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Dokument 62020CJ0721
Judgment of the Court (Fourth Chamber) of 27 October 2022.#DB Station & Service AG v ODEG Ostdeutsche Eisenbahn GmbH.#Request for a preliminary ruling from the Kammergericht Berlin.#Reference for a preliminary ruling – Rail transport – Article 102 TFEU – Abuse of a dominant position – Directive 2001/14/EC – Access to railway infrastructure – Article 30 – Railway regulatory body – Review of infrastructure charges – National courts – Review of charges in the light of competition law – Division of competence between the regulatory authority and the national courts.#Case C-721/20.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 27 de outubro de 2022.
DB Station & Service AG contra ODEG Ostdeutsche Eisenbahn GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Kammergericht Berlin.
Reenvio prejudicial — Transportes ferroviários — Artigo 102.° TFUE — Abuso de posição dominante — Diretiva 2001/14/CE — Acesso à infraestrutura ferroviária — Artigo 30.° — Entidade reguladora do setor ferroviário — Fiscalização das taxas de utilização — Órgãos jurisdicionais nacionais — Fiscalização das taxas de utilização à luz do direito da concorrência — Repartição das competências entre a entidade reguladora e os órgãos jurisdicionais nacionais.
Processo C-721/20.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 27 de outubro de 2022.
DB Station & Service AG contra ODEG Ostdeutsche Eisenbahn GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Kammergericht Berlin.
Reenvio prejudicial — Transportes ferroviários — Artigo 102.° TFUE — Abuso de posição dominante — Diretiva 2001/14/CE — Acesso à infraestrutura ferroviária — Artigo 30.° — Entidade reguladora do setor ferroviário — Fiscalização das taxas de utilização — Órgãos jurisdicionais nacionais — Fiscalização das taxas de utilização à luz do direito da concorrência — Repartição das competências entre a entidade reguladora e os órgãos jurisdicionais nacionais.
Processo C-721/20.
Sammlung der Rechtsprechung – allgemein – Abschnitt „Informationen über nicht veröffentlichte Entscheidungen“
ECLI-Identifikator: ECLI:EU:C:2022:832
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
27 de outubro de 2022 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Transportes ferroviários — Artigo 102.o TFUE — Abuso de posição dominante — Diretiva 2001/14/CE — Acesso à infraestrutura ferroviária — Artigo 30.o — Entidade reguladora do setor ferroviário — Fiscalização das taxas de utilização da infraestrutura — Órgãos jurisdicionais nacionais — Fiscalização das taxas de utilização à luz do direito da concorrência — Repartição das competências entre a autoridade reguladora e os órgãos jurisdicionais nacionais»
No processo C‑721/20,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha), por Decisão de 10 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de dezembro de 2020, no processo
DB Station & Service AG
contra
ODEG Ostdeutsche Eisenbahn GmbH,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot (relator), S. Rodin e O. Spineanu‑Matei, juízes,
advogado‑geral: T. Ćapeta,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– |
em representação da DB Station & Service AG, por M. Köhler e M. Weitner, Rechtsanwälte, |
– |
em representação da ODEG Ostdeutsche Eisenbahn GmbH, por A. R. Schüssler e B. Uhlenhut, Rechtsanwälte, |
– |
em representação da Comissão Europeia, por B. Ernst e G. Meessen, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 7 de abril de 2022,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 102.o TFUE e dos artigos 4.o, 7.o a 12.o e 30.o da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária (JO 2001, L 75, p. 29; retificação no JO 2004, L 220, p. 16), conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007 (JO 2007, L 315, p. 44) (a seguir «Diretiva 2001/14»). |
2 |
Esta ação foi intentada no âmbito de um litígio que opõe a DB Station & Service AG (a seguir «DB Station & Service») à ODEG Ostdeutsche Eisenbahn GmbH (a seguir «ODEG») a respeito do montante da taxa a pagar pela segunda empresa pela utilização das estações exploradas pela primeira. |
Quadro jurídico
Direito da União
Diretiva 2001/14
3 |
Os considerandos 5, 11, 16, 32, 40 e 46 da Diretiva 2001/14 tinham a seguinte redação:
[…]
[…]
[…]
[…]
[…]
|
4 |
O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva previa: «A presente diretiva estabelece os princípios e procedimentos a seguir na fixação e aplicação das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e na repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária. […]» |
5 |
O artigo 2.o da referida diretiva continha definições. Tinha a seguinte redação: «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por: […]
[…]
[…]
[…]» |
6 |
O artigo 4.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Fixação, determinação e cobrança de taxas», dispunha: «1. Os Estados‑Membros devem definir um quadro para a tarificação, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.o da [Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários (JO 1991, L 237, p. 25)]. Sob a mesma condição de independência de gestão, os Estados‑Membros devem proceder também ao estabelecimento de regras de tarificação específicas, ou delegar essas funções no gestor da infraestrutura. A determinação das taxas de utilização da infraestrutura e a cobrança dessas taxas é da responsabilidade do gestor da infraestrutura. […] 5. O gestor da infraestrutura deve garantir que o regime de tarificação seja aplicado de modo a que as taxas cobradas às diferentes empresas de transporte ferroviário que prestam serviços equivalentes num segmento análogo de mercado sejam equivalentes e não discriminatórias e que as taxas efetivamente aplicadas observem o disposto nas regras definidas nas especificações da rede. […]» |
7 |
Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14: «As empresas de transporte ferroviário têm direito, numa base não discriminatória, ao pacote mínimo de acesso, assim como ao acesso por via‑férrea às instalações de serviços descritas no anexo II. A prestação dos serviços referidos no ponto 2 do anexo II é efetuada de modo não discriminatório e os pedidos de empresas de transporte ferroviário só podem ser recusados quando existam alternativas viáveis em condições normais de mercado. […]» |
