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Document 62015CC0102

Conclusões do advogado-geral N. Wahl apresentadas em 7 de abril de 2016.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:225

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 7 de abril de 2016 ( 1 )

Processo C‑102/15

Gazdasági Versenyhivatal

contra

Siemens Aktiengesellschaft Österreich

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Ítélőtábla (Tribunal Regional de Recurso, Budapeste, Hungria)]

«Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 1.o, n.o 1 — Âmbito de aplicação — Conceito de ‘matéria civil e comercial’ — Artigo 5.o, n.o 3 — Competência para conhecer de ações em matéria extracontratual — Ação de restituição com fundamento em enriquecimento sem causa»

1. 

O presente processo prende‑se com a questão de saber se as ações de restituição com fundamento em enriquecimento sem causa estão abrangidas pela regra de competência prevista no Regulamento (CE) n.o 44/2001 ( 2 ) em «matéria extracontratual».

2. 

Mais importante ainda, proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de clarificar o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001.

3. 

Nas presentes conclusões, explicarei por que motivo uma ação como a que está em causa no processo principal, que decorre totalmente da imposição de uma coima por violação das regras nacionais da concorrência, não está relacionada com a «matéria civil e comercial» sujeita ao Regulamento n.o 44/2001. Pelo contrário, a mesma diz respeito a «matérias administrativas» que, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, do referido regulamento, estão excluídas do seu âmbito de aplicação.

4. 

Por razões que não são evidentes, o órgão jurisdicional de reenvio não perguntou se a ação que lhe foi submetida está abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento. Uma explicação possível, revelada na audiência, prende‑se com o facto de o direito húngaro classificar claramente esse tipo de ação como matéria civil.

5. 

Por uma questão de exaustividade, explicarei igualmente por que motivo as ações de restituição diferem radicalmente das ações fundadas em responsabilidade extracontratual. Daqui decorre, no meu entender, que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, que confere competências especiais para conhecer de ações em matéria extracontratual, não permite que tais ações sejam intentadas num Estado‑Membro diferente daquele em que o requerido tem o seu domicílio.

I – Quadro jurídico

A – Regulamento n.o 44/2001

6.

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1 do Regulamento n.o 44/2001 («Âmbito de aplicação»), este aplica‑se «em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.»

7.

O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que está integrado no seu capítulo II («Competência») e, mais concretamente, na secção 1 («Disposições gerais»), dispõe que, «[s]em prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado».

8.

A secção 2 do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 contém regras sobre «competência especial», entre as quais o artigo 5.o

9.

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro «em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão».

10.

Nos termos do artigo 5.o, n.o 3 do Regulamento n.o 44/2001, uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro «[e]m matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso».

B – Direito húngaro

11.

Nos termos do artigo 301.o, n.o 1, do Código Civil húngaro ( 3 ), no caso de uma dívida pecuniária, salvo disposição legal em contrário, o devedor é obrigado ao pagamento de juros calculados à taxa base do banco central húngaro em vigor no dia imediatamente anterior ao semestre em que se verifique a mora, mesmo quando se trate de uma dívida que não vença juros. O pagamento de juros é obrigatório mesmo que o devedor justifique a mora.

12.

De acordo com o artigo 361.o, n.o 1, do Código Civil, quem obtiver ilegalmente um acréscimo patrimonial à custa de outrem é obrigado a restituir o indevidamente recebido.

13.

Nos termos do artigo 83.o, n.o 5, da Lei LVII de 1996, que proíbe as práticas comerciais desleais e a restrição da concorrência ( 4 ), na versão em vigor à data dos factos pertinentes, se uma decisão do Versenytanács (Conselho da Concorrência, órgão integrado na estrutura da Gazdasági Versenyhivatal, autoridade da concorrência húngara, a seguir «autoridade»), violar uma norma legal e daí resultar o direito da contraparte ao reembolso da coima, são devidos juros sobre a quantia a reembolsar à taxa correspondente ao dobro da taxa base do banco central em vigor.

II – Matéria de facto, tramitação processual e questão prejudicial

14.

No âmbito de um processo relativo à repressão de práticas anticoncorrenciais, a autoridade aplicou uma coima no montante de 159000000 HUF à Siemens Aktiengesellschaft Österreich, sociedade com domicílio na Áustria (a seguir «decisão impugnada»). A Siemens interpôs recurso da decisão impugnada nos tribunais administrativos húngaros. Uma vez que o recurso não tinha efeitos suspensivos, a Siemens pagou a coima.

15.

O tribunal administrativo de primeira instância reduziu o montante da coima para 27300000 HUF, decisão que foi posteriormente confirmada pelo tribunal de segunda instância.

16.

Com base nessa segunda decisão, em 31 de outubro de 2008, a autoridade devolveu à Siemens 131700000 HUF do montante da coima de 59000000 HUF e, nos termos do artigo 83.o, n.o 5, da Lei LVII de 1996, pagou‑lhe também a quantia de 52016230 HUF a título de juros.

17.

A autoridade interpôs recurso da decisão do tribunal de segunda instância no Legfelsőbb Bíróság (Supremo Tribunal da Hungria; atualmente designado Kúria). Esse tribunal considerou correta a imposição de uma coima de 159000000 HUF à Siemens. Assim sendo, em 25 de novembro de 2011, a Siemens pagou os restantes 131700000 HUF da coima, embora se tenha recusado a devolver a quantia de 52016230 HUF.

18.

Em 12 de julho de 2013, invocando o artigo 361.o, n.o 1, do Código Civil, a autoridade intentou contra a Siemens uma ação de restituição deste último montante com fundamento em enriquecimento sem causa (a seguir «pedido em causa»), pedindo igualmente o pagamento de juros de mora calculados sobre esse montante.

19.

Além disso, a autoridade reclamou o pagamento, com base no artigo 301.o, n.o 1, do Código Civil, do montante de 29183277 HUF a título de juros de mora sobre o montante de 131700000 HUF da coima ainda em dívida, referentes ao período entre 2 de novembro de 2008 e 24 de novembro de 2011, inclusive. Em apoio do seu pedido, a autoridade alegou que a decisão impugnada foi declarada lícita com efeitos ex tunc, pelo que o remanescente da coima deveria estar na sua posse a partir do primeiro dia útil (2 de novembro de 2008) subsequente à data da devolução indevida (31 de outubro de 2008).

20.

A autoridade considera que o enriquecimento sem causa é matéria extracontratual. Consequentemente, no seu entender, a regra de competência especial prevista no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 atribui ao órgão jurisdicional de reenvio a necessária competência no processo principal.

21.

