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Document 62019CJ0086

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 9 de julho de 2020.
SL contra Vueling Airlines SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de lo Mercantil n.° 9 de Barcelona.
Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Convenção de Montreal — Artigo17.o, n.o 2 — Responsabilidade das transportadoras aéreas em matéria de bagagens registadas — Perda comprovada de uma bagagem registada — Direito a indemnização — Artigo 22.o, n.o 2 — Limites de responsabilidade por destruição, perda, avaria ou atraso da bagagem — Inexistência de informação relativa à bagagem perdida — Ónus da prova — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípios da equivalência e da efetividade.
Processo C-86/19.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:538

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

9 de julho de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Convenção de Montreal — Artigo17.o, n.o 2 — Responsabilidade das transportadoras aéreas em matéria de bagagens registadas — Perda comprovada de uma bagagem registada — Direito a indemnização — Artigo 22.o, n.o 2 — Limites de responsabilidade por destruição, perda, avaria ou atraso da bagagem — Inexistência de informação relativa à bagagem perdida — Ónus da prova — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípios da equivalência e da efetividade»

No processo C‑86/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Mercantil n.o 9 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 9 de Barcelona, Espanha), por Decisão de 3 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça, em 6 de fevereiro de 2019, no processo

SL

contra

Vueling Airlines SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, S. Rodin, D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de janeiro de 2020,

vistas as observações apresentadas:

em representação de SL, por A. Azcárraga Gonzalo, A. Velázquez Cobos e J. C. Siqueira Viana, abogados,

em representação da Vueling Airlines SA, por J. Fillat Boneta, abogado,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann, U. Bartl e A. Berg, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e M. A. M. de Ree, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Rius e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de março de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.o, n.o 2, e do artigo 22.o, n.o 2, da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999, assinada pela Comunidade Europeia, em 9 de dezembro de 1999, e aprovada em seu nome pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001 (JO 2001, L 194, p. 38) (a seguir «Convenção de Montreal»), que entrou em vigor, no que respeita à União Europeia, em 28 de junho de 2004.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe SL à Vueling Airlines SA, uma transportadora aérea, a respeito de um pedido de indemnização dos danos materiais e morais resultantes da perda da bagagem registada por SL num voo efetuado por essa transportadora.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

No terceiro parágrafo do preâmbulo da Convenção de Montreal, os Estados partes «reconhece[m] a importância de assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, bem como a necessidade de uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição».

4

O quinto parágrafo deste preâmbulo enuncia que «uma ação coletiva dos Estados atinente a uma maior harmonização e codificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional através da celebração de uma nova Convenção constitui o meio mais adequado de alcançar um justo equilíbrio de interesses».

5

O artigo 3.o, n.o 3, da Convenção de Montreal prevê:

«A transportadora entregará ao passageiro um bilhete de bagagem por cada volume de bagagem registada.»

6

O artigo 17.o desta convenção, sob a epígrafe «Morte ou lesão corporal de passageiros — Avaria de bagagens», estipula:

«[…]

2.   A transportadora só é responsável pelo dano causado em caso de destruição, perda ou avaria de bagagem registada se o evento causador de tal destruição, perda ou avaria se produzir a bordo da aeronave ou durante um período em que a bagagem registada se encontre à guarda da transportadora. […]

3.   Caso a transportadora admita a perda de bagagem registada ou esta não chegue no prazo de vinte e um dias a contar da data em que deveria ter chegado, o passageiro pode fazer valer contra a transportadora os direitos decorrentes do contrato de transporte.

4.   Salvo disposição em contrário, para efeitos da presente Convenção entende‑se por “bagagem” quer a bagagem registada quer a bagagem não registada.»

7

O artigo 22.o da referida convenção, sob a epígrafe «Limites da responsabilidade por atrasos, bagagens e mercadorias», dispõe, no seu n.o 2:

«No transporte de bagagens, a responsabilidade da transportadora em caso de destruição, perda, avaria ou atraso está limitada a 1000 direitos de saque especiais por passageiro, salvo declaração especial de interesse na entrega no destino feita pelo passageiro no momento da entrega da bagagem à transportadora e mediante o pagamento de um montante suplementar eventual. Nesse caso, a transportadora será responsável pelo pagamento de um montante igual ou inferior ao montante declarado, exceto se provar que tal montante é superior ao real interesse do passageiro na entrega no destino.»