8 |
O artigo 7.o desta diretiva tinha por objeto os princípios de tarificação e previa, no seu n.o 7: «A prestação dos serviços referidos no ponto 2 do anexo II não é abrangida pelo presente artigo. Sem prejuízo do que antecede, será tida em conta a situação concorrencial dos transportes ferroviários na fixação dos preços dos serviços referidos no ponto 2 do anexo II.» |
9 |
Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, da referida diretiva: «Sem prejuízo do disposto nos artigos 81.o, 82.o, 86.o e 87.o [CE] e não obstante o disposto no n.o 3 do artigo 7.o da presente diretiva, os descontos nas taxas aplicadas pelo gestor da infraestrutura a uma empresa de transporte ferroviário pela prestação de um serviço devem obedecer aos critérios estabelecidos no presente artigo.» |
10 |
O artigo 17.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Acordos‑quadro», dispunha, no seu n.o 1: «Sem prejuízo do disposto nos artigos 81.o, 82.o e 86.o [CE], pode ser celebrado um acordo‑quadro com um candidato. Esse acordo‑quadro especificará as características da capacidade da infraestrutura solicitada pelo candidato e que lhe é fornecida para um período superior ao período de vigência de um horário de serviço. O acordo‑quadro não deve especificar detalhadamente um traçado, mas deve ser elaborado por forma a responder às necessidades comerciais legítimas do candidato. […]» |
11 |
O artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14 previa: «Quando existam itinerários alternativos adequados, o gestor da infraestrutura pode, após consulta das partes interessadas, designar uma infraestrutura específica para utilização por determinados tipos de tráfego. Sem prejuízo do disposto nos artigos 81.o, 82.o e 86.o [CE], quando se efetue essa designação, o gestor da infraestrutura pode dar prioridade a estes tipos de tráfego aquando da repartição de capacidade de infraestrutura.» |
12 |
Nos termos do artigo 30.o desta diretiva, sob a epígrafe «Entidade reguladora»: «1. Sem prejuízo do disposto no n.o 6 do artigo 21.o, os Estados‑Membros devem instituir uma entidade reguladora. Esta entidade, que pode ser o Ministério dos Transportes ou outra instância, será independente, a nível de organização, de financiamento das decisões e a nível jurídico e decisório, de qualquer gestor da infraestrutura, organismo de tarificação, organismo de repartição ou candidato. Será também funcionalmente independente de qualquer autoridade competente envolvida na adjudicação de um contrato de serviço público. A referida entidade deve exercer as suas funções segundo os princípios enunciados no presente artigo, nos termos do qual as funções de recurso e de regulamentação podem ser atribuídas a instâncias distintas. 2. Qualquer candidato tem o direito de recorrer para esta entidade reguladora, se considerar ter sido tratado de forma injusta ou discriminatória ou de algum outro modo lesado, em particular contra decisões tomadas pelo gestor da infraestrutura ou, sendo o caso, pela empresa de caminho de ferro no que se refere:
[…]
3. A entidade reguladora deve garantir que as taxas fixadas pelo gestor da infraestrutura cumprem o disposto no capítulo II e não são discriminatórias. A negociação do nível das taxas de utilização da infraestrutura entre os candidatos e o gestor de infraestrutura só é permitida se for efetuada sob a supervisão da entidade reguladora. A entidade reguladora deve intervir se as negociações puderem ser contrárias ao disposto na presente diretiva. […] 5. A entidade reguladora será chamada a decidir de eventuais queixas e a diligenciar no sentido de resolver a situação num prazo máximo de dois meses a contar da data de receção de toda a informação. Sem prejuízo do disposto no n.o 6, as decisões da entidade reguladora são vinculativas para todas as partes a que dizem respeito. […] 6. Os Estados‑Membros devem adotar as medidas necessárias para garantir que as decisões tomadas pela entidade reguladora sejam sujeitas a controlo jurisdicional.» |
13 |
O anexo II, ponto 2, da referida diretiva tinha a seguinte redação: «O acesso por via‑férrea às instalações de serviços e ao fornecimento de serviços incidirá: […] c) Nas estações de passageiros, seus edifícios e outras instalações; […]» |
Diretiva 2012/34/UE
14 |
O artigo 55.o, n.o 1, da Diretiva 2012/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, que estabelece um Espaço Ferroviário Europeu Único (JO 2012, L 343, p. 32), prevê: «Os Estados‑Membros devem criar uma entidade reguladora única, a nível nacional, para o setor ferroviário. Sem prejuízo do n.o 2, esta entidade deve ser uma autoridade autónoma, juridicamente distinta e independente, no plano organizativo, funcional, hierárquico e decisório, de qualquer outra entidade pública ou privada. Deve ser também independente, na sua organização, nas suas decisões de financiamento, na sua estrutura jurídica e nas suas tomadas de decisão, de qualquer gestor de infraestrutura, organismo de tarifação, organismo de repartição ou candidato. Deve ser, além disso, funcionalmente independente de qualquer autoridade competente envolvida na adjudicação de contratos de serviço público.» |
15 |
O artigo 56.o desta diretiva, sob a epígrafe «Funções da entidade reguladora», dispõe: «1. Sem prejuízo do artigo 46.o, n.o 6, os candidatos têm o direito de recorrer para a entidade reguladora caso considerem ter sido tratados de forma injusta ou discriminatória ou de algum outro modo lesados, nomeadamente de decisões tomadas pelo gestor de infraestrutura ou, se for esse o caso, pela empresa ferroviária ou pelo operador da instalação de serviço no que se refere:
[…]
[…]
