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Document 62020CJ0674

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 27 de abril de 2022.
    Airbnb Ireland UC contra Région de Bruxelles-Capitale.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Bélgica).
    Reenvio prejudicial — Mercado interno — Artigo 114.o, n.o 2, TFUE — Exclusão das disposições fiscais — Diretiva 2000/31/CE — Serviços da sociedade da informação — Comércio eletrónico — Portal eletrónico de intermediação imobiliária — Artigo 1.o, n.o 5, alínea a) — Exclusão do domínio tributário — Definição — Regulamentação regional relativa a um imposto sobre os estabelecimentos de alojamento turístico — Disposição que obriga os intermediários a comunicarem, na sequência de um pedido escrito, determinados dados relativos à exploração desses estabelecimentos à Administração Tributária com o objetivo de identificar os devedores desse imposto — Artigo 56.o TFUE — Inexistência de discriminação — Inexistência de restrição.
    Processo C-674/20.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:303

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    27 de abril de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Mercado interno — Artigo 114.o, n.o 2, TFUE — Exclusão das disposições fiscais — Diretiva 2000/31/CE — Serviços da sociedade da informação — Comércio eletrónico — Portal eletrónico de intermediação imobiliária — Artigo 1.o, n.o 5, alínea a) — Exclusão do domínio tributário — Definição — Regulamentação regional relativa a um imposto sobre os estabelecimentos de alojamento turístico — Disposição que obriga os intermediários a comunicarem, na sequência de um pedido escrito, determinados dados relativos à exploração desses estabelecimentos à Administração Tributária com o objetivo de identificar os devedores desse imposto — Artigo 56.o TFUE — Inexistência de discriminação — Inexistência de restrição»

    No processo C‑674/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional, Bélgica), por Decisão de 26 de novembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de dezembro de 2020, no processo

    Airbnb Ireland UC

    contra

    Região de Bruxelas Capital,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: A. Prechal, presidente de secção, J. Passer, F. Biltgen, N. Wahl (relator) e M. L. Arastey Sahún, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Airbnb Ireland UC, por D. Van Liedekerke, advocaat, e por A. Laes e M. Van Lierde, avocats,

    em representação da Região de Bruxelas Capital, por C. Molitor, avocat,

    em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

    em representação do Governo francês, por N. Vincent e T. Stéhelin, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por R. Guizzi, avvocato dello Stato,

    em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Hoogveld, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll, na qualidade de agente,

    em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por W. Roels, S. Kalėda, P.‑J. Loewenthal e L. Armati, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 5, alínea a), e do artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o Comércio Eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1), dos artigos 1.o a 3.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36), bem como do artigo 56.o TFUE.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso de anulação do artigo 12.o do Despacho da Região de Bruxelas Capital de 23 de dezembro de 2016, relativo ao imposto regional sobre os estabelecimentos de alojamento turístico, interposto pela Airbnb Ireland UC.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 2000/31

    3

    Nos termos do considerando 12 da Diretiva 2000/31:

    «É necessário excluir do âmbito de aplicação da presente diretiva certas atividades, tendo em conta que a livre circulação de serviços não pode, nesta fase, ser garantida ao abrigo do Tratado ou do direito comunitário derivado existente. Essa exclusão não deve contrariar eventuais instrumentos que possam ser necessários ao bom funcionamento do mercado interno. A tributação, especialmente o imposto sobre o valor acrescentado aplicado a um grande número de serviços abrangidos pela presente diretiva, deve ser excluída do seu âmbito de aplicação.»

    4

    O considerando 13 desta diretiva tem a seguinte redação:

    «A presente diretiva não tem por objetivo fixar regras em matéria de obrigações fiscais, nem obstar à criação de instrumentos comunitários respeitantes aos aspetos fiscais do comércio eletrónico.»

    5

    O considerando 21 da referida diretiva enuncia:

    «O âmbito do domínio coordenado é definido sem prejuízo de futura harmonização comunitária em matéria de sociedade da informação e de futura legislação adotada a nível nacional conforme com o direito comunitário. O domínio coordenado abrange exclusivamente exigências respeitantes a atividades em linha, tais como a informação em linha, a publicidade em linha, as compras em linha e os contratos em linha […]»

    6

    O artigo 1.o da Diretiva 2000/31, sob a epígrafe «Objetivo e âmbito de aplicação», dispõe:

    «1.   A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o correto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados‑Membros.

