EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62021CJ0823

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 22 de junho de 2023.
Comissão Europeia contra Hungria.
Incumprimento de Estado — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Políticas relativas aos controlos fronteiriços, ao asilo e à imigração — Procedimentos de concessão de proteção internacional — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 6.o — Acesso efetivo — Apresentação de um pedido — Regulamentação nacional que prevê a realização de diligências administrativas prévias fora do território do Estado‑Membro — Objetivo de saúde pública.
Processo C-823/21.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:504

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

22 de junho de 2023 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Políticas relativas aos controlos fronteiriços, ao asilo e à imigração — Procedimentos de concessão de proteção internacional — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 6.o — Acesso efetivo — Apresentação de um pedido — Regulamentação nacional que prevê a realização de diligências administrativas prévias fora do território do Estado‑Membro — Objetivo de saúde pública»

No processo C‑823/21,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, intentada em 22 de dezembro de 2021,

Comissão Europeia, representada por A. Azéma, L. Grønfeldt, A. Tokár e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

Hungria, representada por M. Z. Fehér e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes,

demandada

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de fevereiro de 2023,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, tendo sujeitado a possibilidade de os nacionais de países terceiros que se encontram no território da Hungria, incluindo nas fronteiras deste Estado‑Membro, acederem ao procedimento de concessão de proteção internacional e apresentarem um pedido de proteção internacional à exigência de tramitação de um procedimento prévio junto de uma representação diplomática húngara situada num país terceiro, a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), interpretado à luz do artigo 18.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2013/32

2

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2013/32 dispõe:

«1.   A presente diretiva aplica‑se a todos os pedidos de proteção internacional apresentados no território dos Estados‑Membros, incluindo a fronteira, as águas territoriais e as zonas de trânsito, bem como à retirada da proteção internacional.

2.   A presente diretiva não se aplica aos pedidos de asilo diplomático ou territorial apresentados em representações dos Estados‑Membros.»

3

O artigo 6.o desta diretiva prevê:

«1.   Quando uma pessoa apresenta um pedido de proteção internacional a uma autoridade competente segundo a lei nacional para o registo de tais pedidos, esse registo é feito no prazo de três dias úteis a contar da apresentação do pedido.

Se o pedido de proteção internacional for feito a outras autoridades suscetíveis de o receber, mas não competentes para o registo segundo a lei nacional, os Estados‑Membros asseguram que o registo seja feito no prazo de seis dias úteis a contar da apresentação do pedido.

Os Estados‑Membros asseguram que as autoridades suscetíveis de receber pedidos de proteção internacional, como a polícia, a guarda de fronteiras, as autoridades de imigração e o pessoal de estabelecimentos de detenção, disponham das informações pertinentes e o seu pessoal receba o necessário nível de formação adequada ao exercício das suas funções e responsabilidades, bem como instruções para informar os requerentes da forma e do local próprio para apresentar pedidos de proteção internacional.

2.   Os Estados‑Membros devem assegurar que as pessoas que apresentam um pedido de proteção internacional tenham a possibilidade efetiva de o apresentar o mais rapidamente possível. Se o requerente não apresentar o pedido, os Estados‑Membros podem aplicar o artigo 28.o.

3.   Sem prejuízo do n.o 2, os Estados‑Membros podem exigir que os pedidos de proteção internacional sejam apresentados presencialmente e/ou em local designado.

4.   Não obstante o n.o 3, considera‑se que um pedido de proteção internacional foi apresentado no momento em que as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa recebam um formulário apresentado pelo requerente ou, caso a lei nacional o preveja, um auto lavrado pela autoridade.

5.   Nos casos em que o pedido simultâneo de proteção internacional por um grande número de nacionais de países terceiros ou de apátridas torne muito difícil na prática respeitar o prazo fixado no n.o 1, os Estados‑Membros podem permitir que esse prazo seja fixado em 10 dias úteis.»

4

Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, da referida diretiva:

«Os requerentes são autorizados a permanecer no Estado‑Membro, unicamente para efeitos do processo, até à pronúncia de uma decisão pelo órgão de decisão nos termos dos procedimentos em primeira instância contemplados no capítulo III. Este direito de permanência não habilita o requerente de asilo à autorização de residência.»

Diretiva 2013/33/UE

5

O artigo 13.o da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96), enuncia:

«Por motivos de saúde pública, os Estados‑Membros podem exigir que os requerentes sejam submetidos a um exame médico.»