8

Em conformidade com o procedimento previsto no artigo 24.o da Convenção de Montreal, o limite de responsabilidade previsto no artigo 22.o, n.o 2 desta ascendeu a 1131 direitos de saque especiais (a seguir «DSE») por passageiro, pelos danos causados à bagagem a partir de 30 de dezembro de 2009. Este montante foi aumentado para 1288 DSE a partir de 28 de dezembro de 2019.

Direito da União

9

Após a assinatura da Convenção de Montreal, o Regulamento (CE) n.o 2027/97 do Conselho, de 9 de outubro de 1997, relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas no transporte de passageiros e respetiva bagagem (JO 1997, L 285, p. 1), foi alterado pelo Regulamento (CE) n.o 889/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de maio de 2002 (JO 2002, L 140, p. 2) (a seguir «Regulamento n.o 2027/97»).

10

Os considerandos 12 e 18 do Regulamento n.o 889/2002 enunciam:

«(12)

A existência de limites de responsabilidade uniformes para a perda, os danos ou a destruição da bagagem e para os prejuízos causados pelos atrasos, aplicáveis a todas as viagens efetuadas por transportadoras [da União], garantirá o estabelecimento de regras simples e claras para os passageiros e para as companhias aéreas e permitirá que os passageiros reconheçam a necessidade de fazerem ou não um seguro complementar.

[…]

(18)

Na medida em que forem necessárias novas regras para executar a Convenção de Montreal relativamente a questões não abrangidas pelo Regulamento (CE) n.o 2027/97, caberá aos Estados‑Membros fixar essas disposições».

11

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 2027/97:

«O presente regulamento transpõe as disposições pertinentes da Convenção de Montreal respeitantes ao transporte aéreo de passageiros e da sua bagagem e estabelece certas disposições complementares. O presente regulamento também torna o âmbito de aplicação dessas disposições extensivo ao transporte aéreo dentro de um Estado‑Membro.»

12

O artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«A responsabilidade das transportadoras aéreas [da União] relativamente aos passageiros e à sua bagagem regula‑se por todas as disposições da Convenção de Montreal aplicáveis a essa responsabilidade.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

13

Em 18 de setembro de 2017, SL viajou de Ibiza (Espanha) para Fuerteventura (Espanha), fazendo escala em Barcelona (Espanha), num voo operado pela Vueling Airlines. Registou a sua bagagem nesta transportadora aérea.

14

À chegada, após um voo que decorreu normalmente, SL constatou que a sua bagagem não tinha chegado ao destino. Por essa razão, apresentou uma reclamação à referida transportadora aérea.

15

Em 11 de dezembro de 2017, SL intentou no órgão jurisdicional de reenvio, o Juzgado de lo Mercantil n.o 9 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 9 de Barcelona, Espanha), uma ação contra a Vueling Airlines destinada a obter o pagamento de uma indemnização correspondente ao limite máximo de 1131 DSE, previsto no artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, a título de reparação dos danos materiais e morais que a perda da sua bagagem lhe causou. Em apoio do seu pedido, SL alega que a perda é o caso mais grave de dano causado à bagagem previsto nesta disposição.

16

A Vueling Airlines reconhece que essa bagagem não foi encontrada. Opõe‑se, no entanto, ao pagamento do limite máximo de indemnização previsto no artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal e apenas oferece o montante de 250 euros a título de reparação dos danos materiais e morais causados pela perda da referida bagagem. Alega que SL não indicou o conteúdo da mesma bagagem, o seu valor e o seu peso, nem apresentou os comprovativos das compras efetuadas para substituir os objetos que se encontravam na mesma. Ora, a Vueling Airlines considera que estes elementos são necessários para que um passageiro possa provar que lhe deve ser concedida uma indemnização correspondente ao limite máximo previsto no artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal.