Refutando essa argumentação, a Siemens alega que o artigo 5.o,n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 não é aplicável ao presente caso, uma vez que, nos termos do direito húngaro, a obrigação de restituição decorrente do enriquecimento sem causa não se fundamenta num ato ilícito, mas sim na inexistência de um fundamento jurídico para o acréscimo patrimonial. Quanto ao pedido de juros de mora deduzido pela autoridade, a Siemens alega que os juros de mora não configuram uma indemnização por danos, uma vez que o seu pagamento não depende da ocorrência de quaisquer danos.

22.

Em 12 de junho de 2014, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste, Hungria) declarou extinta a instância, por considerar que o enriquecimento sem causa não podia ser qualificado como pertencendo a matéria extracontratual. No entender desse tribunal, no enriquecimento sem causa não existe responsabilidade ou dano, verificando‑se apenas um decréscimo patrimonial sem fundamento jurídico.

23.

A autoridade recorreu da decisão de 12 de junho de 2014 para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que o Fővárosi Törvényszék era competente. O órgão jurisdicional de reenvio é agora chamado a rever a decisão de extinção da instância com fundamento em incompetência.

24.

Tendo dúvidas quanto à correta interpretação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, o órgão jurisdicional decidiu, em 2 de março de 2015, suspender a instância e pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre a seguinte questão:

«Pode ser considerado relativo a ‘matéria extracontratual’, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do [Regulamento n.o 44/2001], o pedido, decorrente do reembolso de uma coima aplicada num processo relativo à repressão de práticas anticoncorrenciais, paga pela contraparte, que tem sede social noutro Estado‑Membro, à qual foi reconhecido o direito ao reembolso posteriormente declarado injustificado, pedido esse apresentado pela autoridade da concorrência contra a contraparte com vista à devolução dos juros legais devidos em caso de reembolso e pagos pela referida autoridade?»

25.

Foram apresentadas observações escritas pela Siemens, pela autoridade, pelos Governos húngaro, alemão e italiano, e pela Comissão. Todas essas partes, à exceção do Governo italiano, apresentaram também observações orais na audiência que teve lugar em 14 de fevereiro de 2016.

III – Análise

26.

Tal como mencionado anteriormente, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se um pedido de restituição de um pagamento efetuado por uma parte com domicílio noutro Estado‑Membro, com fundamento no facto de, posteriormente, esse pagamento se ter revelado injustificado, é uma matéria da qual os tribunais do Estado‑Membro onde o requerente tem domicílio podem conhecer ao abrigo da regra de competência especial estabelecida no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, relativo à responsabilidade extracontratual.

27.

Porém, como já foi referido, as «matérias administrativas», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, estão fora do âmbito de aplicação desse regulamento. Nesse contexto, antes de responder àquela questão de fundo, importa determinar se o pedido em causa, que tem origem numa coima imposta por uma autoridade nacional da concorrência no âmbito de um processo administrativo por violação de regras da concorrência nacionais, é abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001.

A – Âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001

1. Observações introdutórias

28.

Importa desde já referir que o objeto do Regulamento n.o 44/2001 se restringe a «matéria civil e comercial». Segundo jurisprudência constante, os conceitos de «matéria civil e comercial», por um lado, e de «matéria administrativa», por outro, são conceitos autónomos de direito da União ( 5 ).

29.

Consequentemente, a qualificação da ação principal como administrativa ou como civil e comercial à luz do direito húngaro é irrelevante para efeitos da aplicação do Regulamento n.o 44/2001. Assim, nem o facto de o despacho de reenvio não colocar qualquer questão sobre o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001, nem o facto de todas as partes que participam no processo de reenvio prejudicial considerarem que, nos termos do direito húngaro, a ação principal constitui matéria civil, determinam a aplicabilidade do regulamento.

30.

Nesse contexto, o facto de não ter sido colocada qualquer questão sobre o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001 não obsta a que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre essa matéria. Na verdade, o Tribunal de Justiça tem várias opções viáveis ao seu dispor. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça pode declarar‑se incompetente quando seja manifesto que a disposição de direito da União cuja interpretação é pedida não é aplicável ( 6 ). Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça pode optar por declarar o pedido inadmissível ao abrigo do artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça (a seguir «RP») ( 7 ). Em terceiro lugar, em vez disso o Tribunal de Justiça poderia entender que a inaplicabilidade do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 se referia não à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, mas sim ao seu mérito ( 8 ).

31.

Pela minha parte, devo salientar que, caso o Tribunal de Justiça subscreva o meu entendimento de que o objeto do processo principal está fora do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001, isto resolveria, em todo o caso, o litígio na ação principal. Por conseguinte, forneceria, na prática, uma resposta material à questão submetida. Além disso, afigura‑se que o despacho de reenvio satisfaz todos os outros requisitos formais enumerados no artigo 94.o, alíneas a) e b), do RP. Nessa perspetiva, e tendo em conta o espírito de cooperação que deve prevalecer no funcionamento do processo de reenvio prejudicial — uma cooperação que exige que o Tribunal de Justiça forneça uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio —, proponho que o Tribunal de Justiça reformule a questão submetida em termos que lhe permitam abordar a questão de saber se a ação principal é ou não abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001.

2. Consideração do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001

32.

Uma vez que não contém qualquer questão naquele sentido, o despacho de reenvio é omisso quanto à inclusão do pedido em causa no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001. Não obstante, invocando sobretudo o acórdão Sapir e o. ( 9 ), a autoridade, o Governo húngaro (de forma exaustiva) e a Comissão alegam que o pedido em causa não constitui «matéria administrativa». Curiosamente, na audiência oral, a Siemens defendeu também esse ponto de vista, o mesmo acontecendo com o Governo alemão.

33.

Gostaria de recordar que o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001, estando limitado ao conceito de «matéria civil e comercial», é definido essencialmente pelos elementos que caracterizam a natureza das relações jurídicas entre as partes no litígio ou o objeto deste. Embora determinados litígios que opõem uma entidade pública a uma entidade privada possam ser abrangidos pelo âmbito de aplicação desse regulamento, o mesmo já não acontece se essa entidade pública atuar no exercício da sua autoridade pública ( 10 ). A questão decisiva é se a ação se baseia em disposições pelas quais o legislador conferiu ao organismo público uma prerrogativa própria ( 11 ).

34.

Embora não tenha dúvidas de que as ações «privadas» intentadas no contexto da aplicação coerciva de regras da concorrência estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001 ( 12 ), é igualmente evidente que uma sanção imposta por uma autoridade administrativa no exercício dos poderes regulamentares que lhe são conferidos pela legislação nacional se enquadra no conceito de «matéria administrativa». Esta última situação abrange certamente a aplicação de coimas por violação das regras nacionais que proíbem restrições à concorrência, o que, no meu entender, corresponde ao exercício por excelência da autoridade pública.