6

O artigo 17.o, n.o 2, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros asseguram que as condições materiais de acolhimento proporcionam um nível de vida adequado aos requerentes que garanta a sua subsistência e a sua saúde física e mental.»

7

O artigo 19.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes beneficiam dos cuidados de saúde necessários, que incluem, pelo menos, os cuidados de urgência e o tratamento básico de doenças e de distúrbios mentais graves.»

Direito húngaro

8

O artigo 268.o da A veszélyhelyzet megszűnésével összefüggő átmeneti szabályokról és a járványügyi készültségről szóló 2020. évi LVIII. törvény (Lei n.o LVIII de 2020, relativa às Regras Provisórias do Levantamento do Estado de Emergência e à Situação de Alerta Epidemiológica) (Magyar Közlöny 2020. évi 144. száma, p. 3653; a seguir «Lei de 2020») prevê:

«(1)   O estrangeiro notifica a autoridade competente em matéria de asilo da sua vontade de entrar na Hungria para aí apresentar um pedido de asilo, apresentando pessoalmente uma declaração de intenções relativa à apresentação de um pedido de asilo.

(2)   A declaração de intenções relativa à apresentação de um pedido de asilo pode ser entregue, sob a forma de ato dirigido à autoridade competente em matéria de asilo, a uma representação diplomática da Hungria (a seguir “embaixada”), na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Lei relativa às Representações Diplomáticas e ao Serviço Externo, tal como definida no decreto governamental, com o conteúdo especificado e publicado pela autoridade competente em matéria de asilo.

(3)   A autoridade competente em matéria de asilo examina a declaração de intenções e pode realizar entrevistas à distância com o estrangeiro nas suas embaixadas.

(4)   A autoridade competente em matéria de asilo informa a embaixada, no prazo de 60 dias, da emissão de um documento de viagem de entrada única na Hungria (a seguir «documento de viagem») para efeitos da apresentação de um pedido de asilo.

(5)   Se, com base na declaração de intenções, a autoridade competente em matéria de asilo não propuser emitir um documento de viagem, deve informar desse facto o estrangeiro através da embaixada.»

9

Nos termos do artigo 269.o da Lei de 2020:

«Com base nas informações prestadas pela autoridade competente em matéria de asilo nos termos do artigo 268.o, n.o 4, a Embaixada da Hungria emite um documento de viagem válido por 30 dias se o estrangeiro não possuir uma autorização de entrada no território da Hungria.»

10

O artigo 270.o desta lei enuncia:

«(1)   Sem prejuízo do disposto no artigo 271.o, o pedido de asilo pode ser apresentado em conformidade com os procedimentos conduzidos nos termos dos artigos 268.° e 269.o.

(2)   O estrangeiro titular de um documento de viagem informa a polícia de fronteiras da sua intenção de apresentar um pedido de asilo imediatamente após a sua entrada no país.

(3)   A polícia de fronteiras apresenta o estrangeiro à autoridade competente em matéria de asilo no prazo máximo de 24 horas.

(4)   O estrangeiro que tenha apresentado um pedido de asilo pode exercer os direitos que lhe são conferidos pela Lei relativa ao Direito de Asilo a partir da data de apresentação do seu pedido de asilo à autoridade competente em matéria de asilo.

(5)   A autoridade competente em matéria de asilo pode, mediante despacho, afetar um alojamento ao requerente de asilo num centro de acolhimento fechado. Se tiverem decorrido quatro semanas a contar da data de apresentação do pedido e se as condições de detenção não estiverem preenchidas, a autoridade competente em matéria de asilo determina o local de alojamento em conformidade com as regras gerais do procedimento de asilo.»

11

O artigo 271.o da referida lei tem a seguinte redação:

«(1)   A apresentação de um pedido de asilo não depende da apresentação da declaração de intenções referida no artigo 268.o, no caso das seguintes pessoas:

a)

O beneficiário de proteção subsidiária que resida na Hungria,

b)

O membro da família de uma pessoa reconhecida como refugiada ou beneficiária de proteção subsidiária, na aceção da Lei relativa ao Direito de Asilo, que se encontrasse na Hungria no momento da apresentação do pedido de asilo, e

c)

A pessoa sujeita a uma medida de coação, a uma medida ou a uma condenação que restrinja a liberdade individual, a menos que tenha atravessado as fronteiras da Hungria de forma irregular.