    2.   A presente diretiva aproxima, na medida do necessário à realização do objetivo previsto no n.o 1, certas disposições nacionais aplicáveis aos serviços da sociedade da informação que dizem respeito ao mercado interno, ao estabelecimento dos prestadores de serviços, às comunicações comerciais, aos contratos celebrados por via eletrónica, à responsabilidade dos intermediários, aos códigos de conduta, à resolução extrajudicial de litígios, às ações judiciais e à cooperação entre Estados‑Membros.

    […]

    5.   A presente diretiva não é aplicável:

    a)

    Ao domínio tributário;

    […]»

    7

    O artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva enuncia:

    «Os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.»

    8

    Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 4, da referida diretiva, a derrogação desta proibição só é possível, sob reserva do seu caráter proporcionado face ao objetivo prosseguido, por razões de ordem pública, de proteção da saúde pública, de segurança pública ou de defesa dos consumidores.

    9

    O artigo 15.o, n.o 2, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

    «Os Estados‑Membros podem estabelecer a obrigação, relativamente aos prestadores de serviços da sociedade da informação, de que informem prontamente as autoridades públicas competentes sobre as atividades empreendidas ou informações ilícitas prestadas pelos autores aos destinatários dos serviços por eles prestados, bem como a obrigação de comunicar às autoridades competentes, a pedido destas, informações que permitam a identificação dos destinatários dos serviços com quem possuam acordos de armazenagem.»

    Diretiva 2006/123

    10

    O artigo 1.o, sob a epígrafe «Objeto», da Diretiva 2006/123 dispõe:

    «1.   A presente diretiva estabelece disposições gerais que facilitam o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços e a livre circulação dos serviços, mantendo simultaneamente um elevado nível de qualidade dos serviços.

    […]»

    11

    Nos termos do artigo 2.o, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», desta diretiva:

    «1.   A presente diretiva é aplicável aos serviços fornecidos pelos prestadores estabelecidos num Estado‑Membro.

    […]

    3.   A presente diretiva não se aplica em matéria de fiscalidade.»

    12

    O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Relação com outras disposições do direito [da União]», prevê:

    «1.   Sempre que haja conflito entre uma disposição da presente diretiva e um outro instrumento [da União] que discipline aspetos específicos do acesso e do exercício da atividade de um serviço em domínios ou profissões específicos, as disposições desse instrumento [da União] prevalecem e aplicam‑se a esses domínios ou profissões específicos. […]

    […]

    3.   Os Estados‑Membros aplicam as disposições da presente diretiva no respeito das regras do Tratado que regem o direito de estabelecimento e a livre circulação de serviços.»

    Direito belga

    13

    O Despacho da Região de Bruxelas Capital de 23 de dezembro de 2016, relativo ao imposto regional sobre os estabelecimentos de alojamento turístico (Moniteur belge, 6 de janeiro de 2017, p. 509, a seguir «Despacho de 23 de dezembro de 2016»), institui um imposto de montante fixo por noite de ocupação devido por quem explore um estabelecimento de alojamento turístico, onde se inclui o alojamento local, quando é efetuado a título oneroso (a seguir «imposto turístico de montante fixo»).

    14

    Nos termos do artigo 2.o, ponto 8, do Despacho de 23 de dezembro de 2016, é definida como intermediário «qualquer pessoa singular ou coletiva que, mediante remuneração, intervenha para disponibilizar uma unidade de alojamento no mercado turístico, para assegurar a promoção turística de um estabelecimento de alojamento turístico ou para oferecer serviços através dos quais os operadores e os turistas possam entrar diretamente em contacto uns com os outros».

    15

    Em conformidade com o artigo 3.o deste despacho, o imposto turístico de montante fixo é calculado multiplicando um montante de base por unidade de alojamento, reduzido para os estabelecimentos de alojamento local, pelo número de noites que os turistas passaram nessa unidade de alojamento.

