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Document 62019CC0427

    Conclusões do advogado-geral G. Hogan apresentadas em 16 de julho de 2020.
    Bulstrad Vienna Insurance Group АD contra Olympic Insurance Company Ltd.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sofiyski rayonen sad.
    Reenvio prejudicial — Diretiva 2009/138/CE — Artigo 274.o — Direito aplicável ao processo de liquidação de empresas de seguros — Revogação da autorização de uma companhia de seguros — Nomeação de um liquidatário provisório — Conceito de “decisões de abertura de processos de liquidação de empresas de seguros” — Inexistência de decisão judicial de abertura do processo de liquidação no Estado‑Membro de origem — Suspensão dos processos judiciais relativos à empresa de seguros em causa em Estados‑Membros diferentes do seu Estado‑Membro de origem.
    Processo C-427/19.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:589

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    GERARD HOGAN

    apresentadas em 16 de julho de 2020 ( 1 )

    Processo C‑427/19

    Bulstrad Vienna Insurance Group АD

    contra

    Olympic Insurance Company Ltd

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária)]

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 2009/138/CE — Decisão de abertura de um processo de liquidação relativo a empresas de seguros — Definição — Competência para identificar a existência de tal decisão — Revogação da autorização de uma empresa de seguros — Nomeação de um liquidatário provisório — Inexistência de um processo judicial de insolvência — Suspensão de todos os processos judiciais contra a empresa de seguros»

    I. Introdução

    1.

    O presente pedido de decisão prejudicial é apresentado no âmbito de um processo entre uma empresa de seguros sob a forma de sociedade anónima, a Bulstrad Vienna Insurance Group AD (a seguir «Bulstrad»), e uma empresa de seguros constituída ao abrigo do direito cipriota, a Olympic Insurance Company Limited (a seguir «Olympic»). O processo é relativo ao pagamento de um crédito de seguro que, segundo a Bulstrad, é devido pela Olympic, na qualidade de sociedade‑mãe de uma filial búlgara.

    2.

    O presente processo incide, em substância, sobre a interpretação do artigo 274.o da Diretiva 2009/138/CE, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) ( 2 ), na versão aplicável aos factos no processo principal. Com as questões submetidas pretende‑se saber, em concreto, se decorre do referido artigo que uma lei cipriota que prevê a suspensão de qualquer processo judicial, uma vez revogada a autorização de uma empresa de seguros para exercer a sua atividade e nomeado um liquidatário provisório, também é aplicável nos órgãos jurisdicionais búlgaros, nos quais o processo corre os seus termos. Antes de se proceder à análise das questões submetidas, é, no entanto, necessário, em primeiro lugar, referir as disposições legislativas aplicáveis.

    II. Quadro jurídico

    A. Direito da União

    3.

    Os considerandos 117 a 130 da Diretiva 2009/138 têm a seguinte redação:

    «(117)

    Dado que a legislação nacional relativa às medidas de saneamento e aos processos de liquidação não está harmonizada, é adequado, no âmbito do mercado interno, assegurar o reconhecimento mútuo das medidas de saneamento e da legislação dos Estados‑Membros em matéria de liquidação no que respeita às empresas de seguros, bem como a cooperação necessária atendendo aos princípios da unidade, da universalidade, da coordenação e da publicidade dessas medidas e à necessidade do tratamento equivalente e da proteção dos credores de seguros.

    […]

    (119)

    Deverá ser feita uma distinção entre as autoridades competentes para efeitos de medidas de saneamento e de processos de liquidação e as autoridades de supervisão das empresas de seguros.

    […]

    (121)

    Deverão ser estabelecidas as condições em que se enquadram no âmbito da presente diretiva os processos de liquidação que, não se baseando na insolvência, implicam uma ordem de prioridade para o pagamento dos créditos de seguros. Deverá ser possível sub‑rogar num sistema nacional de garantia do pagamento de salários os créditos dos trabalhadores de empresas de seguros decorrentes de contratos de trabalho ou de relações laborais. Esses créditos sub‑rogados deverão beneficiar do tratamento conferido pela lei do Estado‑Membro de origem (lex concursus).

