De acordo com a Agência Internacional da Energia, o aumento da oferta de energias renováveis teve impactos positivos para os consumidores, dado que, sem a capacidade instalada adicional, os preços grossistas da eletricidade teriam sido 8 % mais altos em todos os mercados europeus. Graças à capacidade instalada adicional de energia fotovoltaica e eólica, prevê-se uma poupança para os consumidores da UE na ordem dos 100 mil milhões de EUR entre 2021 e 2023. Paralelamente, os elevados preços da energia fizeram crescer o interesse dos consumidores nos regimes coletivos de autoconsumo. Os Estados-Membros realizaram progressos na aplicação das disposições legislativas relativas às comunidades de energia, e a Comissão propôs um reforço da capacitação dos consumidores.
Figura 2: Repartição das medidas orientadas para a acessibilidade dos preços. Fonte: ACER – High-level Analysis of Energy Emergency Measures, 20 de março de 2023 [
hiperligação
]
As medidas determinadas e unidas da UE, associadas a condições favoráveis (p. ex., o inverno ameno, ou a menor procura de energia na Ásia), ajudaram a reduzir os impactos da crise energética. Após o pico dos preços da energia atingido em agosto de 2022, os preços do gás natural caíram para um valor médio de 44 EUR/MWh e os preços da eletricidade diminuíram para um valor médio de 107 EUR/MWh entre janeiro e junho de 2023. Em resposta à agressão da Rússia, a UE introduziu medidas restritivas contra a Rússia, incluindo a proibição total das importações de carvão e a proibição das importações de petróleo transportado por via marítima provenientes deste país. A UE eliminou progressivamente e de forma completa as importações de carvão russo e reduziu a sua dependência do petróleo russo em cerca de 90 %, tendo ainda as importações de gás russo diminuído 75 % entre março de 2021 e março de 2023. No seu conjunto, a UE reduziu a dependência energética em relação à Rússia e evitou perturbações energéticas. No entanto, a UE terá de permanecer vigilante e continuar a reduzir as dependências energéticas, uma vez que continua a existir o risco de perturbações no aprovisionamento energético e consequentes picos de preços.
1.2 O sistema energético da UE antes do inverno de 2023-2024: situação em termos de segurança energética na UE e nos seus Estados-Membros
Tendo em vista o inverno de 2023-2024 que se avizinha, a UE está bem preparada para garantir a segurança energética, graças à disponibilidade de várias fontes de energia, a instalações de armazenamento de gás cheias, à redução da procura de energia e à diversificação cada vez mais maior dos fornecedores de energia.
Contudo, há riscos que subsistem, como uma possível interrupção total das importações por gasoduto e ataques a infraestruturas críticas. A maior frequência de fenómenos meteorológicos extremos também poderá afetar o sistema energético e a segurança do aprovisionamento energético. O papel desempenhado por uma abordagem equilibrada e pela solidariedade entre os Estados-Membros continuará a ser fundamental para a resiliência coletiva da UE.
As medidas adotadas em 2022 reduziram consideravelmente a pressão sobre os mercados da energia e os preços do gás. Ainda assim, os preços do gás continuam mais elevados do que no período de 2015-2019, quando, em média, os preços do gás variaram entre 15 e 20 EUR por MWh. Os preços permanecem voláteis e reagem perante qualquer perturbação no mercado mundial, como ilustra o recente aumento dos preços do gás devido à crise do Médio Oriente e ao encerramento temporário de uma jazida de gás em Israel, bem como a fuga detetada num gasoduto na região do Báltico que liga a Finlândia à Estónia. A UE terá de permanecer vigilante, uma vez que o impacto cumulativo destes episódios, combinado com a incerteza dos mercados, poderá afetar os mercados europeus e mundiais da energia.
Aprovisionamento energético perante uma redução das importações provenientes da Rússia
Os anos de 2022 e 2023 foram dos mais difíceis para o sistema energético da UE, mas a UE conseguiu manter e mesmo aumentar a segurança do seu aprovisionamento energético. A execução rápida e bem-sucedida do plano REPowerEU contribuiu para reduzir significativamente a percentagem de gás russo nas importações da UE, ao mesmo tempo que assegurou gás suficiente para os períodos de elevada procura e fez baixar os preços da energia após máximos históricos.
Figura 3: Composição das importações de gás natural (por gasoduto e GNL) no período de 2021-2023. Fonte: Equipa do economista principal da ENER, com base em dados do JRC, REORTG, Refinitiv
No que respeita ao gás natural, a segurança do aprovisionamento melhorou significativamente ao longo do último ano e a UE está no bom caminho para cumprir a meta REPowerEU de independência dos combustíveis fósseis russos até 2027. Em 2022, as importações totais de gás russo (GNL e gás natural conduzido) diminuíram para 80 mil milhões de m3 (24 % das importações da UE), comparativamente às importações anuais de 155 mil milhões de m3 (45 %) antes da crise. Embora as importações de GNL provenientes da Rússia tenham crescido desde 2021, representam uma fração muito pequena das importações globais de gás. O decréscimo das importações totais tem sido ainda maior em 2023, prevendo-se que venha a fixar-se num intervalo aproximado de 40-45 mil milhões de m3. Em junho de 2023, apenas 8 % das importações de gás provieram de gasodutos russos, em comparação com mais de 50 % antes da guerra de agressão. Graças aos importantes esforços de diversificação e à redução da procura, a UE conseguiu compensar todos os volumes russos em falta. A nova política de armazenamento permitiu não só garantir a segurança energética no inverno de 2022-2023, como também garante uma situação mais confortável para o próximo inverno.
Figura 4: Percentagem do gás russo transportado por gasoduto no total das importações de gás natural da UE. Fonte: Equipa do economista principal da ENER, com base em dados do JRC, REORTG, Refinitiv
Adotado em junho de 2022, o Regulamento Armazenamento de Gás contribuiu para um nível de enchimento historicamente elevado de 95 % em novembro de 2022, superando o objetivo de 80 % de nível de enchimento. A UE atingiu um nível de enchimento das instalações de armazenamento superior a 56 % no final da estação de aquecimento de 2022-2023, e a sua meta de 90 % de enchimento das instalações de armazenamento de gás foi alcançada em 18 de agosto de 2023, mais de dois meses antes do prazo fixado em novembro.
Figura 5: Novos acréscimos de energia eólica e solar em 2022 – estimativas para 2023. Fonte: Equipa do economista principal da ENER, com base em dados do Eurostat, WindEurope, Solar Power Europe
As importações de petróleo russo para a UE diminuíram 90 % desde março de 2022, sem impactos significativos na economia da UE. Os Estados-Membros mantêm reservas petrolíferas de segurança, em conformidade com o direito da UE. As sanções da UE e o limite máximo de preços fixado pelo G7 para as importações de petróleo provenientes da Rússia não afetaram a segurança do aprovisionamento de petróleo da UE e tiveram o efeito pretendido de limitar as receitas petrolíferas russas. No seu 11.º pacote de sanções, a UE introduziu instrumentos antievasão para impedir as importações de produtos petrolíferos produzidos noutros países a partir de petróleo russo ou de produtos de origem desconhecida. A Comissão tem vindo a acompanhar de perto os mercados petrolíferos, juntamente com os peritos dos Estados-Membros no Grupo de Coordenação para o Petróleo, uma vez que novos cortes pela OPEP e pela Rússia poderão fazer aumentar a escassez no mercado. Apesar de os Estados-Membros manterem níveis elevados de reservas petrolíferas de segurança, principalmente de gasóleo, importa reconhecer que o impacto cumulativo dos episódios recentes é passível de afetar a segurança do aprovisionamento da UE e os mercados mundiais da energia.
Ante a crise energética, a UE aumentou e acelerou a instalação de tecnologias de energia renovável, que reforçaram o aprovisionamento energético da UE e constituem um alicerce fundamental da eliminação a longo prazo das importações de combustíveis fósseis russos. Com base no plano REPowerEU, a UE adotou o regulamento relativo ao licenciamento, que simplificou e acelerou os procedimentos de licenciamento de energias renováveis, ao centrar-se nas tecnologias e projetos específicos com maior potencial de implantação rápida, como a energia solar fotovoltaica em estruturas artificiais e bombas de calor, bem como o reequipamento. Em 2022, foram instalados 57 GW de novas capacidades de energias renováveis, constituídas essencialmente por energia solar fotovoltaica e turbinas eólicas. Em ambos os setores, trata-se de um crescimento na ordem dos 50 % em relação a 2021. Tal ajudou a compensar com alguma margem a baixa produção de energia hidroelétrica em 2022 (12 % da produção total de eletricidade), embora esta tenha recuperado para níveis médios em 2023, mercê do aumento da precipitação e dos níveis mais elevados nas albufeiras. No setor do aquecimento renovável, a utilização de bombas de calor aumentou 39 % em comparação com 2021. O mercado da energia solar térmica teve um crescimento de quase 12 %. A produção de eletricidade a partir de biocombustíveis sólidos manteve-se estável, representando cerca de 3 % da produção total de eletricidade (2,9 % em 2020 e 3,1 % em 2021). Combinando a energia para a produção de eletricidade e calor, a principal fonte de energia renovável na UE continua a ser a bioenergia (cerca de 60 %). No total, a quota das energias renováveis no cabaz energético aumentou consideravelmente ao longo de 2022 e 2023, e a UE acordou em acelerar a implantação das energias renováveis, com uma meta de 42,5 % no cabaz energético da UE até 2030 e a ambição de atingir 45 %.