17

O órgão jurisdicional de reenvio refere divergências de jurisprudência a nível nacional relativamente à interpretação do artigo 17.o, n.o 2, e do artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal. Quando se comprova a perda de bagagem, alguns órgãos jurisdicionais concedem o limite máximo de indemnização previsto nesta última disposição, uma vez que se trata do caso mais grave de dano causado à bagagem entre os previstos no artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, sem exigir ao passageiro que alegue ou apresente elementos de prova suplementares. Em contrapartida, outros órgãos jurisdicionais declaram que o montante da indemnização a conceder ao passageiro em caso de perda de bagagem deve ser determinado pelo juiz em função dos elementos de prova apresentados, estando a pessoa lesada obrigada a demonstrar, por qualquer meio de prova juridicamente admissível, os danos sofridos.

18

Nestas circunstâncias, o Juzgado de lo Mercantil n.o 9 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 9 de Barcelona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Depois de comprovada a perda da mala, deve a companhia aérea indemnizar o passageiro, sempre e em qualquer caso, pelo limite indemnizatório máximo de 1131 DSE, por se tratar da situação mais grave entre as previstas [no artigo 17.o, n.o 2, e] no artigo 22.o, n.o 2, da [Convenção de Montreal], ou o referido montante constitui um limite indemnizatório máximo que pode ser reduzido pelo juiz, inclusivamente no caso de perda da mala, tendo em conta as circunstâncias do caso, de tal modo que só será atribuído o montante de 1131 DSE se o passageiro demonstrar, por qualquer meio de prova juridicamente admissível, que o valor dos objetos e bens pessoais contidos na bagagem registada, bem como dos que teve que adquirir para a sua substituição, atingiu o referido limite ou, na falta desses elementos, pode o juiz ter igualmente em conta outros parâmetros como, por exemplo, o número de quilos que pesava a mala ou o facto de a perda da bagagem ter ocorrido na viagem de ida ou na de volta, para efeitos da avaliação dos danos morais provocados pelos transtornos resultantes do extravio da bagagem?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

19

A Vueling Airlines sustenta que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, uma vez que a resposta à questão relativa à interpretação do artigo 17.o, n.o 2, e do artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal pode ser claramente deduzida da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente do Acórdão de 6 de maio de 2010, Walz (C‑63/09, EU:C:2010:251), e não suscita, assim, nenhuma dúvida razoável.

20

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo principal, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, de que a Convenção de Montreal é parte integrante (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de maio de 2010, Walz, C‑63/09, EU:C:2010:251, n.os 19 e 20, e de 12 de abril de 2018, Finnair, C‑258/16, EU:C:2018:252, n.os 19 e 20), o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [v., designadamente, Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 97, e de 19 de dezembro de 2019, Junqueras VIES, C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.o 55 e jurisprudência referida].

21

Daqui resulta que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de março de 2018, flightright e o., C‑274/16, C‑447/16 e C‑448/16, EU:C:2018:160, n.o 46, e de 24 de outubro de 2018, XC e o., C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 16 e jurisprudência referida).

22

Contudo, não é de forma alguma proibido a um órgão jurisdicional nacional apresentar ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial cuja resposta, no entender de uma das partes no processo principal, não dá azo a nenhuma dúvida razoável. Deste modo, mesmo admitindo que seja esse o caso, esta questão não se torna, por isso, inadmissível (Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.os 64 e 65).

23

Daqui resulta que a argumentação da Vueling Airlines destinada a demonstrar a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial deve ser rejeitada e que há que responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Quanto ao mérito

Observações preliminares

24

A título preliminar, importa salientar que a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio contém, em substância, duas questões. A primeira diz respeito ao caráter fixo ou não da indemnização que, nos termos do artigo 17.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 2, da mesma, é devida a um passageiro cuja bagagem registada, que não foi objeto de uma declaração especial de interesse na entrega no destino, foi perdida durante qualquer período em que uma transportadora aérea teve a guarda da mesma. A segunda questão tem por objeto as modalidades de determinação do montante daquela indemnização, no caso de o montante referido no artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal não constituir um montante devido de pleno direito e fixo.

25

Por conseguinte, importa analisar sucessivamente cada uma destas duas questões.