2. Sem prejuízo da competência das autoridades nacionais responsáveis por assegurar a concorrência nos mercados de serviços ferroviários, a entidade reguladora é competente para acompanhar a situação da concorrência nos mercados de serviços ferroviários e controla, em especial, o n.o 1, alíneas a) a g), por sua própria iniciativa, a fim de evitar a discriminação de candidatos. A entidade reguladora verifica, em especial, se as especificações da rede contêm cláusulas discriminatórias ou concedem ao gestor de infraestrutura poderes discricionários que possam ser usados para discriminar candidatos. […] 6. A entidade reguladora deve garantir que as taxas fixadas pelo gestor de infraestrutura cumpram o disposto no capítulo IV, secção 2, e não sejam discriminatórias. […] […] 9. A entidade reguladora analisa as queixas eventuais e, se for caso disso, solicita as informações pertinentes e inicia consultas com todas as partes relevantes, no prazo de um mês após a receção da queixa. A entidade reguladora decide de todas as queixas, toma medidas para resolver a situação e informa as partes relevantes da sua decisão fundamentada num prazo predeterminado e razoável, que não pode exceder seis semanas a contar da data de receção de todas as informações pertinentes. Sem prejuízo da competência das autoridades nacionais da concorrência para assegurar a concorrência nos mercados de serviços ferroviários, a entidade reguladora deve, se for caso disso, decidir por sua própria iniciativa das medidas adequadas para corrigir discriminações contra candidatos, distorções do mercado e outras situações indesejáveis nestes mercados, nomeadamente no que respeita ao n.o 1, alíneas a) a g). As decisões da entidade reguladora são vinculativas para todas as partes a que dizem respeito e não estão sujeitas ao controlo de outras instâncias administrativas. A entidade reguladora deve ter poderes para fazer executar as suas decisões mediante a aplicação de sanções adequadas, nomeadamente coimas. […]» |
Regulamento (CE) n.o 1/2003
16 |
O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), tem a seguinte redação: «Sempre que as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência ou os tribunais nacionais apliquem a legislação nacional em matéria de concorrência a acordos, decisões de associação ou práticas concertadas na aceção do [n.o 1 do artigo 101.o TFUE], suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, na aceção desta disposição, devem aplicar igualmente o artigo [101.o TFUE] a tais acordos, decisões ou práticas concertadas. Sempre que as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência ou os tribunais nacionais apliquem a legislação nacional em matéria de concorrência a qualquer abuso proibido pelo artigo [102.o TFUE], devem aplicar igualmente o artigo [102.o TFUE].» |
Direito alemão
17 |
A Allgemeines Eisenbahngesetz (Lei Geral dos Caminhos de Ferro), conforme alterada pela Drittes Gesetz zur Änderung eisenbahnrechtlicher Vorschriften (Terceira Lei que Altera a Legislação Reguladora do Transporte Ferroviário), de 27 de abril de 2005 (BGBl. 2005 I, p. 1138), na versão aplicável até 1 de setembro de 2016 (a seguir «AEG»), previa, no seu § 14b: «(1) A entidade reguladora tem por missão supervisionar o respeito pelas disposições da regulamentação ferroviária que regem o acesso à infraestrutura ferroviária, nomeadamente no que respeita […]
(2) Isto não prejudica as atribuições e competências das autoridades da concorrência previstas na [Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen (Lei Contra as Restrições da Concorrência)]. A entidade reguladora e as autoridades de fiscalização ferroviária, bem como as autoridades de concorrência e as entidades reguladoras competentes nos termos da [Telekommunikationsgesetz (Lei das Telecomunicações)] e da [Energiewirtschaftsgesetz (Lei da Gestão da Energia)], trocam entre si informações que possam ser relevantes para o cumprimento das respetivas atribuições. Devem, nomeadamente, informar‑se mutuamente das decisões previstas, destinadas a proibir um comportamento abusivo ou discriminatório por parte de empresas de infraestruturas ferroviárias. Devem informar‑se mutuamente da possibilidade de apresentar observações antes de o processo ser encerrado pela autoridade competente.» |
18 |
O § 14d da AEG dispunha: «As empresas públicas de infraestrutura ferroviária devem informar a entidade reguladora no que respeita: […]
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19 |
O § 14e, n.o 1, desta lei previa: «A entidade reguladora pode, após receção das informações referidas no § 14d, no prazo de […]
desde que as decisões previstas violem as disposições da regulamentação do transporte ferroviário relativas ao acesso à infraestrutura ferroviária.» |
20 |
O § 14f, da referida lei tinha a seguinte redação: «(1) A entidade reguladora pode controlar oficiosamente: […]
desde que estes violem as disposições da regulamentação do transporte ferroviário relativas ao acesso à infraestrutura ferroviária. (2) Se não for celebrado nenhum acordo relativamente ao acesso referido no § 14, n.o 6, ou a um acordo‑quadro referido no § 14a, as decisões da empresa de infraestrutura ferroviária podem ser verificadas pela entidade reguladora mediante pedido ou oficiosamente. Estão habilitados a apresentar um pedido nesse sentido os titulares de uma autorização de acesso cujo direito de acesso à infraestrutura ferroviária possa ser afetado. O pedido deve ser apresentado no prazo durante o qual a proposta de celebração dos acordos referidos no primeiro período pode ser aceite. O controlo pode incidir, nomeadamente, sobre […]
(3) Se, no caso previsto no n.o 2, a decisão de uma empresa de infraestrutura ferroviária violar o direito do requerente do acesso à infraestrutura ferroviária,
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Litígio no processo principal e questões prejudiciais
21 |
A DB Station & Service, filial da Deutsche Bahn AG, que, por sua vez, é o operador ferroviário histórico na Alemanha, explora cerca de 5400 estações ferroviárias neste Estado‑Membro. As condições de utilização são fixadas em contratos‑quadro que celebra com as empresas ferroviárias. Por força destas, o montante das taxas é determinado em função de uma tabela estabelecida pela DB Station & Service. |
22 |
A ODEG é uma empresa ferroviária que utiliza a infraestrutura da DB Station & Service no âmbito da sua atividade de transporte ferroviário de passageiros de pequeno curso. As duas empresas celebraram um acordo‑quadro para o efeito. |
23 |
Em 1 de janeiro de 2005, a DB Station & Service introduziu uma nova tabela de preços, designada pela sigla «SPS 05». Esta tabela resultou num aumento das taxas de infraestruturas para a ODEG, que pagou sob reserva, por não estar de acordo com este aumento. |
24 |
