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Document 62021CC0393

Conclusões do advogado-geral Pikamäe apresentadas em 20 de outubro de 2022.
Processo intentado por Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 805/2004 — Título executivo europeu para créditos não contestados — Artigo 23.o, alínea c) — Suspensão da execução de uma decisão certificada como título executivo europeu — Circunstâncias excecionais — Conceito.
Processo C-393/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:820

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 20 de outubro de 2022 ( 1 )( ( i ))

Processo C‑393/21

Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH

sendo interveniente:

Arik Air Limited,

Asset Management Corporation of Nigeria (AMCON),

antstolis Marekas Petrovskis

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 805/2004 — Título executivo europeu para créditos não contestados — Suspensão da execução de uma decisão certificada como título executivo europeu — Requisitos — Circunstâncias excecionais — Conceito — Medidas de limitação do processo de execução — Efeitos da certidão do título executivo europeu — Suspensão no Estado‑Membro de origem da executoriedade da decisão certificada como título executivo europeu»

1.

O processo de elaboração da norma, quer seja nacional ou (sobretudo) europeu, é frequentemente complexo e laborioso. Assim, não é raro constatar, nos textos por fim adotados, a presença de disposições cuja formulação imprecisa é suposto resolver os problemas de negociação da norma e deixa ao juiz o cuidado de decidir onde o legislador não o conseguiu fazer.

2.

No presente processo, o Tribunal de Justiça deverá, assim, interpretar o conceito de «circunstâncias excecionais» constante do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 805/2004 ( 2 ) e que condiciona a possibilidade de o órgão jurisdicional ou autoridade competente no Estado‑Membro de execução suspender a execução de uma decisão certificada como título executivo europeu (a seguir «TEE») no Estado‑Membro de origem.

I. Quadro jurídico

3.

No âmbito do presente processo, são relevantes os artigos 6.o, 10.o, 11.o, 21.o e 23.o do Regulamento n.o 805/2004.

II. Factos na origem do litígio, processo principal e questões prejudiciais

4.

Em 14 de junho de 2019, o Amtsgericht Hünfeld (Tribunal de Primeira Instância de Hünfeld, Alemanha) notificou à Arik Air Ltd uma injunção de pagamento do montante de 2292993,32 euros, acrescido de juros, a favor da Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH, e em seguida emitiu, em 24 de outubro de 2019, um mandado de execução parcial com base no qual esse órgão jurisdicional adotou e apresentou uma certidão de TEE, em 2 de dezembro de 2019.

5.

Um agente de execução que exercia a sua atividade na Lituânia recebeu um pedido de execução em conformidade com essa certidão e uma aeronave civil pertencente à Arik Air foi apreendida em 24 de janeiro de 2020.

6.

A Arik Air apresentou ao Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main, Alemanha), com base no artigo 10.o do Regulamento n.o 805/2004, um pedido de anulação da certidão de TEE e a cessação da cobrança coerciva do crédito ( 3 ), alegando a notificação irregular dos atos processuais pelo Amtsgericht Hünfeld (Tribunal de Primeira Instância de Hünfeld), que determinaram o incumprimento do prazo para deduzir oposição contra a injunção de pagamento proferida por esse órgão jurisdicional.

7.

A sociedade devedora também apresentou ao agente de execução um pedido de suspensão do processo de execução até à decisão definitiva do órgão jurisdicional alemão que decida a revogação da certidão de TEE e a cessação da cobrança coerciva do crédito. Por requerimento de 25 de março de 2020, o agente de execução indeferiu esse pedido, considerando que a legislação nacional aplicável não previa a possibilidade dessa suspensão pelo facto de ter sido interposto no órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem um recurso de anulação da decisão judicial original.

8.

Por Despacho de 9 de abril de 2020, o Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main) subordinou a suspensão da execução coerciva da decisão certificada como TEE, adotada pelo Amtsgericht Hünfeld (Tribunal de Primeira Instância de Hünfeld), ao depósito de uma caução de 2000000 euros ( 4 ) e declarou que a Arik Air não tinha demonstrado que o título executivo estava ferido de irregularidades, nem que os prazos para deduzir oposição tinham sido ultrapassados sem que tivesse havido culpa da sua parte.

9.

A Arik Air interpôs recurso do indeferimento do agente de execução de suspender o processo intentado no Kauno apylinkės teismas (Tribunal de Primeira Instância de Kaunas, Lituânia) e pediu a aplicação de providências cautelares. Por Despacho de 11 de junho de 2020, esse órgão jurisdicional negou provimento ao recurso.

10.

Pronunciando‑se sobre o recurso interposto desse despacho pela Arik Air, o Kauno apygardos teismas (Tribunal Regional de Kaunas, Lituânia), por Despacho de 25 de setembro de 2020, anulou a decisão do órgão jurisdicional de primeira instância e ordenou a suspensão do processo de execução a aguardar a decisão definitiva do órgão jurisdicional alemão sobre os pedidos da Arik Air. O órgão jurisdicional de recurso considerou que, tendo em conta o risco de prejuízo desproporcionado suscetível de resultar do processo de execução, a interposição de um recurso contra a certidão de TEE no tribunal do Estado‑Membro de origem constituía um fundamento suficiente para suspender essa instância. Considerou também, contrariamente ao órgão jurisdicional de primeira instância, que, uma vez que a caução fixada pelo órgão jurisdicional alemão não tinha sido paga nesta fase do processo, não existia nenhum motivo para que esse órgão jurisdicional estivesse habilitado a pronunciar‑se sobre o mérito do pedido de suspensão dos atos de execução.

11.

A Lufthansa Technik AERO Alzey interpôs recurso de cassação desse despacho para o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia), que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Como deve ser interpretado o conceito de “circunstâncias excecionais” constante do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, tendo em conta os objetivos do Regulamento n.o 805/2004, designadamente o objetivo de acelerar e simplificar a execução das decisões dos Estados‑Membros e [assegurar] a salvaguarda efetiva do direito a um processo equitativo? Qual é a margem de apreciação de que dispõem as autoridades competentes do Estado‑Membro de execução para interpretar o conceito de “circunstâncias excecionais” […]?

2)

Ao decidir sobre a aplicação do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, devem ser consideradas relevantes circunstâncias como as do caso presente, relacionadas com um processo judicial no Estado de origem que decide uma questão relativa à anulação da decisão com base na qual foi emitido um título executivo europeu? Segundo que critérios deve ser apreciado o processo de recurso no Estado‑Membro de origem e qual deve ser o alcance da apreciação do processo que decorre no Estado‑Membro de origem que é efetuada pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de execução?