35.

Reconheço que a situação que está na origem do processo principal se reveste de uma certa complexidade. Com efeito, o pedido em causa não tem por objeto o pagamento da própria coima, mas sim a restituição dos (i) juros (sancionatórios) calculados com base no dobro da taxa base do banco central paga inicialmente pela autoridade na sequência da decisão proferida no processo nacional de fiscalização da legalidade, dos (ii) juros de mora referentes a esse montante, e dos (iii) juros de mora referentes ao montante em dívida da própria coima.

36.

Acresce que a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre esta questão é casuística ( 13 ), o que dificulta a adoção de uma abordagem generalizada.

37.

Não obstante, no que respeita ao antecessor do Regulamento n.o 44/2001, ou seja, a Convenção de Bruxelas ( 14 ), o Tribunal de Justiça sustentou que o facto de o gestor, ao prosseguir a cobrança dos custos, agir com base num direito de crédito que tem a sua origem num ato de poder público é suficiente para que a sua ação seja considerada, seja qual for a natureza do processo previsto para esse efeito no direito nacional, excluída do âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas ( 15 ).

38.

Considero que, no essencial, a afirmação que é feita no número anterior permanece válida: os créditos com origem num ato de poder público — ou seja, o exercício da autoridade pública — não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001. Nestes termos, na perspetiva da matéria em apreço, a análise da ação principal intentada pela autoridade e das regras que lhe são aplicáveis leva‑me a concluir que o pedido em causa e os restantes pedidos, que têm origem, todos eles, na coima imposta pela autoridade, não constituem «matéria civil e comercial».

39.

No caso em apreço, a redução da coima aplicada pela autoridade teve automaticamente o efeito indireto, ao abrigo da legislação húngara aplicável aos efeitos das decisões tomadas pela autoridade — concretamente, o artigo 83.o, n.o 5, da Lei LVII de 1996 — de gerar o pedido em causa. Mais concretamente, o pedido em causa resulta da combinação de várias características específicas do direito húngaro, a saber: (i) a ação de fiscalização da legalidade da decisão impugnada não tinha efeito suspensivo; (ii) no seguimento da decisão do tribunal administrativo de segunda instância, a autoridade estava obrigada, nos termos da disposição supramencionada, a pagar à Siemens juros sobre o montante da coima reembolsada, calculados com base no dobro da taxa base do banco central; e (iii) a decisão do Kúria produzia efeitos ex tunc. Com efeito, creio que, sempre que uma coima imposta pela autoridade seja anulada ou reduzida pelos tribunais administrativos e, posteriormente, confirmada, a combinação dos supramencionados elementos do direito processual administrativo húngaro produzirá, em regra, o mesmo resultado: a empresa em causa terá recebido juros nos termos do artigo 83.o, n.o 5, da Lei LVII de 1996, que a autoridade procurará recuperar. Por conseguinte, este resultado afigura‑se um elemento inalienável da fiscalização da legalidade da decisão administrativa, à luz do direito húngaro. O facto de a autoridade ter intentado uma ação contra a Siemens nos tribunais civis húngaros não afasta a origem de direito público do litígio entre as partes.

40.

Eis um exemplo mais simples para ilustrar melhor a minha posição: se o litígio no processo principal tivesse unicamente como objeto o pedido deduzido pela autoridade (referido no n.o 19, supra) de condenação da Siemens no pagamento dos juros devidos por mora no pagamento da parte da coima em dívida, não creio que a matéria em apreço oferecesse qualquer dificuldade. Esse pedido teria inquestionavelmente origem no exercício da autoridade pública. Assim sendo, embora o pedido em causa seja um pedido de restituição bastante complexo, a verdade é que, tal como os outros pedidos deduzidos pela autoridade na ação principal, decorre inteiramente da sanção administrativa que esta impôs à Siemens.

41.

Contudo, apoiada neste ponto pelo Governo húngaro, a autoridade alega que tentou — presumivelmente após a decisão impugnada ter sido confirmada pelo Kúria —, em vão, obter o reembolso dos juros pagos nos termos do artigo 83.o, n.o 5, da Lei LVII de 1996 no âmbito de um processo executivo administrativo perante o közigazgatási és munkaügyi bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho). Este órgão jurisdicional terá alegadamente julgado o pedido improcedente com fundamento no facto de o pedido mesmo não resultar diretamente da decisão impugnada e, consequentemente, não ser exequível. A Siemens confirma esta descrição dos factos. Por conseguinte, a autoridade alega que não pode recorrer à via administrativa para fazer valer a sua pretensão.

42.

Além do facto de essas alegações não constarem do despacho de reenvio e, como tal, de a sua veracidade não ter sido apurada, gostaria de salientar, desde já, que a recusa em executar a decisão impugnada em relação ao pedido em causa é compreensível. Com efeito, à data em que é tomada uma decisão de aplicação de uma coima, não se sabe se essa decisão será ou não impugnada e, caso o seja, se os tribunais administrativos a irão anular, e muito menos se será confirmada em sede de recurso. Por outras palavras, uma vez que a Siemens tinha pago integralmente a coima, a decisão impugnada tinha sido executada de acordo com os seus termos. Não obstante, considero que este argumento confirma a minha posição: normalmente, a autoridade possui poderes executórios excecionais em comparação com as regras aplicáveis às relações entre entidades de direito privado. O facto de, neste caso, esse poder não se aplicar ao pedido em causa é irrelevante, assim como a determinação do foro competente para a recuperação do crédito objeto desse pedido, à luz do direito húngaro, não é decisiva para a aplicação do Regulamento n.o 44/2001. Na verdade, para efeitos de recuperação, a tese defendida pela autoridade resultaria na imposição de coimas simbólicas, associadas, porém, a taxas de juro (civis e comerciais) draconianas.

43.

Além disso, não considero convincente o argumento aduzido pelo Governo húngaro de que o Kúria terá alegadamente entendido que a fiscalização jurisdicional não é uma fase do procedimento administrativo nem uma extensão deste, sendo dele independente, não apenas ao nível organizacional como também processual, e que esses dois processos são distintos um do outro e o procedimento administrativo termina com uma decisão definitiva ( 16 ). Além de uma decisão só poder ser considerada definitiva se não tiver sido anulada no âmbito de um processo de fiscalização jurisdicional, a caracterização de um processo ao nível nacional não tem qualquer influência no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 44/2001. O regulamento não pode ser interpretado exclusivamente com base na divisão de competências entre os diversos tipos de tribunais existentes em certos Estados‑Membros ( 17 ). Com efeito, a verdade é que nem todos os Estados‑Membros estabeleceram, nos respetivos ordenamentos jurídicos, uma separação entre a organização judiciária dos tribunais civis e a organização judiciária dos tribunais administrativos ( 18 ).