Por Decisão de 10 de dezembro de 2009, a Bundesnetzagentur (Agência Federal das Redes, Alemanha), na qualidade de entidade reguladora competente, declarou inválida a SPS 05, com efeitos a partir de 1 de maio de 2010. A DB Station & Service interpôs recurso desta decisão. Por Decisão de 23 de março de 2010, o Oberverwaltungsgericht Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Administrativo Regional Superior do Norte‑Vestefália, Alemanha) reconheceu efeito suspensivo a este recurso. Todavia, no momento da adoção da decisão de reenvio pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, esse tribunal ainda não tinha decidido quanto ao mérito. |
25 |
Em várias ações intentadas no Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha), a ODEG pediu o reembolso do montante das taxas pagas entre novembro de 2006 e dezembro de 2010, com base na SPS 05, na medida em que o montante excede o que seria devido nos termos da tabela anteriormente aplicável, a saber, a SPS 99. Essas ações foram admitidas por «razões de equidade» nos termos do § 315 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão), que permite ao tribunal restabelecer o equilíbrio contratual quando este foi quebrado. A DB Station & Service interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, o Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha), que apensou os diferentes processos por Despacho de 30 de novembro de 2015. |
26 |
O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, por Decisão de 11 de outubro de 2019, o Bundesnetzagentur julgou inadmissíveis os recursos de diversas empresas ferroviárias em que estas tinham pedido o controlo, a posteriori, da legalidade das taxas cobradas com base na SPS 05. Esta decisão é objeto de um recurso que, no momento da adoção da decisão de reenvio no presente processo, ainda estava pendente no Verwaltungsgericht Köln (Tribunal Administrativo de Colónia, Alemanha). |
27 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera que a resolução do litígio que lhe foi submetido depende da interpretação da Diretiva 2001/14 que é temporal e materialmente aplicável a este. Em especial, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a articulação entre a competência das entidades reguladoras, referidas no artigo 30.o desta diretiva, e a dos órgãos jurisdicionais cíveis nacionais quando são chamados a aplicar o artigo 102.o TFUE. |
28 |
Este órgão jurisdicional recorda, a este respeito, que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 103 do Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics (C‑489/15, EU:C:2017:834), que a Diretiva 2001/14 se opõe a uma fiscalização, caso a caso, do caráter equitativo das taxas de utilização da infraestrutura pelos órgãos jurisdicionais ordinários, independentemente da supervisão exercida pela entidade reguladora, instituída nos termos do artigo 30.o desta diretiva. Todavia, não é certo que as considerações desse acórdão também se possam aplicar no caso de esses órgãos jurisdicionais serem chamados a fiscalizar a legalidade das mesmas taxas à luz do artigo 102.o TFUE e do direito nacional da concorrência que proíbem, nomeadamente, os abusos de posição dominante. |
29 |
Vários órgãos jurisdicionais alemães declararam que os princípios enunciados no Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics (C‑489/15, EU:C:2017:834), se opõem a que decidam sobre ações de reembolso antes de a entidade reguladora competente ter adotado uma decisão definitiva a esse respeito. Em contrapartida, num Acórdão de 29 de outubro de 2019, dito «Trassenentgelte», o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha) decidiu que a aplicação do artigo 102.o TFUE pelos órgãos jurisdicionais cíveis é lícita e exigida, sem que seja necessária uma decisão definitiva prévia da entidade reguladora. |
30 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera, no entanto, que há boas razões para se afastar da posição defendida pelo supremo tribunal cível alemão. |
31 |
Em primeiro lugar, a fiscalização efetuada pelos órgãos jurisdicionais cíveis pode prejudicar a competência exclusiva da entidade reguladora, evocada no Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics (C‑489/15, EU:C:2017:834). |
32 |
Em segundo lugar, é certo que da jurisprudência do Tribunal de Justiça, e em particular do Acórdão de 30 de janeiro de 1974, BRT e Société belge des auteurs, compositeurs et éditeurs (127/73, EU:C:1974:6), resulta que os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a aplicar diretamente o artigo 102.o TFUE. Todavia, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a articulação desta obrigação com as competências da entidade reguladora, que, por força da Diretiva 2001/14, está encarregada da fiscalização das taxas. |
33 |
Em terceiro lugar, embora, no n.o 135 do Acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (C‑295/12 P, EU:C:2014:2062), o Tribunal de Justiça tenha declarado que a aplicação do artigo 102.o TFUE pela Comissão Europeia não estava subordinada a uma análise prévia das medidas em causa pela entidade reguladora nacional, o órgão jurisdicional de reenvio considera que essa decisão é justificada pela circunstância de, contrariamente à aplicação desta disposição pelos tribunais cíveis, a intervenção da Comissão não apresentar um risco de pluralidade de decisões, eventualmente divergentes. |
34 |
Em quarto e último lugar, por Acórdão de 1 de setembro de 2020, dito «Stationspreissystem II», o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) declarou que o artigo 30.o, n.o 3, da Diretiva 2001/14 não permite à entidade reguladora pronunciar‑se sobre as taxas já pagas e ainda menos ordenar o respetivo reembolso. Este órgão jurisdicional deduziu daí que o controlo dos abusos nos termos do artigo 102.o TFUE não interfere com as competências da entidade reguladora, uma vez que esse controlo com base neste artigo 102.o está limitado à concessão de uma indemnização ex post, a título de comportamentos adotados pelas empresas no passado. |
35 |
No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que esta análise do direito da União está errada. Por um lado, nada na Diretiva 2001/14 é suscetível de sustentar a interpretação de que a entidade reguladora decide apenas pro futuro. Por outro lado, o artigo 102.o TFUE permite a adoção de decisões que declaram a nulidade dos atos ou que ordenam a cessação de um comportamento. Além disso, mesmo o reembolso de taxas cobradas no passado pode conduzir a distorções da concorrência e interferir com os objetivos da Diretiva 2001/14. |