3)

Qual é o objeto da apreciação ao decidir sobre a aplicação do conceito de “circunstâncias excecionais” constante do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004: deve ser apreciado o impacto das circunstâncias específicas do litígio quando a decisão do Estado de origem é contestada no Estado de origem, devem ser analisados os possíveis benefícios ou prejuízos potenciais da medida em causa referida no artigo 23.o do regulamento, ou devem ser analisadas as capacidades económicas do devedor, ou outras circunstâncias, para executar a decisão?

4)

Nos termos do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, é possível a aplicação simultânea de várias medidas previstas neste artigo? Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, em que critérios devem basear‑se as autoridades competentes do Estado de execução ao decidir sobre o mérito e proporcionalidade da aplicação [simultânea] de várias dessas medidas?

5)

Deve o regime jurídico previsto no artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento [(UE) n.o 1215/2012 ( 5 )], ser aplicado a uma decisão do Estado de origem relativa à suspensão (ou à anulação) da executoriedade, ou é aplicável um regime jurídico análogo ao previsto no artigo 44.o, n.o 2, desse regulamento?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

12.

A recorrente no processo principal, o Governo lituano e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. As partes no processo principal, o Governo lituano e a Comissão apresentaram observações orais na audiência de 8 de setembro de 2022.

IV. Análise

A.   Quanto à primeira, segunda, terceira e quarta questões prejudiciais

13.

Com estas quatro questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre o sentido e o alcance do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 no que respeita tanto à compreensão do conceito de «circunstâncias excecionais» que justificam a suspensão do processo de execução e ao âmbito da competência, a este respeito, do órgão jurisdicional de execução (primeira, segunda e terceira questões) como à possibilidade de aplicação conjugada dessa medida com uma limitação do mesmo processo (quarta questão).

14.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem em princípio ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa ( 6 ).

15.

Importa observar que o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 não contém nenhuma remissão para o direito dos Estados‑Membros. Embora o artigo 20.o, n.o 1, deste regulamento refira que os processos de execução são regulados pela lei do Estado‑Membro de execução, é sem prejuízo das disposições do capítulo IV do referido regulamento e, nomeadamente, do artigo 23.o que define expressamente as condições de uma possível suspensão ou limitação do processo de execução na hipótese específica de um recurso judicial previamente interposto pelo devedor no Estado‑Membro de origem ( 7 ).

16.

A referência ao direito do Estado‑Membro de execução constante do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 805/2004 não incide, na minha opinião, sobre os elementos constitutivos do conceito de «circunstâncias excecionais», que é um conceito autónomo do direito da União. Esta referência também não diz respeito à questão da articulação entre a limitação e a suspensão do processo de execução.

17.

Há que recordar que a aplicação uniforme do direito da União é uma exigência fundamental da ordem jurídica europeia ( 8 ) e condiciona, neste caso, a realização do objetivo de uma livre circulação das decisões judiciais certificadas como TEE, em conformidade com o artigo 1.o do Regulamento n.o 805/2004. Esta aplicação uniforme implica, portanto, que a suspensão do processo de execução de tal decisão, embora sujeita às regras processuais nacionais, no que respeita, designadamente, à forma do ato de instrução da instância, aos órgãos implicados no processo ou aos prazos aplicáveis, seja submetida em todos os Estados‑Membros a requisitos de concessão uniformes.

1. Quanto à interpretação literal

18.

Uma simples leitura literal do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 fornece vários esclarecimentos quanto ao significado e âmbito desta disposição.

19.

Em primeiro lugar, a suspensão ou a limitação do processo de execução, que resultam exclusivamente de uma iniciativa do devedor, estão previstas num caso específico, no sentido de que estão indissociavelmente ligadas à existência de um processo judicial, instaurado por esse devedor no Estado‑Membro de origem, com vista à decisão certificada como TEE ou à própria certidão para obter a sua retificação ou a sua revogação em conformidade com o artigo 10.o do Regulamento n.o 805/2004. Trata‑se de uma condição prévia, necessária, mas não suficiente.

20.

Em segundo lugar, o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 enuncia que o tribunal ou a autoridade competente no Estado‑Membro de execução «pode» limitar ou suspender o processo de execução. A utilização deste verbo revela que se trata de uma faculdade cuja aplicação decorre da ampla margem de apreciação deixada à entidade em causa, não podendo a simples impugnação de uma decisão certificada por um TEE ou de um pedido de retificação ou de revogação da certidão de TEE apresentadas no Estado‑Membro de origem, por si só e necessariamente, implicar a limitação ou a suspensão do processo de execução. Mas esse poder de apreciação é limitado no que respeita à medida de suspensão cuja prolação depende da verificação da existência de circunstâncias excecionais.

21.

Embora a formulação do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 não forneça qualquer elemento útil para efeitos da definição do conceito de «circunstâncias excecionais», importa salientar que, na linguagem corrente, o adjetivo «excecional» é sinónimo de «rara». O pré‑requisito relativo à existência de uma situação de caráter excecional implica que a suspensão tenha sido concebida como uma medida de natureza derrogatória, ela própria excecional. Tendo o legislador da União pretendido limitar a suspensão do processo de execução a situações excecionais, o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 deve necessariamente ser objeto de interpretação restrita ( 9 ).

22.

Em terceiro lugar, as menções das três decisões ( 10 ) suscetíveis de serem adotadas pelo órgão jurisdicional ou pela autoridade competente no Estado‑Membro de execução são separadas pela conjunção de coordenação «ou», que pode, de um ponto de vista linguístico, revestir um sentido alternativo ou cumulativo ( 11 ). Observo ainda que o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 tem por epígrafe «Suspensão ou limitação da execução» ( 12 ).

2. Quanto à interpretação teleológica

23.

Decorre da letra do artigo 1.o do Regulamento n.o 805/2004 que relativamente aos créditos não contestados, este último visa assegurar a livre circulação de decisões em todos os Estados‑Membros, sem necessidade de efetuar quaisquer procedimentos intermédios no Estado‑Membro de execução previamente ao reconhecimento e à execução. O princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros que assenta nomeadamente na confiança recíproca na administração da justiça entre esses Estados, à qual se refere o considerando 18 deste regulamento, traduz‑se, de acordo com o artigo 5.o do referido regulamento, no reconhecimento e na execução, nos outros Estados‑Membros, das decisões que tenham sido certificadas como TEE no Estado‑Membro de origem ( 13 ).