    (122)

    As medidas de saneamento não impedem a abertura de um processo de liquidação. Os processos de liquidação deverão, pois, poder ser abertos na falta ou na sequência da aprovação de medidas de saneamento e encerrados por concordata ou outras medidas análogas, nomeadamente medidas de saneamento.

    (123)

    Só as autoridades competentes do Estado‑Membro de origem deverão poder tomar decisões respeitantes a processos de liquidação de empresas de seguros. Essas decisões deverão produzir efeitos em toda a Comunidade e ser reconhecidas por todos os Estados‑Membros. As decisões deverão ser publicadas de acordo com os procedimentos do Estado‑Membro de origem, bem como no Jornal Oficial da União Europeia. Deverão também ser informados os credores conhecidos residentes na Comunidade, que deverão dispor do direito de reclamar créditos ou apresentar observações.

    […]

    (125)

    Todas as condições para a abertura, condução e encerramento dos processos de liquidação deverão ser reguladas pela lei do Estado‑Membro de origem.

    (126)

    A fim de assegurar uma ação coordenada entre os Estados‑Membros, as autoridades de supervisão do Estado‑Membro de origem e as dos demais Estados‑Membros deverão ser informadas com urgência da abertura de processos de liquidação.

    […]

    (128)

    A abertura de um processo de liquidação deverá implicar a revogação da autorização de exercício da atividade concedida à empresa de seguros, a menos que essa autorização já tenha sido revogada.

    […]

    (130)

    A fim de proteger as expectativas legítimas e a segurança jurídica de determinadas operações em Estados‑Membros diferentes do Estado‑Membro de origem, é necessário determinar a lei aplicável aos efeitos das medidas de saneamento e dos processos de liquidação sobre ações judiciais pendentes e ações de execução individuais resultantes de ações judiciais.»

    4.

    Nos termos do artigo 14.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Princípio da autorização»:

    «1.   O acesso à atividade de seguro direto ou de resseguro abrangida pela presente diretiva depende da concessão de uma autorização prévia.

    2.   A autorização referida no n.o 1 é solicitada às autoridades de supervisão do Estado‑Membro de origem:

    a)

    Pela empresa que estabelece a sua sede no território desse Estado‑Membro; ou

    b)

    Pela empresa de seguros que, após ter recebido uma autorização ao abrigo do n.o 1, deseje alargar a sua atividade a um ramo inteiro ou a ramos de seguro diferentes dos já autorizados.»

    5.

    O artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2009/138, sob a epígrafe «Âmbito da autorização», prevê:

    «Sem prejuízo do disposto no artigo 14.o, a autorização é concedida para um dos ramos de seguro direto enumerados na Parte A do anexo I ou no anexo II. A autorização abrange o ramo na sua totalidade, salvo se o requerente apenas pretender cobrir parte dos riscos incluídos nesse ramo.»

    6.

    O artigo 144.o, n.o 1, da referida diretiva, sob a epigrafe «Revogação da autorização», tem a seguinte redação:

    «1.   […]

    A autoridade de supervisão do Estado‑Membro de origem revoga a autorização concedida a uma empresa de seguros ou de resseguros caso a empresa deixe de cumprir o requisito de capital mínimo e a autoridade de supervisão considere que o plano de financiamento apresentado é manifestamente inadequado ou a empresa interessada não cumpra o plano aprovado no prazo de três meses a contar da verificação do incumprimento do requisito de capital mínimo.»

    7.

    A Diretiva 2009/138 inclui o título IV, designado «Saneamento e liquidação de empresas de seguros», os artigos 267.o a 296.o

    8.

    O artigo 267.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito do presente título», prevê:

    «O presente título aplica‑se às medidas de saneamento e aos processos de liquidação das seguintes entidades:

    a)

    Empresas de seguros;

    b)

    Sucursais, situadas no território da Comunidade, de empresas de seguros de países terceiros.»

    9.

    O artigo 268.o da diretiva, com a epígrafe «Definições», dispõe o seguinte:

    «1.   Para os efeitos do presente título, entende‑se por:

    a)

    “Autoridades competentes”, as autoridades administrativas ou judiciais dos Estados‑Membros competentes em matéria de medidas de saneamento ou de processos de liquidação;

    […]

    d)

    “Processo de liquidação”, um processo que implica a realização dos ativos de uma empresa de seguros e a distribuição do respetivo produto entre os credores, acionistas ou sócios, consoante o caso, que implica necessariamente a intervenção das autoridades competentes, inclusive quando esse processo é concluído por meio de concordata ou de outra medida análoga, quer o processo se funde ou não em insolvência ou seja voluntário ou obrigatório;

    […]»

    10.