36 |
Foi nestas condições que o Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
Observações preliminares
37 |
Antes de mais, há que salientar que a ODEG, uma empresa ferroviária, apresentou ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de reembolso de um alegado excesso de taxas de utilização da infraestrutura pela DB Station & Service, a título dos serviços referidos no anexo II, ponto 2, da Diretiva 2001/14, a saber, no caso em apreço, o acesso às «estações de passageiros». |
38 |
Este pedido apenas incide sobre as taxas já pagas pela ODEG, a saber, entre novembro de 2006 e dezembro de 2010. Em contrapartida, esta empresa não pede a alteração das taxas que estava ou está ainda obrigada a pagar desde essa data. |
39 |
Em seguida, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a possibilidade de os tribunais cíveis nacionais aplicarem, por um lado, o artigo 102.o TFUE e, simultaneamente, as disposições pertinentes do direito nacional da concorrência e, por outro, exclusivamente estas últimas disposições. |
40 |
A este respeito, cabe referir que, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, sempre que as autoridades nacionais da concorrência dos Estados‑Membros ou os órgãos jurisdicionais apliquem o direito nacional em matéria de concorrência a uma prática abusiva de uma empresa com uma posição dominante no mercado, suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, as mesmas devem igualmente aplicar o artigo 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 3 de maio de 2011, Tele2 Polska, C‑375/09, EU:C:2011:270, n.o 20). |
41 |
No caso em apreço, assim parece ocorrer segundo as informações transmitidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial. |
42 |
Em contrapartida, não resulta de modo algum da descrição do litígio no processo principal que esse órgão jurisdicional tenha a possibilidade ou a intenção de aplicar exclusivamente as disposições do direito nacional da concorrência que proíbem o comportamento unilateral de uma empresa. Por conseguinte, tal parte da questão tem caráter hipotético e é inadmissível. |
43 |
Por último, resulta do pedido de decisão prejudicial que as dificuldades de interpretação do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito, em substância, à articulação entre as competências da entidade reguladora, determinadas no artigo 30.o da Diretiva 2001/14, e a dos órgãos jurisdicionais nacionais para a aplicação do artigo 102.o TFUE. |
44 |
Atendendo às considerações precedentes, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 30.o da Diretiva 2001/14 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais decidam, independentemente da supervisão exercida pela entidade reguladora competente, sobre um pedido de reembolso das taxas de utilização da infraestrutura baseado no artigo 102.o TFUE e, simultaneamente, no direito nacional da concorrência. |
Exigências que decorrem do artigo 102.o TFUE
45 |
Há que recordar que o artigo 102.o, alíneas a) e c), TFUE visa práticas abusivas como as que consistem em impor, de forma direta ou indireta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transação não equitativas, e em aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes. |
46 |
O artigo 102.o TFUE produz efeitos diretos nas relações entre os particulares e cria direitos na esfera jurídica destes, que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 1974, BRT e Société belge des auteurs, compositeurs et éditeurs, 127/73, EU:C:1974:6, n.o 16, e de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 38). |
47 |
A plena eficácia do artigo 102.o TFUE e, em particular, o efeito útil da proibição enunciada neste artigo seriam postos em causa se não fosse possível a qualquer pessoa pedir a reparação do prejuízo que lhe tivesse sido causado por um comportamento abusivo de uma empresa dominante, suscetível de restringir ou falsear o jogo da concorrência (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 39 e jurisprudência referida). |
48 |
Assim, qualquer pessoa tem o direito de pedir a reparação do prejuízo sofrido quando haja um nexo de causalidade entre o referido prejuízo e um abuso de posição dominante proibido pelo artigo 102.o TFUE (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 40 e jurisprudência referida). |
49 |
Com efeito, o direito de qualquer pessoa de pedir a reparação desse prejuízo reforça o caráter operacional das regras de concorrência da União e é suscetível de desencorajar os abusos de posição dominante suscetíveis de restringir ou falsear o jogo da concorrência, contribuindo assim para a manutenção de uma concorrência efetiva na União Europeia (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 41 e jurisprudência referida). |
50 |
É à luz destas considerações que há que examinar o alcance do artigo 30.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14 e as exigências que daí decorrem para um órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de reembolso de taxas de utilização da infraestrutura com base no artigo 102.o TFUE. |
Alcance do artigo 30.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14
51 |
Há que salientar, em primeiro lugar, que resulta do considerando 46 da Diretiva 2001/14 que a gestão eficaz e a utilização justa e não discriminatória da infraestrutura ferroviária requerem a instituição de uma entidade reguladora que supervisione a aplicação das regras de direito da União e atue como uma instância de recurso, sem prejuízo da possibilidade de fiscalização jurisdicional. |
52 |
Em conformidade com o artigo 30.o, n.o 1, desta diretiva, os Estados‑Membros devem instituir essa entidade, à qual, nos termos do n.o 2 do mesmo artigo 30.o, pode recorrer um candidato que considere ter sido «tratado de forma injusta ou discriminatória ou de algum outro modo lesado» (Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.o 56). |
53 |