24.

Assim, em conformidade com o artigo 5.o do Regulamento n.o 805/2004, uma decisão que tenha sido certificada como título executivo europeu no Estado‑Membro de origem será reconhecida e executada nos outros Estados‑Membros sem necessidade de declaração da executoriedade ou contestação do seu reconhecimento.

25.

Neste contexto, o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, na medida em que constitui um obstáculo à realização do objetivo fundamental deste regulamento nos termos do considerando 8 do referido regulamento, relativo à aceleração e simplificação da execução de uma decisão judicial num Estado‑Membro diferente daquele em que foi proferida, deve ser objeto de interpretação restrita, o que conforta a interpretação literal.

3. Quanto à interpretação contextual

26.

A interpretação contextual do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, que engloba a sua génese e outras disposições deste regulamento, mas também outros instrumentos jurídicos no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, é, em minha opinião, essencial para determinar o sentido e o alcance deste artigo.

a) Quanto à repartição de competências entre os órgãos do Estado‑Membro de origem e as do Estado‑Membro de execução

27.

A economia geral do Regulamento n.o 805/2004, é incontestavelmente marcada pela supressão de qualquer procedimento intermédio no Estado‑Membro, previamente ao reconhecimento e à execução nesse Estado da decisão relativa a um crédito não contestado, ou seja, pela supressão pura e simples do exequátur. Em conformidade com o artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 805/2004, uma decisão certificada como TEE é executada nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado‑Membro de execução ( 14 ). Embora este novo sistema de execução direta das decisões seja manifestamente favorável ao credor requerente, não abandona a procura de um justo equilíbrio, pelo menos presumido, entre o interesse deste último e o do devedor.

28.

Por um lado, o processo judicial no qual a decisão foi proferida no Estado‑Membro de origem deve ter satisfeito as normas mínimas de processo visadas no capítulo III do Regulamento n.o 805/2004, que têm por objeto assegurar o respeito dos direitos da defesa do devedor ( 15 ). Por outro lado, o Regulamento n.o 805/2004 dá ao devedor a possibilidade de fazer um controlo ulterior da decisão original e da certidão de TEE que a acompanha, repartindo, a esse propósito as competências entre os órgãos do Estado‑Membro de origem e os do Estado‑Membro de execução.

29.

Se estes últimos estão assim habilitados a tratar um pedido de recusa de execução ou um pedido de suspensão ou de limitação do processo de execução ( 16 ), o artigo 21.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004 dispõe claramente que «a decisão ou a sua certificação como título executivo europeu não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado‑Membro de execução» ( 17 ). Nenhuma contestação de um devedor quanto à existência e ao mérito do crédito ou quanto ao respeito das condições de certificação pode ser sujeita e apreciada nesse Estado.

30.

Este esclarecimento é essencial para determinar o sentido do conceito de «circunstâncias excecionais», a saber, que me parece dever excluir qualquer referência a uma apreciação pelo órgão jurisdicional ou pela autoridade competente no Estado‑Membro de execução, ainda que prima facie, do mérito das ações intentadas pelo devedor no Estado‑Membro de origem, conforme referidas no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 ( 18 ).

31.

Esta clara repartição de competências é o corolário do facto de o crédito e o título executivo terem sido constituídos com base no direito em vigor no Estado‑Membro de origem ( 19 ). Além disso, no âmbito do processo que conduziu à certificação de uma decisão judicial como TEE, o órgão que procede a essa certificação deverá determinar se o processo judicial no Estado‑Membro de origem que conduziu à adoção da decisão original cumpriu as condições enunciadas no capítulo III do Regulamento n.o 805/2004. Além do controlo da regularidade deste processo e do respeito das regras de competência, o artigo 6.o desse regulamento impõe, nomeadamente, um controlo do caráter executório da decisão proferida e da natureza do crédito ( 20 ).

32.

O controlo da decisão judicial que pôs termo à instância ao decidir o litígio e da certidão de TEE é confiado a um tribunal do Estado‑Membro de origem, o qual é o mais apto para conhecer do quadro jurídico do litígio e confirmar, quanto ao mérito, a validade da decisão acima referida e da certidão que a acompanha. Além disso, no caso de um pedido de revisão da decisão na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 805/2004 ou de um pedido de retificação ou de revogação de uma certidão TEE ao abrigo do artigo 10.o deste regulamento, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem competente é o mesmo que adotou os dois atos em causa.

33.

Nestas circunstâncias, não se pode aceitar, em meu entender, que o conceito de «circunstâncias excecionais» possa abranger a necessária verificação pelo órgão jurisdicional ou pela autoridade competente no Estado‑Membro de execução de um fumus boni juris das ações intentadas pelo devedor, enunciadas no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004. Tal conclusão responde à necessidade de assegurar a execução rápida das decisões, na medida em que a apreciação do referido fumus é sinónimo de uma maior complexidade objetiva do processo, preservando ao mesmo tempo a segurança jurídica na qual assenta a confiança recíproca na administração da justiça na União a que se refere o considerando 18 deste regulamento. Por outras palavras, não me parece razoável, juridicamente e na prática, pedir à instância competente no Estado‑Membro de execução que aceite o direito do Estado‑Membro de origem para determinar o caráter sério dos fundamentos invocados pelo devedor em apoio dos seus recursos interpostos neste último ( 21 ).

34.

Além disso, esta interpretação parece‑me ser apoiada pela génese do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004. Há que salientar que esta disposição, tal como redigida na proposta de regulamento ( 22 ), mencionava como primeira medida possível a suspensão do processo de execução, sem outra precisão. Na exposição de motivos, referia‑se que «a apreciação do eventual sucesso da ação iniciada pelo devedor […] bem como a probabilidade de prejuízos irreparáveis causados por uma execução incondicional» devem figurar entre os elementos importantes a tomar em consideração quando da aplicação da referida disposição.

35.

É forçoso constatar que nem o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, nem o seu preâmbulo, contém qualquer referência a estas duas circunstâncias e que, além de uma inversão da ordem das providências possíveis, a decisão de uma suspensão está subordinada à verificação de «circunstâncias excecionais». Esta evolução textual traduz, na minha opinião, a coerência pretendida pelo legislador com, por um lado, a limitação restrita ( 23 ) do papel das instâncias do Estado‑Membro de execução constante do artigo 21.o, n.o 2, deste regulamento e, por outro, o objetivo de assegurar a livre circulação das decisões em todos os Estados‑Membros, neste caso pelo enquadramento do poder de apreciação destas instâncias no que respeita à medida com maior impacto ( 24 ).

b) Quanto à aplicação conjugada do artigo 6.o, n.o 2, e do artigo 11.o do Regulamento n.o 805/2004

36.