(2)   O estrangeiro que atravessa a fronteira da Hungria de forma irregular é reenviado pela polícia — se declarar à polícia a sua intenção de apresentar um pedido de asilo — à embaixada húngara no país vizinho do local onde ocorreu a passagem da fronteira.

(3)   No caso referido no n.o 1, a autoridade competente em matéria de asilo conduz o procedimento de asilo em conformidade com as regras gerais.»

12

O artigo 274.o da mesma lei dispõe:

«As disposições do presente capítulo aplicam‑se à apreciação dos pedidos de asilo apresentados após a entrada em vigor do Decreto Governamental n.o 233/2020 (de 26 de maio de 2020), relativo às regras do procedimento de asilo durante o estado de perigo proclamado, a fim de evitar epidemias humanas que causam doenças de massa que ponham em perigo a segurança das pessoas e dos bens, de prevenir as suas consequências e de proteger a saúde e a vida dos cidadãos húngaros.»

13

O artigo 275.o da Lei de 2020 prevê:

«(1)   O Governo está autorizado a estabelecer, por decreto, a lista das embaixadas húngaras nas quais pode ser apresentada uma declaração de intenções relativa à apresentação de um pedido de asilo.

(2)   O ministro responsável pela polícia de migração e pelo asilo está autorizado a estabelecer, por decreto, com o acordo do ministro dos Negócios Estrangeiros, as modalidades processuais necessárias à aplicação do presente capítulo.»

14

Nos termos do artigo 1.o do Decreto Governamental n.o 292/2020, de 17 de junho de 2020, que designa as Embaixadas para efeitos da Declaração de Intenções de Apresentar um Pedido de Asilo, essa declaração de intenções pode ser apresentada nas embaixadas húngaras em Belgrado (Sérvia) e em Kiev (Ucrânia).

Procedimento pré‑contencioso

15

Em 30 de outubro de 2020, a Comissão enviou uma notificação para cumprir à Hungria, relativa à compatibilidade com o artigo 6.o da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 18.o da Carta, de algumas disposições da Lei de 2020.

16

Em 21 de dezembro de 2020, a Hungria respondeu que a regulamentação húngara criticada era conforme com o direito da União.

17

Em 18 de fevereiro de 2021, a Comissão, não convencida com a resposta, emitiu um parecer fundamentado no qual considerou que a Hungria não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 18.o da Carta, ao sujeitar a possibilidade de os nacionais de países terceiros que se encontram no território da Hungria, incluindo nas fronteiras deste Estado‑Membro, solicitarem a concessão de proteção internacional à condição de tramitação de um procedimento prévio junto de uma representação diplomática húngara situada num país terceiro. A Comissão convidou assim a Hungria a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da sua receção.

18

Em 19 de abril de 2021, a Hungria respondeu ao parecer fundamentado, mantendo a posição segundo a qual a regulamentação húngara criticada pela Comissão era conforme com o direito da União.

19

Em 15 de julho de 2021, por não considerar convincentes as observações formuladas pela Hungria, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

Quanto à ação

Argumentos das partes

20

A Comissão considera que, tendo sujeitado a possibilidade de os nacionais de países terceiros que se encontram no território da Hungria, incluindo nas fronteiras deste Estado‑Membro, acederem ao procedimento de proteção internacional e apresentarem um pedido de proteção internacional à exigência de tramitação de um procedimento prévio junto de uma representação diplomática húngara situada num país terceiro, a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o da Diretiva 2013/32, interpretado à luz do artigo 18.o da Carta.

21

A Comissão alega que a Diretiva 2013/32, que fixa as regras processuais necessárias para dar efeito ao direito de asilo, reconhecido no artigo 18.o da Carta, obriga os Estados‑Membros a garantirem a todas as pessoas que se encontrem no território de um Estado‑Membro, incluindo nas suas fronteiras, o direito de apresentarem um pedido de proteção internacional. Sob pena de prejudicar o efeito útil do artigo 6.o da Diretiva 2013/32, um Estado‑Membro não pode, também, atrasar injustificadamente o momento em que a pessoa em causa fica em condições de apresentar o pedido de proteção internacional.