    16

    Resulta do artigo 4.o do referido despacho que o imposto turístico de montante fixo é devido pelo operador do estabelecimento de alojamento turístico ou, se este for insolvente ou desconhecido, pelo proprietário do imóvel, e do artigo 7.o do mesmo despacho que o devedor desse imposto deve apresentar uma declaração mensal à Administração Tributária.

    17

    O artigo 12.o do Despacho de 23 de dezembro de 2016 prevê:

    «Os intermediários devem, em relação aos estabelecimentos de alojamento turístico situados na Região de Bruxelas Capital para os quais atuem como intermediários ou levem a cabo uma política de promoção, comunicar aos funcionários designados pelo governo, na sequência de um pedido escrito, os dados do operador e as coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como o número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior.

    Pode ser aplicada uma coima administrativa de 10000 euros ao intermediário que não der seguimento ao pedido escrito referido no parágrafo anterior.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    Na sequência da entrada em vigor do Despacho de 23 de dezembro de 2016, a Administração Tributária da Região de Bruxelas Capital enviou à Airbnb Ireland, em 10 de fevereiro de 2017, um pedido de informações sobre os devedores do imposto turístico de montante fixo que utilizavam os seus serviços (a seguir «primeiro pedido de informações»).

    19

    Em 31 de março de 2017, a Airbnb Ireland emitiu reservas quanto a este pedido e propôs discuti‑las com as autoridades regionais. Em 8 de agosto de 2017, essa Administração enviou‑lhe um novo pedido de informações, mais específico, relativo a nove estabelecimentos de alojamento turístico situados na Região de Bruxelas Capital (a seguir «segundo pedido de informações»).

    20

    Em 8 de setembro de 2017, a Airbnb Ireland indicou que não lhe daria seguimento, pelo que, em 10 de novembro de 2017, a Administração Tributária da Região de Bruxelas Capital lhe aplicou nove coimas num montante de 10000 euros cada.

    21

    Entre o primeiro pedido de informações e o segundo pedido de informações, a Airbnb Ireland interpôs, em 10 de julho de 2017, no órgão jurisdicional de reenvio, a saber, a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional, Bélgica), um recurso de anulação do artigo 12.o do Despacho de 23 de dezembro de 2016.

    22

    O órgão jurisdicional de reenvio, depois de ter salientado que resultava dos trabalhos parlamentares que o Despacho de 23 de dezembro de 2016 tinha por objetivo, ao instituir o imposto turístico de montante fixo, levar o setor turístico a participar nos encargos financeiros gerados pelo turismo e harmonizar a tributação dos estabelecimentos de alojamento turístico da Região de Bruxelas Capital, teve o cuidado de precisar que os intermediários, entre os quais se inclui a Airbnb Ireland, não eram devedores do referido imposto nem estavam encarregados de o cobrar, embora o artigo 12.o desse despacho os sujeitasse, em contrapartida, a um dever de informação, na sequência de um pedido escrito da Administração Tributária, cujo incumprimento os fazia incorrer numa coima administrativa de 10000 euros.

    23

    Indicando que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um serviço de intermediação que tem por objeto, através de uma plataforma eletrónica, pôr potenciais locatários em contacto, mediante remuneração, com locadores profissionais ou não profissionais que propõem serviços de alojamento de curta duração, fornecendo simultaneamente um certo número de prestações acessórias desse serviço de intermediação, deve ser qualificado de «serviço da sociedade da informação» abrangido pela Diretiva 2000/31 (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland, C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.o 69), o órgão jurisdicional de reenvio, que considera que os intermediários referidos no Despacho de 23 de dezembro de 2016 são principalmente os prestadores desse serviço de intermediação, interroga‑se sobre a pertinência, no presente processo, da referida diretiva, dado que o artigo 1.o, n.o 5, alínea a), desta prevê que a mesma não é aplicável «ao domínio tributário».

    24

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em especial, sobre a interpretação destes termos e sobre a qualificação que deve ser dada ao artigo 12.o do Despacho de 23 de dezembro de 2016 a este respeito. Este artigo faz parte de uma regulamentação fiscal, mas a Airbnb Ireland sustenta, todavia, que a exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 5, alínea a), da Diretiva 2000/31, de interpretação estrita, não é aplicável no caso em apreço, pelo que o artigo 12.o do referido despacho está abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Ora, este artigo 12.o, através da obrigação de comunicação que impõe, não satisfaz as condições, previstas no artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, em que os Estados‑Membros podem adotar medidas restritivas da livre circulação dos serviços da sociedade da informação.