26

Para esse efeito, importa recordar, que, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2027/97, a responsabilidade das transportadoras aéreas da União perante os passageiros e respetivas bagagens se rege por todas as disposições da Convenção de Montreal relativas a tal responsabilidade (Acórdãos de 6 de maio de 2010, Walz, C‑63/09, EU:C:2010:251, n.o 18, e de 19 de dezembro de 2019, Niki Luftfahrt, C‑532/18, EU:C:2019:1127, n.o 29).

27

Do mesmo modo, é jurisprudência constante que as disposições de um tratado internacional, como a Convenção de Montreal, devem ser interpretadas de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim, em conformidade com o direito internacional geral, que vincula a União, conforme codificado pelo artigo 31.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331) (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de maio de 2010, Walz, C‑63/09, EU:C:2010:251, n.o 23; de 22 de novembro de 2012, Espada Sánchez e o., C‑410/11, EU:C:2012:747, n.os 20 a 22; e de 19 de dezembro de 2019, Niki Luftfahrt, C‑532/18, EU:C:2019:1127, n.o 31).

Quanto à primeira questão

28

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 2, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que o montante previsto por esta última disposição a título de limite de responsabilidade da transportadora aérea, em caso de destruição, perda, avaria ou atraso de bagagens registadas que não foram objeto de uma declaração especial de interesse na entrega no destino, constitui um limite máximo de indemnização ou, pelo contrário, um montante fixo devido de pleno direito ao passageiro.

29

Em aplicação do artigo 17.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, a transportadora aérea é responsável pelo dano causado em caso de destruição, de perda ou de avaria de bagagem registada, «se o evento causador de tal destruição, perda ou avaria se produzir a bordo da aeronave ou durante um período em que a bagagem registada se encontre à guarda da transportadora» (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de maio de 2010, Walz, C‑63/09, EU:C:2010:251, n.o 32, e de 22 de novembro de 2012, Espada Sánchez e o., C‑410/11, EU:C:2012:747, n.os 25 e 26). Esta disposição limita‑se, por conseguinte, a estabelecer as condições em que o direito a indemnização é reconhecido aos passageiros dos transportes aéreos em caso de destruição, perda ou avaria de bagagens registadas.

30

No que respeita ao artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, o Tribunal de Justiça declarou não só que, no transporte de bagagens, a responsabilidade da transportadora aérea em caso de destruição, perda, avaria ou atraso «está limitada», a partir de 30 de dezembro de 2009 e até 28 de dezembro de 2019, ao montante de 1131 DSE por passageiro mas também que o limite previsto nesta disposição constitui um limite máximo de indemnização que não pode ser adquirido de pleno direito e de forma fixa por todos os passageiros, mesmo em caso de perda das suas bagagens (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2012, Espada Sánchez e o., C‑410/11, EU:C:2012:747, n.o 34).

31

O Tribunal de Justiça declarou igualmente que os limites da indemnização fixados no artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal devem aplicar‑se à totalidade do prejuízo causado, independentemente da sua natureza material ou moral. A este respeito, precisou que a possibilidade de o passageiro fazer uma declaração especial de interesse no momento da entrega da bagagem registada à transportadora, a título da segunda parte desta disposição, confirma que o limite da responsabilidade da transportadora aérea pelo prejuízo resultante da perda de bagagens é, na falta de qualquer declaração especial de interesse na entrega no destino, um limite absoluto que cobre tanto o dano moral como o dano material (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2010, Walz, C‑63/09, EU:C:2010:251, n.os 37 e 38).

32

Por outro lado, resulta dos trabalhos preparatórios relativos à Convenção de Montreal que os montantes que figuram na disposição do projeto de texto que posteriormente se tornou no artigo 22.o desta convenção foram concebidos como montantes máximos e não como montantes fixos de indemnização a conceder automaticamente às pessoas lesadas. Embora esta interpretação possa ser refletida com mais precisão utilizando uma expressão como «não pode exceder», foi decidido acolher a expressão «está limitada», na medida em que esta expressão é utilizada de modo corrente na jurisprudência produzida no que respeita à Convenção para a unificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional, assinada em Varsóvia, em 12 de outubro de 1929 (Sociedade das Nações — Recueil des traités, vol. CXXXVII, p. 12), que foi substituída pela Convenção de Montreal (ata da 12.a reunião da Comissão Plenária de 25 de maio de 1999, Conferência Internacional de Direito Aéreo, Montreal, 10 a 28 de maio de 1999, vol. I, atas).

