COMISSÃO EUROPEIA
Estrasburgo, 15.1.2019
COM(2019) 8 final
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO EUROPEU E AO CONSELHO
Rumo a um processo de decisão mais eficaz e mais democrático no âmbito da política fiscal da UE
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Document 52019DC0008
COMMUNICATION FROM THE COMMISSION TO THE EUROPEAN PARLIAMENT, THE EUROPEAN COUNCIL AND THE COUNCIL Towards a more efficient and democratic decision making in EU tax policy
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO EUROPEU E AO CONSELHO Rumo a um processo de decisão mais eficaz e mais democrático no âmbito da política fiscal da UE
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO EUROPEU E AO CONSELHO Rumo a um processo de decisão mais eficaz e mais democrático no âmbito da política fiscal da UE
COM/2019/8 final
COMISSÃO EUROPEIA
Estrasburgo, 15.1.2019
COM(2019) 8 final
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO EUROPEU E AO CONSELHO
Rumo a um processo de decisão mais eficaz e mais democrático no âmbito da política fiscal da UE
1.Introdução
A tributação é um elemento-chave para o funcionamento da nossa sociedade e um instrumento-chave da política pública a todos os níveis de governação. É a principal fonte de receitas para os governos e é essencial para garantir uma economia eficaz e estável, numa sociedade justa e inclusiva. Por esta razão, as medidas destinadas a coordenar, aproximar ou harmonizar as legislações nacionais no domínio da fiscalidade são um instrumento importante para a política a nível da UE, dentro dos limites fixados pelos Tratados e em conformidade com o princípio da subsidiariedade. Por conseguinte, já em 1957, o Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, previa as bases jurídicas para tais medidas, enquanto elemento necessário para a integração europeia. Inicialmente, a política fiscal da UE centrava-se principalmente na eliminação dos obstáculos ao mercado único 1 e na prevenção de distorções da concorrência. Este caminho conduziu a uma série de histórias de sucesso, como a legislação para minimizar a dupla tributação das empresas transfronteiras 2 , que foram determinantes para a construção do mercado interno.
Durante muitos anos, a legislação no domínio da fiscalidade esteve estreitamente ligada à soberania nacional, devido ao papel que esta matéria desempenha ao nível das receitas, dos orçamentos e das opções políticas nacionais. Os Estados-Membros defenderam esta soberania e viram no processo de decisão com base na unanimidade, que implica a possibilidade de um veto nacional, a forma de a proteger. Consequentemente, os Tratados mantiveram a regra geral segundo a qual o Conselho deve deliberar por unanimidade sobre as propostas no domínio da fiscalidade antes de estas poderem ser adotadas a nível da UE, uma exigência adaptada a uma União mais pequena com uma integração limitada, uma economia mais tradicional e menos desafios transfronteiras do que a atual União.
Os novos desafios que surgiram, na UE e a nível mundial, revelaram os limites da regra da unanimidade na política fiscal, tanto à escala da UE como à escala nacional. Na UE de hoje, mais alargada, moderna e mais integrada, deixou de funcionar a abordagem puramente nacional da fiscalidade e a unanimidade deixou de ser uma forma prática ou eficaz de tomar decisões. Os interesses nacionais e comuns estão interligados. A mobilidade acrescida das empresas e dos cidadãos significa que as decisões fiscais de um Estado-Membro podem afetar significativamente as receitas dos outros Estados-Membros e as possibilidades de fazerem as suas próprias opções políticas. A globalização e a digitalização criaram desafios comuns que exigem soluções comuns. As pressões externas ao nível da concorrência, como a recente reforma fiscal dos EUA, requerem uma atuação conjunta dos Estados-Membros para salvaguardar os interesses da União, através do reforço da competitividade do sistema fiscal da UE. É essencial uma ação coordenada da UE no domínio da fiscalidade para proteger as receitas dos Estados-Membros e assegurar um quadro fiscal justo para todos. Para acompanhar a célere mutação do quadro atual, a política fiscal da UE deve ser capaz de reagir e de se adaptar com rapidez. Contudo, a regra da unanimidade impossibilita-o. Certas questões que, no passado, talvez pudessem ser discutidas durante vários anos, podem hoje ter de ser resolvidas no espaço de meses. A dimensão dos desafios que os Estados-Membros enfrentam atualmente significa que não se pode permitir que as decisões importantes sejam bloqueadas por um único Estado-Membro.
A fiscalidade é o último domínio de intervenção da UE em que o processo de decisão assenta exclusivamente na unanimidade. Através de sucessivas alterações ao Tratado ao longo dos últimos 30 anos, os processos de decisão noutros domínios evoluíram em resposta às mudanças económicas, ambientais, sociais e tecnológicas e produziram resultados claros. A votação por maioria qualificada é, agora, a regra geral, nomeadamente para as políticas que são tão sensíveis do ponto de vista político como a fiscalidade 3 . Os Estados-Membros não aceitaram facilmente passar da votação por unanimidade para a votação por maioria qualificada noutros domínios políticos. No entanto, essa transição foi aceite porque os Estados-Membros compreenderam que a UE necessita de instrumentos de decisão eficazes para responder eficazmente aos desafios modernos e para tirar partido dos benefícios do mercado único e da União Económica e Monetária, de um modo mais geral. Algumas das mais importantes conquistas da integração europeia nas últimas décadas não teriam sido possíveis sem esta mudança.
Embora o processo de decisão por maioria qualificada estivesse previsto, para determinadas políticas, pelos tratados originais, apenas a partir da segunda metade da década de 80 foi efetivamente aplicada a votação por maioria qualificada, sempre que possível. Foi a passagem para a maioria qualificada de grande parte das decisões relativas ao mercado único, na sequência do Ato Único Europeu de 1986, que funcionou como principal catalisador para a conclusão do projeto icónico, incutindo um novo dinamismo na Comunidade, com resultados sem precedentes.