Importa sublinhar que o termo «certificado» deve ser utilizado com precaução, uma vez que são previstos pelo menos três certificados com objetos diferentes pelo Regulamento n.o 805/2004. O primeiro é o referido no artigo 6.o, n.o 1, deste regulamento que corresponde aos anexos I a III, com a epígrafe «Certidão de Título Executivo Europeu» ( 25 ). Para que uma decisão possa ser certificada como TEE, nos termos do artigo 6.o do referido regulamento, a mesma deve ter por objeto um crédito não contestado e preencher certos requisitos previstos neste artigo. Um dos requisitos desta certificação, previsto no n.o 1, alínea a), do referido artigo, é o de que a decisão seja executória no Estado‑Membro de origem ( 26 ). Por conseguinte, uma decisão não executória não pode servir de fundamento à emissão de um TEE e, completando esta disposição, o artigo 11.o do Regulamento n.o 805/2004 dispõe que uma certidão de TEE só produz efeitos jurídicos dentro dos limites da força executória da decisão.

37.

O segundo é o referido no artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004, correspondente ao anexo IV, com a epígrafe «Certidão de ausência ou limitação da força executória». No caso de cessação, suspensão ou limitação da força executória de uma decisão certificada como TEE, o tribunal de origem emitirá, a pedido apresentado a qualquer momento pelo devedor, uma certidão que indique a não existência ou a limitação dessa força executiva.

38.

O terceiro é o previsto no artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento n.o 805/2004, correspondente ao anexo V, intitulado «Certidão de substituição de Título Executivo Europeu na sequência de impugnação». Esta disposição tem por objeto permitir ao credor atualizar a sua posição conseguindo que a decisão proferida na sequência de uma impugnação no Estado‑Membro de origem, que confirma a decisão original, também seja certificada como TEE.

39.

Saliento que, neste contexto, a recorrente no processo principal alega que os fundamentos de suspensão ou de limitação da execução de uma decisão previstos no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 devem ser analisados no âmbito do artigo 6.o, n.o 2, e do artigo 11.o deste regulamento. Segundo esta parte, só a apresentação da certidão prevista no artigo 6.o, n.o 2, do referido regulamento no tribunal de execução daria fundamento a uma decisão desse órgão jurisdicional de suspender ou limitar a execução.

40.

Esta interpretação equivale, na minha opinião, a confundir dois casos concretos considerados distintamente pelo Regulamento n.o 805/2004. O artigo 23.o deste último diz respeito a uma situação provisória e incerta, no caso em apreço, as ações intentadas pelo devedor no tribunal de origem contra a decisão inicial certificada ou contra a própria certidão, que continuam a produzir o seu pleno efeito na falta de disposições que prevejam um efeito suspensivo ligado aos recursos acima referidos. Enquanto se aguarda o resultado destes processos, por definição aleatório, o órgão jurisdicional ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução pode, no exercício da sua margem de apreciação, adotar medidas de suspensão ou de limitação do processo de execução.

41.

Esta situação não é a visada pelo artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004, conjugado com o artigo 11.o deste ato, que diz respeito a uma alteração comprovada da força executória do título que se traduz na emissão de um novo certificado correspondente ao anexo IV do referido regulamento. Tendo em conta o nexo, expresso em termos imperativos por esta segunda disposição, entre a força executória da decisão e o TEE, qualquer alteração posterior dessa força executória (cessação definitiva ou temporária na sequência de uma suspensão e a limitação do seu alcance) afetará necessariamente o processo de execução. Como sublinha a Comissão, compete ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro de execução, destinatário da certidão supramencionada, garantir, na aplicação do seu direito nacional, a aplicação efetiva do artigo 11.o do Regulamento n.o 805/2004.

42.

Nestas circunstâncias, considero que circunscrever a prolação das medidas de suspensão ou de limitação do processo de execução previstos no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 apenas ao caso de apresentação da certidão indicando que a decisão deixou de ser executória ou que o seu caráter executório foi limitado equivaleria a privar de efeito útil esta disposição, o que não pode ser acolhido.

c) Quanto à violação da ordem pública do Estado‑Membro de execução

43.

O legislador da União não pode ser acusado de não ter procurado facilitar a cobrança transfronteiriça dos créditos em matéria civil e comercial: o TEE, a injunção de pagamento europeia ( 27 ) e o procedimento europeu para ações de pequeno montante ( 28 ), outro tanto de instrumentos jurídicos que têm por finalidade a livre circulação das decisões judiciais nos seus domínios respetivos aos quais se deve acrescentar a norma de direito comum constituída pelo Regulamento n.o 1215/2012. Esta produção normativa, consequente ou mesmo inflacionista para alguns ( 29 ), não deixa de suscitar interrogações quanto à coerência global do sistema.

44.

É o que sucede com a possibilidade de o devedor exercer um controlo da decisão original na fase da sua execução pelas instâncias do Estado‑Membro de execução. Embora todos os instrumentos acima referidos prevejam procedimentos tanto de suspensão ou de limitação do processo de execução como de recusa de execução, há que reconhecer que as condições de aplicação destas medidas não são homogéneas ( 30 ).

45.

O artigo 21.o do Regulamento n.o 805/2004 prevê que a execução será recusada pelo tribunal competente do Estado‑Membro de execução se a decisão certificada como TEE for inconciliável com uma decisão anteriormente proferida num Estado‑Membro ou num país terceiro. Trata‑se do único motivo de recusa previsto por este regulamento, ao passo que o Regulamento n.o 1215/2012 tem cinco, entre os quais o da violação da ordem pública do Estado‑Membro requerido. Ora, saliento que o Governo lituano alega que o conceito de «circunstâncias excecionais» do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004 deve ser interpretado no sentido de que engloba as situações em que a execução de uma decisão certificada por um TEE pode afetar a ordem pública processual do Estado‑Membro de execução.

46.