    25

    Nestas circunstâncias, a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 1.o, n.o 5, alínea a), da Diretiva [2000/31] ser interpretado no sentido de que uma legislação nacional que obriga os prestadores de um serviço de intermediação que tem por objeto, através de uma plataforma eletrónica, pôr potenciais locatários em contacto, mediante remuneração, com locadores profissionais ou não profissionais que propõem serviços de alojamento de curta duração, a comunicar, na sequência de um pedido escrito da Administração Tributária e sob pena de coima administrativa, “os dados do operador e as coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como o número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior”, para efeitos de identificação dos devedores de um imposto regional sobre os estabelecimentos de alojamento turístico e sobre os seus rendimentos tributáveis, é abrangida pelo “domínio tributário” e deve, portanto, ser considerada excluída do âmbito de aplicação desta diretiva?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, devem os artigos 1.o a 3.o da Diretiva [2006/123] ser interpretados no sentido de que esta diretiva é aplicável a uma legislação nacional como a descrita na primeira questão prejudicial? Sendo caso disso, deve o artigo 56.o [TFUE] ser interpretado no sentido de que se aplica a tal legislação?

    3)

    Deve o artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva [2000/31] ser interpretado no sentido de que se aplica a uma legislação nacional como a descrita na primeira questão prejudicial e no sentido de que autoriza essa legislação?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    26

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 5, alínea a), da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que uma disposição de uma regulamentação fiscal de um Estado‑Membro que obriga os intermediários, no que respeita aos estabelecimentos de alojamento turístico situados numa região desse Estado‑Membro para os quais atuem como intermediários ou levem a cabo uma política de promoção, a comunicarem à Administração Tributária, na sequência de um pedido escrito desta, os dados do operador e as coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como o número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior, deve ser considerada indissociável, quanto à sua natureza, da regulamentação da qual faz parte e é, por conseguinte, abrangida pelo «domínio tributário», que é expressamente excluído do âmbito de aplicação desta diretiva.

    27

    Em primeiro lugar, há que recordar que a Diretiva 2000/31 foi adotada com base, nomeadamente, no artigo 95.o CE, cujos termos foram reproduzidos no artigo 114.o TFUE, que exclui do seu âmbito de aplicação, no seu n.o 2, as «disposições fiscais». No Acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/Conselho (C‑338/01, EU:C:2004:253, n.o 63), o Tribunal de Justiça indicou que estes termos abrangiam não apenas todos os domínios da fiscalidade, sem distinguir os tipos de impostos ou taxas em causa, mas também todos os aspetos desta matéria, quer se trate de regras substantivas quer de regras adjetivas. O Tribunal de Justiça precisou igualmente que as modalidades de cobrança de imposições de qualquer natureza que seja não podem ser dissociadas do sistema de tributação ou de imposição ao qual estejam ligadas (Acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/Conselho, C‑338/01, EU:C:2004:253, n.o 66).

    28

    Em segundo lugar, esta interpretação resulta igualmente da posição dessas disposições nos Tratados. O artigo 114.o, n.o 2, TFUE faz parte do capítulo 3, intitulado «A aproximação das legislações», que se segue a um capítulo 2, denominado «Disposições fiscais», no título VII, que tem por objeto «[a]s regras comuns relativas à concorrência, à fiscalidade e à aproximação das legislações», do Tratado FUE. Por conseguinte, tudo o que se refere ao referido capítulo 3, a saber, a aproximação das legislações, não incide, nem pode incidir, sobre o que é abrangido pelo referido capítulo 2, a saber, as disposições fiscais.