A única exceção que atualmente persiste dificulta a consecução dos objetivos políticos da UE e a realização do mercado único. Chegou o momento de alinhar o processo de decisão relativamente à legislação fiscal com o de outros domínios políticos igualmente importantes.
A fiscalidade é, além disso, um dos poucos domínios políticos em que as decisões ainda são tomadas através de um processo legislativo especial. Atualmente, e desde 1958, as iniciativas da UE em matéria de fiscalidade são tomadas pelo Conselho sob proposta da Comissão; o Parlamento Europeu tem um papel meramente consultivo. A exclusão do Parlamento Europeu, órgão eleito por sufrágio direto, do processo de decisão num domínio político tão importante como a fiscalidade está em contradição com os objetivos democráticos da União. A passagem para o processo legislativo ordinário permitiria pôr um termo a este défice democrático.
Desde o início do atual mandato, a Comissão tem intensificado os seus esforços para promover um sistema fiscal europeu mais justo e mais eficaz. Os Estados-Membros concordaram com uma série de novas regras de características avançadas para proteger os seus recursos contra práticas de elisão fiscal pelas empresas em toda a UE, assegurando simultaneamente um enquadramento mais justo e mais estável para as empresas.
É neste contexto que, no seu discurso sobre o estado da União de 2017 e 2018 4 , o Presidente Juncker propôs que se passasse à votação por maioria qualificada em determinadas questões fiscais:
«Quando se trata de questões sobre o mercado único, quero que as decisões no Conselho sejam tomadas mais frequente e mais facilmente por maioria qualificada – com participação equivalente do Parlamento Europeu. Para isso, não precisamos de alterar os Tratados. Os Tratados em vigor preveem as denominadas «cláusulas-ponte», que nos permitem passar à votação por maioria qualificada em certos casos, sempre que o Conselho Europeu decida fazê-lo por unanimidade.
Sou também muito favorável à passagem para a votação por maioria qualificada no que respeita à adoção de decisões sobre a matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades, o IVA, uma tributação equitativa para o setor digital e o imposto sobre as transações financeiras.
Por conseguinte, a presente comunicação não pretende propor qualquer alteração à atribuição das competências da UE no domínio da fiscalidade. Também não visa a transição para um sistema de taxas harmonizadas de tributação das pessoas singulares e coletivas em toda a UE. A presente comunicação propõe apenas modificar a forma como a UE exerce as suas competências no domínio da fiscalidade. Concretamente, a presente comunicação estabelece um roteiro para atingir esse objetivo. Espera-se que desencadeie um amplo debate político e constitua um estímulo para os dirigentes da UE antes das próximas eleições europeias. À luz desses debates e com base nas prioridades para os próximos anos, a Comissão decidirá quais as propostas concretas que devem ser apresentadas.
2.Por que motivo é necessária uma mudança?
2.1 Uma melhor política fiscal para um mercado único mais forte e mais competitivo
A regra da unanimidade impede a fiscalidade de concretizar todo o seu potencial para ajudar a preservar e aprofundar o mercado único e para apoiar o crescimento inclusivo nos diferentes países. A fiscalidade é fundamental para a construção de um mercado único forte e dinâmico, que apoie as empresas, atraia os investidores e possa competir com os mercados mundiais mais poderosos. É essencial para o crescimento e o emprego, dada a sua influência nas decisões das empresas relativas a expansão, investimento e recrutamento. Além disso, a fiscalidade constitui um elemento-chave para garantir a justiça social para os cidadãos e condições de concorrência equitativas para as empresas na UE. Com efeito, num recente inquérito Eurobarómetro 5 , três quartos dos inquiridos referiram a luta contra os abusos fiscais como um domínio de ação prioritário da UE.
No entanto, apesar do impacto positivo que pode ter, a política fiscal da UE não está a conseguir concretizar todo o seu potencial. No mercado único, as empresas e os consumidores dispõem de um conjunto comum de regras e normas que não conhecem qualquer fronteira. No âmbito da União Monetária Europeia, a atividade económica é facilitada por uma moeda única. Contudo, a fiscalidade direta e, embora em menor grau, também a fiscalidade indireta, continuam fragmentadas em 28 legislações nacionais diferentes. Ao manterem esta fragmentação, os Estados-Membros impõem elevados custos de conformidade às empresas da UE, em especial às PME, e tornam o mercado único um lugar menos atrativo para investir a nível mundial.
Ao longo dos anos, a unanimidade dificultou os progressos de importantes iniciativas fiscais, necessárias para reforçar o mercado único e impulsionar a competitividade da UE.
A matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS), por exemplo, foi proposta pela primeira vez em 2011, como um sistema de tributação das sociedades moderno, favorável às empresas e justo para toda a UE. Com a MCCCIS 6 , relançada em 2016, as empresas ganhariam uma simplificação sem precedentes e beneficiariam da flexibilização da atividade comercial, bem como de segurança jurídica, assegurando-se, ao mesmo tempo, que as multinacionais pagariam uma justa parte do imposto no lugar onde geram os seus lucros. No entanto, a MCCCIS permanece na mesa de negociações no Conselho, uma vez que os Estados-Membros continuam a tentar encontrar um acordo por unanimidade sobre o futuro da tributação das sociedades.
A declaração normalizada de IVA é outra proposta que teria melhorado radicalmente o enquadramento das empresas no mercado único. Através de um sistema simples e harmonizado de apresentação das declarações de IVA, esta proposta permitiria reduzir a carga administrativa das empresas transfronteiras em 15 mil milhões de EUR por ano. Todavia, na sua luta para alcançar a unanimidade, os Estados-Membros orientaram-se para um resultado que comprometeu completamente o objetivo de simplificação. Em 2016, a Comissão acabou por ter de retirar a proposta, deixando às empresas da UE a tarefa de gerir 28 formulários diferentes de declarações de IVA.