Assim, antes de mais, a via de recurso prevista no artigo 30.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14 só está acessível aos «candidatos». Este último conceito, definido no artigo 2.o, alínea b), desta, engloba, nomeadamente, as empresas de transporte ferroviário detentoras de licenças (v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, ORLEN KolTrans, C‑563/20, EU:C:2022:113, n.o 55) e quaisquer outras pessoas singulares ou coletivas ou entidades com um interesse de serviço público ou comercial na aquisição de capacidade de infraestrutura. |
54 |
Em seguida, resulta da enumeração que figura no artigo 30.o, n.o 2, alíneas a) a f), da Diretiva 2001/14 que esse recurso visa as decisões e os comportamentos dos gestores da infraestrutura ou, eventualmente, das empresas de transporte ferroviário, na medida em que digam respeito ao acesso à infraestrutura ferroviária, incluindo aos serviços visados no anexo II, ponto 2, desta diretiva. Em especial, em conformidade com este artigo 30.o, n.o 2, alíneas d) e e), podem ser impugnadas as decisões relativas ao regime de tarificação ou ao nível ou à estrutura das taxas de utilização da infraestrutura que um candidato é ou possa ser obrigado a pagar. |
55 |
Por último, é de recordar que a competência da entidade reguladora para conhecer do recurso previsto nesse artigo 30.o, n.o 2, tem caráter exclusivo, sem prejuízo, eventualmente, da fiscalização ulterior realizada pelos órgãos jurisdicionais nacionais que decidem os recursos interpostos dessas decisões (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.o 86). |
56 |
Os candidatos são assim obrigados a dirigir‑se a essa entidade quando pretendem obter a reparação de todos os danos decorrentes das taxas de utilização fixadas por um gestor da infraestrutura ou por um operador dos serviços referidos no anexo II, ponto 2, da Diretiva 2001/14. |
57 |
Em segundo lugar, importa salientar que a competência exclusiva da entidade reguladora para conhecer de qualquer litígio abrangido pelo artigo 30.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14 está estreitamente ligada aos condicionalismos técnicos específicos do setor ferroviário. |
58 |
Com efeito, como recordou o legislador da União, nomeadamente no considerando 40 da Diretiva 2001/14, a infraestrutura ferroviária é um monopólio natural. As suas capacidades limitadas só podem ser utilizadas por um número determinado de empresas no respeito pelas faixas que lhes foram atribuídas pelos gestores dessa infraestrutura, a saber, os organismos ou empresas encarregados, nomeadamente, de organizar o acesso à mesma. Estes últimos encontram‑se, portanto, estruturalmente, numa posição dominante relativamente às empresas de transporte ferroviário. |
59 |
Nesta perspetiva, como resulta, nomeadamente, dos seus considerandos 5 e 11, a Diretiva 2001/14 tem por objetivo assegurar um acesso não discriminatório à infraestrutura ferroviária. Com efeito, o considerando 16 desta diretiva enuncia, a este último respeito, que os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem favorecer uma concorrência leal no fornecimento de serviços ferroviários (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.os 36 e 37). |
60 |
Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a competência exclusiva atribuída às entidades reguladoras do setor ferroviário é justificada por esses mesmos objetivos (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.o 87) e implica os poderes específicos que lhe são conferidos pelo artigo 30.o, n.os 2, 3 e 5, da Diretiva 2001/14. |
61 |
Com efeito, esses poderes permitem às entidades reguladoras realizarem os referidos objetivos e responderem às exigências técnicas da infraestrutura ferroviária, evocadas no n.o 58 do presente acórdão. |
62 |
A este respeito, no que concerne à Diretiva 2012/34, que revogou e substituiu a Diretiva 2001/14, o Tribunal de Justiça declarou que o poder da entidade reguladora para supervisionar a aplicação das regras fixadas por esta diretiva não está subordinado à apresentação de uma queixa ou de um recurso e pode, portanto, ser exercido oficiosamente. Precisou igualmente que a gestão eficaz e a utilização justa e não discriminatória da infraestrutura ferroviária, subjacentes a esta diretiva, exigem a criação de uma autoridade que está encarregada, simultaneamente, de fiscalizar, por sua própria iniciativa, a aplicação que é feita pelos agentes do setor ferroviário das regras previstas na referida diretiva e de agir como órgão de recurso (v., neste sentido, Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.os 57 e 60). |
63 |
Assim, quando uma entidade reguladora nacional instituída em aplicação do artigo 55.o da Diretiva 2012/34 conheça de um recurso, esta circunstância não prejudica a competência dessa mesma entidade para adotar, se for o caso, oficiosamente, medidas adequadas para sanar qualquer violação da regulamentação aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail, C‑453/20, EU:C:2022:341, n.o 61). |
64 |
Estas considerações aplicam‑se igualmente à Diretiva 2001/14, cujo artigo 30.o corresponde, em substância, essencialmente ao artigo 56.o da Diretiva 2012/34, referido nos n.os 57, 60 e 61 do Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail (C‑453/20, EU:C:2022:341). |
65 |
Daqui decorre, em especial, que, em conformidade com o artigo 30.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/14, a entidade reguladora está encarregada, simultaneamente, de agir como órgão de recurso e de supervisionar, por sua própria iniciativa, a aplicação que é feita pelos agentes do setor ferroviário das regras previstas nesta diretiva. Em conformidade com o seu artigo 30.o, n.o 5, é competente para tomar todas as medidas necessárias para sanar as violações da referida diretiva, se for caso disso, oficiosamente. |
66 |
Além disso, esta última disposição prevê que os efeitos das decisões que a entidade reguladora adota não se limitam apenas às partes num litígio que lhe seja submetido, mas impõem‑se a todas as partes do setor ferroviário em causa, sejam as empresas de transporte ou os gestores de infraestrutura. Deste modo, a entidade reguladora pode garantir a igualdade de acesso à infraestrutura de todas as empresas interessadas e a manutenção de uma concorrência leal no setor do fornecimento dos serviços ferroviários (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.os 94 e 96). |
67 |