22

Ora, em primeiro lugar, decorre da Lei de 2020 que se os nacionais de países terceiros presentes em território húngaro, ou nas fronteiras deste Estado‑Membro, manifestarem a intenção de pedir proteção internacional esta declaração não é considerada como apresentação de um pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 6.o da Diretiva 2013/32. Pelo contrário, esses nacionais devem abandonar o território da Hungria para entregar pessoalmente uma declaração de intenções, numa embaixada húngara num país terceiro, que lhes permita, se for caso disso, obter um documento de viagem que os autorize a dar início a um procedimento de proteção internacional na Hungria.

23

A obrigação assim imposta aos requerentes de proteção internacional de abandonarem o território húngaro para terem acesso ao procedimento de asilo pode ser incompatível não só com o direito de esses requerentes permanecerem no Estado‑Membro, garantido no artigo 9.o da Diretiva 2013/32, mas também com o princípio da não repulsão.

24

Além disso, as autoridades húngaras podem indeferir o pedido de entrada no território húngaro, sem terem em conta as obrigações de proteção internacional que incumbem à Hungria.

25

Em segundo lugar, a Comissão reconhece que a pandemia de COVID‑19 exige a adoção de medidas destinadas a limitar a propagação do vírus. Todavia, os Estados‑Membros só podem tomar as medidas necessárias e proporcionadas para proteger a saúde pública. Assim, tais medidas não podem ter por efeito impedir o acesso ao procedimento de proteção internacional.

26

A este respeito, a Comissão forneceu aos Estados‑Membros orientações práticas que alertavam para a possibilidade de adotarem medidas como a prorrogação do prazo de registo dos pedidos de proteção internacional, a apresentação de pedidos em linha ou por correio postal, a realização de entrevista individual em videoconferência ou a prorrogação do prazo de apreciação dos pedidos.

27

Em terceiro lugar, a Lei de 2020 não pode ser justificada com base no artigo 72.o TFUE. Com efeito, incumbe ao Estado‑Membro que invoca o benefício da derrogação prevista neste artigo provar a necessidade de recorrer a essa derrogação no exercício das suas responsabilidades em matéria de manutenção da ordem pública e para garantia da segurança interna. Ora, a Hungria não forneceu tais elementos de prova.

28

A Hungria responde, em primeiro lugar, que a Lei de 2020 foi aprovada após o surgimento da pandemia de COVID‑19, a fim de proteger a população deste Estado‑Membro e da União Europeia.

29

Em conformidade com esta lei e respetivas medidas de execução, em caso de risco epidemiológico, o nacional de um país terceiro deve entregar pessoalmente uma declaração de intenções às embaixadas da Hungria em Belgrado e em Kiev, antes de poder dar início ao procedimento de asilo nesse Estado‑Membro.

30

Todavia, a Lei de 2020 permite que certas categorias de pessoas apresentem diretamente o pedido de proteção internacional na Hungria. É o caso das pessoas que residem há muito tempo nesse Estado‑Membro, que não representam manifestamente riscos de um ponto de vista epidemiológico. Além disso, tendo em conta o elevado número de nacionais de países terceiros que fogem da guerra na Ucrânia, os nacionais de países terceiros que residem legalmente na Ucrânia estão igualmente dispensados desta obrigação de declaração de intenções prévia. Por outro lado, esses nacionais beneficiam de proteção temporária enquanto refugiados que fogem de um conflito armado.

31

Em segundo lugar, decorre do direito internacional que qualquer Estado tem o direito de autorizar ou recusar a entrada no seu território, não havendo nenhuma disposição do direito da União ou do direito internacional que exija que os estrangeiros que residem no território de outro Estado sejam aí automaticamente admitidos.

32

Por outro lado, o procedimento previsto na Lei de 2020 não está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2013/32, como confirma o artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva. De resto, os nacionais de países terceiros que ainda não chegaram à fronteira de um Estado‑Membro não estão sujeitos às regras do direito da União em matéria de asilo.

33

Em terceiro lugar, a Hungria alega que a situação epidemiológica se deteriorou consideravelmente, incluindo na Hungria, na segunda metade do ano de 2020 e que a Comissão não teve em conta estas mudanças drásticas, não tendo as regras do direito da União atualmente em vigor conseguido assegurar uma proteção adequada dos cidadãos da União.