    O artigo 269.o, sob a epígrafe «Medidas de saneamento — Lei aplicável», refere:

    «1.   Só as autoridades competentes do Estado‑Membro de origem são competentes para determinar a aplicação de medidas de saneamento a uma empresa de seguros, inclusivamente em relação às respetivas sucursais.

    2.   As medidas de saneamento não impedem a abertura de um processo de liquidação pelo Estado‑Membro de origem.

    3.   Salvo disposição em contrário dos artigos 285.o a 292.o, as medidas de saneamento são regidas pelas leis, regulamentos e procedimentos aplicáveis no Estado‑Membro de origem.

    4.   As medidas de saneamento tomadas nos termos da legislação do Estado‑Membro de origem produzem todos os seus efeitos em toda a Comunidade, sem necessidade de quaisquer outras formalidades, inclusivamente em relação a terceiros nos outros Estados‑Membros, mesmo que a legislação desses Estados‑Membros não preveja tais medidas de saneamento ou, em alternativa, sujeite a sua aplicação a condições que não se encontrem preenchidas.

    5.   As medidas de saneamento produzem os seus efeitos em toda a Comunidade logo que produzam efeitos no Estado‑Membro de origem.»

    11.

    O artigo 270.o, sob a epígrafe «Informação às autoridades de supervisão», prevê:

    «As autoridades competentes do Estado‑Membro de origem informam urgentemente as autoridades de supervisão desse Estado‑Membro da sua decisão de aplicar medidas de saneamento antes da aprovação dessas medidas, se possível, ou, não o sendo, imediatamente a seguir.

    As autoridades de supervisão do Estado‑Membro de origem informam urgentemente as autoridades de supervisão de todos os outros Estados‑Membros da decisão de aplicar medidas de saneamento e dos efeitos práticos que tais medidas podem acarretar.»

    12.

    O artigo 271.o, n.o 1, da Diretiva 2009/138, sob a epígrafe «Publicação de decisões sobre medidas de saneamento», refere:

    «Se, no Estado‑Membro de origem, for possível interpor recurso contra medidas de saneamento, as autoridades competentes do Estado‑Membro de origem, o administrador ou qualquer pessoa habilitada para o efeito no Estado‑Membro de origem devem tornar pública a decisão sobre uma medida de saneamento de acordo com as formalidades de publicação previstas no Estado‑Membro de origem e, além disso, através da publicação no Jornal Oficial da União Europeia, o mais rapidamente possível, de um extrato do documento que estabelece a medida de saneamento.

    As autoridades de supervisão dos outros Estados‑Membros que tenham sido informadas da decisão de aplicação de uma medida de saneamento nos termos do artigo 270.o podem assegurar a publicação dessa decisão nos respetivos territórios da forma que considerem adequada.»

    13.

    Nos termos do artigo 273.o, sob a epígrafe «Abertura do processo de liquidação — Informação às autoridades de supervisão»:

    «1.   Apenas as autoridades competentes do Estado‑Membro de origem podem tomar uma decisão quanto à abertura de processos de liquidação de empresas de seguros, inclusivamente em relação às sucursais estabelecidas noutros Estados‑Membros. Essa decisão pode ser tomada na falta ou no seguimento da aprovação de medidas de saneamento.

    2.   As decisões respeitantes à abertura de processos de liquidação de empresas de seguros, incluindo as suas sucursais noutros Estados‑Membros, tomadas nos termos da legislação do Estado‑Membro de origem são reconhecidas, sem necessidade de quaisquer outras formalidades, em toda a Comunidade, nela produzindo efeitos logo que produzam efeitos no Estado‑Membro de abertura do processo.

    3.   As autoridades competentes do Estado‑Membro de origem informam urgentemente as autoridades de supervisão desse Estado‑Membro da decisão de abrir um processo de liquidação antes da abertura do processo, se possível, ou, não o sendo, imediatamente a seguir.