Figura 6: Quota de energias renováveis no aprovisionamento de eletricidade em 2022. Fonte: Equipa do economista principal da ENER, com base em dados do Instituto Fraunhofer, REORTE
A transição energética também ajuda a combater a poluição atmosférica e a reduzir as mortes prematuras a ela associadas e os impactos nos ecossistemas. De acordo com o Terceiro relatório sobre o Programa Ar Limpo, a implantação acelerada da energia eólica e solar trará, graças ao plano REPowerEU, benefícios a longo prazo para o ar limpo.
A energia nuclear continua a contribuir para a segurança do aprovisionamento de eletricidade. Em 2023, gerou cerca de 24 % toda a eletricidade produzida na UE (23 % em 2022; 26 % em 2021). Ao passo que as centrais nucleares da UE estão a envelhecer, têm surgido novas tecnologias nucleares avançadas, como os pequenos reatores modulares, que exigem investimentos significativos neste setor. Neste sentido, a Comissão adotou medidas para melhorar o ambiente de investimento na exploração a longo prazo e em novas capacidades. Perante este cenário, os Estados-Membros cujo cabaz energético inclui energia nuclear têm de tomar decisões atempadas sobre os investimentos na exploração a longo prazo das centrais nucleares existentes e introduzir melhorias adequadas em matéria de segurança e eficiência.
A Comissão e a Agência de Aprovisionamento da Euratom, em estreita colaboração com todas as partes interessadas pertinentes nos Estados-Membros em causa e com parceiros internacionais que partilham das mesmas ideias, também intensificaram os seus esforços a fim de incentivar a diversificação contínua do aprovisionamento de combustível nuclear e da prestação de serviços do ciclo do combustível nuclear, tendo em vista uma mudança para fornecedores não russos mais fiáveis. O objetivo é minimizar os riscos nalguns Estados-Membros relacionados com a dependência dos fornecimentos de combustível nuclear e de serviços do ciclo do combustível, assim como peças sobresselentes e serviços de manutenção, provenientes da Rússia, assegurando a disponibilidade de combustível e de fornecimentos nucleares alternativos.
Procura de energia
A Comissão propôs várias medidas de poupança energética e redução do consumo de energia em consonância com o princípio da «prioridade à eficiência energética». Em maio de 2022, na comunicação intitulada Plano da UE «Poupar Energia», a Comissão delineou medidas que os Estados-Membros podem aplicar para reduzir o consumo de energia e aumentar a eficiência energética nos edifícios, na indústria e nos transportes. Esta abordagem foi complementada pela iniciativa «Energy Saving Sprint» («Corrida à poupança de energia»), lançada pela Comissão, pelo Pacto de Autarcas da UE e pelo Comité das Regiões Europeu para apoiar os municípios na adoção imediata de medidas nesse sentido.
Em 2022, o Conselho chegou a acordo quanto a uma meta de redução voluntária da procura de gás de 15 % (ou 45 mil milhões de m3) até à primavera de 2023, a qual foi ultrapassada, com uma queda da procura de 18 % (ou 53 mil milhões de m3), tendo todos os setores reduzido a sua procura de gás. Com base nesta experiência, a meta voluntária foi prolongada até março de 2024 e estima-se que gere uma poupança de gás na ordem dos 60 mil milhões de m3. Em outubro de 2022, o Conselho introduziu medidas excecionais e limitadas no tempo para reduzir a procura de eletricidade e redistribuir aos clientes finais as receitas excecionalmente elevadas do setor da energia. O regulamento fixou uma meta de redução de 10 % da procura global de eletricidade e de, pelo menos, 5 % durante as horas de ponta. Não obstante o cumprimento da meta de redução da procura durante as horas de ponta, a redução de 10 % do consumo global de eletricidade criou dificuldades aos Estados-Membros.
Figura 7: Redução da procura de gás natural (agosto de 2022 – agosto de 2023 em comparação com a média em cinco anos). Fonte: Eurostat.
A UE deu passos importantes para reforçar a legislação no sentido de uma maior eficiência energética. Com a atualização da Diretiva Eficiência Energética, espera-se que a UE reduza o consumo de energia final a nível da UE em 11,7 % até 2030, em comparação com as projeções do cenário de referência de 2020. Adicionalmente, foram adotadas novas regras para o consumo de aparelhos elétricos em modo de espera e foi disponibilizada a base de dados do Registo Europeu de Produtos para a Etiquetagem Energética, uma nova ferramenta que permite ao público em geral e aos adquirentes públicos identificar produtos eficientes.
Diversificação das fontes de energia
Em resultado do plano REPowerEU e dos esforços da UE para eliminar progressivamente a sua dependência dos combustíveis fósseis russos, a UE diversificou significativamente o seu aprovisionamento energético. Em abril de 2022, a Comissão, mandatada pelo Conselho Europeu, criou uma Plataforma Energética da UE para agregar a procura de gás da UE e coordenar a aquisição conjunta voluntária, tendo em vista a celebração de contratos favoráveis com fornecedores internacionais não russos. A Plataforma Energética da UE foi igualmente aberta à Geórgia, à Moldávia, à Ucrânia e aos países dos Balcãs Ocidentais, com a Ucrânia, a Moldávia e a Sérvia a aderirem à plataforma.
A plataforma de agregação da procura AggregateEU foi lançada em 25 de abril de 2023, tendo sido realizados com êxito, até à data, três concursos, em maio e junho/julho e em setembro/outubro de 2023. Estes três concursos resultaram numa procura agregada de 44,75 mil milhões de m3, receberam propostas num valor de 52 mil milhões de m3 e, ao todo, foram registadas correspondências parciais ou totais de 34,78 mil milhões de m3 entre as ofertas e a procura. A procura expressa pelos compradores da UE só nos dois primeiros convites à apresentação de propostas foi o dobro da meta obrigatória de 13,5 mil milhões de m3 definida no Regulamento (UE) 2022/2576 do Conselho. Estão inscritas na Plataforma Energética da UE cerca de 170 empresas, e os volumes agregados indicam que se trata de uma ferramenta eficaz para alavancar o peso político e de mercado da UE. No contexto das negociações interinstitucionais sobre a proposta de pacote legislativo relativo aos mercados do hidrogénio e do gás descarbonizado, os colegisladores têm vindo a debater as possibilidades de prolongar além de 2024 o mecanismo AggregateEU para as aquisições de gás e de o alargar a outros produtos, como o hidrogénio renovável e outros gases renováveis.
A Comissão tem ajudado os Estados-Membros a resolver os pontos de estrangulamento nas infraestruturas de gás identificados no âmbito do plano REPowerEU e a executar os projetos de interesse comum que figuram na quinta lista da União, selecionados em conformidade com o anterior regulamento relativo às redes transeuropeias de energia. Muitos desses projetos são financeiramente apoiados através do Mecanismo Interligar a Europa (MIE) e dos fundos da política de coesão. Em 2021 e 2022, só ao abrigo do MIE, foram concedidas subvenções no valor de 1,64 mil milhões de EUR a projetos de infraestruturas energéticas de interesse comum. Os projetos de interesse comum concluídos nos últimos meses puseram termo à dependência de todos os Estados-Membros em relação a um único fornecedor de energia, tendo a UE realizado progressos notáveis na diversificação do seu aprovisionamento energético e na otimização das infraestruturas de gás natural existentes por meio de gasodutos, como, por exemplo, o gasoduto báltico, Polónia-Eslováquia, o Interconector Grécia-Bulgária, permitindo o fluxo inverso entre a França e a Alemanha, e os terminais de GNL, por exemplo, na Alemanha, Grécia, Itália e Finlândia. Relativamente à segurança energética dos Estados-Membros e das regiões, a UE continuará a apoiar projetos fulcrais que não são economicamente viáveis sem a ajuda financeira ou regulamentar da UE, por exemplo através do MIE, do MRR, da aceleração do licenciamento e, se for caso disso, de isenções.
Além disso, a Comissão tem envidado esforços no sentido de aprofundar as relações com os parceiros internacionais e diversificar as suas importações de gás e GNL através de fornecedores mais fiáveis e não russos. A UE aumentou as suas importações de gás natural e GNL provenientes da Noruega e dos EUA para compensar a diminuição das importações provenientes da Rússia. Com 49,3 mil milhões de m3, as importações de GNL dos EUA mais do que duplicaram em 2022 (2021: 18,9 mil milhões de m3). As importações de gás transportado por gasoduto desde a Noruega cresceram de 79,26 mil milhões de m3 em 2021 para 86,69 mil milhões de m3 em 2022, aumentando a quota da Noruega nas importações totais da UE através de gasodutos de 30 % para 40 %. A Comissão mantém um diálogo regular com a Nigéria, o maior produtor de GNL de África. Em julho de 2023, foram assinados novos memorandos de entendimento com o Uruguai e a Argentina sobre a cooperação em matéria de transição energética. Em julho de 2022, a UE e o Azerbaijão adotaram um novo Memorando de Entendimento sobre uma parceria estratégica no domínio da energia, tendo a UE aumentado em 40 % o aprovisionamento de gás proveniente deste país. Ambas as partes acordaram em duplicar o fornecimento de gás à UE até 2027 através do Corredor de Gás Meridional e em reforçar a sua cooperação em matéria de energias limpas, eficiência energética, transporte de eletricidade e emissões de metano.