33

Neste contexto, importa igualmente precisar que não resulta do artigo 17.o, n.o 2, nem do artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal que a perda de bagagens deva ser considerada o caso mais grave de dano causado às bagagens, de tal modo que uma indemnização correspondente ao montante previsto na segunda disposição seria devida de pleno direito ao passageiro lesado pelo simples facto de se ter comprovado essa perda. Com efeito, estas disposições limitam‑se a enumerar os diferentes casos suscetíveis de desencadear a responsabilidade da transportadora aérea pelos danos ocorridos no transporte de bagagem, dentro do limite previsto na segunda disposição, sem, no entanto, estabelecer uma hierarquia entre esses casos em função da sua gravidade.

34

Daqui decorre que o montante da indemnização devida por uma transportadora aérea a um passageiro, cuja bagagem registada, que não foi objeto de uma declaração especial de interesse na entrega no destino, sofreu destruição, perda, avaria ou atraso, deve ser determinado, dentro do limite fixado no artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, à luz das circunstâncias do caso em apreço.

35

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 2, da mesma convenção, deve ser interpretado no sentido de que o montante previsto por esta última disposição a título de limite de responsabilidade da transportadora aérea, em caso de destruição, perda, avaria ou atraso da bagagem registada que não foi objeto de uma declaração especial de interesse na entrega no destino, constitui um limite máximo de indemnização de que o passageiro em causa não beneficia de pleno direito e num montante fixo. Por conseguinte, cabe ao juiz nacional determinar, dentro desse limite, o montante da indemnização devida ao referido passageiro à luz das circunstâncias do caso em apreço.

Quanto à segunda questão

36

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 2, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que determina as modalidades de fixação do montante da indemnização devida por uma transportadora aérea a um passageiro cuja bagagem registada que não foi objeto de uma declaração especial de interesse na entrega no destino sofreu destruição, perda, avaria ou atraso.

37

Importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que, para efeitos da indemnização prevista no artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, incumbe aos passageiros em causa, sob controlo do juiz nacional, demonstrar, de um modo juridicamente suficiente, o conteúdo das bagagens perdidas (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2012, Espada Sánchez e o., C‑410/11, EU:C:2012:747, n.o 35).

38

Todavia, na medida em que, como salientou o advogado‑geral no n.o 32 das suas conclusões, nem a Convenção de Montreal nem o Regulamento n.o 2027/97, que dá execução às disposições pertinentes desta relativas ao transporte aéreo de passageiros e respetiva bagagem, preveem disposições específicas relativas à prova dos danos visados por esta convenção, há que, em conformidade com o princípio da autonomia processual, aplicar as regras pertinentes do direito nacional, como testemunha, aliás, o considerando 18 do Regulamento n.o 889/2002, nos termos do qual, na medida em que forem necessárias novas regras para executar a Convenção de Montreal relativamente a questões não abrangidas pelo Regulamento n.o 2027/97, caberá aos Estados‑Membros fixar essas disposições.

39

Com efeito, segundo jurisprudência constante, na falta de regulamentação da União na matéria, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regulamentar as modalidades processuais das ações judiciais que se destinam a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União. As referidas modalidades não devem, todavia, ser menos favoráveis do que as que dizem respeito a ações semelhantes de direito interno (princípio da equivalência), nem organizadas de forma a tornarem impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 16 de dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe‑Zentral, 33/76, EU:C:1976:188, n.o 5; de 13 de março de 2007, Unibet, C‑432/05, EU:C:2007:163, n.os 38, 39 e 43; e de 11 de setembro de 2019, Călin, C‑676/17, EU:C:2019:700, n.o 30).

40

O respeito destes dois princípios deve ser analisado tendo em conta o lugar que as regras em causa ocupam em todo o processo, a tramitação desse processo e as particularidades dessas regras nas diversas instâncias nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2019, Călin, C‑676/17, EU:C:2019:700, n.o 31 e jurisprudência referida).