Esta interpretação não pode, na minha opinião, ser admitida, no sentido de que ignora a clara repartição de competências entre os órgãos do Estado‑Membro de origem e os do Estado‑Membro de execução anteriormente analisada. Estas últimas instâncias não têm de conhecer, de qualquer forma, da legalidade da decisão original. Um risco de contradição jurisdicional quanto a este aspeto não pode ser aceite à luz do princípio da segurança jurídica.

47.

Além disso, o exame dos trabalhos preparatórios mostra que por ocasião da 2515.a sessão do Conselho «Justiça e Administração interna» de 5 e 6 de junho de 2003, os debates incidiram sobre a possibilidade de uma recusa de execução no Estado‑Membro de execução, incluindo com base no critério da «ordem pública», neste caso já referido no Regulamento (CE) n.o 44/2001 ( 31 ) cronologicamente anterior ao Regulamento n.o 805/2004. O texto final do Regulamento n.o 805/2004 revela que este critério não foi acolhido. Por conseguinte, parece‑me difícil admitir que a questão da violação da ordem pública do Estado‑Membro de execução possa ser reintroduzida através de uma interpretação do conceito de «circunstâncias excecionais» que justifique a suspensão do processo de execução nos termos do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004.

48.

Por último, um motivo de suspensão relativo a uma violação da ordem pública do Estado‑Membro de execução, quer seja material ou processual, parece‑me incompatível com a natureza provisória das medidas enunciadas no artigo acima referido, as quais têm necessariamente como único horizonte jurídico e temporal a decisão tomada no Estado‑Membro de origem relativamente às ações intentadas pelo devedor. Uma decisão que confirma a validade da decisão original marcaria a cessação dos efeitos da suspensão do processo de execução, mas deixaria intacta a problemática do atentado à ordem pública do Estado‑Membro de execução que motivou a adoção dessa medida. Ora, esta problemática não pode ser solucionada no âmbito do Regulamento n.o 805/2004, por falta de disposições idóneas, situação que também não é aceitável à luz do princípio da segurança jurídica que faz parte dos princípios gerais do direito da União.

d) Quanto à aplicação conjugada das medidas referidas no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004

49.

Relativamente à questão acima referida, há que ter em conta a evolução de redação das disposições dos Regulamentos n.os 1896/2006, 861/2007 e 1215/2012 relativas à possibilidade de suspensão ou de limitação do processo de execução.

50.

Assim, embora a formulação do artigo 23.o do Regulamento n.o 1896/2006 seja idêntica à do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, com uma dupla utilização da conjunção «ou» entre a menção de cada uma das medidas possíveis, o que traduzia o caráter alternativo desta, o mesmo não acontece nas outras normas posteriores de direito derivado acima referidas. O artigo 23.o do Regulamento n.o 861/2007 e o artigo 44.o do Regulamento n.o 1215/2012 só mencionam a conjunção em causa entre as segunda e terceira medidas possíveis, deixando entender que as primeira e segunda medidas podem ser combinadas.

51.

Parece‑me que esta evolução legislativa traduz e confirma a singularidade da suspensão, medida mais rigorosa, uma vez que implica a falta de qualquer ato de execução pelo credor. Saliento, a este respeito, que, ao contrário do artigo 44.o do Regulamento n.o 1215/2012, o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 não prevê que o processo de execução possa ser «total ou parcialmente» suspenso. A mera referência ao facto de o órgão jurisdicional ou a autoridade competente no Estado‑Membro de execução poder «suspender» este processo só pode, na minha opinião, remeter para a hipótese de uma suspensão total deste último.

52.

O cúmulo das medidas de limitação com a da suspensão, no sentido referido, afigura‑se‑me lógica e praticamente impensável, conclusão que a epígrafe do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 já permitia com o emprego da conjunção «ou» que marca a disjunção ( 32 ). Em contrapartida, é teoricamente concebível, mesmo que concretamente pouco provável, que o órgão jurisdicional ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução possa impor ao credor requerente a apresentação de uma garantia como condição da execução das medidas de execução de caráter exclusivamente cautelar. Esta combinação inscreve‑se na ampla margem de apreciação de que beneficiam essas instâncias e deve ser efetuada tendo em conta as circunstâncias específicas do processo em causa.

4. Conclusão intercalar

53.

Os diferentes sentidos do conceito de «circunstâncias excecionais» propostos pelas partes interessadas e acima analisados parecem‑me, na realidade, divergir de uma interpretação lógica e razoável do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004.

54.

Na medida em que se trata de suspender os atos de execução, é claro que são os efeitos dessa execução que são visados, sendo as «circunstâncias excecionais» as relacionadas com o prejuízo que poderia ser causado ao devedor pela execução imediata da decisão. Tendo em conta o caráter excecional exigido, estas circunstâncias devem ser caracterizadas pela gravidade e pelo caráter irreparável do prejuízo consecutivo a essa execução, no contexto de uma situação provisória e incerta decorrente das ações intentadas pelo devedor no Estado‑Membro de origem. Estes elementos devem, assim, traduzir uma situação de urgência que justifique a necessidade de decidir provisoriamente para evitar que tal dano seja causado à parte que requer a medida de suspensão ( 33 ).

55.

Quanto à interpretação do prejuízo acima referido, é possível inspirar‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à concessão de uma suspensão da execução de um ato, previsto no artigo 278.o TFUE.

56.

Em conformidade com esta jurisprudência, cabe sempre à parte que requer a adoção de uma medida provisória, no caso em apreço o devedor, explicar e provar a probabilidade de ocorrência de um prejuízo grave e irreparável ( 34 ). Embora seja verdade que, para demonstrar a existência desse prejuízo, não é necessário exigir que a ocorrência e a iminência do mesmo estejam demonstradas com uma certeza absoluta e que basta que o referido prejuízo seja previsível com um grau de probabilidade suficiente, não é menos verdade que o requerente continua obrigado a provar os factos que é suposto fundamentar a perspetiva desse prejuízo ( 35 ).

57.

Quanto à natureza do prejuízo, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que um prejuízo meramente pecuniário não pode, em princípio ou salvo circunstâncias excecionais, ser considerado irreparável, uma vez que, regra geral, a pessoa lesada pode ver restabelecida a situação anterior à ocorrência do prejuízo mediante compensação pecuniária ( 36 ). O órgão competente do Estado‑Membro de execução deverá apreciar os elementos que permitam estabelecer se a execução imediata da decisão que é objeto do pedido de suspensão pode provocar danos irreversíveis ao devedor que não podem ser reparados se essa decisão for declarada inválida no Estado‑Membro de origem, ou se a certidão de TEE, que condiciona a possibilidade de uma execução noutro Estado‑Membro vier a ser retirada.