Na região do Mediterrâneo, a Comissão continuou a trabalhar com o Egito, Israel e o Fórum do Gás do Mediterrâneo Oriental na aplicação do Memorando de Entendimento trilateral, que contribuiu para aumentar o aprovisionamento de GNL do Egito para a UE de 1,1 mil milhões de m3 em 2021 para 4,2 mil milhões de m3 em 2022. A Comissão continuará a acompanhar a situação no Médio Oriente e o seu potencial impacto nos mercados mundiais da energia. Paralelamente, a UE prosseguiu o diálogo com a Argélia e o Egito sobre os esforços para reduzir as emissões de metano, incluindo através da aplicação da abordagem de «aquisição condicionada à recolha» («you collect/we buy»), que permitirá às empresas recolher e vender o gás recuperado que, de outro modo, seria ventilado ou queimado em tocha. A UE prosseguiu o diálogo com a Argélia a fim de continuar a desenvolver a sua parceria estratégica no domínio da energia. A Argélia é o principal fornecedor da UE de gás natural proveniente da região mediterrânica e, no futuro, poderá tornar-se um fornecedor de energias hipocarbónicas e renováveis. Em 2022, as importações totais de energia provenientes da Argélia diminuíram ligeiramente para 40,35 mil milhões de m3 (2021: 44,1 mil milhões de m3). As importações por gasoduto para Espanha decresceram, enquanto as importações para Itália registaram uma subida.
A UE tenciona reforçar o aprovisionamento de hidrogénio renovável como parte de um sistema energético diversificado e descarbonizado, independente das importações de energia russa. A proposta de pacote legislativo relativo aos mercados do hidrogénio e do gás descarbonizado definirá a configuração do mercado em relação ao hidrogénio e assegurará um acesso mais fácil ao mercado dos gases renováveis e hipocarbónicos. O Banco Europeu do Hidrogénio ajudará a superar os desafios relativos aos investimentos iniciais no hidrogénio renovável, cobrindo a diferença de custos entre o hidrogénio renovável e os combustíveis fósseis. A agregação da procura de hidrogénio pode possibilitar a correspondência entre os futuros produtores e adquirentes de hidrogénio e contribuir para alavancar o peso político e de mercado da UE em relação aos produtores internacionais de hidrogénio, conduzindo, assim, a preços mais acessíveis. A UE procura estabelecer parcerias com países da bacia do Mediterrâneo e da região do mar do Norte, países do Golfo, a Arábia Saudita e a Ucrânia para eventuais importações de hidrogénio renovável. Em 2022, na COP 27 realizada em Sharm el-Sheikh, a UE já tinha celebrado uma parceria com o Egito para facilitar a adoção de investimentos e do comércio de hidrogénio renovável.
2.
BALANÇO DOS PROGRESSOS DOS ESTADOS-MEMBROS NA CONCRETIZAÇÃO DA AMBIÇÃO EM MATÉRIA DE ENERGIA E CLIMA PARA 2030
Os Estados-Membros tinham até 15 de março de 2023 para comunicar, pela primeira vez de forma integrada, os progressos realizados na execução dos respetivos planos nacionais em matéria de energia e clima (PNEC) de 2020, que abrangem o período de 2021-2030. Essa prestação de informações englobou os progressos realizados no cumprimento das respetivas metas, objetivos e contributos nas cinco dimensões da União da Energia, incluindo as emissões e remoções de gases com efeito de estufa, bem como a aplicação ou alteração das políticas e medidas dos Estados-Membros e o respetivo financiamento.
Adicionalmente, os Estados-Membros tiveram de comunicar os progressos realizados na consecução dos seus objetivos de adaptação, o impacto das suas políticas e medidas na qualidade do ar e nas emissões de poluentes atmosféricos, bem como as medidas tomadas para estabelecer um diálogo a vários níveis sobre clima e energia. Com base nos correspondentes relatórios, a Comissão avaliou os progressos dos Estados-Membros na execução dos seus primeiros PNEC. Esta avaliação é crucial para fazer o ponto da situação da UE na concretização das suas ambições para 2030 em matéria de clima e energia. A avaliação completa é apresentada num documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanha o presente relatório. Além disso, o relatório intercalar sobre a ação climática apresenta uma avaliação dos progressos da política climática ao abrigo do Regulamento Governação e da Lei Europeia em matéria de Clima, incluindo, pela primeira vez, os progressos coletivos realizados pelos Estados-Membros na consecução do objetivo de neutralidade climática da UE para 2050.
A natureza integrada da apresentação de relatórios implica uma redução significativa dos encargos administrativos, tanto do lado da Comissão como dos Estados-Membros, em comparação com as várias obrigações de apresentação de relatórios e avaliação previstas no acervo em matéria de energia e clima antes da entrada em vigor do Regulamento Governação. Este exercício de apresentação de relatórios integrados permitiu uma avaliação mais holística dos progressos realizados na consecução dos objetivos energéticos e climáticos para 2030. O facto de os relatórios terem sido apresentados por intermédio de uma plataforma eletrónica contribuiu substancialmente para simplificar o processo de apresentação de relatórios e aumentar a comparabilidade dos dados, facilitando a revisão e avaliação subsequentes.
Os Estados-Membros estão igualmente a atualizar os seus PNEC tendo por base os progressos alcançados até à data. Esses planos devem refletir o novo ambiente legislativo e político (o pacote «Objetivo 55», a alteração da situação geopolítica desde os PNEC originais e a resposta da UE no âmbito do plano REPowerEU), a fim de assegurar coletivamente a ambição reforçada através de políticas baseadas num planeamento credível e sólido por parte dos Estados-Membros.
2.1. Progressos no cumprimento das metas, objetivos e contributos da UE e dos Estados-Membros para 2030
CAIXA - «Temos agora de dar prioridade à adoção das regras e avançar com a sua aplicação» (Ursula von der Leyen, Estado da União, 2023)
ØAs emissões líquidas de gases com efeito de estufa da UE diminuíram cerca de 3 % em 2022, prosseguindo a tendência global de descida ao longo dos últimos 30 anos. No entanto, é necessário que a UE e os seus Estados-Membros intensifiquem significativamente os esforços de execução, a fim de continuar no bom caminho para cumprir a meta da UE para 2030 de redução de 55 % das emissões de GEE e o objetivo de neutralidade climática da UE para 2050.
ØEm 2021, a quota de energias renováveis no consumo final bruto de energia atingiu os 21,8 %. Com um aumento médio anual de 0,67 pontos percentuais desde 2010, a realização da nova meta da UE para 2030 de 42,5 % (e, por maioria de razão, da meta indicativa de 45 %) exigirá um crescimento muito mais rápido nos próximos anos.
ØEm 2021, o consumo de energia primária na UE (1 311 Mtep) continuou aquém do registado em 2019. Esta tendência, caso se mantenha nos próximos anos, poderá indicar que se verificaram melhorias estruturais nesse período de dois anos.
ØApesar de os Estados-Membros terem envidado esforços positivos no sentido de aumentar as capacidades transfronteiras, a consecução dos objetivos de interconectividade para 2030 exige esforços adicionais, nomeadamente no que respeita à execução em tempo útil dos projetos transfronteiriços previstos entre os Estados-Membros.
|
Após a forte retoma das emissões de gases com efeito de estufa em 2021, na sequência da queda sem precedentes em 2020 devido à pandemia de COVID-19, prevê-se que as emissões da UE em 2022 voltem a seguir a tendência decrescente alcançada nos 30 anos anteriores à pandemia. De acordo com dados provisórios, o total das emissões internas de GEE na UE (ou seja, excluindo o setor do uso do solo, alteração do uso do solo e florestas – setor LULUCF – e a aviação internacional) diminuiu 2,4 % em 2022 relativamente a 2021, enquanto o PIB da UE cresceu 3,5 %. Esta descida traduz-se numa redução de 30,4 % das emissões de GEE em comparação com o ano de referência de 1990 (ou 29 % se for incluída a aviação internacional). Prevê-se também um ligeiro aumento das remoções líquidas declaradas de GEE provenientes do setor LULUCF. Consequentemente, prevê-se que as emissões líquidas de GEE em 2022 (ou seja, incluindo o setor LULUCF) sejam 32,5 % inferiores ao nível de 1990 (ou 31,1 % se for incluída a aviação internacional).