    As autoridades de supervisão do Estado‑Membro de origem informam com urgência as autoridades de supervisão de todos os restantes Estados‑Membros da decisão de abertura do processo de liquidação e dos efeitos práticos que tal processo pode acarretar.»

    14.

    O artigo 274.o da referida diretiva, com a epígrafe «Lei aplicável», dispõe:

    «1.   As decisões de abertura de processos de liquidação de empresas de seguros, o processo de liquidação e os seus efeitos regem‑se pela lei aplicável do Estado‑Membro de origem, salvo disposição em contrário dos artigos 285.o a 292.o

    2.   A legislação do Estado‑Membro de origem deve determinar, pelo menos:

    a)

    Os bens que fazem parte do património a liquidar e o tratamento a dar aos bens adquiridos pela empresa de seguros, ou que para ela devam ser transferidos, após a abertura do processo de liquidação;

    b)

    Os poderes respetivos da empresa de seguros e do liquidatário;

    c)

    As condições de oponibilidade de eventuais compensações;

    d)

    Os efeitos do processo de liquidação sobre os contratos em vigor nos quais a empresa de seguros seja parte;

    e)

    Os efeitos do processo de liquidação sobre as ações intentadas por credores individuais, com exceção dos processos pendentes referidos no artigo 292.o;

    f)

    Os créditos a reclamar contra o património da empresa de seguros e o tratamento a dar aos créditos nascidos após a abertura do processo de liquidação;

    g)

    As regras relativas à reclamação, verificação e aprovação dos créditos;

    h)

    As regras de distribuição do produto da realização dos bens, a graduação dos créditos e os direitos dos credores que tenham sido parcialmente satisfeitos, após a abertura do processo de liquidação, por força de um direito real ou de uma compensação;

    i)

    As condições e os efeitos do encerramento do processo de liquidação, nomeadamente por concordata;

    j)

    Os direitos dos credores após o encerramento do processo de liquidação;

    k)

    A imputação das custas e despesas do processo de liquidação;

    l)

    As regras respeitantes à nulidade, anulabilidade ou não exequibilidade dos atos prejudiciais ao conjunto dos credores.»

    15.

    O artigo 280.o, n.o 1, da Diretiva 2009/138, sob a epígrafe «Publicação de decisões relativas aos processos de liquidação», prevê:

    «A autoridade competente, o liquidatário ou qualquer pessoa designada para esse efeito pela autoridade competente deve proceder ao anúncio da decisão de abertura de um processo de liquidação segundo o processo de publicação previsto no Estado‑Membro de origem e através da publicação de um extrato da decisão no Jornal Oficial da União Europeia.

    As autoridades de supervisão dos restantes Estados‑Membros que tenham sido informadas da decisão de abertura do processo de liquidação nos termos do n.o 3 do artigo 273.o podem assegurar a publicação dessa decisão nos respetivos territórios por qualquer forma que considerem adequada.»

    16.

    O artigo 292.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Ações pendentes», dispõe:

    «Os efeitos das medidas de saneamento e dos processos de liquidação sobre ações pendentes relativas a bens ou direitos que tenham deixado de pertencer à empresa de seguros regem‑se exclusivamente pela lei do Estado‑Membro em que a ação correr termos.»

    B.   Direito cipriota

    17.

    Segundo o direito cipriota, o tribunal pode nomear um liquidatário provisório após a apresentação de um pedido de liquidação judicial, mas antes de este ser decidido. Tal nomeação é normalmente feita com base na existência de um risco que ameace o património da empresa, nomeadamente o risco da sua dissipação antes de se proceder à liquidação judicial, comprometendo assim a sua cobrança e distribuição tributável entre os credores da empresa ( 3 ). O papel do liquidatário provisório é essencialmente o de manter e proteger o património e o statu quo da empresa ( 4 ). O âmbito exato dos poderes de um liquidatário provisório é determinado pela decisão de nomeação. No entanto, um liquidatário provisório não tem, em princípio, o poder de assegurar a gestão e direção dos negócios da empresa, que continua a fazer parte das atribuições dos seus gestores ( 5 ). Além disso, segundo a jurisprudência desse Estado‑Membro, o liquidatário não tem poderes para distribuir os ativos da empresa ( 6 ).