58.

Importa salientar que, tendo em conta o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 805/2004, estão em causa tanto os créditos civis como comerciais e que os devedores podem, portanto, ser pessoas singulares ou coletivas. No que se refere aos operadores económicos, é um facto assente que a perspetiva de uma situação suscetível de pôr em perigo a sua viabilidade financeira antes de proferida a decisão que põe termo aos processos intentados contra a decisão original ou contra a certidão era suscetível de caracterizar o prejuízo requerido ( 37 ). Se o devedor for uma pessoa singular, há que determinar se a execução da decisão impõe a penhora, parcial ou total, do seu património, suscetível de deteriorar gravemente as condições materiais da existência do interessado e da sua família, à semelhança da venda coerciva do alojamento familiar ( 38 ).

59.

Na hipótese de os elementos apresentados pelo devedor permitirem caracterizar dificuldades de ordem económica ou social, que não abranjam os carateres de gravidade e de irreversibilidade, a instância competente do Estado‑Membro de execução tem então a faculdade de aplicar as medidas de limitação previstas no artigo 23.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 805/2004, na condição de o seu benefício ser solicitado, eventualmente a título subsidiário, pelo devedor. A este respeito, importa sublinhar que a aplicação deste artigo obedece ao princípio do dispositivo segundo o qual as partes definem o objeto do litígio.

60.

Há que recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o juiz das medidas provisórias também procede à ponderação dos interesses em causa, quando as duas outras condições ( 39 ) do pedido de suspensão da execução estão cumpridas ( 40 ). Parece‑me que esta solução deve ser transposta para o presente caso, tendo em conta a ampla margem de apreciação do órgão competente no Estado‑Membro de execução prevista no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, que visa encontrar um justo equilíbrio entre o interesse do credor, que é garantir uma execução rápida da decisão, e o interesse do devedor, que é evitar danos potencialmente graves e irreparáveis se a perda causada pela execução imediata não puder ser recuperada. No âmbito desta ponderação dos interesses, a parte requerida e credora pode alegar que o facto de estar privada da possibilidade de obter a execução imediata da decisão e, por conseguinte, de receber imediatamente as quantias em causa, é suscetível de a privar definitivamente do benefício dos seus direitos na hipótese de as ações do devedor serem posteriormente julgadas improcedentes.

61.

Por conseguinte, compete ao órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito da análise do pedido de suspensão do processo de execução apresentado pela sociedade devedora, apreciar se esta, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes no processo principal, pode sofrer um prejuízo grave e irreparável, no sentido indicado, no caso de a decisão original ser imediatamente executada e, em caso afirmativo, proceder a uma ponderação dos interesses em presença ( 41 ).

B.   Quanto à quinta questão prejudicial

62.

Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, em caso de suspensão no Estado‑Membro de origem da executoriedade da decisão certificada como TEE, o processo de execução instaurado no Estado‑Membro de execução fica automaticamente suspenso, de acordo com o regime jurídico definido no artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, ou se deve ser adotada pela instância competente desse Estado uma decisão específica, correspondente à do artigo 44.o, n.o 2, deste regulamento.

1. Quanto à admissibilidade

63.

De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. O processo instituído pelo artigo 267.o TFUE constitui um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes são submetidos. A justificação do reenvio prejudicial não é emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à efetiva solução de um litígio. Como decorre dos próprios termos do artigo 267.o TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária» ao «julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio ( 42 ).

64.

No caso em apreço, é pacífico que, à data em que o órgão jurisdicional de reenvio submeteu ao Tribunal de Justiça o presente pedido de decisão prejudicial, estava efetivamente pendente um litígio no âmbito do qual este é chamado a proferir uma sentença suscetível de tomar em consideração o futuro acórdão prejudicial ( 43 ), observando‑se que, embora, nessa data, não tivesse sido tomada nenhuma decisão de cessar ou suspender temporariamente a executoriedade da decisão original no Estado‑Membro de origem ( 44 ), esse evento era e é ainda suscetível de ocorrer no âmbito do processo de recurso, ainda pendente, interposto pelo devedor nesse Estado e gerar um novo pedido deste

65.

Importa também recordar que, embora os termos «julgamento da causa», na aceção do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE, abranjam todo o processo que leva ao julgamento do órgão jurisdicional de reenvio, esses termos devem ser objeto de uma interpretação lata, a fim de evitar que numerosas questões processuais sejam consideradas inadmissíveis e não possam ser objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça e que este último não possa conhecer a interpretação de todas as disposições do direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a aplicar ( 45 ).

2. Quanto ao mérito

66.

Contrariamente ao que se poderia deduzir de uma redação, é verdade, equivoca, da quinta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio não considera a possibilidade de aplicar as disposições do Regulamento n.o 1215/2012 num processo de execução que se enquadra, como no caso em apreço, no âmbito do Regulamento n.o 805/2004 ( 46 ). Questiona quanto às consequências jurídicas de uma decisão no Estado‑Membro de origem que suspende a executoriedade da decisão original neste processo, a partir da constatação de que o Regulamento n.o 805/2004 não regula explicitamente esta questão, ao contrário do Regulamento n.o 1215/2012, quer se trate do seu artigo 36.o, n.o 1, ou do seu artigo 44.o, n.o 2 ( 47 ).

67.

Esta premissa é, na minha opinião, errada, uma vez que o artigo 6.o, especialmente os seus n.os 1 e 2, e o artigo 11.o, do Regulamento n.o 805/2004 constituem o quadro jurídico pertinente, já exposto nas presentes conclusões ( 48 ). Daqui resulta que, uma vez que a certidão prevista no artigo 6.o, n.o 2, deste regulamento emitida pelo órgão jurisdicional de origem e depois comunicada às autoridades competentes no Estado‑Membro de execução pela parte contra a qual a execução é requerida com toda a lógica, essas autoridades devem, uma vez que os termos do artigo 11.o do Regulamento n.o 805/2004 excluem qualquer margem de apreciação, daí retirar todas as consequências correlativas quanto à tramitação do processo de execução.

68.