Contudo, as projeções mais recentes de emissões de GEE apresentadas pelos Estados-Membros revelam discrepâncias significativas em relação às metas climáticas coletivas da UE, mesmo quando são consideradas as medidas adicionais. A fim de continuar no bom caminho para cumprir a meta de redução da UE para 2030 e alcançar a neutralidade climática até 2050, a UE terá de acelerar significativamente o ritmo da mudança e dar maior primazia aos domínios em que as reduções de emissões necessárias são consideráveis (p. ex., edifícios, transportes), em que os progressos têm sido demasiado lentos no passado recente (p. ex., agricultura), ou em que as reduções até têm evoluído no sentido errado nos últimos anos (p. ex., setor LULUCF).
A fim de ter em conta as alterações climáticas e lançar as bases para uma adaptação às alterações climáticas eficaz e fundamentada no contexto da maior frequência e intensidade de fenómenos meteorológicos extremos, os Estados-Membros consideraram que as vagas de calor, as secas, as tempestades mais fortes e o aumento das quantidades de precipitação representam perigos para a União da Energia. Entre os exemplos referidos de vulnerabilidades e riscos no conjunto das dimensões da União da Energia incluem-se as vulnerabilidades inerentes ao sistema energético (p. ex.: no caso da energia hidroelétrica, a escassez de água e as secas; no caso da energia nuclear, o aumento da temperatura da água de arrefecimento devido às vagas de calor; a redução da disponibilidade e qualidade da biomassa; as perturbações nas redes).
No intuito de enfrentar estes riscos, os Estados-Membros definiram, a nível nacional, objetivos globais de adaptação específicos para os setores conexos, como a agricultura, os edifícios, a silvicultura, a energia, as infraestruturas e os transportes. Vinte Estados-Membros mencionaram objetivos de adaptação, a maioria dos quais corresponde na íntegra aos riscos identificados (14 na íntegra, seis em parte). Os quadros de acompanhamento e avaliação dos objetivos de adaptação são recentes ou estão ainda em desenvolvimento nos Estados-Membros, funcionando no âmbito de estratégias ou planos nacionais de adaptação que raramente têm em conta as sinergias com as dimensões da União da Energia refletidas nos PNEC. Doze Estados-Membros comunicaram progressos claros na execução das medidas de adaptação para cada objetivo de adaptação.
Em 2021, a UE atingiu uma quota de 21,8 % de energias renováveis no consumo final bruto de energia, o que constituiu uma ligeira redução comparativamente a 2020 (22 %). Enquanto, em termos absolutos, o consumo de energias renováveis aumentou cerca de 5 % em comparação com 2020, tendo-se fixado nos 220 804 Mtep, contra 209 595 Mtep no ano anterior, o consumo global de energia cresceu mais rapidamente à medida que a atividade económica recuperou na sequência do levantamento das restrições impostas durante a pandemia de COVID-19. Além disso, as quotas de energias renováveis de vários Estados-Membros baixaram, devido a atrasos na aplicação das regras relativas aos critérios de sustentabilidade da bioenergia previstas na Diretiva Energias Renováveis.
Inserindo os progressos realizados no contexto da trajetória até 2030, a quota de 21,8 % em 2021 fica ligeiramente aquém da meta relativamente a uma quota da trajetória provisória vinculativa de 22,2 % para 2022, com base na atual meta de 32 % para 2030. No entanto, com base na meta atualizada de 42,5 %, seria mais de 2 pontos percentuais inferior à trajetória (o objetivo intermédio corresponderia a 24,05 %).
Em média, a quota global de energias renováveis tem vindo a aumentar 0,67 pontos percentuais por ano desde 2010. A nova meta da UE para 2030 de 42,5 % (e, por maioria de razão, a meta indicativa de 45 %) exigirá um crescimento muito mais rápido nos próximos anos. Os progressos têm sido especialmente significativos no setor da eletricidade, com a quota de energias renováveis a aumentar de 21,3 % em 2010 para 37,6 % em 2021. Os progressos nos setores do aquecimento e arrefecimento (aumento de 17 % para 22,9 %) e dos transportes (5,5 % para 9,1 %) foram mais modestos.
Em 2021, as quotas de energias renováveis variaram muito entre os Estados-Membros, refletindo os diferentes pontos de partida e metas nacionais estabelecidas para cada Estado-Membro na Diretiva Energias Renováveis original, assim como os contributos nacionais definidos nos planos nacionais em matéria de energia e clima. A quota mais elevada de energias renováveis registada em 2021 foi alcançada pela Suécia (62,6 %), seguida da Finlândia (43,1 %) e da Letónia (42,1 %). Com quotas não superiores a 13 %, a Bélgica, a Irlanda, o Luxemburgo, Malta e os Países Baixos registaram as quotas de energias renováveis mais baixas. Vários Estados-Membros registaram quedas substanciais nas suas quotas, especialmente a Bulgária, com uma diminuição de 6,3 pontos percentuais, e a Irlanda, com uma diminuição de 3,7 pontos percentuais (em ambos os casos, devido principalmente a uma redução na bioenergia). Noutros Estados-Membros, como a Estónia (com um crescimento de quase 8 pontos percentuais, em parte devido a transferências estatísticas), registaram-se grandes subidas.
Tendo em conta quer a implantação nacional, quer as transferências estatísticas atualmente notificadas, os seguintes Estados-Membros registaram, em 2021, uma quota inferior à respetiva meta vinculativa para 2020 em matéria de energias renováveis prevista na Diretiva Energias Renováveis original: França (3,7 pontos percentuais abaixo da meta para 2020), Irlanda (3,5 pontos percentuais), Países Baixos (1 ponto percentual) e Roménia (0,6 pontos percentuais). Por conseguinte, estes Estados-Membros deverão tomar, no prazo de um ano, medidas adicionais para corrigir o desvio no ano seguinte.
A UE cumpriu as metas quantificadas para 2020 em matéria de eficiência energética fixadas na Diretiva Eficiência Energética, tanto em termos de consumo de energia primária como de consumo de energia final. No entanto, esses valores foram significativamente influenciados pela crise da COVID-19 e pelas medidas de confinamento, que restringiram a atividade global e, consequentemente, reduziram a procura de energia.
Em 2021, o consumo de energia primária na UE ascendeu a 1 311 Mtep, ou seja, cerca de mais 6 % do que em 2020. Este aumento deveu-se muito provavelmente à recuperação após à crise da COVID-19, embora o consumo de energia primária tenha permanecido inferior ao de 2019. Tal ainda não reflete o esforço coletivo da UE para reduzir a procura de energia na sequência da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Caso a tendência descendente se mantenha nos próximos anos, tratar-se-á de um indício de que foram introduzidas melhorias estruturais.
Em 2021, o consumo absoluto de energia final diminuiu em 18 Estados-Membros comparativamente a 2005, ao passo que aumentou em oito Estados-Membros, com aumentos superiores a 20 % em três desses países (Lituânia, Malta e Polónia). Em 2021, todos os Estados-Membros registaram aumentos do consumo total de energia final em comparação com 2020. Em termos globais, inserindo os progressos realizados no contexto da trajetória até 2030, os valores de consumo de energia primária e final continuam desalinhados com as respetivas metas para 2030.
As novas poupanças de energia anuais comunicadas no âmbito da obrigação de poupança de energia prevista no artigo 7.º da Diretiva Eficiência Energética ascendem a 10 384 ktep/ano. O montante equivalente de nova poupança anual, que corresponde a uma meta de 0,8 %/ano, é de 7 309 ktep/ano para os 25 Estados-Membros que, no seu conjunto, comunicaram essa informação. Por conseguinte, as poupanças comunicadas são 42,1 % superiores às poupanças exigidas.
Os poucos Estados-Membros que comunicaram dados mostram alguns progressos no cumprimento das metas de renovação de edifícios para 2030 estabelecidas nas estratégias nacionais de renovação a longo prazo. O número de edifícios com necessidades quase nulas de energia novos e renovados, que passaram a ser a norma para os novos edifícios nos Estados-Membros desde o final de 2020, aumentou a um ritmo médio de 80 % entre 2020 e 2021. Os Estados-Membros apresentaram igualmente um conjunto muito variado de marcos e indicadores de progresso definidos a nível nacional e orientados para a melhoria do parque imobiliário e a redução do seu consumo de energia. É indispensável intensificar os esforços para acompanhar a evolução do parque imobiliário. A proposta de atualização da diretiva relativa ao desempenho energético dos edifícios inclui disposições benéficas a este respeito, tais como planos de renovação de edifícios e bases de dados nacionais sobre o desempenho energético dos edifícios, a fim de introduzir dados anualmente no Observatório do Parque Imobiliário da UE.
De um modo geral, a maioria dos Estados-Membros estabeleceu objetivos e metas nacionais relacionados com a segurança energética nos PNEC de 2019. Estes objetivos assumem diversas formas e abrangem, por exemplo, desde a construção e utilização de instalações de armazenamento de energia até à construção de terminais de GNL ou redução da dependência das importações de energia. Estes compromissos reforçam a segurança energética da UE.