    29

    Em terceiro lugar, o mesmo raciocínio é válido no que respeita ao direito derivado adotado com base no artigo 95.o CE, e depois no artigo 114.o TFUE. Além disso, é o que resulta da interpretação literal dos termos amplos utilizados no artigo 1.o, n.o 5, alínea a), da Diretiva 2000/31, a saber, o «domínio tributário», que exigem, portanto, uma interpretação ampla, como o Tribunal de Justiça reconheceu, por exemplo, a respeito do conceito de «domínio dos transportes», mais amplo do que o de «serviços de transporte» (Acórdão de 15 de outubro de 2015, Grupo Itevelesa e o. C‑168/14, EU:C:2015:685, n.o 41).

    30

    Em quarto lugar, estas considerações são corroboradas pela leitura dos considerandos 12 e 13 da Diretiva 2000/31, que enunciam que esta diretiva exclui do seu âmbito de aplicação «a tributação» e que a referida diretiva «não tem por objetivo fixar regras em matéria de obrigações fiscais».

    31

    No caso em apreço, é pacífico que serviços como os prestados pela Airbnb Ireland são serviços da sociedade da informação, abrangidos pela Diretiva 2000/31, tendo o Tribunal de Justiça definido desse modo um serviço de intermediação que tenha por objeto, através de uma plataforma eletrónica, pôr potenciais locatários em contacto, mediante remuneração, com locadores profissionais ou não profissionais que propõem serviços de alojamento de curta duração, fornecendo simultaneamente um certo número de prestações acessórias desse serviço de intermediação (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland, C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.os 49 e 69).

    32

    Todavia, como o órgão jurisdicional de reenvio salientou, a aplicabilidade desta diretiva ao litígio no processo principal está subordinada à condição de o artigo 12.o do Despacho de 23 de dezembro de 2016, que obriga os intermediários, em relação aos estabelecimentos de alojamento turístico situados na Região de Bruxelas Capital para os quais atuem como intermediários ou levem a cabo uma política de promoção, a comunicarem à Administração Tributária, na sequência de um pedido escrito desta, os dados do operador e as coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como o número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior, não poder ser considerado abrangido pelo «domínio tributário», sob pena de ficar excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/31, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 5, alínea a), desta última.

    33

    A este respeito, importa sublinhar que, embora seja verdade que o artigo 12.o do Despacho de 23 de dezembro de 2016 não se dirige, em si mesmo, aos devedores do imposto turístico de montante fixo, mas às pessoas que tenham desempenhado um papel de intermediário na exploração de um alojamento turístico a título oneroso, e que o seu objeto é a prestação de informações à Administração Tributária da Região de Bruxelas Capital, sob pena de coima, não é menos verdade que, em primeiro lugar, a administração destinatária dessas informações é a Administração Tributária, em segundo lugar, como o próprio órgão jurisdicional de reenvio sublinha, este artigo faz parte de uma regulamentação fiscal, a saber, o Despacho de 23 de dezembro de 2016, e, em terceiro lugar, as informações cuja transmissão é imposta por essa disposição são indissociáveis, quanto à sua substância, da referida regulamentação, dado que só elas são suscetíveis de identificar o devedor efetivo do referido imposto, a base do mesmo, a saber a localização do alojamento local, o número de unidades de alojamento bem como o número de noites e, consequentemente, o seu montante.

    34

    Por conseguinte, há que responder à primeira questão que uma disposição de uma regulamentação fiscal de um Estado‑Membro que obriga os intermediários, no que respeita aos estabelecimentos de alojamento turístico situados numa região desse Estado‑Membro para os quais atuem como intermediários ou levem a cabo uma política de promoção, a comunicarem à Administração Tributária regional, na sequência de um pedido escrito desta, os dados do operador e as coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como o número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior, deve ser considerada indissociável, quanto à sua natureza, da regulamentação da qual faz parte e é, por conseguinte, abrangida pelo «domínio tributário», que é expressamente excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/31.

    Quanto à segunda questão

    Quanto à admissibilidade

    35

    Os Governos italiano e austríaco consideram que a segunda questão é inadmissível, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu as precisões exigidas pelo artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça para sustentar a invocação dos artigos 1.o a 3.o da Diretiva 2006/123 e do artigo 56.o TFUE e não precisou quais as consequências que pretendia retirar, para a resolução do litígio no processo principal, da interpretação solicitada dessas disposições. Em seu entender, a necessidade desta questão não resulta, portanto, da decisão de reenvio.