44.

Nesta fase, gostaria de salientar que alguns dos elementos destacados nos acórdãos pertinentes corroboram o meu entendimento. Em primeiro lugar, o pedido em causa não decorre de uma obrigação específica, livremente assumida e independente da coima em questão ( 19 ). Em segundo lugar, a coima que está na origem do pedido em causa não se enquadra no conceito típico de «matéria civil e comercial» na aceção do Regulamento n.o 44/2001 — muito pelo contrário ( 20 ). Em terceiro lugar, e o que é determinante, o montante a que se refere o pedido em causa não foi pago à Siemens por engano. Não resultou de um simples erro, por parte da autoridade, do tipo que qualquer entidade privada poderia ter cometido (situação normalmente designada por condictio indebiti, ou seja, pagamento indevido). Pelo contrário, o pedido em causa resultou pura e simplesmente da aplicação da lei que regulava o procedimento administrativo em causa no processo principal ( 21 ).

45.

Por último, o acórdão Sunico e o., que dizia reconhecidamente respeito a uma situação de alegada fraude do tipo «carrossel» ao imposto sobre o valor acrescentado («IVA»), não me leva a repensar a minha posição. Reconheço que, naquele processo, o Tribunal de Justiça parece ter atribuído mais importância ao direito nacional ao concluir pela aplicabilidade do regulamento. Porém, importa não esquecer que a ação intentada pelas autoridades do Reino Unido contra a Sunico não se baseava na legislação relativa ao IVA, mas sim na alegada responsabilidade extracontratual desta última (sob a forma de «associação criminosa com o objetivo de fraude»), da qual possivelmente resultaria uma obrigação de indemnização. Além disso, não existia uma relação administrativa entre a Sunico e as autoridades do Reino Unido, uma vez que a primeira não estava sujeita ao IVA no Reino Unido ( 22 ) .

46.

Do exposto decorre que a ação intentada no processo principal com vista à satisfação do crédito objeto do pedido em causa constitui matéria administrativa que, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, está fora do âmbito de aplicação desse regulamento. Consequentemente, o Tribunal de Justiça deveria responder à questão submetida no sentido de que uma ação de restituição fundada em enriquecimento sem causa que tem origem no reembolso de uma coima imposta no âmbito de um processo de repressão de práticas anticoncorrenciais, como a que está em causa no processo principal, não constitui «matéria civil e comercial» para efeitos do artigo 1.o do Regulamento n.o 44/2001.

47.

No entanto, se o Tribunal de Justiça considerar que a ação principal tem por objeto «matéria civil e comercial», explicarei de seguida por que motivo entendo que, em qualquer caso, o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 não atribui competência especial ao órgão jurisdicional de reenvio para se pronunciar sobre o mérito da ação no processo principal.

B – Quanto ao mérito

1. Observações introdutórias

48.

O caso em apreço proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de contribuir para a muito necessária clarificação da relação entre os artigos 2.°, n.o 1, e 5.°, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 44/2001. Na minha análise, começarei por recordar os princípios orientadores aplicáveis a esta questão.

49.

O Regulamento n.o 44/2001 visa assegurar que as regras de competência apresentam um elevado grau de certeza jurídica e que assentam no princípio de que, em geral, a competência tem por base o domicílio do requerido. Tal competência deve estar sempre disponível com base neste fundamento, exceto em alguns casos bem determinados em que o objeto do litígio ou a autonomia das partes justifica outro elemento de conexão (competência exclusiva) — por exemplo, em processos relativos a direitos reais sobre imóveis. Além disso, o foro do domicílio do requerido deve ser completado por certos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça (competência especial) — por exemplo, os tribunais do local de cumprimento de uma obrigação contratual ( 23 ) .

50.

No entanto, isso não altera o facto de o Regulamento n.o 44/2001 assentar na ideia de que as ações judiciais devem ser intentadas no tribunal do domicílio do requerido.

51.

Não surpreende, portanto, que o Tribunal de Justiça tenha sustentado que o sistema de regras comuns de atribuição da competência estabelecido no capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 se baseia na regra geral, enunciada no artigo 2.o, n.o 1, segundo a qual as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas perante os órgãos jurisdicionais desse Estado, independentemente da nacionalidade das partes. Só por derrogação da regra geral da competência dos órgãos jurisdicionais do domicílio do demandado é que o capítulo II, secção 2, do Regulamento n.o 44/2001 prevê um certo número de regras de competências especiais, entre as quais figura a do artigo 5.o desse regulamento ( 24 ).

52.

As regras sobre competência especial, que complementam a regra geral prevista no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, devem ter o seu sentido próprio, determinado à luz da sua finalidade e teor e do sistema e do objetivo do regulamento, ao invés de serem objeto de uma interpretação que as prive do seu efeito útil ( 25 ). Porém, a verdade é que, não obstante, essas regras devem ser interpretadas restritivamente e, em qualquer caso, não permitem uma interpretação que vá além dos casos contemplados expressamente no regulamento ( 26 ). Refira‑se a título de exemplo que o Tribunal de Justiça entendeu que uma ação de indemnização fundada na alegada responsabilidade pré‑contratual do demandado (culpa in contrahendo) não se pode basear no artigo 5.o, n.o 1, da Convenção de Bruxelas, mas sim (sempre que possível) no seu artigo 5.o, n.o 3 ( 27 ). É por referência a estas considerações gerais que a resposta à questão submetida deve ser encontrada.

53.

Essa resposta não é exatamente inequívoca. A letra do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 não menciona os conceitos de «restituição» ou «enriquecimento sem causa» como faz com o termo «matéria extracontratual» nem fornece qualquer indicação imediata de que uma ação de restituição com aquele fundamento estaria abrangida pelo seu âmbito de aplicação. A clara divisão entre as posições defendidas pelas partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça neste processo também reflete esta incerteza: a Siemens e os Governos alemão e italiano entendem que uma ação para pagamento do crédito objeto do pedido em causa não está abrangida pelo artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001. A autoridade, o Governo húngaro e a Comissão defendem a tese contrária.

54.

Porém, a minha posição sobre esta matéria é inabalável: as ações de restituição fundadas em enriquecimento sem causa não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001.

2. A restituição com fundamento em enriquecimento sem causa constitui «matéria extracontratual»?

55.

Para que uma matéria seja qualificada como extracontratual para efeitos do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, a jurisprudência constante exige ( 28 ) que estejam preenchidos dois requisitos: primeiro, a ação em causa deve destinar‑se a apurar a responsabilidade de um demandado e, segundo, não pode ter por objeto «matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), desse regulamento.