34

Devido à referida situação epidemiológica, vários Estados‑Membros restringiram fortemente a entrada nos seus territórios a partir de países terceiros, tendo também a grande maioria dos Estados‑Membros restringido a livre circulação entre Estados‑Membros, ou mesmo a livre circulação dentro do seu território. Além disso, vários Estados‑Membros restabeleceram o controlo nas respetivas fronteiras internas.

35

Em quarto lugar, a Lei de 2020 constitui o cumprimento da obrigação de assegurar a soberania territorial e a autodeterminação que decorre da Magyarország Alaptörvény (Lei Fundamental húngara).

36

Por último, a Hungria elevou ao nível constitucional as principais disposições da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951[Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], e que entrou em vigor em 22 de abril de 1954, conforme completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967. De resto, a declaração de intenções, prevista na Lei de 2020, podia ser feita na Embaixada da Hungria na Sérvia. Ora, esse país terceiro é parte contratante nesta convenção e, igualmente, país candidato à adesão à União e, a esse título, um país de origem seguro. Por esta razão, a Hungria contesta a existência de risco de repulsão. Além disso, a Lei de 2020 não se opõe à entrega reiterada da declaração de intenções.

Apreciação do Tribunal de Justiça

37

A título preliminar, importa salientar que resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça e da audiência realizada neste tribunal que, por força da regulamentação húngara contestada pela Comissão, o nacional de um país terceiro ou um apátrida que se encontre no território da Hungria ou que se apresente nas fronteiras deste Estado‑Membro e aí pretenda requerer proteção internacional é, em princípio, obrigado a dirigir‑se previamente à Embaixada da Hungria em Belgrado ou em Kiev, a fim de aí entregar pessoalmente uma declaração de intenções. Após análise dessa declaração, as autoridades húngaras competentes podem decidir conceder um documento de viagem a esse nacional de um país terceiro ou a esse apátrida, documento que permite a entrada na Hungria para nela apresentar um pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 6.o da Diretiva 2013/32, na falta de autorização de entrada no território húngaro a outro título.

38

Não obstante, os nacionais de países terceiros ou os apátridas mencionados no artigo 271.o, n.o 1, da Lei de 2020 não estão sujeitos a esse procedimento prévio. Assim, a apresentação da declaração de intenções a uma embaixada húngara não é exigida ao nacional de um país terceiro ou a um apátrida que beneficie de proteção subsidiária e resida na Hungria, quando seja membro da família de um refugiado ou de um beneficiário de proteção subsidiária e se encontrasse na Hungria à data da apresentação do pedido de proteção internacional ou ainda quando esteja sujeito a uma medida de coação, a uma medida ou a uma condenação restritiva da sua liberdade individual, a menos que tenha atravessado irregularmente as fronteiras húngaras.

39

Por outro lado, a Hungria alega que, por força de um decreto governamental aprovado e que entrou em vigor em 24 de fevereiro de 2022, os nacionais de países terceiros ou os apátridas que residiram legalmente na Ucrânia passaram a estar dispensados do cumprimento desse procedimento prévio.

40

Quanto a este último aspeto, resulta de jurisprudência constante que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Por conseguinte, é tendo em conta o estado da legislação interna em vigor nessa data que há que apreciar a existência ou não do incumprimento alegado [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional),C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 68 e jurisprudência referida].

41

Daqui resulta que, no âmbito do exame da compatibilidade da Lei de 2020 com as disposições do direito da União invocadas pela Comissão, o Tribunal de Justiça não pode ter em consideração a alteração em causa no n.o 39 do presente acórdão, uma vez que essa alteração ocorreu após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

42

Feita esta precisão, importa sublinhar que, nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, a Diretiva 2013/32 é aplicável a todos os pedidos de proteção internacional apresentados no território dos Estados‑Membros, incluindo a fronteira, nas águas territoriais ou as zonas de trânsito destes. Em contrapartida, resulta do n.o 2 deste artigo que a referida diretiva não se aplica aos pedidos de asilo diplomático ou territorial apresentados nas representações dos Estados‑Membros.

43

Por outro lado, decorre do artigo 6.o da Diretiva 2013/32 que o nacional de um país terceiro ou o apátrida tem o direito de apresentar um pedido de proteção internacional, incluindo nas fronteiras de um Estado‑Membro, manifestando a sua vontade de beneficiar de proteção internacional junto de uma das autoridades referidas neste artigo, sem que a manifestação dessa vontade possa ficar sujeita a uma formalidade administrativa. Este direito deve ser‑lhe reconhecido, mesmo que se encontre em situação irregular nesse território, independentemente das hipóteses de sucesso de tal pedido [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional),C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.os 97 e 98, e de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminalização da assistência prestada aos requerentes de asilo),C‑821/19, EU:C:2021:930, n.o 136].