Assim, a indicação, na certidão acima referida, de uma suspensão da executoriedade associada à decisão inicialmente certificada como TEE só pode conduzir a uma medida idêntica no Estado‑Membro de execução. Uma declaração de invalidade e uma anulação subsequente dessa decisão no Estado‑Membro de origem, sinónimo de desaparecimento da força executória, teriam necessariamente como consequência a cessação do processo de execução. Como acertadamente salienta a Comissão, uma vez que os aspetos processuais da aplicação do artigo 11.o não estão fixados no Regulamento n.o 805/2004, estes são regidos pelo direito do Estado‑Membro de execução, que deve ser aplicado de modo que garanta a plena eficácia desta disposição.

V. Conclusão

69.

Tendo em conta as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo ao Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia):

1)

O artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados,

deve ser interpretado no sentido de que:

a expressão «circunstâncias excecionais», referida nesta disposição, abrange o prejuízo grave e irreparável que pode ser causado ao devedor pela execução imediata da decisão certificada como título executivo europeu, que caracteriza uma situação de emergência que cabe ao devedor demonstrar. Em caso afirmativo, compete ao órgão jurisdicional ou à autoridade competente do Estado‑Membro de execução proceder a uma ponderação dos interesses em presença tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes do caso concreto.

Só as medidas de limitação do processo de execução, previstas no artigo 23.o, alíneas a) e b), deste regulamento, podem ser objeto de uma aplicação conjugada.

2)

Os artigos 6.o e 11.o do Regulamento n.o 805/2004

devem ser interpretados no sentido de que:

quando o caráter executório da decisão certificada como título executivo europeu tiver sido suspenso no Estado‑Membro de origem e a certidão prevista no artigo 6.o, n.o 2, deste regulamento tiver sido transmitida à instância competente no Estado‑Membro de execução, esta última é obrigada a, no âmbito da execução das regras nacionais aplicáveis, assegurar o pleno efeito do artigo 11.o do referido regulamento, suspendendo o processo de execução.


( 1 ) Língua original: francês.

( i ) Na sequência de uma verificação de texto por parte da Unidade Portuguesa, houve necessidade de corrigir o texto no n.o 5, posteriormente à sua primeira publicação em linha.

( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO 2004, L 143, p. 15).

( 3 ) Esta indicação que figura na decisão de reenvio suscita interrogações no sentido de que o artigo 10.o do Regulamento n.o 805/2004 é exclusivamente consagrado à retificação ou à revogação do certificado do TEE.

( 4 ) Esta indicação suscita o espanto, mais uma vez, tendo em conta a repartição de competências entre os órgãos do Estado‑Membro de origem e os do Estado‑Membro de execução quanto aos recursos que o devedor pode intentar. A medida adotada no Estado‑Membro de origem tem por objeto a execução da decisão que não é da competência das instâncias desse Estado.

( 5 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

( 6 ) Acórdãos de 7 de novembro de 2019, K.H.K. (Arresto de contas) (C‑555/18, EU:C:2019:937, n.o 38) e de 25 de junho de 2020, Ministerio Fiscal (Autoridade suscetível de receber pedido de proteção internacional) (C‑36/20 PPU, EU:C:2020:495, n.o 53).

( 7 ) Nesta medida, os casos de suspensão obrigatória ou facultativa previstos pelo direito lituano, conforme mencionados na decisão de reenvio, no Estado‑Membro de execução, acrescem à situação descrita no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, que estabeleceu uma norma jurídica específica e autónoma em matéria de suspensão ou de limitação do processo de execução.

( 8 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 1991, Zuckerfabrik Süderdithmarschen e Zuckerfabrik Soest (C‑143/88 e C‑92/89, EU:C:1991:65, n.o 26).

( 9 ) V., por analogia, Acórdão de 22 de outubro de 2015, Thomas Cook Belgium (C‑245/14, EU:C:2015:715, n.o 31).

( 10 ) Além da suspensão do processo de execução, o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 menciona a possibilidade de o tribunal ou a autoridade competente no Estado‑Membro de execução limitar esse processo a providências cautelares ou subordinar a execução à constituição de uma garantia conforme determinar, sendo estas duas últimas decisões abrangidas, na minha opinião, pelo conceito de «limitação», única alternativa à suspensão como comprova a epígrafe desta disposição.

( 11 ) Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Autoservizi Giordano (C‑513/18, EU:C:2020:59, n.o 24).

( 12 ) O sublinhado é meu.

( 13 ) V., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2017, Zulfikarpašić (C‑484/15, EU:C:2017:199, n.os 38, 40 e 42).

( 14 ) Por efeito de equiparação, a decisão inicial tem efeitos alargados em todo o território da União Europeia (com exceção da Dinamarca), o que levou à qualificação da certidão de título executivo europeu de «chave‑mestra judicial» ou de «passaporte europeu».

( 15 ) V., neste sentido, Acórdãos de 28 de fevereiro de 2018, Collect Inkasso e o. (C‑289/17, EU:C:2018:133, n.o 36), e de 27 de junho de 2019, RD (Certificação como título executivo europeu) (C‑518/18, EU:C:2019:546, n.o 24). No seu Acórdão de 9 de março de 2017, Zulfikarpašić (C‑484/15, EU:C:2017:199, n.o 39, o Tribunal de Justiça deixou claro que este objetivo de livre circulação dos acórdãos em todos os Estados‑Membros não pode ser alcançado enfraquecendo de forma alguma os direitos da defesa.

( 16 ) A este respeito, a exposição do litígio, que figura na decisão de reenvio, revela uma incompreensão das regras de repartição de competências entre os órgãos do Estado‑Membro de origem e os do Estado‑Membro de execução.

( 17 ) O sublinhado é meu.

( 18 ) Esta conclusão impõe‑se igualmente para as duas medidas de limitação do processo de execução referidas no artigo 23.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 805/2004.

( 19 ) V., por analogia, Acórdão de 14 de janeiro de 2010, Kyrian (C‑233/08, EU:C:2010:11, n.o 40).

( 20 ) V., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2017, Zulfikarpašić (C‑484/15, EU:C:2017:199, n.os 25 e 26)

( 21 ) É interessante salientar que o Regulamento n.o 805/2004 não contém nenhuma disposição que preveja uma comunicação ou, mais especificamente, uma troca de informações entre os órgãos competentes do Estado‑Membro de origem e os do Estado‑Membro de execução. O facto de a instância competente do Estado‑Membro de execução poder receber, do devedor e do credor, elementos de informação sobre o estado do direito positivo do Estado‑Membro de origem, concordando com a defesa dos seus interesses, não é suscetível de infirmar a conclusão.