56.

Não obstante o facto de, segundo as observações da autoridade, a Siemens ter sido sancionada pela sua participação num acordo anticoncorrencial, é pacífico que a ação principal não está relacionada com um contrato. Esta afirmação está inquestionavelmente correta: a ação principal tem por objeto um pedido de restituição baseado no alegado enriquecimento sem causa da Siemens à custa da autoridade, sem nenhuma base contratual.

57.

Por conseguinte, resta determinar se a ação visa apurar a responsabilidade da Siemens.

58.

Não é esse o caso.

59.

Em primeiro lugar, recordo que é jurisprudência assente que a regra de competência especial estabelecida no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 se baseia na existência de um elemento de conexão particularmente estreito entre o litígio e os tribunais do local onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, que justifica a atribuição de competência a esses tribunais por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo. Em matéria extracontratual, os tribunais do local onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso são normalmente os mais adequados para decidir, sobretudo por razões de proximidade e de facilidade na recolha da prova. A expressão «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», que surge naquela disposição, abrange simultaneamente o lugar onde ocorreu o facto danoso e o lugar onde ocorreu o evento que está na sua origem, de modo que a ação pode ser intentada, por opção do demandante, nos tribunais de um ou outro destes dois lugares ( 29 ). Além disso, só existe responsabilidade extracontratual se puder ser estabelecido um nexo de causalidade entre o dano e o facto que o originou ( 30 ).

60.

Daqui decorre que a regra de competência especial estabelecida no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 exige a ocorrência de um «facto danoso» que dê origem a «dano» — por outras palavras, um prejuízo ( 31 ).

61.

Em contrapartida, uma ação de restituição fundada em enriquecimento sem causa não se baseia num prejuízo. Embora o Regulamento n.o 44/2001 não contenha uma definição de «restituição» ou de «enriquecimento sem causa», procurarei de seguida descrever esses termos. Ao contrário de uma ação destinada a apurar a responsabilidade extracontratual do demandado, que tem por objetivo reparar danos ou prejuízos sofridos pelo demandante e pelos quais o demandado é alegadamente responsável em virtude dos seus atos ou omissões ou por outros motivos que lhe sejam imputáveis, uma ação de restituição fundada em enriquecimento sem causa visa devolver ao demandante uma vantagem adquirida ilicitamente pelo demandado à custa do primeiro (ou o pagamento do seu equivalente monetário). Como no essencial alegou o Governo alemão, a restituição com fundamento em enriquecimento sem causa centra‑se, por conseguinte, no ganho adquirido pelo demandado e não no prejuízo sofrido pelo demandante ( 32 ). O enriquecimento sem causa é a causa de pedir e a restituição é a via de recurso. Pelo exposto, não subscrevo o entendimento de que a mera não receção de um crédito impugnado corresponde a um «facto danoso» que dê origem a um prejuízo ( 33 ).

62.

Acresce que, embora a restituição fundada em enriquecimento sem causa exija que o enriquecimento seja ilícito, isto não corresponde a responsabilidade extracontratual. Além de exigir um prejuízo e um nexo de causalidade entre este e o comportamento do demandado, a responsabilidade extracontratual também pressupõe a existência de fundamento para responsabilizar o demandado pelo prejuízo invocado pelo demandado, seja sob a forma de dolo, negligência ou até mesmo de responsabilidade objetiva. Em contrapartida, a repetição do indevido não depende necessariamente da licitude ou ilicitude dos atos do destinatário. Do mesmo modo, à luz do direito da União, sempre que um Estado‑Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, o seu reembolso não depende da imputação de qualquer tipo de responsabilidade a esse Estado‑Membro ( 34 ). Por outro lado, o direito a uma indemnização por parte de um Estado‑Membro emergente da sua responsabilidade por violação do direito da União pressupõe que estejam preenchidos determinados critérios bem conhecidos, estabelecidos pelo Tribunal de Justiça ( 35 ). Daqui decorre que, contrariamente ao que sugeriu o Governo húngaro nas suas observações escritas, o facto de não ser totalmente possível distinguir, à luz do direito húngaro, entre a ilicitude de um determinado enriquecimento, por um lado, e um prejuízo, por outro, é irrelevante, visto que, como já foi referido, o direito nacional não é decisivo para a interpretação do Regulamento n.o 44/2001 ( 36 ).

63.

Embora o Tribunal de Justiça não tenha sido chamado a pronunciar‑se sobre a interpretação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 no processo Sapir e o. ( 37 ), que também dizia respeito a uma questão de restituição, outras decisões deste Tribunal corroboram, de certa forma, o entendimento que perfilho.

64.

No processo Kalfelis ( 38 ), foi perguntado ao Tribunal de Justiça, nomeadamente, se «o n.o 3 do artigo 5.o da [Convenção de Bruxelas] [faculta], relativamente a uma ação baseada em responsabilidade por facto ilícito, em responsabilidade contratual e em enriquecimento sem causa, também uma competência acessória para o conhecimento de pedidos não baseados em responsabilidade por facto ilícito, em virtude de uma conexão objetiva» (o sublinhado é meu), tendo o Tribunal de Justiça respondido que «[o] tribunal competente, nos termos do n.o 3 do artigo 5.o, para conhecer do elemento da ação baseado em facto ilícito, não o é para conhecer dos outros elementos da mesma ação não baseados em facto ilícito». É certo que o Tribunal de Justiça não esclareceu se considerava que o enriquecimento sem causa constituía matéria extracontratual: limitou‑se a afastar a possibilidade de uma ação não baseada em responsabilidade extracontratual estar abrangida pelo artigo 5.o, n.o 3 ( 39 ). No entanto, essa decisão não constitui um reconhecimento das diferenças inerentes aos vários tipos de relações jurídicas.

65.

Além disso, no acórdão Reichert e Kockler II, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Bruxelas não atribuía competência especial no caso de uma ação com a natureza da impugnação pauliana do direito francês (actio pauliana). O objetivo de tal ação não consistia em obter a condenação do devedor a indemnizar o credor pelos prejuízos que lhe causara com o ato violador, mas sim em suprimir, em relação ao credor, os efeitos do ato de disposição praticado pelo devedor, também no que respeita a terceiros ( 40 ).

66.

Por conseguinte, discordo do entendimento expresso pelo advogado‑geral M. Darmon num processo posterior, no qual alegou que, na sua interpretação do conceito de matéria extracontratual no acórdão Kalfelis ( 41 ), o Tribunal de Justiça tinha «inclu[ído] [...] na matéria extracontratual, a ação fundada em enriquecimento sem causa» ( 42 ). De qualquer modo, o Tribunal de Justiça considerou que não havia necessidade de se pronunciar sobre as questões que lhe tinham sido colocadas naquele processo e não tomou qualquer posição sobre a tese defendida pelo advogado‑geral ( 43 ).