44

O direito de apresentar um pedido de proteção internacional condiciona a observância efetiva dos direitos a que esse pedido seja registado e possa ser introduzido e examinado dentro dos prazos fixados pela Diretiva 2013/32 e, em definitivo, a efetividade do direito de solicitar o asilo num Estado‑Membro, conforme garantido pelo artigo 18.o da Carta e concretizado no artigo 6.o desta diretiva [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional),C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 102, e de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminalização da assistência prestada aos requerentes de asilo),C‑821/19, EU:C:2021:930, n.o 132].

45

De resto, com a apresentação do pedido de proteção internacional, o nacional de um país terceiro ou o apátrida adquire a qualidade de requerente de proteção internacional, na aceção da Diretiva 2013/32, e deve, em princípio, ser autorizado a permanecer no território desse Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 9.o desta diretiva [v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminalização da assistência prestada aos requerentes de asilo),C‑821/19, EU:C:2021:930, n.o 137 e jurisprudência referida].

46

Resulta ainda da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Diretiva 2013/32 visa garantir um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de concessão de proteção internacional, incluindo desde a fase de formulação do pedido de proteção internacional [Acórdão de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminação da assistência aos requerentes de asilo),C‑821/19, EU:C:2021:930, n.o 80 e jurisprudência referida].

47

Nesta perspetiva, o artigo 6.o desta diretiva impõe aos Estados‑Membros que garantam que as pessoas em causa possam exercer efetivamente o direito de apresentarem um pedido de proteção internacional, incluindo nas suas fronteiras, logo que manifestem a sua vontade. Sob pena de desrespeitar o efeito útil deste artigo 6.o, um Estado‑Membro não pode, assim, atrasar, de maneira injustificada, o momento no qual a pessoa em causa pode apresentar o seu pedido de proteção internacional [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional),C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.os 103 e 106].

48

No caso em apreço, importa salientar que os artigos 268.° a 270.° da Lei de 2020 aplicam‑se a nacionais de países terceiros e a apátridas que se encontrem no território da Hungria ou que se apresentem nas suas fronteiras e pretendam manifestar a intenção de beneficiar de proteção internacional neste Estado‑Membro. Daqui resulta que, contrariamente ao que a Hungria sustenta, essas pessoas estão plenamente abrangidas pelo âmbito de aplicação da referida diretiva, conforme definido no artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva.

49

O facto de, por força do direito húngaro, as referidas pessoas serem obrigadas a deslocarem‑se, a partir do território da Hungria ou da fronteira deste Estado‑Membro, para entregar pessoalmente a declaração de intenções prévia numa embaixada do referido Estado‑Membro, situada na Sérvia ou na Ucrânia, não altera esta conclusão. Mais especificamente, contrariamente ao que a Hungria sustenta, não pode resultar dessa obrigação que se deva considerar que essas pessoas se limitaram a apresentar um pedido de asilo diplomático ou territorial nas representações dos Estados‑Membros, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32.

50

Por outro lado, como foi recordado no n.o 37 do presente acórdão, por força dos artigos 268.° a 270.° da Lei de 2020, as autoridades húngaras competentes só podem, em princípio, considerar que foi apresentado um pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 6.o da Diretiva 2013/32, se a pessoa em causa tiver apresentado previamente uma declaração de intenções numa embaixada húngara situada num país terceiro e tiver obtido um documento de viagem que lhe permita entrar na Hungria.

51

No entanto, tal condição não está prevista no artigo 6.o da Diretiva 2013/32 e é contrária ao objetivo, prosseguido por esta diretiva e recordado no n.o 46 do presente acórdão, que consiste em assegurar um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de concessão de proteção internacional.

52

Além disso, a regulamentação criticada pela Comissão leva a que, excetuadas as pessoas mencionadas no artigo 271.o, n.o 1, da Lei de 2020, os nacionais de países terceiros ou os apátridas que permaneçam no território da Hungria ou que se apresentem nas fronteiras desse Estado‑Membro, sem se terem submetido ao procedimento prévio imposto por essa lei, fiquem privados do gozo efetivo do direito, conforme garantido no artigo 18.o da Carta, de requerer asilo ao referido Estado‑Membro.