O custo da inação na política fiscal da UE
O regime definitivo do IVA poderia contribuir para colmatar o desvio anual do IVA de 147 mil milhões de EUR 7 devido à evasão e à elisão fiscais, bem como reduzir a fraude ao IVA, que atualmente custa, em média, 50 mil milhões de EUR por ano aos orçamentos públicos 8 .
A matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades permitiria, a longo prazo, aumentar o investimento na UE até 3,4 % e conduziria a um aumento do crescimento até 1,2 % (correspondente a cerca de 180 mil milhões de EUR 9 ).
O imposto sobre as transações financeiras (ITF) , como proposto pela Comissão em 2011 10 , geraria 57 mil milhões de EUR em novas receitas anuais.
O imposto sobre os serviços digitais, proposto em 2018 como uma solução a curto prazo 11 , geraria cerca de 5 mil milhões de euros de receitas anuais na União e ajudaria a evitar a fragmentação do mercado único 12 .
A unanimidade no domínio da fiscalidade teve também um efeito negativo nas prioridades políticas mais gerais da UE. A fiscalidade é igualmente essencial para muitos dos projetos mais ambiciosos da UE, incluindo a União Económica e Monetária, a União dos Mercados de Capitais, o Mercado Único Digital, o quadro de ação da UE relativo ao Clima e à Energia para 2030 ou a Economia Circular. A proposta da Comissão de revisão da Diretiva Tributação da Energia 13 , por exemplo, visava apoiar os objetivos ambientais, climáticos e energéticos da UE, tendo em conta as emissões de CO2 para a taxa do imposto sobre os combustíveis. Esta proposta teria maximizado o potencial de tributação da energia para cumprir os compromissos assumidos em termos de alterações climáticas e apoiar o crescimento sustentável. Teria igualmente invertido a situação paradoxal de os combustíveis mais poluentes serem, por vezes, os menos tributados na Europa. No entanto, os Estados-Membros não conseguiram alcançar a unanimidade e a proposta acabou por ser retirada, a fim de evitar um texto contrário aos objetivos perseguidos. Em consequência, o quadro jurídico da UE que rege a tributação da energia continua a estar em contradição com os objetivos da União em matéria de ambiente e de alterações climáticas e o princípio do «poluidor-pagador», consagrado nos Tratados, não é plenamente aplicado. Uma fiscalidade harmonizada e orientada para as externalidades negativas sociais e ambientais no mercado único da UE - por exemplo, nos setores dos transportes e da energia - com base nos princípios do «utilizador-pagador» e do «poluidor-pagador» permitiria igualmente à UE transitar para uma economia mais eficaz e sustentável. Esta situação destaca o caráter contraproducente da unanimidade no domínio da fiscalidade e constitui mais uma prova da necessidade de mudança.
Apesar da unanimidade, registaram-se nos últimos anos alguns progressos importantes na política fiscal da UE, embora, em grande medida, sob pressão da opinião pública. Desde 2015, foi acordado um conjunto de novos diplomas legais para aumentar a transparência fiscal 14 , combater os abusos fiscais 15 , lutar contra a fraude ao IVA 16 e reformar as regras do IVA aplicadas ao comércio eletrónico 17 . Além disso, no Conselho, os Estados-Membros uniram esforços para elaborar uma lista negra comum das jurisdições fiscais não cooperantes. Isto prova que os Estados-Membros reconhecem o valor da ação da UE no domínio da fiscalidade e que, com a vontade política certa, são capazes de chegar a um consenso.
No entanto, a recente dinâmica no domínio da fiscalidade tem sido impulsionada, em grande medida, pela pressão pública e pelas influências externas. Na sequência da crise financeira e dos escândalos fiscais revelados pelos meios de comunicação social 18 , os cidadãos exigiram uma tributação mais justa e mais eficaz e pressionaram os Estados-Membros para que pusessem em prática as tão necessárias reformas. Além disso, os desenvolvimentos no domínio da fiscalidade internacional, como o projeto de G20/OCDE relativo à erosão da base tributável e à transferência de lucros (BEPS), incentivaram os Estados-Membros a reagir através de uma ação ao nível da UE. Todavia, a política fiscal da UE não pode depender da indignação pública ou das prioridades de parceiros externos para colmatar eficazmente as lacunas e avançar na realização de objetivos comuns. Ainda não foram adotadas algumas propostas fiscais de grande relevo para o reforço da eficácia do mercado único. A política fiscal da UE deve evoluir a um ritmo que corresponda à ambição dos objetivos que apoia. Os Estados-Membros devem poder adotar as medidas certas no momento certo, definir um quadro fiscal prospetivo e responder com êxito aos novos desafios. Para o efeito, é necessário um processo de decisão mais eficaz.
2.2 Uma soberania partilhada para proteger as soberanias fiscais nacionais
A fiscalidade está fortemente relacionada com a soberania nacional. À semelhança do que acontece com os orçamentos, os impostos são vistos pelos Estados-Membros como diretamente ligados a escolhas eminentemente políticas que exigem responsabilização perante os eleitores nacionais. As autoridades dos Estados-Membros têm igualmente a plena responsabilidade pela cobrança de impostos e pelo controlo fiscal no seu território, a fim de garantir as suas necessidades orçamentais. Além disso, os Estados-Membros podem considerar a fiscalidade como uma questão de segurança nacional numa série de áreas críticas, como o aprovisionamento energético. Nesse sentido, alguns Estados-Membros consideram que a regra da unanimidade garante o respeito da soberania nacional no domínio da fiscalidade contra qualquer alteração indesejável decidida a nível da UE. Alguns também receiam que, sem a regra da unanimidade, a UE vá além das suas competências e interfira na fixação das taxas de tributação das sociedades, na tributação do rendimento das pessoas singulares ou noutros impostos que não têm qualquer incidência no mercado único. Estes receios são injustificados.