67.

Por uma questão de exaustividade, gostaria de acrescentar que os tribunais supremos de diversos Estados‑Membros consideraram que uma ação de restituição fundada em enriquecimento sem causa não constituía matéria extracontratual ( 44 ). Não surpreende, portanto, que a doutrina também tenha revelado uma certa relutância em classificar os pedidos de restituição per se como pedidos em matéria extracontratual ( 45 ).

68.

Em segundo lugar, a interpretação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 no sentido de abranger as ações de restituição fundadas em enriquecimento sem causa corresponderia a uma interpretação lata das regras de competência especial, o que contraria as normas interpretativas aceites. Além disso, desvirtuaria o sistema instituído pelo regulamento, anteriormente mencionado nos n.os 49 a 52.

69.

Na verdade, as respostas dadas às perguntas que foram feitas às partes durante à audiência não me permitem vislumbrar um vínculo entre a ação principal e os tribunais húngaros que seja mais estreito do que o vínculo com os tribunais austríacos. Pelo contrário, é legítimo inferir que o facto de o artigo 5.o, n.o 3, ser omisso quanto aos pedidos de restituição se deve exatamente à inexistência de um elemento de conexão que ligue sistematicamente esses pedidos a um foro diferente do foro do domicílio do demandado ( 46 ). Na verdade, o único elemento que liga o pedido em causa aos tribunais húngaros é o facto de ter origem na coima imposta pela autoridade — o que, tal como acima explicado, serve apenas para demonstrar a natureza administrativa da matéria em apreço. Por conseguinte, creio que a resposta pretendida pela autoridade, pelo Governo húngaro e pela Comissão corresponderia a uma interpretação inadmissível da referida disposição.

70.

Do mesmo modo, considero ainda menos convincente o argumento aduzido pela Comissão de que não pode existir um vazio jurídico entre os n.os 1 e 3 do artigo 5.o do Regulamento n.o 44/2001. Nada na redação do Regulamento n.o 44/2001 corrobora este entendimento. O facto de o artigo 5.o, n.o 3, só ser aplicável quando a ação não tem por objeto matéria contratual não exclui a possibilidade de abranger uma ação que não tenha por objeto nem matéria contratual nem matéria extracontratual. Com efeito, uma continuidade perfeita entre os n.os 1 e 3 do artigo 5.o, conforme sugerida pela Comissão, implicaria elevar essas exceções ao estatuto de regra geral, o que privaria o artigo 2.o de qualquer efeito prático relativamente ao direito das obrigações ( 47 ).

71.

Em terceiro lugar, uma análise contextual, que passa por um breve exame de outras normas de direito internacional privado da União, confirma o entendimento antes expresso.

72.

Com efeito, antes de mais, conforme alegou o Governo alemão, decorre do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 864/2007 ( 48 ) que, em comparação com matéria contratual e matéria extracontratual, em circunstâncias normais, o direito internacional privado da União considera que o enriquecimento sem causa se enquadra numa categoria própria. Embora o Regulamento n.o 44/2001 seja anterior ao Regulamento n.o 864/2007, o legislador da União considerou que o âmbito de aplicação material e as disposições de um deveriam ser coerentes com os do outro ( 49 ).

73.

Em segundo lugar, tanto o artigo 5.o, n.o 4, do Regulamento n.o 44/2001 como o artigo 7.o, n.o 3, da versão reformulada desse regulamento, ou seja, o Regulamento (UE) n.o 1215/2012 ( 50 ), preveem regras de competência especial relacionadas com uma «ação de indemnização ou [...] ação de restituição fundadas numa infração perante o tribunal onde foi intentada a ação pública» (o sublinhado é meu), ao invés de as incluírem na regra geral de competência relacionada com matéria extracontratual. Acresce que o Regulamento n.o 1215/2012 prevê agora também uma regra de competência especial relativa a uma «ação cível, fundada no direito de propriedade, destinada à recuperação de um objeto cultural na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da [Diretiva 93/7] [ ( 51 ) ] […] no tribunal do lugar em que esteja situado o objeto no momento em que o tribunal for demandado» (o sublinhado é meu). Em ambos os exemplos, existe um claro elemento de conexão entre as ações de restituição ou recuperação e os tribunais de um Estado‑Membro diferente do Estado do domicílio do demandado; um elemento de conexão diferente do supramencionado no n.o 59. É ainda conveniente chamar a atenção para o facto de a redação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012 demonstrar que o legislador da União não considerou necessário alargar o âmbito da regra de competência especial em matéria extracontratual. Tudo isto confirma que as ações de recuperação ou restituição são sistematicamente objeto de um tratamento diferente daquele que é dado às ações de indemnização fundadas em responsabilidade extracontratual.

74.

Para concluir, a autoridade alega que, se a ação principal não estivesse abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, nenhum tribunal seria competente para conhecer do litígio — ou melhor, como explicou a autoridade na audiência, nenhum tribunal húngaro seria competente para julgar uma ação intentada contra todos os participantes nas práticas anticoncorrenciais subjacentes à matéria em apreço. A autoridade alega que esse resultado contrariaria o objetivo de simplificação processual prosseguido pelo regulamento. Relativamente a estes argumentos, gostaria de recordar, em primeiro lugar, que, embora o facto de diversos aspetos de um mesmo litígio serem julgados por tribunais diferentes apresente inconvenientes, o demandante dispõe sempre da faculdade de propor integralmente a ação no tribunal do domicílio do demandado ( 52 ). Por conseguinte, a autoridade tem efetivamente um tribunal no qual pode intentar a ação. Em qualquer caso, se os tribunais austríacos se declararem incompetentes com fundamento no facto de o pedido em causa ter origem no direito público, essa consequência decorreria inevitavelmente da relação entre, por um lado, o grau de harmonização alcançado por aquele regulamento e, por outro, as regras processuais nacionais (in casu as regras húngaras de execução administrativa). Em segundo lugar, no que respeita ao objetivo de simplificação referido pela autoridade, decorre do considerando 11 do regulamento que, por razões de certeza jurídica, o princípio fundamental que lhe está subjacente é o de que são competentes os tribunais do domicílio do demandado e, em contrapartida, só devem ser previstos foros com competência especial ou exclusiva num reduzido número de casos. Consequentemente, esse objetivo contradiz, na verdade, o entendimento da autoridade.

75.