A Comissão não pôde avaliar os progressos da UE na consecução dos objetivos de diversificação e, por conseguinte, de segurança energética, dado que apenas sete Estados-Membros estabeleceram metas ou objetivos conexos. Todavia, dos países que fixaram tais objetivos de diversificação, quase todos registaram alguns progressos.
O mesmo se aplica à redução da dependência das importações de energia de países terceiros, uma vez que apenas seis Estados-Membros definiram metas e objetivos quantificáveis neste domínio. Entre os países que fixaram metas específicas em matéria de dependência das importações, alguns comunicaram progressos pouco significativos (p. ex., a Grécia) e outros até registaram um agravamento da situação (p. ex., a Croácia e a Polónia). Apenas a Bulgária, a Itália e a Estónia registaram alguns progressos. A dependência das importações de combustíveis fósseis na UE manteve-se, em larga medida, estável nos nove anos que antecederam o período de referência, uma vez que, em 2021, aumentou apenas 1 ponto percentual em comparação com 2012. Este indicador exclui as consequências da invasão russa da Ucrânia, visto que os dados só estão disponíveis até 2021. Devido ao abandono pelos Estados-Membros das importações de combustíveis fósseis russos, é provável que a situação tenha mudado consideravelmente.
Até 2021, os progressos na consecução do objetivo de desenvolvimento da capacidade de gestão de situações de restrição e de interrupção do fornecimento de uma fonte de energia afiguravam-se positivos, tendo a maioria dos países alcançado progressos significativos em termos de resiliência dos correspondentes sistemas de gás e eletricidade.
Os Estados-Membros envidaram esforços positivos no sentido de aumentar as capacidades transfronteiras. A conclusão de vários projetos de interesse comum deverá permitir um reforço dos níveis de interconectividade. No entanto, sete Estados-Membros (Irlanda, Grécia, Espanha, França, Itália, Chipre e Roménia) estavam abaixo da meta de interligação para 2030 e, destes, quatro (Irlanda, Espanha, Itália e Chipre) também continuavam sem cumprir a meta de interligação para 2020. A consecução dos objetivos para 2030 exige esforços adicionais, nomeadamente no que respeita à execução em tempo útil dos projetos transfronteiriços previstos.
Nem todos os Estados-Membros definiram objetivos nacionais em matéria de flexibilidade do sistema energético. Naqueles que o fizeram, os objetivos nacionais variam em termos de adaptabilidade e mensurabilidade. A Suécia definiu seis objetivos nacionais em matéria de soluções de flexibilidade, com vista a identificar e eliminar os obstáculos e promover flexibilidades, como a resposta à procura e o armazenamento. A Grécia instituiu quadros bem definidos relativos à participação e ao funcionamento da resposta à procura, tendo realizado progressos na angariação da resposta à procura dos mercados da energia.
No que respeita à investigação, inovação e competitividade, 20 Estados-Membros comunicaram a instauração de medidas de execução dos objetivos e das políticas no âmbito do Plano Estratégico Europeu para as Tecnologias Energéticas. A maioria dos Estados-Membros comunicou informações sobre programas abrangentes de financiamento da investigação, que apoiam o desenvolvimento das tecnologias incluídas no âmbito de competências dos grupos de trabalho para a execução do plano. Quanto à despesa pública com investigação e inovação (I&I), 19 Estados-Membros prestaram informações sobre objetivos nacionais quantificáveis e cinco apresentaram relatórios sobre uma meta. Dos 13 Estados-Membros que comunicaram dados tanto para 2020 como para 2021, 12 registaram um aumento do investimento em I&I (Áustria, Chéquia, Alemanha, Espanha, França, Lituânia, Malta, Países Baixos, Portugal, Finlândia e Suécia) e apenas um referiu uma ligeira diminuição (Grécia).
O montante total dos subsídios à energia na UE aumentou para 216 mil milhões de EUR em 2021. Como consequência direta da crise energética, este montante atingiu os 390 mil milhões de EUR em 2022. Em resposta à crise dos preços da energia, os Estados-Membros criaram 230 instrumentos temporários de concessão de subsídios, que totalizaram um valor estimado de 195 mil milhões de EUR. Uma parte significativa dos instrumentos temporários destinou-se aos agregados familiares, que receberam apoio num valor de 93 mil milhões de EUR. O apoio ao setor dos transportes rodoviários ascendeu a 31 mil milhões de EUR, enquanto os subsídios intersetoriais representaram 75 mil milhões de EUR. Muitas destas medidas, tomadas pelos Estados-Membros para proteger os agregados familiares e os consumidores comerciais e industriais, deverão ser progressivamente suprimidas em 2023, ou quando os preços da energia regressarem a níveis estáveis.
A crise deu origem a um aumento temporário dos subsídios aos combustíveis fósseis (sobretudo nos casos do gás natural e dos combustíveis rodoviários), que ascenderam a 123 mil milhões de EUR em 2022. Apesar de a implantação anual das energias renováveis ter aumentado todos os anos, os subsídios pagos às energias renováveis diminuíram, passando de 88 mil milhões de EUR em 2020 para 86 mil milhões de EUR em 2021 e 87 mil milhões de EUR em 2022. Tal deveu-se principalmente a instrumentos de concessão de subsídios baseados no mercado, como os prémios de aquisição e os contratos por diferenças. Num período de preços de mercado elevados, os reembolsos estavam a ser pagos pelos produtores de energias renováveis aos governos.
A crise acabou por interromper uma tendência decrescente de longo prazo nos subsídios aos combustíveis fósseis. Cerca de metade dos subsídios aos combustíveis fósseis (58 mil milhões de EUR) chegará a termo em 2024 ou no curto prazo. Nos restantes casos, cerca de 1 % (1,7 mil milhões de EUR) prevê uma data-limite no médio prazo (2025-2030). Para os restantes 52 % (64 mil milhões de EUR), não está prevista nenhuma data-limite, ou a data-limite foi fixada para depois de 2030.
Os Estados-Membros aplicam abordagens diferentes para combater a pobreza energética, com base em metas quantitativas ou, ao invés, em avaliações mais qualitativas. Enquanto alguns países alcançaram progressos, outros enfrentam desafios na apresentação de avaliações claras sobre os progressos realizados. O direito da UE reconheceu inequivocamente o problema da pobreza energética: compete aos Estados-Membros calcular o número de agregados familiares afetados pela pobreza energética nos respetivos territórios e aplicar uma combinação de políticas estruturais e sociais caso exista uma incidência significativa.
Em 2021, a percentagem de agregados familiares que não conseguiram assegurar um aquecimento adequado da sua habitação diminuiu na maioria dos Estados-Membros. Apenas a Espanha declarou um forte aumento entre 2019 e 2021. Mercê de uma diversidade geográfica considerável, todos os Estados-Membros são afetados, embora com valores variáveis, desde 1,4 % na Finlândia até 22,5 % na Bulgária. Importa salientar que estes valores comunicados ainda não refletem o aumento dos agregados familiares que não conseguiram assegurar um aquecimento adequado da sua habitação em 2022, em resultado do aumento acentuado dos preços da energia (ver secção 1.1). Paralelamente, os Estados-Membros instituíram um número significativo de medidas de emergência no inverno passado, que contribuíram para limitar o impacto da crise energética nos agregados familiares mais vulneráveis.
2.2. Políticas e medidas destinadas a cumprir as metas, objetivos e contributos da UE e dos Estados-Membros para 2030
A fim de alcançar progressos essenciais na concretização das ambições para 2030, cabe aos Estados-Membros assegurar políticas e medidas adequadas e credíveis, bem como o financiamento necessário, com o intuito de sustentarem as suas metas, objetivos e contributos, tal como estabelecidos nos respetivos PNEC e na legislação adotada a nível da UE. Em 2023, este exercício de apresentação de relatórios abrange, pela primeira vez, o conjunto das cinco dimensões da União da Energia de forma integrada. O número total de políticas e medidas específicas comunicadas aumentou de 2 052 em 2021 para 3 039 em 2023. Em média, existem 113 políticas e medidas específicas por Estado-Membro. Trata-se de um crescimento de 48 % em relação a 2021. Além disso, verifica-se um grande aumento das políticas e medidas recentemente postas em prática, o que poderá dever-se à necessidade de os Estados-Membros aplicarem novas políticas e medidas para cumprir os respetivos objetivos para 2030 em matéria de clima e energia.
Não é possível efetuar uma comparação estrutural do financiamento disponível e necessário para o cumprimento das metas, objetivos e contribuições que os Estados-Membros estabelecem nos seus PNEC. Não raro, os dados estão incompletos ou são incoerentes, não permitindo uma comparação estruturada. Como tal, no próximo ciclo de apresentação de relatórios, será importante aumentar a disponibilidade, coerência e comparabilidade das informações comunicadas.
A nível da UE, o primeiro convite à apresentação de propostas no âmbito do Mecanismo de Financiamento da Energia Renovável da UE foi publicado em 2023. O convite à apresentação de propostas assenta na participação voluntária do Luxemburgo que, enquanto país contribuinte, paga 40 milhões de EUR ao mecanismo, ao passo que a Finlândia serve de país de acolhimento, onde serão construídos projetos de energia solar fotovoltaica que produzirão energia renovável com uma capacidade total até 400 MW. Nos próximos 15 anos, o Luxemburgo e a Finlândia partilharão os benefícios estatísticos da eletricidade produzida pelos projetos apoiados. A Comissão está atualmente a organizar o próximo convite à apresentação de propostas, a decorrer em 2024.