Para que a política fiscal da UE possa concretizar todo o seu potencial, é tempo de adaptar o processo de decisão, de modo a permitir que o Conselho adote, em tempo útil, medidas orçamentais que correspondam a um mercado único com economias fortemente integradas. Num mundo de empresas móveis, de atividades digitalizadas e de ativos incorpóreos, a política fiscal já não pode ser gerida apenas dentro das fronteiras nacionais. As ameaças modernas às matérias coletáveis dos Estados-Membros, incluindo a concorrência fiscal prejudicial e o planeamento fiscal agressivo, não podem ser evitadas unilateralmente. Cada vez mais, a única forma de os Estados-Membros alcançarem os seus objetivos políticos e afastarem as ameaças às suas bases tributáveis é unirem os seus esforços.
A coordenação das políticas fiscais a nível da UE pode efetivamente proteger a capacidade de ação e de obtenção de resultados por parte dos Estados-Membros e, por conseguinte, preservar os seus direitos soberanos. Em razão das liberdades consagradas pelo Tratado, os Estados-Membros partilharam parte da sua soberania fiscal. A passagem para um processo de decisão por maioria qualificada não reduziria, de modo algum, as competências dos Estados-Membros no domínio da fiscalidade, nem alteraria a competência da UE nesta matéria. No entanto, permitiria um processo de decisão mais eficaz para exercer uma soberania partilhada a nível da UE, conferindo aos Estados-Membros a força necessária para enfrentar desafios comuns, proteger as suas receitas, prosseguir políticas fiscais favoráveis ao crescimento e lutar contra as ameaças externas às suas bases tributáveis. A título de exemplo, a ação conjunta da UE é a única forma de combater os problemas transfronteiras da fraude ao IVA, que correspondem a uma perda em receitas públicas no valor de 50 mil milhões de EUR por ano, bem como a evasão e a elisão fiscais, cujas perdas estão estimadas em 50-70 mil milhões de EUR por ano. Nesta perspetiva, quando os Estados-Membros exercem a sua soberania a nível da UE em relação a questões fiscais fundamentais, tal é muitas vezes mais útil do que quando exercem a sua própria soberania nacional neste domínio no novo contexto internacional.
No entanto, os Estados-Membros têm utilizado a soberania e a unanimidade como fundamento dos seus argumentos para proteger os interesses nacionais específicos em detrimento do mercado único. Isto permite aos Estados-Membros desenvolverem os seus modelos económicos em torno do conceito de um sistema fiscal concebido para atrair determinadas atividades ou certos consumidores, através, por exemplo, de taxas muito baixas do imposto especial de consumo para o tabaco e o álcool ou de regimes fiscais atrativos para empresas ou grandes fortunas. A fim de proteger os seus interesses em domínios específicos, os Estados-Membros têm por vezes bloqueado o progresso em relação a certos dossiês fiscais, enquanto que uma abordagem coletiva iria mais longe e protegeria os interesses da UE no seu conjunto. Por exemplo, a Diretiva Tributação da Poupança 19 demorou mais de 14 anos a ser adotada e outros dois anos até ser aplicada. Uma alteração proposta em 2008 20 destinada a tornar a referida diretiva plenamente eficaz no combate à evasão fiscal foi bloqueada por mais seis anos. É legítimo perguntar se uma situação em que um Estado-Membro pode, por si só, bloquear as iniciativas pretendidas pelos outros 27, é benéfica para a soberania nacional do conjunto dos 27 Estados-Membros.
A concorrência fiscal não é, por si só, uma coisa má. No entanto, em alguns casos, pode igualmente reduzir as opções políticas de todos os Estados-Membros. Por exemplo, as medidas fiscais tomadas num Estado-Membro para atrair as matérias coletáveis móveis, como as receitas de capital, tendem a reduzir o nível de tributação sobre este tipo de rendimento em todos os Estados-Membros. Para compensar esta redução, estes Estados-Membros têm frequentemente de aumentar a tributação das matérias coletáveis menos móveis, como os rendimentos do trabalho ou o consumo. Deste modo, é mais pesada a carga que recai sobre os trabalhadores, os consumidores e as empresas nacionais. Esta situação prejudica a equidade dos sistemas fiscais dos Estados-Membros e a agenda da UE é favorável ao crescimento no seu conjunto. A votação por maioria qualificada contribuiria, por conseguinte, para atenuar os efeitos transfronteiras da concorrência fiscal.
A política fiscal da UE não deve depender de uma regra da unanimidade que pode ser utilizada abusivamente para interesses puramente nacionais, em detrimento do mercado único e das necessidades dos outros Estados-Membros. A passagem para a votação por maioria qualificada no domínio da fiscalidade permitiria aos Estados-Membros controlar mais eficazmente a parte da sua soberania que partilham, no interesse da União no seu conjunto e para obter melhores resultados coletivos e individuais
2.3 Melhorar o processo de decisão para melhores decisões e para o reforço da legitimidade democrática
A passagem para a votação por maioria qualificada melhoraria a qualidade das decisões tomadas pelo Conselho no domínio da fiscalidade. A unanimidade tende a criar um quádruplo obstáculo à eficácia do processo de decisão.
Em primeiro lugar, é muito difícil chegar a qualquer compromisso, uma vez que um Estado-Membro apenas pode impedir qualquer acordo. Nesse sentido, muitas vezes, os Estados-Membros abstêm-se de negociar seriamente as soluções no Conselho, pois sabem que podem simplesmente vetar qualquer resultado de que não gostem. Esta «cultura de unanimidade» incentiva por vezes os Estados-Membros, os ministros e as administrações nacionais a concentrarem-se na preservação dos seus sistemas nacionais, em vez de procurarem chegar a um compromisso necessário para salvaguardar os interesses gerais da UE. Isto explica por que razão os Estados-Membros precisam de anos para chegarem a acordo em relação a muitas das propostas fiscais ou estas estão simplesmente bloqueadas no Conselho sem que se realize qualquer debate.