Em terceiro lugar, o recurso previsto no artigo 30.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14, seguido, se for caso disso, de uma fiscalização jurisdicional das decisões proferidas pela entidade reguladora neste âmbito, permite assegurar o respeito pelo artigo 102.o TFUE, que proíbe o abuso de posição dominante. |
68 |
Com efeito, decorre dos próprios objetivos da Diretiva 2001/14, destinados a garantir um acesso não discriminatório às infraestruturas em condições de concorrência leal, bem como das obrigações impostas, deste ponto de vista, aos gestores de infraestrutura, que as empresas ferroviárias podem invocar, perante a entidade reguladora, uma violação do artigo 102.o TFUE. |
69 |
As regras materiais previstas na Diretiva 2001/14, nomeadamente no que respeita à determinação das taxas de utilização da infraestrutura, incluindo as tarifas aplicáveis aos serviços referidos no anexo II, ponto 2, desta diretiva, contribuem para garantir os objetivos prosseguidos pelo artigo 102.o TFUE. |
70 |
A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que cabe aos gestores da infraestrutura, que estão obrigados a determinar e a cobrar as taxas de maneira não discriminatória, não só aplicar as condições de utilização da rede ferroviária de forma igual a todos os utilizadores da rede mas também garantir que as taxas efetivamente cobradas cumprem essas condições (Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Orlen KolTrans, C‑563/20, EU:C:2022:113, n.o 53 e jurisprudência referida). |
71 |
Além disso, como resulta dos artigos 9.o, 17.o e 24.o da Diretiva 2001/14, a aplicação das disposições relativas ao acesso à infraestrutura ferroviária não prejudica as regras de concorrência que decorrem diretamente do Tratado FUE, nomeadamente do artigo 102.o TFUE. Assim, o legislador da União pretendeu confirmar que os gestores da infraestrutura estão obrigados a respeitar essas regras do direito primário da União quando tomam decisões sobre a repartição de capacidade e sobre as taxas de utilização da infraestrutura. |
72 |
Esta conclusão é particularmente válida para os serviços visados no anexo II, n.o 2, da Diretiva 2001/14. Com efeito, decorre do artigo 5.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 7, desta diretiva não só que esses serviços devem ser fornecidos de forma não discriminatória como também que, para efeitos da determinação das taxas aplicáveis, deve ser tida em conta a situação concorrencial nos caminhos de ferro. |
73 |
Nestas condições, quando é chamado a conhecer de um recurso interposto por uma empresa de transporte ferroviário, a entidade reguladora, à qual cabe assegurar o cumprimento das suas obrigações tanto pelos gestores da infraestrutura como pelos operadores dos serviços ferroviários, deve examinar, segundo os próprios termos do artigo 30.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14, os tratamentos não equitativos ou discriminatórios, bem como qualquer outro prejuízo, o que inclui as questões relativas tanto à tarificação da infraestrutura ou de serviços quanto à concorrência. |
74 |
Daqui resulta que, chamada a pronunciar‑se com base no artigo 30.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14, a entidade reguladora nacional competente não pode validamente declinar a sua competência para conhecer de uma alegada infração ao artigo 102.o TFUE pelo facto de uma disposição do direito nacional, como o § 14f da AEG, não lhe permitir decidir sobre a legalidade das taxas de utilização da infraestrutura já cobradas. |
Articulação entre os recursos perante a entidade reguladora e os órgãos jurisdicionais nacionais
75 |
O artigo 30.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14 prevê que as decisões tomadas pela entidade reguladora são vinculativas para todas as partes interessadas, mas não contém regras quanto ao seu caráter eventualmente vinculativo para os órgãos jurisdicionais chamados a conhecer de um pedido de reembolso de um excesso de taxas de utilização da infraestrutura com base no artigo 102.o TFUE. |
76 |
É certo que, no n.o 97 do Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics (C‑489/15, EU:C:2017:834), o Tribunal de Justiça declarou que a competência dos órgãos jurisdicionais cíveis para decidir, em aplicação de disposições do direito civil nacional, sobre o reembolso das taxas de utilização da infraestrutura está limitada à hipótese de, também em conformidade com as disposições do direito nacional, o caráter ilícito da taxa à luz das regras relativas ao acesso às infraestruturas ferroviárias ter sido previamente declarado pela entidade reguladora ou por um órgão jurisdicional que fiscalizou a decisão dessa entidade. Além disso, resulta dos n.os 84 e 86 do mesmo acórdão que confiar a todos os órgãos jurisdicionais cíveis nacionais a missão de aplicar diretamente a regulamentação ferroviária que decorre da Diretiva 2001/14 viola a competência exclusiva conferida à entidade reguladora pelo artigo 30.o desta diretiva. |
77 |
Todavia, o processo que deu origem a esse acórdão e, por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial submetido ao Tribunal de Justiça diziam respeito a um litígio que opunha uma empresa ferroviária a um gestor da infraestrutura a respeito de um pedido de reembolso de taxas ferroviárias com base em disposições do direito civil alemão que permitiam, em substância, ao tribunal cível proceder a uma apreciação ex æquo et bono do montante dessas taxas. Em contrapartida, no caso em apreço, para decidir sobre o pedido de reembolso de taxas de utilização da infraestrutura apresentado pela ODEG, o órgão jurisdicional de reenvio não é chamado a aplicar o direito civil alemão, mas sim uma disposição do direito primário da União, a saber, o artigo 102.o TFUE e, simultaneamente, as disposições correspondentes do direito nacional da concorrência. |
78 |
Além disso, embora o controlo das taxas de utilização da infraestrutura à luz das disposições de direito civil de um Estado‑Membro alheias às regras previstas na Diretiva 2001/14 seja, pela sua própria natureza, incompatível com as exigências técnicas do setor do transporte ferroviário, com os objetivos desta diretiva e com as missões da entidade reguladora, recordadas nos n.os 58 a 60 do presente acórdão, tal não pode ser o caso de uma contestação do seu montante com base no artigo 102.o TFUE, como decorre, nomeadamente, dos n.os 71 a 73 do presente acórdão. |
79 |