    36

    Há que constatar que a segunda questão se subdivide em duas partes, visando a primeira parte apurar se os artigos 1.o a 3.o da Diretiva 2006/123 se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal e incidindo a segunda sobre a compatibilidade de tal regulamentação com o artigo 56.o TFUE.

    37

    Quanto à primeira parte da segunda questão, é verdade que o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu nenhuma indicação em apoio da menção dos artigos 1.o a 3.o da Diretiva 2006/123, pelo que o Tribunal de Justiça não conhece as razões que levaram esse órgão jurisdicional a interrogar‑se sobre a interpretação destas disposições nem o nexo que estabelece entre estas últimas e o artigo 12.o do Despacho de 23 de dezembro de 2016, contrariamente aos requisitos estabelecidos no artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo (v., neste sentido, Despacho de 30 de junho de 2020, Airbnb Ireland e Airbnb Payments UK, C‑723/19, não publicado, EU:C:2020:509, n.o 29). Esta primeira parte da segunda questão prejudicial é, portanto, inadmissível.

    38

    Em contrapartida, no que respeita à segunda parte da segunda questão, o pedido de decisão prejudicial menciona várias vezes o artigo 56.o TFUE no resumo, feito pelo órgão jurisdicional de reenvio, do conjunto dos fundamentos invocados pela Airbnb Ireland. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça está em condições de identificar o nexo exato que esse órgão jurisdicional estabelece, no âmbito específico do processo principal, entre essa disposição e o artigo 12.o do Despacho de 23 de dezembro de 2016. Há, assim, que considerar admissível a segunda parte da segunda questão e que responder à mesma quanto ao mérito.

    Quanto ao mérito

    39

    Com a segunda parte da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, que obriga os prestadores de serviços de intermediação imobiliária, independentemente do seu local de estabelecimento e da forma como intervêm, no que respeita aos estabelecimentos de alojamento turístico situados numa região do Estado‑Membro em causa para os quais atuem como intermediários ou levem a cabo uma política de promoção, a comunicarem à Administração Tributária regional, na sequência de um pedido escrito desta, os dados do operador e as coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como o número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior, é ou não contrária à proibição estabelecida no artigo 56.o TFUE.

    40

    Antes de mais, importa sublinhar que o artigo 12.o do Despacho de 23 de dezembro de 2016 estabelece uma obrigação de dar seguimento a um pedido de informações das autoridades tributárias relativamente a todos os intermediários cuja atividade diga respeito a estabelecimentos de alojamento turístico situados na Região de Bruxelas Capital, independentemente do local de estabelecimento desses intermediários e, por conseguinte, seja qual for o Estado‑Membro em que estão estabelecidos, sem que também não seja pertinente a maneira pela qual esses operadores económicos intervêm, por via digital ou através de outras formas de contacto.

    41

    Tal regulamentação não é, portanto, discriminatória e não incide, enquanto tal, sobre as condições da prestação de serviços de intermediação, limitando‑se a obrigar os prestadores de serviços, uma vez realizada essa prestação, a conservar os respetivos dados para efeitos da cobrança exata dos impostos relativos à locação dos bens em causa aos proprietários em questão.

    42

    A este respeito, resulta de jurisprudência constante que uma legislação nacional oponível a todos os operadores que exerçam atividades no território nacional, que não tenha por objeto regular as condições relativas ao exercício da prestação de serviços das empresas em causa e cujos efeitos restritivos que possa produzir sobre a liberdade de prestação de serviços são demasiado aleatórios e demasiado indiretos para que a obrigação que ela enuncia possa ser considerada suscetível de restringir esta liberdade, não é contrária à proibição prevista no artigo 56.o TFUE (Acórdão de 8 de maio de 2014, Pelckmans Turnhout, C‑483/12, EU:C:2014:304, n.o 25 e jurisprudência referida).

    43

    Embora admitindo esse caráter não discriminatório em teoria, a Airbnb Ireland considera que, na prática, o artigo 12.o do Despacho de 23 de dezembro de 2016 afeta especialmente serviços de intermediação como os que ela assegura.