    18.

    Em especial, nos termos do artigo 215.o da Peri Eterion Nomos (Lei das Sociedades), sob a epígrafe «Poder de suspender ou limitar a instância no âmbito de um processo instaurado contra uma empresa»:

    «A qualquer momento após a apresentação de um pedido de liquidação judicial e antes de esta ser decidida, a empresa ou qualquer credor ou contribuinte pode —

    a)

    caso qualquer outra ação intentada ou recurso interposto contra a empresa se encontre pendente num Tribunal de Primeira Instância ou no Supremo Tribunal, solicitar a suspensão da instância ao respetivo tribunal; e

    b)

    caso qualquer outra ação intentada ou recurso interposto contra a empresa se encontre pendente, recorrer ao tribunal que tem competência para proferir a decisão de proceder à liquidação, a fim de proibir a instauração de um novo processo relativo à ação ou ao recurso em questão,

    e o tribunal ao qual o pedido foi submetido pode suspender ou limitar a instância, consoante o caso, nas condições que considere adequadas.»

    19.

    O artigo 220.o da referida lei, sob a epígrafe «Cessação do processo instaurado contra a sociedade ao ser proferido um despacho de liquidação», prevê que:

    «Não pode ser intentada qualquer ação nem instaurado ou prosseguido qualquer processo contra a sociedade após ser proferido um despacho de liquidação ou após a nomeação de um liquidatário provisório, exceto mediante autorização do tribunal e nas condições por este estabelecidas.»

    20.

    O artigo 227.o da lei, sob a epígrafe «Nomeação e poderes de um liquidatário provisório», dispõe:

    «1)   Sem prejuízo do disposto no presente artigo, o tribunal pode, a qualquer momento após a apresentação de um pedido de liquidação, nomear um liquidatário provisório, autorizado nos termos da Lei dos Administradores de Insolvência, com o objetivo de proteger o património da empresa e de conferir estabilidade à sua situação.

    2)   Um liquidatário provisório pode ser nomeado em qualquer altura antes de ser proferido um despacho de liquidação. Pode ser nomeado liquidatário provisório o administrador de falências ou qualquer outra pessoa habilitada para o efeito.

    2Α)   O liquidatário provisório exerce os poderes que lhe foram atribuídos pelo tribunal.

    3)   Os poderes do liquidatário provisório podem ser limitados e restringidos pelo tribunal, nos termos do despacho de nomeação.»

    C.   Direito búlgaro

    21.

    O artigo 624.o, n.o 2 do Kodeks za zastrahovaneto (Código dos Seguros) prevê:

    «Se a [Komisia za finanv nadzor (Comissão de Supervisão Financeira)] for informada da abertura de um processo de liquidação ou de insolvência pela autoridade competente de outro Estado‑Membro, deve tomar medidas para informar o público.»

    22.

    O artigo 44.o do Kodeks na mezhdunarodnoto chastno pravo (Código de Direito Internacional Privado) dispõe:

    «1)   O direito estrangeiro deve ser interpretado e aplicado em conformidade com a sua interpretação e aplicação no Estado em que foi adotado.

    2)   A não aplicação do direito estrangeiro, bem como a sua interpretação e aplicação incorretas, constituem fundamentos de recurso.»

    III. Factos na origem do litígio no processo principal e pedido de decisão prejudicial

    23.

    A Bulstrad, uma empresa de seguros registada na Bulgária, apresentou ao Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária) um pedido de condenação da Olympic, uma empresa de seguros registada em Chipre, no pagamento do montante de 7603,63 leva (BGN) (aproximadamente 3887 euros), com os correspondentes custos de liquidação de 25,00 BGN (aproximadamente 13 euros), relativamente a uma indemnização do seguro em caso de acidente de viação.

    24.