Em segundo lugar, mesmo quando o acordo é alcançado por unanimidade no domínio da fiscalidade, tende a situar-se ao nível do menor denominador comum, o que limita o impacto positivo para as empresas e os consumidores ou torna a sua aplicação mais complexa. Por exemplo, a Diretiva Faturação em matéria de IVA 21 foi adotada à custa da possibilidade de os Estados-Membros disporem de várias opções que permitem a subsistência de disparidades entre as exigências de faturação.
Em terceiro lugar, a unanimidade no domínio da fiscalidade trouxe alguns efeitos indesejáveis ao processo de decisão, uma vez que alguns Estados-Membros podem utilizar propostas fiscais importantes como moeda de troca contra outras exigências que possam ter em dossiês completamente distintos, ou para pressionar a Comissão a apresentar propostas legislativas. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando um acordo sobre a Diretiva Antielisão Fiscal foi bloqueado por alguns Estados-Membros que solicitavam autorização para aplicar o mecanismo de autoliquidação do IVA.
Por último, a unanimidade no domínio da fiscalidade é contraproducente. As decisões tomadas por unanimidade só podem ser anuladas por unanimidade, o que, muitas vezes, torna os Estados-Membros demasiado cautelosos, travando ambições e enfraquecendo o resultado final. Os Estados-Membros temem uma situação em que cheguem a acordo quanto a uma diretiva que os impediria de cobrar impostos de forma adequada ou que, em seguida, concedesse uma vantagem indesejada a outro Estado-Membro, uma vez que, nessa situação, não poderiam modificar a legislação sem o acordo desse Estado-Membro.
A participação do Parlamento Europeu permitiria ainda melhorar o processo de decisão no domínio da fiscalidade. Nos últimos anos, em que, de seis em seis meses, os escândalos fiscais são títulos dos meios de comunicação social, o Parlamento Europeu influenciou significativamente a política fiscal da UE. Utilizou o seu peso político para, através de vários comités ad hoc, promover um programa ambicioso para uma fiscalidade justa. No entanto, o Parlamento Europeu não possui direitos de voto no âmbito do atual processo legislativo especial em matéria de fiscalidade. Por conseguinte, a pressão política é o único instrumento de que dispõe para influenciar as decisões da UE no domínio da fiscalidade. A passagem para uma maioria qualificada, no âmbito do processo legislativo ordinário, permitiria ao Parlamento Europeu contribuir plenamente para a definição da política fiscal da UE. À margem de pressões e interesses nacionais, o Parlamento Europeu poderia oferecer um contributo novo para as negociações fiscais, o que poderia refletir melhor as necessidades da União no seu conjunto. Se lhe fosse conferido um peso igual para decidir o formato final das iniciativas da UE em matéria de política fiscal, o Parlamento Europeu poderia contribuir para criação de um enquadramento para que os Estados-Membros participassem em verdadeiras negociações. Em última análise, a passagem para a votação por maioria qualificada no âmbito do processo legislativo ordinário poderia conduzir a resultados mais eficazes, mais pertinentes e mais ambiciosos para a política fiscal da UE.
3.Quais as opções previstas nos Tratados da UE para passar da votação por unanimidade para a votação por maioria qualificada?
Não é a primeira vez que a unanimidade no domínio da tributação é posta em causa. A Comissão, apoiada pelo Parlamento Europeu, propôs várias vezes a passagem para a votação por maioria qualificada na política fiscal da UE, no contexto das alterações ao Tratado. Contudo, alguns Estados-Membros fizeram desta questão um «ponto quente», que ficou por resolver. Chegou o momento de abrir novamente o debate, pois, cada vez mais, por todas as razões acima expostas, é preciso que, no domínio da fiscalidade, o processo de decisão seja mais eficaz.
Os Tratados da UE definem claramente o modo como as decisões devem ser tomadas em relação às propostas no domínio da fiscalidade. A regra geral é que o Conselho deve deliberar por unanimidade sobre as propostas fiscais de acordo com o processo legislativo especial (artigos 113.º e 115.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) 22 ). No entanto, os Tratados também contêm outras disposições que permitem o recurso a outros procedimentos para além da unanimidade, sem que seja necessário rever os próprios Tratados.
Para começar, o procedimento de cooperação reforçada 23 permite a um grupo de, pelo menos, nove Estados-Membros avançar com uma proposta de iniciativa em conjunto, sempre que for impossível alcançar um acordo unânime no Conselho. Em 2013, a cooperação reforçada foi proposta para o imposto sobre as transações financeiras (ITF), que, desde 2011, tinha sido objeto de um debate levado a cabo por todos os Estados-Membros. Esta proposta continua a ser negociada pelos dez Estados-Membros envolvidos, a fim de se chegar a um compromisso unânime. A cooperação reforçada pode ser uma boa opção para fazer avançar determinadas iniciativas da UE com um grupo mais pequeno de países, mas não é uma solução ideal para ultrapassar os problemas mais vastos que coloca a unanimidade no âmbito da política fiscal da UE, ou para garantir o progresso e a coerência do mercado único como um todo.
Os Tratados incluem igualmente dois artigos específicos que permitem a votação por maioria qualificada em circunstâncias específicas. O artigo 116.º do TFUE estabelece ser possível a votação por maioria qualificada de acordo com o processo legislativo ordinário para eliminar as distorções da concorrência em razão das diferentes regras fiscais, caso não seja possível eliminá-la em concertação com os Estados-Membros. No entanto, esta disposição está sujeita às condições estritas acima enunciadas e não pode colmatar todas as lacunas que atualmente decorrem da unanimidade. Até à data, o artigo 116.º do TFUE não foi utilizado, embora a Comissão esteja disposta a recorrer a esta disposição caso surja uma necessidade específica. A votação por maioria qualificada também pode ser utilizada para medidas de combate à fraude lesiva dos interesses financeiros da União (artigo 325.º do TFUE). A utilização desta disposição poderia ser justificada para determinadas medidas de combate à fraude ao IVA, dado que o IVA é um recurso próprio da UE, mas o objetivo da iniciativa deve ser corretamente definido.