    44

    É certo que a evolução dos meios tecnológicos e a configuração atual do mercado da prestação de serviços de intermediação imobiliária levam à conclusão de que os intermediários que fornecem as suas prestações através de um portal eletrónico são suscetíveis de se deparar, em aplicação de uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, com uma obrigação de transmissão de dados à Administração Tributária mais frequente e mais importante do que a que recai sobre outros intermediários. No entanto, esta obrigação mais ampla é apenas o reflexo de um maior número de transações efetuadas pelos referidos intermediários e da sua respetiva quota de mercado. Daí não resulta, por conseguinte, qualquer discriminação.

    45

    Em seguida, há que salientar que, pela sua própria natureza, as obrigações fiscais implicam encargos suplementares para os prestadores de serviços.

    46

    Ora, o Tribunal de Justiça teve oportunidade de sublinhar que o artigo 56.o TFUE não tem por objeto medidas cujo único efeito é o de gerar custos suplementares para a prestação em causa e que afetam da mesma maneira a prestação de serviços entre os Estados‑Membros e a prestação de serviços interna de um Estado‑Membro (v. Acórdão de 22 de novembro de 2018, Vorarlberger Landes‑ und Hypothekenbank, C‑625/17, EU:C:2018:939, n.o 32 e jurisprudência referida).

    47

    Por último, ainda que a obrigação imposta a todos os intermediários de prestarem informações à Administração Tributária, quando esta o solicite, relativamente aos dados do operador e às coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como ao número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior, possa gerar custos suplementares, associados, nomeadamente, à pesquisa e ao armazenamento dos dados em causa, importa observar, sobretudo no caso dos serviços de intermediação prestados por via digital, que os dados em causa são gravados por intermediários como a Airbnb Ireland, pelo que, em qualquer caso, o custo suplementar que essa obrigação implica para esses intermediários se afigura reduzido.

    48

    A este respeito, basta remeter para as declarações desta no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:1112), segundo as quais indicava que oferecia como serviço «um sistema de classificação dos locadores e dos locatários acessível aos futuros locadores e locatários», o que implica, automaticamente, a conservação dos respetivos dados.

    49

    Por conseguinte, há que responder à segunda parte da segunda questão que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, que obriga os prestadores de serviços de intermediação imobiliária, independentemente do seu local de estabelecimento e da forma como intervêm, no que respeita aos estabelecimentos de alojamento turístico situados numa região do Estado‑Membro em causa para os quais atuem como intermediários ou levem a cabo uma política de promoção, a comunicarem à Administração Tributária regional, na sequência de um pedido escrito desta, os dados do operador e as coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como o número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior, não é contrária à proibição estabelecida no artigo 56.o TFUE.

    Quanto à terceira questão

    50

    A terceira questão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2000/31 e assenta na premissa de que esta última é aplicável ao litígio no processo principal. Ora, resulta da resposta dada à primeira questão que não é esse o caso. Assim, não há que responder à terceira questão.

    Quanto às despesas

    51

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

     

    1)

    Uma disposição de uma regulamentação fiscal de um Estado‑Membro que obriga os intermediários, no que respeita aos estabelecimentos de alojamento turístico situados numa região desse Estado‑Membro para os quais atuem como intermediários ou levem a cabo uma política de promoção, a comunicarem à Administração Tributária regional, na sequência de um pedido escrito desta, os dados do operador e as coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como o número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior, deve ser considerada indissociável, quanto à sua natureza, da regulamentação da qual faz parte e é, por conseguinte, abrangida pelo «domínio tributário», que é expressamente excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o Comércio Eletrónico»).

     

    2)

    Uma regulamentação que obriga os prestadores de serviços de intermediação imobiliária, independentemente do seu local de estabelecimento e da forma como intervêm, no que respeita aos estabelecimentos de alojamento turístico situados numa região do Estado‑Membro em causa para os quais atuem como intermediários ou levem a cabo uma política de promoção, a comunicarem à Administração Tributária regional, na sequência de um pedido escrito desta, os dados do operador e as coordenadas dos estabelecimentos de alojamento turístico, bem como o número de noites e de unidades de alojamento exploradas durante o ano anterior, não é contrária à proibição estabelecida no artigo 56.o TFUE.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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