Em 2023, o MIE para a Energia e a sua vertente relativa às energias renováveis e aos projetos transfronteiriços foram executados através de dois convites à apresentação de propostas bem-sucedidos. Prestaram apoio ao parque eólico marítimo ELWIND, desenvolvido pela Estónia e pela Letónia, ao projeto das cadeias de valor do hidrogénio CICERONE, desenvolvido pela Espanha, Itália, Países Baixos e Alemanha, ao parque eólico marítimo SLOWP, desenvolvido pela Estónia e pelo Luxemburgo, e ao parque eólico terrestre transfronteiriço ULP-RES. Em 2021 e 2022, foram concedidos, no total, 1,64 mil milhões de EUR em subvenções do MIE a projetos de infraestruturas críticas de interesse comum.
Em termos de efeitos e custos das políticas e medidas, 18 Estados-Membros comunicaram reduções quantitativas ex ante das emissões de gases com efeito de estufa. As reduções totalizam 407 MteCO2 em 2025, 703 Mt em 2030, 577 Mt em 2035 e 537 Mt em 2040. As reduções comunicadas parecem estar incompletas, tendo em conta que a diminuição após 2030 não coincide com as expectativas de aumento das reduções ao longo do tempo.
Os Estados-Membros apenas apresentaram informações limitadas e em graus variáveis sobre os impactos futuros das emissões de poluentes atmosféricos resultantes da aplicação das políticas e medidas estabelecidas nos respetivos PNEC. Enquanto dois Estados-Membros referem impactos para (quase todas) as suas políticas e medidas, a maioria abrange uma quota-parte (muito) menor de políticas e medidas e seis Estados-Membros não comunicaram impactos na qualidade do ar e nas emissões para a atmosfera no âmbito de quaisquer políticas e medidas. A maioria dos Estados-Membros que apresentaram relatórios comunicou uma redução por poluente (NOx, NH3, PM2.5, SO2, NMVOC) em resultado da aplicação das políticas e medidas, sendo os impactos mais claros nalguns poluentes (p. ex., SO2) do que noutros (p. ex., NH3, PM2.5).
2.3. Cooperação regional
Um aumento da cooperação regional pode reforçar o impacto e a coerência da União da Energia nas suas cinco dimensões. A maioria dos Estados-Membros apresentou informações sobre os progressos realizados na execução da cooperação regional, tendo, na sua maioria, comunicado alguns progressos em, pelo menos, uma das respetivas iniciativas ou projetos de cooperação regional. Os projetos ou iniciativas de cooperação regional comunicados nos relatórios abrangem as cinco dimensões, embora incidam maioritariamente na segurança energética, no mercado interno da energia e na descarbonização, sendo menos os projetos ou iniciativas relacionados com a eficiência energética ou a investigação, inovação e competitividade.
A cooperação regional em matéria de energias renováveis está a ganhar ímpeto, especialmente no setor da energia marítima. Explorando a colaboração no quadro da Cooperação Energética entre os Países dos Mares Setentrionais (NSEC) e o Plano de Interconexão do Mercado Energético do Báltico (PIMEB), os países do mar do Norte e do mar Báltico assinaram várias declarações e memorandos de entendimento com vista a desenvolver conjuntamente o potencial de energia marítima destas duas bacias marítimas. Além disso, os ministros europeus da Energia reuniram-se mais de 20 vezes em diferentes configurações (p. ex., em reuniões informais, extraordinárias e do Conselho TTE) desde janeiro de 2022.
Vários Estados-Membros comunicaram progressos na cooperação regional por meio de instâncias regionais como o Fórum Pentalateral da Energia e da NSEC, mediante estratégias como a Estratégia da UE para a Região Adriática e Jónica e mediante a cooperação no âmbito de projetos técnicos em matéria de energia executados através dos programas da Rede Europeia dos Operadores das Redes de Transporte de Eletricidade, do Interreg e do Mecanismo Interligar a Europa.
2.4. Diálogo a vários níveis
O diálogo a vários níveis é um instrumento fundamental para promover a aceitação de toda a sociedade quanto à necessidade da transição energética e da concretização das ambições para 2030 em matéria de clima e energia. A maioria dos Estados-Membros indicou atividades relacionadas com o estabelecimento de diálogos nacionais a vários níveis sobre clima e energia, referindo a criação de vários fóruns, plataformas e comités de interação. Estes diálogos contaram com a participação de autoridades locais, organizações da sociedade civil, comunidade empresarial, investidores, outras partes interessadas pertinentes e público em geral.
No entanto, o nível de maturidade, sofisticação e estrutura desses diálogos varia substancialmente entre os Estados-Membros. Alguns Estados-Membros mencionam estruturas ou métodos estabelecidos há vários anos, inclusivamente antes de o Regulamento Governação ter entrado em vigor, enquanto outros se referem a processos instituídos desde 2022 ou em vias de ser criados.
Vários Estados-Membros contextualizaram eficazmente o seu processo, salientando a regularidade e a permanência das suas iniciativas, qualificando e quantificando as suas atividades, os resultados e os impactos alcançados, ao invés de outros Estados-Membros que se limitaram a elencar as suas consultas e eventos, sem explicar a abordagem global ou o modo como as suas iniciativas estão interligadas. A inclusão das autoridades locais tem sido um aspeto fulcral para vários Estados-Membros, mas não é aplicada de forma proeminente.
Muitos Estados-Membros limitam o âmbito dos seus diálogos a vários níveis sobre clima e energia ao processo de elaboração dos PNEC, apesar de o Regulamento Governação ambicionar um quadro mais completo, exigindo que os Estados-Membros estabeleçam um diálogo a vários níveis que abranja os diferentes cenários para as políticas em matéria de energia e de clima, incluindo a longo prazo, e que analisem os progressos realizados.
3.
CONCLUSÃO, PERSPETIVAS E DESAFIOS REMANESCENTES
A crise energética que afeta a UE demonstrou a importância da preparação e da resiliência. Ao mesmo tempo, a coordenação a nível da UE e a ação conjunta entre a UE e os Estados-Membros revelaram-se eficazes, resultando numa maior unidade entre os Estados-Membros e no aumento da influência e peso geopolíticos da UE. No futuro, tanto a resiliência como o alinhamento das ações dos Estados-Membros e da UE continuarão a ser fundamentais para garantir a segurança energética, reforçar a independência energética da UE e concluir a transição para as energias limpas. Os desenvolvimentos recentes também evidenciaram que a segurança energética é crucial para a segurança económica da UE, uma vez que a maioria dos setores económicos depende da estabilidade do aprovisionamento energético e das cadeias de abastecimento.
A Comissão continuará a trabalhar em estreita colaboração com o Parlamento e o Conselho, tendo em vista a obtenção, antes do final do atual mandato da Comissão, de acordos justos, equilibrados e, ainda assim, ambiciosos sobre as iniciativas pendentes do Pacto Ecológico Europeu. A UE poderá, desta forma, criar uma base legislativa sólida e centrar-se na sua aplicação, a fim de superar os desafios inerentes ao objetivo de se tornar o primeiro continente com impacto neutro no clima. Paralelamente, até 30 de junho de 2024, na sequência da avaliação e das recomendações da Comissão sobre os seus projetos, os Estados-Membros terão de finalizar os respetivos planos nacionais em matéria de energia e clima (PNEC) atualizados. Ao descreverem pormenorizadamente a forma como cada Estado-Membro executará a tarefa fundamental de aplicar o Pacto Ecológico Europeu até 2030, estes planos serão fulcrais na estratégia da UE e dos Estados-Membros para cumprir os objetivos e ambições mais avançados da União da Energia.
A UE conseguiu superar com êxito as recentes dificuldades, mas subsistem vários desafios importantes, que será necessário enfrentar a curto e médio prazo para aumentar a resiliência e a soberania da UE no domínio da energia, apoiar a competitividade da sua indústria, garantir a sustentabilidade do emprego e tornar a neutralidade climática uma realidade para as gerações futuras. A seguir, são apresentados de forma circunstanciada vários domínios que importa analisar.
1)Uma arquitetura modernizada da UE de governação e política em matéria de energia e clima para além de 2030
Graças às propostas «Objetivo 55» e ao plano REPowerEU, a UE está agora quase plenamente dotada de instrumentos legislativos e não legislativos para realizar a transição para as energias limpas, através de uma energia segura, economicamente acessível e competitiva. Tendo em vista o próximo reexame do Regulamento Governação em 2024, poderá ser necessário rever a arquitetura da UE de governação e política em matéria de energia e clima. Desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, a coordenação e ação a nível da UE no domínio da energia foram determinantes para atenuar com êxito o impacto da crise energética. A coordenação estratégica da política energética à escala da UE é importante para alcançar os objetivos da UE em matéria de energia, incluindo a eliminação progressiva das importações de combustíveis fósseis russos até 2027 e o desenvolvimento da autonomia energética estratégica. A revisão do quadro de governação das ações em matéria de energia e clima deve refletir as modificações introduzidas pelo pacote «Objetivo 55» e reforçar a capacidade da UE para atingir os seus objetivos. Tratar-se-ia de um passo essencial para dar o exemplo e convencer os parceiros internacionais a também eles concretizarem a transição para as energias limpas, começando por metas globais em matéria de eficiência energética e energias renováveis, tendo em vista a COP 28 no final do ano.