Pelo exposto, uma ação de restituição com fundamento em enriquecimento sem causa não constitui «matéria extracontratual» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001.

IV – Conclusão

76.

Pelos motivos acima expostos, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida pelo Fővárosi Ítélőtábla (Tribunal Regional de Recurso, Budapeste, Hungria) no processo C‑102/12 no sentido de que uma ação de restituição fundada em enriquecimento sem causa que tem origem no reembolso de uma coima imposta no âmbito de um processo de repressão de práticas anticoncorrenciais, como a que está em causa no processo principal, não constitui «matéria civil e comercial» para efeitos do artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.

77.

A título subsidiário, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida no sentido de que, interpretando corretamente o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, uma ação de restituição fundada em enriquecimento sem causa não constitui «matéria extracontratual» na aceção daquela disposição.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Regulamento de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

( 3 ) A Polgári Törvénykönvyről szóló 1959. évi IV. törvény.

( 4 ) A tisztességtelen piaci magatartás és a versenykorlátozás tilalmáról szóló 1996. évi LVII. Törvény (a seguir «Lei LVII de 1996»).

( 5 ) V., nesse sentido, acórdãos LTU, 29/76, EU:C:1976:137, n.o 3, e flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.o 24.

( 6 ) V., nesse sentido, acórdão Woningstichting Sint Servatius, C‑567/07, EU:C:2009:593, n.os 42 e 43, respeitante a um pedido de interpretação do artigo 86.o, n.o 2, CE. V. também, por analogia, acórdão Romeo, C‑313/12, EU:C:2013:718, n.o 20 (respeitante a uma situação puramente interna), e despacho proferido no processo Parva Investitsionna Banka e o., C‑488/13, EU:C:2014:2191, n.o 26 (respeitante à interpretação de legislação secundária da União no domínio da cooperação judiciária em matéria civil).

( 7 ) Comparar, por exemplo, o despacho de declaração de inadmissibilidade manifesta proferido no processo SKP, C‑433/11, EU:C:2012:702 (n.os 32 a 38), por um lado, com o despacho de declaração de incompetência manifesta proferido no processo Pohotovosť, C‑153/13, EU:C:2014:1854 (n.os 22 a 25), respeitantes ao mesmo instrumento de direito secundário da União.

( 8 ) V., nesse sentido, acórdão Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.o 30.

( 9 ) C‑645/11, EU:C:2013:228.

( 10 ) Acórdão Sunico e o., C‑49/12, EU:C:2013:545, n.os 33 e 34.

( 11 ) V. acórdão Baten, C‑271/00, EU:C:2002:656, n.o 37.

( 12 ) V., nesse sentido, acórdãos flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.os 28 e 29, e CDC, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 56. Porém, neste último processo, o advogado‑geral N. Jääskinen, embora tivesse considerado que as ações em causa diziam respeito a «matéria civil e comercial», afirmou também que a aplicação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 àquelas ações era problemática; v. as suas conclusões no processo CDC, C‑352/13, EU:C:2014:2443, n.os 8 a 10, 33, 39, 52 e 53.

( 13 ) Para exemplos de processos que o Tribunal de Justiça considerou não estarem abrangidos pelo conceito de «matéria civil e comercial», v., entre outros, acórdãos LTU, 29/76, EU:C:1976:137 (recuperação de taxas de utilização dos serviços e equipamento da Eurocontrol); Rüffer, 814/79, EU:C:1980:291 (recuperação de custos associados à remoção de destroços); e Lechouritou e o., C‑292/05, EU:C:2007:102 (pedido de indemnização à Alemanha por atos praticados durante a ocupação da Grécia pelas forças armadas do Terceiro Reich). Para exemplos de processos que o Tribunal de Justiça considerou estarem abrangidos por esse conceito, v., entre outros: acórdãos Sonntag, C‑172/91, EU:C:1993:144 (pedido de indemnização deduzido contra um professor de uma escola pública pela prática de um ato negligente durante uma excursão que resultou na morte de um aluno); Henkel, C‑167/00, EU:C:2002:555 (ação intentada por uma associação de proteção dos consumidores com o objetivo de impedir que um comerciante utilizasse cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores); e Baten, C‑271/00, EU:C:2002:656 (sub‑rogação nos direitos a alimentos devidos à ex‑cônjuge e à filha). V. igualmente as decisões mencionadas nos n.os 44 e 45, infra.

( 14 ) Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1978, L 304, p. 36; EE 01 F1 p. 186).

( 15 ) Acórdão Rüffer, 814/79, EU:C:1980:291, n.o 15 (o sublinhado é meu).

( 16 ) Kfv. n.o II. 37. 671/2014/12., decisão de 12 de novembro de 2014.

( 17 ) V., por analogia, acórdão Rüffer, 814/79, EU:C:1980:291, n.o 14.

( 18 ) É o caso, por exemplo, da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido.

( 19 ) V. acórdão Préservatrice Foncière Tiard, C‑266/01, EU:C:2003:282, n.os 29 a 34, relativo a uma fiança prestada por uma companhia de seguros francesa aos Países Baixos para garantir o pagamento de direitos aduaneiros.

( 20 ) V. acórdão Realchemie Nederland, C‑406/09, EU:C:2011:668, n.o 41, relativo a uma multa imposta por um tribunal alemão num caso de violação de uma patente e, por outro lado, o acórdão Bohez, C‑4/14, EU:C:2015:563, n.o 40, relativo a uma sanção pecuniária compulsória aplicada por um órgão jurisdicional para garantir o respeito do direito de visita de uma criança.

( 21 ) V. acórdão Sapir e o., C‑645/11, EU:C:2013:228, n.o 37, relativo a um pedido de devolução de uma quantia paga em excesso, por erro (condictio indebiti), pelo Land Berlin no âmbito de um procedimento administrativo destinado a compensar a lesada pela perda de um terreno durante o regime nazi.

( 22 ) Acórdão Sunico e o., C‑49/12, EU:C:2013:545, n.os 13 e 36 a 38.

( 23 ) V. considerandos 11 e 12 do Regulamento n.o 44/2001.

( 24 ) Acórdão ÖFAB, C‑147/12, EU:C:2013:490, n.o 30 e a jurisprudência aí referida.

( 25 ) V., por analogia, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Henkel, C‑167/00, EU:C:2002:171, n.o 33, e, nesse sentido, acórdão Zuid‑Chemie, C‑189/08, EU:C:2009:475, n.o 31.

( 26 ) Acórdão ÖFAB, C‑147/12, EU:C:2013:490, n.os 31 e 32 e a jurisprudência aí referida.

( 27 ) Acórdão Tacconi, C‑334/00, EU:C:2002:499, n.os 26 e 27.