Por conseguinte, a fim de preservar a plena eficácia do artigo 102.o TFUE e, em especial, para garantir aos candidatos uma proteção eficaz contra as consequências prejudiciais de uma violação do direito da concorrência, a competência exclusiva conferida à entidade reguladora pelo artigo 30.o da Diretiva 2001/14 não pode impedir os órgãos jurisdicionais nacionais competentes de conhecer dos pedidos de reembolso de um alegado excesso de taxas de infraestrutura com base no artigo 102.o TFUE. |
80 |
Todavia, esta última disposição não se opõe minimamente, tendo em conta imperativos de gestão coerente da rede ferroviária recordados nomeadamente nos n.os 57 a 66 do presente acórdão, a que seja preservada, sem prejuízo das considerações que se seguem, a competência exclusiva da entidade reguladora para conhecer de todos os aspetos dos litígios que lhe são submetidos em aplicação do artigo 30.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14. |
81 |
Assim, quando uma empresa ferroviária pretende obter, com base no artigo 102.o TFUE, o reembolso de um alegado excesso de taxas de utilização da infraestrutura, deve, antes de qualquer recurso aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, submeter à entidade reguladora nacional a questão da sua legalidade. |
82 |
Além disso, o Tribunal de Justiça declarou já que há que considerar que uma obrigação regulamentar pode ser pertinente para apreciar um comportamento abusivo, na aceção do artigo 102.o TFUE, por parte de uma empresa dominante sujeita a uma regulamentação setorial (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 224, e de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 57). |
83 |
Assim, a fim de responder às exigências técnicas ligadas ao funcionamento do setor ferroviário e preservar o efeito útil das regras de acesso às infraestruturas, ao mesmo tempo que asseguram o respeito pelo artigo 102.o TFUE e a sua plena eficácia, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a pronunciar‑se sobre um pedido de reembolso de um excedente de taxas de utilização da infraestrutura têm a obrigação de cooperar lealmente com as entidades reguladoras nacionais. Daqui resulta que, mesmo que esses órgãos jurisdicionais não estejam vinculados pelas decisões das referidas entidades, são obrigados a tomá‑las em consideração e a fundamentarem as suas próprias decisões à luz das apreciações de facto e de direito que as mesmas entidades fizeram sobre o litígio que lhes foi submetido e, em especial, sobre a aplicação, ao caso em apreço, da legislação setorial pertinente. |
84 |
A este respeito, importa sublinhar que as exigências relativas ao recurso prévio à entidade reguladora nacional e à cooperação leal entre esta e os órgãos jurisdicionais nacionais, indicadas nos n.os 81 e 83 do presente acórdão, permitem evitar, ao contrário da situação em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 8 de julho de 2021, Koleje Mazowieckie (C‑120/20, EU:C:2021:553), e que o Tribunal de Justiça salientou no n.o 54 desse acórdão, pôr em causa a missão da entidade reguladora e, simultaneamente, o efeito útil do artigo 30.o da Diretiva 2001/14 quando os órgãos jurisdicionais nacionais conhecem de um pedido com base no artigo 102.o TFUE. |
85 |
A fim de assegurar a plena eficácia desta última disposição, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a pronunciar‑se, com base neste fundamento, sobre um pedido de reembolso de um alegado excesso de taxas de utilização da infraestrutura não são obrigados a aguardar pelo desfecho dos processos judiciais instaurados contra as decisões da entidade reguladora competente. |
86 |
As mesmas considerações são válidas na hipótese de um órgão jurisdicional nacional ser chamado, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, a aplicar, simultaneamente, o artigo 102.o TFUE e as correspondentes disposições do direito nacional da concorrência. |
87 |
Além disso, no que respeita ao processo principal, há que recordar que, nas suas decisões referidas nos n.os 24 e 26 do presente acórdão, a Bundesnetzagentur limitou‑se a declarar a ilegalidade da tarifa de acesso à infraestrutura em causa no processo principal com efeitos apenas para o futuro. Todavia, como decorre do n.o 74 do presente acórdão, chamada a pronunciar‑se com base no artigo 30.o, n.o 2, da Diretiva 2001/14, esta entidade não pode validamente declinar a sua competência para decidir sobre a legalidade das taxas de utilização da infraestrutura cobradas no passado. |
88 |
Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 30.o da Diretiva 2001/14 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais apliquem o artigo 102.o TFUE e, simultaneamente, o direito da concorrência nacional, a fim de conhecer de um pedido de reembolso das taxas de utilização da infraestrutura, desde que, todavia, a entidade reguladora competente tenha previamente decidido sobre o caráter lícito das taxas em causa. Nessas circunstâncias, incumbe um dever de cooperação leal a esses órgãos jurisdicionais, que estão obrigados a ter em conta as decisões proferidas por essa entidade enquanto elemento de apreciação e a fundamentar as suas próprias decisões à luz de todos os documentos dos processos que lhes foram submetidos. |
Quanto à segunda questão
89 |
Atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão. |
Quanto às despesas
90 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara: |
O artigo 30.o da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária, conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, |
deve ser interpretado no sentido de que: |
não se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais apliquem o artigo 102.o TFUE e, simultaneamente, o direito da concorrência nacional, a fim de conhecer de um pedido de reembolso das taxas de utilização da infraestrutura, desde que, todavia, a entidade reguladora competente tenha previamente decidido sobre o caráter lícito das taxas em causa. Nessas circunstâncias, incumbe um dever de cooperação leal a esses órgãos jurisdicionais, que estão obrigados a ter em conta as decisões proferidas por essa entidade enquanto elemento de apreciação e a fundamentar as suas próprias decisões à luz de todos os documentos dos processos que lhe foram submetidos. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: alemão.