Além disso, chegou o momento de refletir sobre a meta relativa aos GEE para 2040. Esta meta deveria representar etapas credíveis e mensuráveis no sentido da meta a longo prazo de neutralidade climática para 2050. A definição de uma meta relativa aos GEE para 2040 promoverá a previsibilidade a longo prazo para os investidores e, ao mesmo tempo, possibilitará uma transição energética com uma boa relação custo-eficiência, aumentando a competitividade da indústria da UE e consolidando a posição da UE enquanto líder mundial na transição para as energias limpas. Nem a trajetória rumo à neutralidade climática, nem a segurança do aprovisionamento ou a acessibilidade dos preços podem ser dadas por adquiridas. Por conseguinte, a futura governação em matéria de clima e energia terá de permitir à UE e aos Estados-Membros enfrentar os desafios que subsistem e assegurar que a União continue a ser um ator competitivo a nível mundial.
2)Dar um forte impulso à competitividade e à liderança industrial da UE
A competitividade da UE é uma salvaguarda importante para a soberania tecnológica da UE e a independência do seu sistema energético. A atual Comissão considera que a manutenção e o reforço da competitividade da UE assumem uma importância estratégica, conforme ilustra o pedido da Presidente da Comissão a Mario Draghi para elaborar um relatório especial sobre o futuro da competitividade europeia. Para alcançar os objetivos da UE em matéria de energia, é fundamental contar com empresas europeias competitivas e com uma forte base de produção de tecnologias limpas. A inflação continua elevada, o que afeta a transição para as energias limpas e, mais particularmente, os investimentos nas energias renováveis e na eficiência energética, caracterizados pela sua grande intensidade de capital. Embora os preços do gás natural tenham estabilizado após a crise, continuam a corresponder ao dobro dos níveis anteriores à crise, estando a verificar-se na UE preços da energia sistematicamente mais elevados do que noutras regiões do mundo. Será indispensável assegurar, na transição para as energias limpas, um acesso seguro, barato e estável à eletricidade. Os elevados preços da energia geram uma desvantagem competitiva não só para a indústria transformadora da UE, mas também na corrida mundial das tecnologias limpas.
Com a adoção da Lei de Redução da Inflação, os EUA investem fundos públicos para estimular o consumo, a produção e o investimento ambientalmente sustentáveis, sobretudo através de desagravamentos fiscais seletivos (num valor total de 500 mil milhões de USD, dos quais 60 % se destinam ao setor da energia). Ao mesmo tempo, a China tem vindo a liderar o apoio às tecnologias limpas, graças a uma economia centrada no investimento. A China produz grandes quantidades de painéis solares fotovoltaicos subvencionados e satisfaz a forte procura no mercado da UE.
Através do Regulamento Indústria de Impacto Zero inserido no âmbito do Plano Industrial do Pacto Ecológico, a Comissão visa reforçar a competitividade da UE e a sua capacidade de produção interna no que respeita às tecnologias de impacto zero. Para se manter competitiva, a UE deverá, mediante o estabelecimento de um quadro jurídico adequado, desenvolver capacidades que potenciem todas as tecnologias relevantes da forma mais eficiente. A Comissão apresenta um pacote europeu para a energia eólica destinado a superar os desafios específicos do setor da energia eólica. As principais características deste pacote incluirão medidas tendentes a uma maior aceleração do licenciamento, à melhoria dos sistemas de leilões em toda a UE, às competências, ao acesso ao financiamento e à estabilidade das cadeias de abastecimento. Além do mais, no âmbito de acordos comerciais bilaterais ou através de parcerias industriais de impacto zero, a UE poderia estabelecer parcerias com uma seleção de países terceiros com capacidades industriais adequadas e custos de produção mais baixos.
O quadro regulamentar e financeiro da UE procura colmatar o fosso entre a investigação e inovação (I&I) e a adoção pelo mercado em setores de tecnologias limpas novas ou em fase embrionária. A Comissão continuará a apoiar a I&I, em estreita parceria com a indústria, a fim de acelerar o desenvolvimento das tecnologias limpas e de reforçar a base de produção da UE. Mais especificamente, a adoção de regras em matéria de contratos públicos ecológicos que sejam diferenciadas poderá ajudar a mobilizar mais investimentos privados para o apoio às empresas em fase de arranque e em fase de expansão sediadas na UE. O ambiente empresarial para as pequenas e médias empresas será melhorado através de um teste da competitividade de todos os novos atos legislativos e de uma proposta legislativa destinada a reduzir as obrigações de comunicação de informações a nível da UE em 25 %. O estabelecimento de diálogos sobre a transição limpa com a indústria também contribui para a criação de um modelo empresarial relativo à descarbonização da indústria (p. ex., aço, baterias). Ao mesmo tempo, a UE aumentará a proteção da sua indústria contra distorções do mercado por países terceiros. A instauração de um inquérito antissubvenções relativamente aos veículos elétricos provenientes da China constitui um primeiro passo. As tecnologias inteligentes e inovadoras já desempenham um papel fundamental na análise e otimização dos sistemas energéticos. Neste contexto, e para a I&I, prevê-se um reforço do papel da inteligência artificial. A Comissão está a trabalhar na definição de normas mínimas a nível mundial para uma utilização segura e ética da inteligência artificial. O futuro da nossa indústria de tecnologias limpas tem de ser construído na Europa.
3)Garantir um aprovisionamento fiável de matérias-primas críticas
O acesso fiável a determinadas matérias-primas é uma preocupação crescente na UE. Este acesso será fundamental para a transição para as energias limpas e para a competitividade da indústria da UE. A maioria das tecnologias verdes exige quantidades significativas de metais e minerais, como cobre, lítio e cobalto. De acordo com a Agência Internacional da Energia, à medida que a procura aumenta, a oferta pode ser cada vez mais limitada no caso de determinadas matérias-primas. Embora se preveja que aumente drasticamente, a procura na UE de matérias-primas críticas está fortemente dependente das importações provenientes de um pequeno número de países terceiros, geralmente em situação de quase monopólio (p. ex., 98 % do fornecimento de terras raras à UE e 93 % do seu magnésio provêm da China). A recente crise mostrou os riscos e as consequências da excessiva dependência em relação a outro país, e a China já introduziu restrições à exportação de gálio e germânio, que são essenciais para os semicondutores e os painéis solares. A proposta da Comissão relativa ao Regulamento Matérias-Primas Críticas visa assegurar o acesso a um aprovisionamento seguro e sustentável desses materiais. Os progressos no sentido da utilização circular de materiais também podem melhorar a segurança do aprovisionamento de matérias-primas críticas na UE. Afiguram-se necessárias ações suplementares a fim de diversificar o acesso às matérias-primas. Além disso, a Comissão anunciou a criação de um novo clube das matérias-primas críticas para todos os países com valores semelhantes e determinados a fortalecer as cadeias de abastecimento mundiais, reforçando a Organização Mundial do Comércio e insistindo na fiscalização para combater as práticas comerciais desleais.
4)Garantir os investimentos necessários à transição para as energias limpas
A fim de cumprir as metas ambiciosas para 2030, os investimentos na transição para as energias limpas terão de aumentar consideravelmente, não obstante uma previsível limitação dos recursos públicos. No seu relatório de prospetiva estratégica de 2023, a Comissão estimou que serão necessários 620 mil milhões de EUR de investimentos anuais adicionais para alcançar os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e do REPowerEU. Não obstante o papel fundamental que será desempenhado por instituições financeiras europeias, como o Banco Europeu de Investimento e o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, o grosso dos investimentos terá de ser suportado pelo setor privado. A UE deverá criar um ambiente de investimento atrativo e alavancar o financiamento privado. Para o efeito, a UE tem vindo a preparar o estabelecimento de um quadro de financiamento sustentável sólido, a fim de canalizar mais capitais privados para a transição ecológica e sustentável, incluindo as energias renováveis. Um importante facilitador dos investimentos necessários consiste na previsibilidade a longo prazo das políticas. Um acesso simplificado e menos burocrático aos apoios da UE (designadamente para empréstimos e garantias de empréstimos) permitiria melhorar a atratividade do mercado único para os investimentos ecológicos e contribuir para alavancar os investimentos privados através do orçamento da UE.