( 28 ) V., entre muitos outros, acórdãos Kalfelis, 189/87, EU:C:1988:459, n.o 17, e Kolassa, C‑375/13, EU:C:2015:37, n.o 44 e a jurisprudência aí referida.

( 29 ) Acórdão CDC, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.os 38 a 40 e a jurisprudência aí referida.

( 30 ) Acórdão ÖFAB, C‑147/12, EU:C:2013:490, n.o 34 e a jurisprudência aí referida.

( 31 ) O (então) advogado‑geral C. Gulmann referiu, nas suas conclusões no processo Reichert e Kockler (C‑261/90, EU:C:1992:78, p. 2169), que «as diferentes versões linguísticas do n.o 3 artigo 5.o [da Convenção de Bruxelas] têm em comum pelo menos dois elementos. O primeiro é o de que deve haver um comportamento ‘ilícito’, e o segundo é o de que esse comportamento tenha causado um ‘facto danoso’».

( 32 ) V., entre outros, Goff & Jones, The Law of Restitution, 4.a edição, 1993, Londres, Sweet & Maxwell, p. 16, que alegam que o pedido de restituição visa a vantagem (o enriquecimento) obtida pelo demandado à custa do demandante e não o ressarcimento dos danos sofridos. No mesmo sentido, v. Virgo, G., The Principles of the Law of Restitution, 3.a edição, 2015, OUP, p. 3, para quem «a legislação em matéria de restituição prevê um conjunto genérico de direitos, que são criados automaticamente por aplicação da lei e que têm uma função comum: privar o demandado de um ganho ao invés de compensar o demandante pelo prejuízo sofrido». No que respeita aos pedidos de recuperação de quantias pagas nos termos da legislação da União no seguimento de irregularidades, essas irregularidades têm como consequência «a retirada da vantagem indevidamente obtida, designadamente pela obrigação de pagar os montantes devidos ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos»; v. acórdão Somvao, C‑599/13, EU:C:2014:2462, n.o 35.

( 33 ) Comparar, nessa matéria, com as conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Austro‑Mechana, C‑572/14, EU:C:2016:90, n.o 86.

( 34 ) V., entre outros, acórdão Fantask e o., C‑188/95, EU:C:1997:580, n.o 38 e a jurisprudência aí referida.

( 35 ) V. acórdão Brasserie du Pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 51.

( 36 ) É jurisprudência assente que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 (também) deve ser interpretado autonomamente; v., entre outros, acórdão Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.o 74 e a jurisprudência aí referida. Para um entendimento aparentemente diferente, v. conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Austro‑Mechana, C‑572/14, EU:C:2016:90, n.o 85.

( 37 ) C‑645/11, EU:C:2013:228, em que o Tribunal de Justiça interpretou ao invés o artigo 6.o do Regulamento n.o 44/2001 relativo a ações intentadas contra vários demandados.

( 38 ) Kalfelis, 189/87, EU:C:1988:459.

( 39 ) Em contrapartida, o advogado‑geral M. Darmon tinha sugerido que a competência prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Convenção de Bruxelas — ou seja, em matéria contratual — deveria «canalizar» outras ações fundadas em responsabilidade extracontratual ou em enriquecimento sem causa; v. as conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo Kalfelis, 189/87, EU:C:1988:312, n.os 25 a 31.

( 40 ) Acórdão Reichert e Kockler, C‑261/90, EU:C:1992:149, n.os 19 e 20.

( 41 ) 189/87, EU:C:1988:459 (v. o n.o 55, supra).

( 42 ) V. as conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo Shearson Lehman Hutton, C‑89/91, EU:C:1992:410, n.o 102.

( 43 ) Acórdão Shearson Lehman Hutton, C‑89/91, EU:C:1993:15, n.o 25 (v., em especial, a quarta questão prejudicial).

( 44 ) V. as decisões da House of Lords (Reino Unido), de 30 de outubro de 1997, no processo Kleinwort Benson Ltd c. City of Glasgow District Council [1997] UKHL 43; do Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal da Áustria), de 13 de janeiro de 1998, no processo 7 Ob 375/97s; e do Högsta Domstolen (Supremo Tribunal da Suécia), de 31 de agosto de 2009, no processo Ö 1900‑08 (NJA 2000:49).

( 45 ) V., entre outros, Mankowski, P., in Magnus, U., e Mankowski, P. (eds.), Brussels Ibis Regulation, European Commentaries on Private International Law, volume I, 2016, Dr. Otto Schmidt, Colónia, ponto 245; e Hertz, K., Bruxelles I‑forordningen med kommentarer, 2.a ed., 2015, Jurist‑ og Økonomforbundets Forlag, Copenhaga, p. 172.

( 46 ) Relativamente a este ponto, concordo com a decisão de Lord Goff, de 30 de outubro de 1997, no processo Kleinwort Benson Ltd c. City of Glasgow District Council [1997] UKHL 43.

( 47 ) No acórdão Brogsitter (C‑548/12, EU:C:2014:148, n.o 27), o Tribunal de Justiça afirmou que, se o processo principal não estiver relacionado com matéria contratual, deve ser considerado abrangido pelo conceito de matéria extracontratual. No entanto, essa afirmação tinha como pressuposto a ideia de que o demandante naquele processo — que dizia respeito a diversos pedidos deduzidos pelo demandante em virtude dos danos causados pelo comportamento do demandado que, alegadamente, constituía concorrência desleal — pretendia provar a responsabilidade do demandado. Do mesmo modo, no processo Granarolo (C‑196/15), atualmente pendente, é pedido ao Tribunal de Justiça que determine se uma ação de indemnização — e não de restituição — pela rutura abrupta de uma relação comercial estável constitui matéria contratual ou extracontratual.

( 48 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2011, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO 2007 L 199, p. 40). O artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 864/2007 («Enriquecimento sem causa») dispõe o seguinte: «Se uma obrigação extracontratual que decorra de enriquecimento sem causa, incluindo o pagamento de montantes indevidamente recebidos, estiver associada a uma relação existente entre as partes, baseada nomeadamente num contrato ou em responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco que apresente uma conexão estreita com esse enriquecimento sem causa, é aplicável a lei que rege essa relação.» V. também o artigo 2.o desse regulamento.

( 49 ) V. considerando 7 do Regulamento n.o 864/2007.

( 50 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação) (JO 2012 L 351, p. 1).

( 51 ) Diretiva 93/7/CEE do Conselho, de 15 de março de 1993, relativa à restituição de bens culturais que tenham saído ilicitamente do território de um Estado‑Membro (JO 1993 L 74, p. 74).

( 52 ) Acórdão Kalfelis, 189/87, EU:C:1988:459, n.o 20.

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