( 22 ) Proposta de regulamento do Conselho que cria o título executivo europeu para créditos não contestados [COM(2002) 0159 final] (JO 2002, C 203 E, p. 86).

( 23 ) A proposta de regulamento incluía um artigo 22.o, n.o 2, nos termos do qual «a decisão ou a sua certificação enquanto título executivo europeu não pode ser revista quanto ao mérito no Estado‑Membro de execução». Esta disposição corresponde ao artigo 21.o, n.o 2, deste regulamento, no qual foi acrescentada, de forma significativa, a expressão «em caso algum».

( 24 ) Saliento que, nas suas observações, a Comissão considera, no entanto, que a exposição de motivos da proposta de regulamento continua a ser pertinente para interpretar o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 e que os dois elementos aí mencionados constituem os fatores que devem ser ponderados na aplicação desta disposição, tendo em conta os interesses tanto do devedor como do credor.

( 25 ) Os anexos I a III do Regulamento n.o 805/2004 correspondem às certidões de TEE «Decisão», «Transação judicial» e «Instrumento autêntico».

( 26 ) Acórdão de 14 de dezembro de 2017, Chudaś (C‑66/17, EU:C:2017:972, n.o 28).

( 27 ) Regulamento (CE) n.o 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO 2006, L 399, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 936/2012 da Comissão, de 4 de outubro de 2012 (JO 2012, L 283, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1896/2006»).

( 28 ) Regulamento (CE) n.o 861/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante (JO 2007, L 199, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 517/2013 do Conselho, de 13 de maio de 2013 (JO 2013, L 158, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 861/2007»).

( 29 ) O quadro jurídico é caracterizado pela opção deixada ao credor requerente entre o Regulamento n.o 1215/2012 e o Regulamento n.o 805/2004, em conformidade com o artigo 27.o, conjugado com o considerando 20, deste último.

( 30 ) Além do facto de a suspensão do processo de execução não depender da existência de «circunstâncias excecionais», resulta do artigo 44.o do Regulamento n.o 1215/2012 que, apenas no caso de ser apresentado um pedido de recusa da execução da decisão original, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro requerido pode suspender ou limitar esse processo. Por outro lado, o artigo 23.o do Regulamento n.o 861/2007 abre a possibilidade da adoção dessas medidas quando uma parte tenha, nomeadamente, interposto recurso de uma decisão proferida no âmbito do um processo europeu para ações de pequeno montante ou «sempre que tal recurso seja ainda possível». Embora estas disposições, sobre a tomada em consideração do decurso do prazo do processo relativo ao exame do pedido de recusa de execução e do pedido para estar em juízo contra a decisão inicial, se mostrem pertinentes, parece‑me que, o quadro jurisdicional que predetermina a possibilidade de o órgão jurisdicional do Estado‑Membro de execução suspender ou limitar o processo de execução, que está claramente definido no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, este não lhe pode ser acrescentado a coberto de uma interpretação do conceito de «circunstâncias excecionais».

( 31 ) Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

( 32 ) Observo que as epígrafes dos artigos 23.o dos Regulamentos n.os 805/2004, 1896/2006 e 861/2007 são idênticas, a saber, «Suspensão ou limitação da execução».

( 33 ) A apreciação assim solicitada ao órgão competente do Estado‑Membro de execução tem por objeto uma situação factual objetiva, o que corresponde ao sentido do conceito de «circunstâncias» e afasta a abordagem do recorrente no processo principal quanto à exigência de um comportamento não culposo do devedor, o qual já não o poderia ser no termo dos processos instaurados no Estado de origem.

( 34 ) Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça, de 3 de junho de 2022, Bulgária/Parlamento e Conselho (C‑545/20 R, EU:C:2022:445, n.o 32).

( 35 ) Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2022, Puigdemont i Casamajó e o./Parlamento e Espanha [C‑629/21 P(R), EU:C:2022:413, n.o 75].

( 36 ) V., neste sentido, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 3 de junho de 2022, Conselho (C‑545/20 R, EU:C:2022:445, n.o 40 e jurisprudência referida).

( 37 ) V. Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2014, Comissão/ANKO (C‑78/14 P‑R, EU:C:2014:239, n.o 26).

( 38 ) V., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 1997, Giloy (C‑130/95, EU:C:1997:372, n.o 38).

( 39 ) Estas condições são as da urgência relativa à provável superveniência de um prejuízo grave e irreparável e do fumus boni juris.

( 40 ) V., nomeadamente, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2014, Comissão/ANKO (C‑78/14 P‑R, EU:C:2014:239, n.os 14 e 36).

( 41 ) A recorrente no processo principal refere o risco de utilização abusiva do procedimento previsto no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004. Além de a interpretação proposta deste último me parecer suscetível de circunscrever o âmbito de aplicação da medida de suspensão, é pacífico que tal risco é consubstancial à criação de uma via de recurso e que o caráter abusivo porque puramente dilatório de uma ação judicial é regularmente sancionado na legislação dos Estados‑Membros pela concessão de uma indemnização à parte que é vítima.

( 42 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.os 43 a 45).

( 43 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 46) e Despacho de 8 de junho de 2021, Centraal Justitieel Incassobureau (C‑699/20, não publicado, EU:C:2021:465, n.o 18).

( 44 ) V. n.o 6 da decisão de reenvio. Esta situação de incerteza também é evidenciada pela Comissão no n.o 62 das suas observações.

( 45 ) Acórdão de 16 de junho de 2016, Pebros Servizi (C‑511/14, EU:C:2016:448, n.o 28).

( 46 ) Em todo o caso, resulta claramente da decisão de reenvio que o credor requerente optou pelo Regulamento n.o 805/2004 procedendo à execução de uma decisão certificada como TEE, o que significa que apenas esta norma é aplicável no presente caso.

( 47 ) Embora a referência ao artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012 se afigure pertinente, na medida em que dispõe que o processo de execução deve ser suspenso se a executoriedade da decisão for suspensa no Estado‑Membro de origem, o mesmo não acontece com o artigo 36.o, n.o 1, deste regulamento, que diz respeito ao reconhecimento das decisões proferidas num Estado‑Membro, o qual é adquirido noutros Estados sem necessidade de recurso a qualquer procedimento.

( 48 ) No âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Por conseguinte, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio se tenha referido apenas às disposições do Regulamento n.o 1215/2012, essa circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha feito ou não referência no enunciado das suas questões. Assim, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, particularmente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio [Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Abdida (C‑562/13, EU:C:2014:2453, n.o 37)].

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