    A recorrente alega que, em 5 de janeiro de 2018, na cidade de Bansko, Bulgária, o condutor de um veículo automóvel segurado pela Olympic causou danos materiais a outro veículo segurado pela Bulstrad. Como o condutor deste último veículo era titular de um seguro automóvel contra todos os riscos, a requerente pagou‑lhe uma indemnização de seguro no valor de 7603,63 BGN (aproximadamente 3887 euros). Desta forma, a Bulstrad ficou sub‑rogada nos direitos do lesado contra o autor do dano e o seu seguro. A Bulstrad pediu à Olympic uma indemnização de seguro cujo pagamento ainda não foi efetuado, embora o pedido tenha sido recebido pela Olympic em 6 de julho de 2018. Por conseguinte, a Bulstrad intentou uma ação contra a recorrida, através da sua sucursal localizada na Bulgária, pedindo que a recorrida fosse condenada no pagamento dos montantes reclamados e nas despesas do processo.

    25.

    O órgão jurisdicional de reenvio considerou‑se competente nos termos do artigo 13.o, n.o 2, em conjugação com o artigo 11.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1). Contudo, o órgão jurisdicional nacional foi informado, no decurso do processo, de que as autoridades cipriotas competentes tinham revogado a autorização da Olympic para exercer a sua atividade de empresa de seguros por incumprimento dos requisitos de capital, e que tinha sido nomeado um liquidatário provisório, que assume e controla todos os direitos económicos e legais de que a empresa é ou pode ser titular. O órgão jurisdicional nacional considerou que tais ações das autoridades cipriotas equivalem a uma decisão de abertura de um processo de liquidação e, por Despacho de 26 de setembro de 2018, suspendeu o processo instaurado contra a Olympic, em conformidade com as disposições do Código dos Seguros búlgaro que transpõe a Diretiva 2009/138.

    26.

    A Bulstrad solicitou o prosseguimento da instância com o fundamento de que, atendendo à interpretação dada pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária) às disposições aplicáveis, o processo tinha sido incorretamente suspenso. Segundo esta interpretação, as duas ações supramencionadas das autoridades cipriotas não podiam ser consideradas equivalentes a uma decisão de abertura de um processo de liquidação pelo Estado‑Membro de origem, na aceção da legislação búlgara que transpõe o artigo 274.o da Diretiva 2009/138.

    27.

    Em resposta, o órgão jurisdicional de reenvio solicitou à Comissão de Controlo Financeiro búlgara que declarasse se tinha alguma informação relativa à abertura de um processo de liquidação ou insolvência contra a Olympic no tribunal competente em Chipre e, caso tal processo tenha sido instaurado, que declarasse em que fase se encontrava e se tinha sido nomeado um liquidatário ou administrador fiduciário. Num ofício de 19 de março de 2019, essa comissão afirmou que até à respetiva data não dispunha de qualquer informação relativa à abertura de um processo de liquidação contra a Olympic pela autoridade cipriota competente.

    28.

    Face ao exposto, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Para efeitos da interpretação do artigo 630.o do Kodeks za zastrahovaneto (Código dos Seguros) à luz do artigo 274.o da Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II), deve considerar‑se que a decisão de uma autoridade de um Estado‑Membro de revogar a autorização de uma empresa de seguros e de lhe nomear um liquidatário provisório, sem que tenha sido aberto o processo de liquidação judicial, constitui uma “decisão de abertura do processo de liquidação”?

    2)

    Se o direito do Estado‑Membro no qual tem sede a empresa de seguros à qual foi revogada a autorização e nomeado um liquidatário provisório previr que em caso de nomeação de um liquidatário provisório todos os processos judiciais contra essa sociedade deverão ser suspensos, devem os tribunais dos outros Estados‑Membros aplicar essas disposições nos termos do artigo 274.o da Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II), mesmo quando tal não esteja expressamente previsto nos seus direitos nacionais?»

    29.

    Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pelo Governo búlgaro e pela Comissão Europeia.

    IV. Análise

    A.   Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

    30.

    Segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas por um órgão jurisdicional nacional gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se quando não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas, quando o problema for hipotético ou ainda quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal. ( 7 )

    31.

    No presente processo, após ter apresentado o seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio referiu ter‑lhe sido comunicado pelas autoridades de supervisão búlgaras que, por Decisão de 30 de julho de 2019, tinha sido instaurado um processo de liquidação contra a Olympic e que essa decisão tinha sido publicada no Jornal Oficial de Chipre em 23 de agosto de 2019. Posteriormente, por carta de 4 de fevereiro de 2020, o Tribunal de Justiça questionou o órgão jurisdicional de reenvio se pretendia manter as suas questões prejudiciais.