41

Decorre das considerações precedentes que, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 35 e 36 das suas conclusões, no âmbito dos recursos interpostos com fundamento no artigo 17.o, n.o 2, e no artigo 22.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, incumbe aos passageiros em causa demonstrar, de um modo juridicamente suficiente, nomeadamente através de provas documentais das despesas incorridas com o objetivo de substituir o conteúdo das suas bagagens, os prejuízos sofridos em caso de destruição, perda, avaria ou atraso dessas bagagens, bem como aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes verificar, em virtude da jurisprudência referida nos n.os 39 e 40 do presente acórdão, que as regras de direito nacional aplicáveis, nomeadamente em matéria de prova, não tornam impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício do direito à indemnização conferido aos passageiros por essas disposições.

42

Em especial, numa situação caracterizada pela inexistência de qualquer elemento de prova apresentado pelo passageiro lesado relativamente aos prejuízos causados pela destruição, perda, avaria ou atraso comprovados das bagagens, os elementos referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, como o peso da bagagem extraviada e a circunstância de a perda ter ocorrido durante uma viagem de ida ou de uma viagem de regresso, podem ser tomados em consideração pelo juiz nacional, com o objetivo de avaliar os prejuízos sofridos e de fixar o montante da indemnização a pagar ao passageiro lesado. No entanto, estes elementos não devem ser tomados em consideração isoladamente, mas apreciados no seu todo.

43

No que respeita, em especial, ao peso das bagagens extraviadas, na medida em que, em princípio, só a transportadora está em condições de apresentar essa prova, na sequência do registo dessas bagagens, importa recordar que, para assegurar o respeito do princípio da efetividade, o juiz nacional, se verificar que o facto de fazer recair sobre uma parte o ónus de uma prova é suscetível de tornar impossível ou excessivamente difícil a apresentação dessa prova, nomeadamente por esta dizer respeito a elementos de que esta parte não pode dispor, está obrigado a recorrer a todos os meios processuais que lhe são disponibilizados pelo direito nacional, entre os quais figura o de ordenar as medidas de instrução necessárias, incluindo a apresentação de um ato ou de um documento por uma das partes ou por um terceiro (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2006, Laboratoires Boiron, C‑526/04, EU:C:2006:528, n.o 55).

44

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 17.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 2, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que o montante da indemnização devida a um passageiro, cuja bagagem registada que não foi objeto de uma declaração especial de interesse na entrega no destino sofreu destruição, perda, avaria ou atraso, deve ser determinado pelo juiz nacional em conformidade com as regras de direito nacional aplicáveis, nomeadamente em matéria de prova. Essas regras não devem, todavia, ser menos favoráveis do que as que dizem respeito a ações semelhantes de direito interno nem organizadas de forma a tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela Convenção de Montreal.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 17.o, n.o 2, da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999, assinada pela Comunidade Europeia, em 9 de dezembro de 1999, e aprovada em seu nome pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 2, da mesma convenção, deve ser interpretado no sentido de que o montante previsto por esta última disposição a título de limite de responsabilidade da transportadora aérea, em caso de destruição, perda, avaria ou atraso da bagagem registada que não foi objeto de uma declaração especial de interesse na entrega no destino, constitui um limite máximo de indemnização de que o passageiro em causa não beneficia de pleno direito e num montante fixo. Por conseguinte, cabe ao juiz nacional determinar, dentro desse limite, o montante da indemnização devida ao referido passageiro à luz das circunstâncias do caso em apreço.

 

2)

O artigo 17.o, n.o 2, da Convenção de Montreal, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 2, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que o montante da indemnização devida a um passageiro, cuja bagagem registada que não foi objeto de uma declaração especial de interesse na entrega no destino sofreu destruição, perda, avaria ou atraso, deve ser determinado pelo juiz nacional em conformidade com as regras de direito nacional aplicáveis, nomeadamente em matéria de prova. Essas regras não devem, todavia, ser menos favoráveis do que as que dizem respeito a ações semelhantes de direito interno nem organizadas de forma a tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela Convenção de Montreal.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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