A forma mais prática de passar da votação por unanimidade para a votação por maioria qualificada no domínio da fiscalidade seria recorrer às «cláusulas-ponte» incluídas nos Tratados. Estas cláusulas permitiriam uma forma mais estruturada de abandonar a unanimidade do que as opções anteriormente descritas.
Cláusulas-ponte
O artigo 48.º, n.º 7, do Tratado da União Europeia (TUE) prevê uma «cláusula-ponte» geral. De acordo com esta cláusula, o Conselho é autorizado a adotar medidas através de votação por maioria qualificada ou do processo legislativo ordinário num determinado domínio, até então sujeito à regra da unanimidade.
Para ativar esta cláusula, cabe ao Conselho Europeu tomar a iniciativa, indicando o âmbito da alteração prevista no processo de decisão e notificando-a aos parlamentos nacionais. Se nenhum parlamento nacional se opuser no prazo de seis meses, o Conselho Europeu pode adotar, por unanimidade, a referida decisão, após aprovação do Parlamento Europeu.
A «cláusula-ponte» geral confere a possibilidade de introduzir a votação por maioria qualificada mas unicamente no âmbito do processo legislativo especial, que prevê apenas uma consulta do Parlamento Europeu. Oferece também a possibilidade de votação por maioria qualificada no âmbito do processo legislativo ordinário, em codecisão com o Parlamento Europeu.
O artigo 192.º, n.º 2, do TFUE inclui uma «cláusula-ponte» específica para as medidas no domínio do ambiente, atualmente sujeitas à votação por unanimidade, incluindo as disposições «de caráter fundamentalmente fiscal». Esta possibilidade é especialmente pertinente para a luta contra as alterações climáticas e para a realização dos objetivos de política ambiental.
Para tornar o processo legislativo ordinário aplicável às medidas fiscais neste domínio, o Conselho deve deliberar por unanimidade, com base numa proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu, do Comité Económico e Social e do Comité das Regiões.
Conforme referido antes em relação à questão da soberania, a passagem para a votação por maioria qualificada não afetaria as atuais competências dos Estados-Membros no domínio da fiscalidade. Com efeito, o Tratado de Lisboa inclui um protocolo 24 que estabelece que nenhuma disposição no referido Tratado o âmbito ou o exercício das competências da União Europeia em matéria de fiscalidade. A transição progressiva da regra da unanimidade para a votação por maioria qualificada em alguns domínios da fiscalidade seria coerente com este princípio. As competências respetivas dos Estados-Membros e da União não são alteradas. Só seria alterado o processo de decisão aplicável no futuro, segundo acordo unânime dos Estados-Membros no exercício da sua soberania.
A passagem para a votação por maioria qualificada seria, em qualquer caso, uma decisão democrática, inteiramente sob o controlo dos Estados-Membros. Foram os Estados-Membros que decidiram unanimemente a inclusão da «cláusula-ponte» no Tratado de Lisboa. Será necessária uma nova decisão unânime do Conselho Europeu para ativar a «cláusula-ponte». Além disso, qualquer parlamento nacional pode opor-se a esta alteração e o Parlamento Europeu terá de a validar.
4.O rumo a seguir: um roteiro para uma transição progressiva e orientada
Para a Comissão, a questão já não é a de saber se é necessário abandonar a unanimidade no domínio da fiscalidade, mas, antes, determinar o modo e momento de o fazer. O Parlamento Europeu, bem como muitos Estados-Membros e partes interessadas manifestaram-se neste mesmo sentido 25 . A votação por maioria qualificada possibilitaria explorar o pleno potencial da política fiscal da UE e permitir aos Estados-Membros alcançar compromissos mais rápidos, mais eficazes e mais democráticos. Além disso, a passagem para o processo legislativo ordinário garantiria igualmente que as decisões fiscais beneficiassem de um contributo concreto do Parlamento Europeu, que representaria a posição dos cidadãos e reforçaria a responsabilização.
A melhor forma de alcançar este objetivo seria adotar uma abordagem progressiva e orientada, clarificando as diferentes fases. Os Estados-Membros poderiam, deste modo, adaptar e alimentar o processo de forma coletiva e evitar quaisquer choques e conflitos que uma alteração imediata pudesse criar. Por conseguinte, a Comissão propõe uma transição faseada para a votação por maioria qualificada no âmbito do processo legislativo ordinário para a política fiscal da UE.
Na primeira fase, deve recorrer-se à votação por maioria qualificada para medidas que não tenham um impacto direto sobre os direitos, as bases ou as taxas de tributação dos Estados-Membros, mas que sejam essenciais para combater a fraude, a evasão e a elisão fiscais e para facilitar o cumprimento das obrigações fiscais por parte das empresas no mercado único. Esta fase incluiria medidas destinadas a melhorar a cooperação administrativa e a assistência mútua entre os Estados-Membros na luta contra a fraude, a evasão e a elisão fiscais. Deveria igualmente abranger a celebração de acordos internacionais entre a UE e países terceiros neste domínio. As iniciativas para combater os abusos fiscais, que os Estados-Membros já acordaram a nível internacional, como as debatidas no contexto das ações relativas à erosão da base tributável e à transferência de lucros (BEPS) da OCDE 26 , seriam também abrangidas por esta categoria. Além disso, a primeira fase deveria englobar iniciativas destinadas essencialmente a facilitar o cumprimento das obrigações fiscais pelas empresas no mercado único, como a harmonização das obrigações declarativas. Estas questões fiscais tendem a ser menos controversas para os Estados-Membros e a necessidade de ação ao nível da UE é claramente reconhecida. Em geral, só foram bloqueadas por unanimidade quando foram utilizadas como meio de pressão para defender outros interesses ou dossiês. A passagem para a votação por maioria qualificada nestes domínios permitiria, por conseguinte, um processo mais célere e eficaz para chegara a acordo sobre questões em grande medida consensuais.