53

Em especial, como a Hungria admitiu na audiência no Tribunal de Justiça, resulta da leitura a contrario do artigo 271.o, n.o 1, alínea c), da Lei de 2020 que os nacionais de países terceiros ou os apátridas que atravessaram irregularmente a fronteira húngara e estão privados da sua liberdade não têm, no que lhes diz respeito, nenhum meio de pedir asilo na Hungria. Com efeito, por um lado, por força deste artigo 271.o, não estão dispensados da obrigação de apresentarem pessoalmente uma declaração de intenções na embaixada húngara em Belgrado ou em Kiev e, por outro, é‑lhes impossível, na prática, entregarem pessoalmente essa declaração de intenções, enquanto durar a privação de liberdade.

54

No entanto, a Hungria alega, em primeiro lugar, que o procedimento instituído pelos artigos 268.° a 270.° da Lei de 2020 se justifica por razões de saúde pública e, mais especificamente, pela luta contra a propagação da pandemia de COVID‑19.

55

A este respeito, importa salientar que resulta do artigo 35.o da Carta, bem como do artigo 9.o TFUE, do artigo 114.o, n.o 3, TFUE e do artigo 168.o, n.o 1, TFUE, que, na definição e execução de todas as políticas e ações da União, deve ser assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana (Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Agenzia delle dogane e dei monopoli e Ministero dell’Economia e delle Finanze, C‑452/20, EU:C:2022:111, n.o 49 e jurisprudência referida).

56

Ora, como foi recordado no n.o 47 do presente acórdão, o artigo 6.o da Diretiva 2013/32 limita‑se a proibir os Estados‑Membros de atrasarem injustificadamente o momento em que o pedido de proteção internacional pode ser apresentado nos seus territórios ou nas suas fronteiras.

57

Daqui resulta que este artigo 6.o não se opõe a que, excecionalmente, os Estados‑Membros sujeitem a apresentação de um pedido de proteção internacional a modalidades especiais, destinadas a limitar a propagação de uma doença contagiosa nos seus territórios, desde que essas modalidades sejam adequadas para garantir esse objetivo e não sejam desproporcionadas em relação ao mesmo.

58

No entanto, não é esse o caso do procedimento previsto nos artigos 268.° a 270.° da Lei de 2020.

59

Com efeito, o facto de obrigar os nacionais de países terceiros ou os apátridas, que permanecem na Hungria ou se apresentam nas fronteiras desse Estado‑Membro, a deslocarem‑se à embaixada do referido Estado‑Membro em Belgrado ou em Kiev para poderem, em seguida, regressar à Hungria para aí apresentarem um pedido de proteção internacional constitui uma violação manifestamente desproporcionada do direito dessas pessoas a apresentarem um pedido de proteção internacional assim que chegam a uma fronteira húngara, conforme consagrado no artigo 6.o da Diretiva 2013/32, bem como do direito de poderem, em princípio, permanecer no território desse Estado‑Membro durante a análise do pedido, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva.

60

Por outro lado, essa limitação não permite alcançar o objetivo de luta contra a propagação da pandemia de COVID‑19 dado que obriga os nacionais de países terceiros ou os apátridas a deslocarem‑se, expondo‑os assim potencialmente a essa doença, que poderiam, posteriormente, propagar na Hungria.

61

Além disso, este Estado‑Membro não demonstrou, nem sequer sustentou no Tribunal de Justiça, que não poderiam ser adotadas outras medidas adequadas, no território húngaro, destinadas a lutar contra a propagação da pandemia de COVID‑19, em relação aos nacionais de países terceiros ou aos apátridas que pretendessem requerer proteção internacional na Hungria.

62

Ora, importa salientar, nomeadamente, que, por força do artigo 13.o da Diretiva 2013/33, os Estados‑Membros podem submeter a um exame médico os requerentes de proteção internacional por razões de saúde pública. Além disso, nenhuma disposição desta diretiva ou da Diretiva 2013/32 se opõe a que esses requerentes fiquem sujeitos a procedimentos de distanciamento ou de isolamento, destinados a evitar a propagação de doenças contagiosas, desde que esses procedimentos prossigam esse objetivo de forma pertinente, proporcionada e não discriminatória e que os direitos reconhecidos aos requerentes pelo artigo 17.o, n.o 2, e pelo artigo 19.o da Diretiva 2013/33 sejam garantidos.