5)Propiciar preços acessíveis da energia e assegurar uma forte proteção e capacitação dos consumidores
Uma verdadeira União da Energia implica, já a curto prazo, que sejam assegurados preços acessíveis da energia, em prol de todos. Ao reduzirem a sua procura de energia, os consumidores e a sociedade tiveram um papel importante na gestão do impacto da crise energética, mesmo que tal tenha agravado as dificuldades financeiras de muitos. No entanto, poderão ter saído enfraquecidos desta crise e os atuais preços do gás natural e da eletricidade continuam a ser o dobro do que eram antes da crise. A transição para um sistema energético mais eletrificado, descarbonizado e descentralizado fará, na prática, com que sejam os consumidores a comandar a descarbonização, graças ao surgimento de modelos de capacitação dos consumidores inovadores, centrados nos regimes coletivos de autoconsumo e de partilha de energia.
Estes regimes garantem que os consumidores possam beneficiar de preços moderados da eletricidade, resultantes da produção de energias renováveis fora do local. Para uma transição justa e equitativa, é importante que os referidos regimes estejam acessíveis aos agregados familiares com baixos rendimentos e que os consumidores estejam suficientemente informados e disponham de um conjunto sólido de direitos, proteção jurídica e medidas de apoio, tanto a nível nacional como da UE. Uma maior implantação de contadores inteligentes nos agregados familiares será fundamental para capacitar os consumidores e promover padrões de consumo de energia mais inteligentes e poupanças de energia. Nas regiões fronteiriças, a cooperação transfronteiriça local no setor da energia pode ajudar a resolver o problema do despovoamento que afeta essas zonas, contribuindo para a sua revitalização económica. É imperativo que a UE mantenha um papel crucial para ajudar o público em geral a continuar a ser uma força motriz da transição para a energia verde e a assegurar uma transição justa e equitativa. De resto, continua a ser essencial aplicar o princípio da «prioridade à eficiência energética».
6)Melhorar os mercados da energia e as redes energéticas e aumentar a integração do sistema energético
O futuro sistema energético da UE terá de ser integrado e de acomodar uma descentralização cada vez maior. É premente fortalecer as redes energéticas e serão necessários ajustamentos no mercado da energia. Um sistema energético limpo, eficiente e integrado exigirá um volume significativo de investimentos nas redes de transporte e distribuição, com vista a assegurar interligações, adaptar-se a uma produção descentralizada e à resposta do lado da procura e permitir a penetração de uma elevada quota de energias renováveis baratas. O próximo plano de ação para as redes aventará medidas importantes neste sentido. O papel da inteligência artificial na gestão e otimização do futuro sistema energético da UE será reforçado. Um sistema energético cada vez mais digitalizado acarreta um risco mais elevado de ciberataques, o que exige medidas de cibersegurança adequadas. Os mercados da energia terão de enviar os sinais de investimento adequados no que concerne às energias renováveis, às medidas de eficiência energética e à implantação necessária das redes. Os mercados deverão não só acolher mais participantes que intervenham a nível local, mas também facilitar o desenvolvimento de projetos híbridos de grande escala e complexos na área das energias renováveis, por vezes executados em alto-mar. Como primeiro passo, será importante que todos os Estados-Membros apliquem o pacote Energias Limpas.
A digitalização, a flexibilidade e a resposta do lado da procura desempenharão um papel central num sistema energético limpo e descentralizado que funcione corretamente. A UE adotou um quadro legislativo abrangente para dar resposta a esses desafios. Além disso, perante a crise energética, a Comissão apresentou uma reforma estrutural da configuração do mercado da eletricidade, que reduzirá o impacto dos combustíveis fósseis nos preços da energia e incentivará a adoção de soluções mais limpas e flexíveis. No entanto, subsistem entraves significativos à adoção de modelos empresariais e soluções técnicas adequados, como as redes inteligentes. Uma maior integração dos mercados retalhistas poderá exigir a exploração de instrumentos e incentivos inovadores para acelerar a transição limpa e justa. Para o efeito, a UE colaborará com todos os intervenientes no mercado, com vista a facilitar a participação ativa e mobilizar todo o potencial dos mercados integrados da energia da UE. Ao mesmo tempo, é necessário que o sistema energético se adapte a mudanças dramáticas relacionadas com o clima.
7)Dar resposta à escassez de competências e de mão de obra no setor da energia
A escassez de competências e de mão de obra constitui um obstáculo à concretização da transição para as energias limpas e à competitividade da UE. Segundo as estimativas, o cumprimento das nossas metas REPowerEU exigirá a criação de mais de 3,5 milhões de postos de trabalho até 2030, o que implica mais do que triplicar a mão de obra existente, que rondará 1,5 milhões de trabalhadores. Estes postos de trabalho inserem-se no próprio setor das energias limpas, mas também na indústria transformadora, nos transportes do setor da construção e nos serviços associados ao impulsionamento do fabrico e à implantação destas tecnologias. Um pré-requisito neste sentido é a disponibilidade de competências e a capacidade de os trabalhadores transitarem para estes setores emergentes. Em 2022, perto de 30 % das empresas da UE ativas no fabrico de equipamentos elétricos viram-se confrontadas com a escassez de mão de obra. Prevê-se uma intensificação desta tendência, que afeta igualmente o setor da energia nuclear. Neste contexto, a melhoria de competências e a requalificação dos trabalhadores devem ser uma prioridade para a UE, assegurando simultaneamente ambientes de trabalho equilibrados em termos de género, justos e inclusivos. O acesso ao mercado de trabalho tem de ser melhorado, em especial para as mulheres, os jovens e os migrantes, e deve ser prestada atenção à necessidade de garantir boas condições de trabalho. Para que seja socialmente aceite, é fundamental que a transição para as energias limpas se traduza em boas oportunidades de emprego para os cidadãos da UE, em consonância com o objetivo político de não deixar ninguém para trás.
8)Analisar o impacto da escassez de água nos sistemas energéticos
Importa prestar mais atenção às ligações entre o sistema energético e a disponibilidade de água doce, isto porque a água é fundamental para o sistema energético da UE e porque a frequência e a intensidade dos fenómenos meteorológicos extremos têm vindo a aumentar. A água é utilizada para quase todos os tipos de produção de energia na UE e a sua escassez já afetou a produção de energia da UE, como as centrais hidroelétricas e as centrais termoelétricas convencionais, o arrefecimento de reatores nucleares ou o transporte de combustíveis por vias navegáveis. A Conferência das Nações Unidas sobre a Água de 2023 salientou a importância de uma abordagem integrada em matéria de crises da água, da energia, dos alimentos e dos ecossistemas.
9)Definir um calendário rígido para a eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis
Durante a crise energética, aumentaram os subsídios aos combustíveis fósseis, muito embora a tendência a longo prazo fosse de diminuição. Uma vez que mais de 50 % (64 mil milhões de EUR) dos subsídios aos combustíveis fósseis ainda não têm data-limite, será importante definir um calendário para a eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis, em consonância com os objetivos de descarbonização estabelecidos no Pacto Ecológico Europeu e no REPowerEU.
Conclusão
A atuação da UE insere-se num ambiente internacional cada vez mais complexo, em que vários intervenientes internacionais assumem novos papéis, muitas vezes, de maior confronto. À medida que o mundo se adapta à contração dos fluxos entre a Rússia e a Europa, os mercados internacionais da energia atravessam uma profunda reorientação e permanecem vulneráveis. Também é disso exemplo a corrida mundial das tecnologias limpas. Estas novas realidades geopolíticas da competitividade internacional devem ser tidas em conta na conceção da futura política energética, que servirá de alicerce à prosperidade económica e à segurança. A UE continuará a promover um comércio aberto e justo, não obstante as práticas de alguns países terceiros. A instauração de um inquérito antissubvenções relativamente aos veículos elétricos provenientes da China exemplifica o modo como a UE pode tomar medidas para defender a sua economia de forma justa contra os riscos de distorção do mercado.
Ao mesmo tempo, é do interesse estratégico da UE fortalecer as parcerias internacionais, nomeadamente com os países candidatos, por forma a aumentar a segurança e influência da UE. A abordagem de «parceria entre iguais» aplicada pela UE na colaboração internacional continua a ser fundamental, dado que há cada vez mais países a procurar parcerias mais vantajosas.
A solidariedade entre os Estados-Membros e as alianças com os países que partilham de valores semelhantes, como os membros do G7, serão essenciais. A UE e os seus Estados-Membros deverão agir de forma unida e coordenada, tanto a nível interno como nas instâncias internacionais, a fim de aumentar a sua influência. Nas palavras da Presidente da Comissão: «se estivermos unidos cá dentro, ninguém de fora nos dividirá».
Até à data, a UE realizou progressos no respeitante à autonomia e segurança energéticas e está preparada para uma transição mundial justa para energias limpas e a preços acessíveis. Entretanto, as tendências inflacionistas e as consequências da crise climática tornam o contexto futuro ainda mais complexo. As atualizações finais dos PNEC dos Estados-Membros, previstas para 2024, constituirão um marco importante para superar os desafios identificados e reagir à alteração das circunstâncias desde a adoção dos primeiros planos, em 2019. A UE terá agora de continuar a dar seguimento ao processo iniciado, antecipar-se e dar resposta aos desafios futuros, bem como acelerar a execução do vasto conjunto de iniciativas políticas lançadas no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. As políticas e os investimentos devem, desde já, ter em conta as perspetivas para lá de 2030.