    32.

    Por Despacho de 21 de fevereiro de 2020, o órgão jurisdicional nacional respondeu que pretendia manter o seu pedido.

    33.

    Uma vez que, no caso em apreço, em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos de facto e de direito necessários para responder às questões que lhe foram submetidas, em segundo lugar, dos autos no Tribunal de Justiça não decorre qualquer indício de que o pedido é hipotético e, em terceiro lugar, não é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, o pedido de decisão prejudicial não pode ser declarado inadmissível. Com efeito, em matéria de insolvência, a data exata em que ocorre a suspensão de algum eventual processo pendente nos órgãos jurisdicionais de outros Estados‑Membros reveste‑se, muitas vezes, de especial importância.

    B.   Quanto ao mérito

    1. Quanto à primeira questão prejudicial

    34.

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 274.o da Diretiva 2009/138 deve ser interpretado no sentido de que a decisão de uma autoridade do Estado‑Membro de origem de uma empresa de seguros de revogar a autorização desta e de lhe nomear um liquidatário provisório, sem que tenha sido formalmente aberto um processo de liquidação judicial, constitui uma «decisão de abertura do processo de liquidação» na aceção do referido artigo.

    35.

    Nos termos do artigo 274.o, n.o 1, da Diretiva 2009/138, as decisões de abertura de processos de liquidação de empresas de seguros, o processo de liquidação e os seus efeitos regem‑se pela lei aplicável do Estado‑Membro de origem.

    36.

    No entanto, o artigo 268.o, n.o 1, alínea d), da referida diretiva prevê que, para os efeitos do título IV (intitulado «Saneamento e liquidação de empresas de seguros» e que inclui o artigo 274.o), o conceito de «processo de liquidação» refere‑se a «um processo que implica a realização dos ativos de uma empresa de seguros e a distribuição do respetivo produto entre os credores, acionistas ou sócios, consoante o caso, que implica necessariamente a intervenção das autoridades competentes, inclusive quando esse processo é concluído por meio de concordata ou de outra medida análoga, quer o processo se funde ou não em insolvência ou seja voluntário ou obrigatório» ( 8 ). Daqui decorre que, embora caiba aos Estados‑Membros de origem decidir em que condições pode ser proferida uma decisão de abertura de um processo de liquidação, bem como as modalidades e os efeitos desse processo, o termo «processo de liquidação» na aceção da Diretiva 2009/138 não depende do direito nacional: pressupõe, antes, que o processo em causa corresponda à definição deste conceito constante do artigo 268.o, n.o 1, alínea d).

    37.

    Quanto à competência para determinar se uma decisão específica foi ou não adotada na sequência de um processo que corresponde à referida definição, constituindo, por conseguinte, uma decisão de abertura de um processo de liquidação, a Diretiva 2009/138 não prevê nenhuma disposição que confira competência exclusiva aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de origem para apreciar a natureza jurídica da decisão que as autoridades competentes do respetivo Estado‑Membro tomem nesse sentido. Também não dispõe que as autoridades competentes, ao adotarem uma decisão de abertura de um processo de liquidação, devem cumprir determinadas formalidades substantivas para que a decisão seja imediatamente identificada como tal. Além disso, não contém uma lista dos processos existentes nos vários Estados‑Membros que devem ser qualificados como processos de liquidação, para que os órgãos jurisdicionais dos outros Estados‑Membros os possam identificar facilmente. Pelo contrário, o artigo 273.o, n.o 2, apenas dispõe que as decisões de abertura de processos de liquidação devem ser reconhecidas em toda a União sem necessidade de quaisquer outras formalidades para além das que são exigidas pela legislação dos Estados‑Membros de origem ( 9 ).

    38.

    É certo que o artigo 273.o, n.o 2, da Diretiva 2009/138 consagra o princípio do reconhecimento mútuo das decisões relativas à abertura de processos de liquidação. Contudo, conforme dispõe o artigo 267.o, o âmbito do título IV — e, portanto, o princípio do reconhecimento mútuo previsto no artigo 273.o — aplica‑se apenas às decisões que se demonstrou serem relativas a processos de liquidação na aceção da referida diretiva ( 10 ).