Na segunda fase, a votação por maioria qualificada deveria abranger medidas de natureza essencialmente fiscal concebidas para apoiar outros objetivos políticos. Esta fase pode incluir, nomeadamente, a luta contra as alterações climáticas, a proteção do ambiente ou melhoria da saúde pública ou ainda da política dos transportes. A adoção de decisões fiscais mais eficazes nestes domínios permitiria aplicar uma política energética respeitadora do ambiente, por exemplo, para apoiar objetivos ambiciosos da UE em relação às alterações climáticas. A «cláusula-ponte» específica dos Tratados 27 no domínio do ambiente, que abrange, em especial, disposições de natureza essencialmente fiscal, indica claramente o caminho para abandonar a unanimidade neste domínio. Embora nunca tenha sido utilizada até à data, a Comissão está disposta a ativar esta «cláusula-ponte», caso seja necessário. A «cláusula-ponte» geral seria necessária para todos os outros domínios políticos.
Na terceira fase, seria necessário centrar a atenção nos domínios da fiscalidade que já estão em grande medida harmonizados e que devem evoluir e adaptar-se a novas circunstâncias. Esta fase abrangeria, em especial, o IVA e os impostos especiais de consumo. Um processo de decisão mais rápido por parte da UE nestes domínios permitiria às administrações fiscais e aos sistemas fiscais dos Estados-Membros acompanhar a evolução tecnológica e as alterações de mercado mais recentes. A título de exemplo, 25 anos após a introdução do mercado único, a UE dispõe ainda de um sistema de IVA concebido há mais de 40 anos, demasiado pesado para as empresas e as administrações e vulnerável à fraude. Esta situação não se alterará enquanto os Estados-Membros não chegarem a acordo quanto ao regime definitivo que permita criar, no futuro, um sistema de IVA sustentável, à prova de fraude e favorável às empresas. A inovação nos mercados do tabaco e do álcool exige também uma resposta rápida, a fim de garantir que os novos produtos sejam corretamente regulados de um ponto de vista fiscal. A votação por maioria qualificada garantiria que a modernização das regras harmonizadas da UE não se encontre num impasse devido ao bloqueio de alguns Estados-Membros. O facto de o IVA ser um recurso próprio da UE reforça a necessidade de um processo de decisão mais eficaz neste domínio.
A quarta fase consistiria em introduzir a votação por maioria qualificada relativamente a outras iniciativas no domínio da fiscalidade, necessárias para o mercado único e para uma fiscalidade justa e competitiva na Europa. São necessários alguns grandes projetos fiscais para completar o mercado único de um ponto de vista fiscal. Conforme foi anteriormente referido, a MCCCIS continua a progredir muito lentamente, em resultado da regra da unanimidade, embora esta seja a garantia de um sistema de tributação das sociedades capaz de resistir aos desafios futuros, competitivo e justo de que a UE precisa para fazer face à concorrência mundial. A votação por maioria qualificada poderia ajudar a pôr fim a este impasse e proporcionar segurança e estabilidade às empresas em toda a UE. A necessidade de uma solução global para a tributação da economia digital é também uma questão premente. A UE deve dispor de legislação sólida que garanta que as empresas que exercem atividades digitais são tributadas de forma justa e eficaz. A União não se pode dar ao luxo de permitir atrasos neste domínio, uma vez que os Estados-Membros têm dificuldade em chegar a um acordo unânime. A passagem para a votação por maioria qualificada em relação a uma solução global para a tributação digital ajudaria a melhorar a equidade e a sustentabilidade dos sistemas fiscais, contribuindo simultaneamente para a estabilidade do mercado único digital.
5.Próximas etapas
É evidente a necessidade de uma legislação mais eficaz relativa à política fiscal da UE. O mercado único e a União Económica e Monetária requerem uma política fiscal que permita a todos beneficiar da crescente integração económica e financeira da UE. A rápida evolução do contexto fiscal internacional, bem como dos comportamentos das empresas e dos consumidores, exige um sistema fiscal da UE capaz de acompanhar e de fazer face à concorrência mundial. Os objetivos europeus mais ambiciosos de luta contra as alterações climáticas, de promoção do crescimento sustentável, do emprego e do investimento, de exploração dos benefícios da digitalização e de garantia de um modelo social justo e sustentável impõem medidas fiscais céleres e eficazes para os apoiar.
O processo legislativo especial acompanhado da regra da unanimidade e limitado a uma consulta do Parlamento Europeu no domínio da fiscalidade está em desacordo com as realidades com as quais é hoje confrontada esta política. Através da presente comunicação, a Comissão convida o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, o Conselho e todas as partes interessadas a lançarem um debate aberto sobre a votação por maioria qualificada na política fiscal da UE, acompanhada de uma maior participação do Parlamento Europeu e a definirem uma abordagem atempada e pragmática para a sua aplicação.
A Comissão convida os líderes da UE a:
·Aprovar o roteiro apresentado na presente comunicação.
·Decidir rapidamente sobre o recurso à «cláusula-ponte» geral (artigo 48.º, n.º 7, do TUE) para a fase 1 sobre questões que não tenham um impacto direto sobre os direitos, as bases ou as taxas de tributação dos Estados-Membros, e a fase 2, nos domínios em que a fiscalidade apoie outros objetivos políticos, a fim de passar para a votação por maioria qualificada e para o processo legislativo ordinário. Para o efeito, o Conselho Europeu é convidado a notificar os parlamentos nacionais da sua iniciativa e a solicitar a aprovação do Parlamento Europeu.
·Considerar a utilização da «cláusula-ponte» geral (artigo 48.º, n.º 7, do TUE) na fase 3 em relação a domínios em que a fiscalidade já está em grande medida harmonizada e, na fase 4, no que respeita a outras iniciativas necessárias para o mercado único e para uma fiscalidade justa, até ao final de 2025, a fim de passar para a votação por maioria qualificada e para o processo legislativo ordinário nestes domínios.