63

Importa ainda acrescentar que, conforme previsto no artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2013/32, o pedido de proteção internacional pode ser apresentado através de um formulário e que, nos termos do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva, os problemas de saúde do requerente de proteção internacional podem justificar a dispensa da entrevista pessoal sobre os fundamentos do pedido. Em todo o caso, tal entrevista deve poder ser realizada à distância, como sugere a Comissão nas suas Orientações sobre a aplicação dos procedimentos de asilo no âmbito da luta contra a pandemia de COVID‑19 (202/C 126/02) (JO 2020, C 126, p. 12).

64

Daqui resulta que, contrariamente ao que a Hungria sustenta, o direito da União autoriza os Estados‑Membros a adotarem medidas que permitam conciliar adequadamente, por um lado, a efetividade do direito de qualquer nacional de um país terceiro ou apátrida a apresentar um pedido de proteção internacional no seu território ou nas suas fronteiras e, por outro, a luta contra doenças contagiosas.

65

Em segundo lugar, posto que a Hungria também evoca motivos de ordem pública e de segurança pública para justificar a adoção da Lei de 2020, importa precisar que, nos termos do artigo 72.o TFUE, as disposições do título V da parte III deste Tratado não prejudicam o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna.

66

Ainda que caiba aos Estados‑Membros adotar as medidas adequadas a garantir a ordem pública no seu território, bem como a sua segurança interna e externa, daqui não resulta, porém, que tais medidas escapem totalmente à aplicação do direito da União. Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou, o Tratado FUE apenas prevê derrogações expressas aplicáveis em caso de situações suscetíveis de pôr em causa a ordem pública ou a segurança pública em situações bastante bem delimitadas. Daí não se pode deduzir que exista uma reserva geral, inerente ao Tratado FUE, que exclua do âmbito de aplicação do direito da União todas as medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública (Acórdão de 30 de junho de 2022, Valstybės sienos apsaugos tarnyba e o., C‑72/22 PPU, EU:C:2022:505, n.o 70 e jurisprudência referida).

67

Além disso, a derrogação prevista no artigo 72.o TFUE deve ser objeto de interpretação restrita. Daqui resulta que este artigo 72.o não pode ser interpretado no sentido de que confere aos Estados‑Membros o poder de derrogarem as disposições do direito da União através da mera invocação das responsabilidades que lhes incumbem com vista à manutenção da ordem pública e à garantia da segurança interna (Acórdão de 30 de junho de 2022, Valstybės sienos apsaugos tarnyba e o., C‑72/22 PPU, EU:C:2022:505, n.o 71 e jurisprudência referida).

68

Por conseguinte, incumbe ao Estado‑Membro que invoca o benefício do artigo 72.o TFUE provar a necessidade de recorrer à derrogação prevista neste artigo para exercer as suas responsabilidades em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional),C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 216 e jurisprudência referida].

69

Ora, no âmbito da presente ação, a Hungria limitou‑se a invocar, de maneira geral, riscos de perturbação da ordem pública e da segurança interna para justificar a compatibilidade da Lei de 2020 com o direito da União, sem demonstrar a necessidade de derrogar especificamente as exigências decorrentes do artigo 6.o da Diretiva 2013/32, tendo em conta a situação existente no seu território no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

70

Resulta de todas as considerações anteriores que, tendo sujeitado a possibilidade de determinados nacionais de países terceiros ou apátridas que se encontram no território da Hungria ou nas fronteiras deste Estado‑Membro apresentarem um pedido de proteção internacional à entrega prévia de uma declaração de intenções numa embaixada húngara situada num país terceiro e à concessão de um documento de viagem que lhes permita entrar no território húngaro, a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o da Diretiva 2013/32.

Quanto às despesas

71

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da recorrente nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

Ao ter sujeitado a possibilidade de determinados nacionais de países terceiros ou apátridas que se encontram no território da Hungria ou nas fronteiras deste Estado‑Membro apresentarem um pedido de proteção internacional à entrega prévia de uma declaração de intenções numa embaixada húngara situada num país terceiro e à concessão de um documento de viagem que lhes permita entrar no território húngaro, a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 6.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional

 

2)

A Hungria suporta, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.

Top