Destaca-se, em especial, a cláusula de não discriminação consagrada pelo atual artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), bem como a introdução de regras comuns, por exemplo, em relação aos impostos sobre o volume de negócios e ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA).
Por exemplo, a Diretiva relativa às sociedades-mães/filiais, a Diretiva relativa aos juros e royalties e a Diretiva relativa às fusões.
O Ato Único Europeu de 1986, que entrou em vigor em 1 de julho de 1987, substituiu a unanimidade pela votação pela maioria qualificada como regra geral para a harmonização das regras do mercado único. A seguir, foram dados outros passos que alargaram a votação por maioria qualificada a um vasto leque de políticas, incluindo a cooperação judiciária em matéria civil, a harmonização no domínio do direito penal e a cooperação policial.
https://ec.europa.eu/commission/priorities/state-union-speeches_pt
COM(2016) 685 final de 25.10.2016.
https://ec.europa.eu/taxation_customs/sites/taxation/files/com_2016_685_en.pdf
Study and Reports on the VAT Gap in the EU-28 Member States:2018 Final Report (Estudo e relatórios sobre os desvios do IVA nos 28 Estados-Membros da UE: relatório final de 2018): https://ec.europa.eu/taxation_customs/sites/taxation/files/2018_vat_gap_report_en.pdf
O montante global do desvio do IVA de 2011 a 2016 é superior a 960 mil milhões de EUR.
Tem em conta a dimensão da economia da UE em 2017.
COM(2011) 594 final. Após ter ficado claro que a proposta inicial de um ITF harmonizado para toda a UE não receberia o apoio unânime do Conselho, a Comissão apresentou, a pedido de 11 Estados-Membros, uma proposta para a autorização de uma cooperação reforçada nesse domínio (COM(2013) 71 final).
COM(2018) 148 final.
COM(2018) 146 final. A Comunicação da Comissão intitulada «Chegou o momento de estabelecer uma norma de tributação moderna, justa e eficiente para a economia digital» refere que as empresas com modelos de negócio digitais são tributadas a uma taxa inferior a metade da que é aplicável às empresas com modelos de negócio tradicionais, com uma taxa de imposto média efetiva de 9,5 %, em comparação com 23,2 %.
COM(2011) 169 final.
https://ec.europa.eu/taxation_customs/business/company-tax/tax-transparency-package_en
Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno (DAF1), JO L 193 de 19.7.2016, p. 1, e Diretiva (UE) 2017/952 do Conselho, de 29 de maio de 2017, que altera a Diretiva (UE) 2016/1164 no que respeita a assimetrias híbridas com países terceiros (DAF2), JO L 144 de 7.6.2017, p. 1.
Regulamento (UE) 2017/2454 do Conselho, de 5 de dezembro de 2017, que altera o Regulamento (UE) n.º 904/2010 relativo à cooperação administrativa e à luta contra a fraude no domínio do imposto sobre o valor acrescentado, JO L 348 de 29.12.2017, p. 1. Regulamento (UE) 2018/1541 do Conselho, de 2 de outubro de 2018, que altera os Regulamentos (UE) n.º 904/2010 e (UE) 2017/2454 no que diz respeito às medidas destinadas a reforçar a cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado, JO L 259 de 16.10.2018, p. 1. Acordo entre a União Europeia e o Reino da Noruega sobre a cooperação administrativa, a luta contra a fraude e a cobrança de créditos no domínio do imposto sobre o valor acrescentado, JO L 195 de 1.8.2018, p. 3.
Diretiva (UE) 2017/2455 do Conselho, de 5 de dezembro de 2017, que altera a Diretiva 2006/112/CE e a Diretiva 2009/132/CE no que diz respeito a determinadas obrigações relativas ao imposto sobre o valor acrescentado para as prestações de serviços e as vendas à distância de bens, JO L 348 de 29.12.2017, p. 7.
Offshore leaks (abril de 2013), Lux leaks (novembro de 2014), Swiss Leaks (fevereiro de 2015), Panama Papers (abril de 2015), as Bahamas Leaks (setembro de 2016), Football Leaks I (novembro de 2016), Paradise Papers (novembro de 2017), Dubaï Papers (setembro de 2018), Football Leaks II (novembro de 2018) e Cum-Ex Files (novembro de 2018).
Diretiva 2003/48/CE do Conselho, de 3 de junho de 2003, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, JO L 157 de 26.6.2003, p. 38.
Proposta de Diretiva do Conselho que altera a Diretiva 2003/48/CE do Conselho relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a
forma de juros, de 13.11.2008, COM(2008) 727 final.
://ec.europa.eu/taxation_customs/individuals/personal-taxation_en
Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010, que altera a Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado no que respeita às regras em matéria de faturação, JO L 189, 22.7.2010, p. 1.
O artigo 192.º, n.º 2, primeiro parágrafo, e o artigo 194.º, n.º 3, do TFUE também preveem que as disposições/medidas «de caráter fundamentalmente fiscal» nos domínios do ambiente e da energia sejam adotadas por unanimidade pelo Conselho, de acordo com um processo legislativo especial.
Artigo 20.º do TUE e artigos 326.º a 334.º do TFUE.
Protocolo sobre as preocupações do povo irlandês a respeito do Tratado de Lisboa, JO L 60 de 2.3.2013, p. 131, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:22013A0302(01)&rid=4
Recomendação do Parlamento Europeu ao Conselho e à Comissão, de 13 de dezembro de 2017, na sequência do inquérito sobre o branqueamento de capitais e a elisão e a evasão fiscais (2016/3044(RSP)), ponto 205. Ver também a Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, sobre a melhoria do funcionamento da União Europeia com base no potencial do Tratado de Lisboa (2014/2249(INI)), ponto 27.
Artigo 192.º, n.º 2, do TFUE.