    39.

    Portanto, decorre do contexto e dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2009/138 que os órgãos jurisdicionais dos outros Estados‑Membros são competentes para determinar se uma decisão tomada pelas autoridades do Estado‑Membro de origem deve ou não ser qualificada como decisão de abertura de um processo de liquidação na aceção da Diretiva 2009/138. Quando assim for, porém, esses órgãos jurisdicionais devem permitir que as mesmas produzam efeitos.

    40.

    Resulta claramente do teor do artigo 268.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2009/138, que, para que uma decisão de abertura de um processo de liquidação seja qualificada na aceção da referida diretiva, devem ser preenchidas duas condições. Em primeiro lugar, o processo deve ter por objeto a realização dos ativos de uma empresa de seguros e a distribuição do respetivo produto entre os credores, acionistas ou sócios, consoante o caso. Em segundo lugar, deve implicar a intervenção das autoridades competentes, ou seja, nos termos do artigo 268.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva, as «autoridades administrativas ou judiciais dos Estados‑Membros competentes em matéria de medidas de saneamento ou de processos de liquidação».

    41.

    Tal como se viu, a questão que aqui se coloca é a de saber se a decisão de revogar a autorização de uma empresa de seguros e de nomear um liquidatário provisório deve ser equiparada a uma decisão de abertura de um processo de liquidação ou a uma decisão que pressupõe a existência de tal processo na aceção da Diretiva 2009/138.

    42.

    No que diz respeito à nomeação de um liquidatário provisório, uma vez que tal nomeação é apenas temporária, a adoção de uma decisão nesse sentido implica necessariamente que posteriormente seja nomeado um liquidatário definitivo, ao qual irá incumbir a realização dos ativos da empresa de seguros.

    43.

    Embora o Tribunal de Justiça não tenha competência para interpretar o direito nacional ou para aplicar uma norma de direito da União a um caso determinado, nem para qualificar uma disposição de direito nacional face a essa norma, pode extrair dos autos que lhe foram submetidos todas as informações necessárias para clarificar a situação prevista pelo órgão jurisdicional de reenvio nas questões suscitadas, a fim de fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação de uma disposição de direito da União que lhe possam ser úteis na apreciação dos efeitos dessa disposição ( 11 ).

    44.

    No caso em apreço, decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, segundo a legislação nacional em causa, a decisão de nomear um liquidatário provisório é tomada após a apresentação de um pedido de liquidação judicial, mas antes de ser proferida uma decisão a esse respeito ( 12 ). Além disso, ainda nos termos da referida legislação, um liquidatário provisório não tem, em princípio, poderes para a realização dos ativos da empresa de seguros ou para o pagamento de dividendos aos credores ( 13 ). Contudo, o facto de um liquidatário provisório não ter essas prerrogativas — o que, evidentemente, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar — exclui a possibilidade de tal decisão implicar a abertura ou a existência de um processo de liquidação na aceção da Diretiva 2009/138, precisamente porque estas características são consideradas essenciais para que se possa reconhecer que se está perante a abertura de um processo de liquidação na aceção do artigo 268.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2009/138.

    45.

    No que diz respeito à revogação da autorização, importa referir que a Diretiva 2009/138 distingue entre tal decisão e a decisão de abertura de um processo de liquidação.

    46.

    Em primeiro lugar, as consequências que cada decisão acarreta são definidas em diferentes títulos da diretiva, respetivamente nos títulos I e IV da Diretiva 2009/138. Nos termos do artigo 144.o em conjugação com o artigo 14.o da referida diretiva, a revogação da autorização visa proibir a empresa em causa de exercer qualquer atividade relacionada com o ramo de seguro para o qual foi previamente concedida a autorização. Em contrapartida, nos termos do artigo 273.o da mesma diretiva, a decisão de abertura de um processo de liquidação tem os efeitos jurídicos que o direito do Estado‑Membro de origem lhe atribui.

    47.

    Em segundo lugar, enquanto, nos termos do artigo 144.o, em conjugação com o artigo 13.o, n.o 10, da Diretiva 2009/138, a decisão de revogação de uma autorização é tomada pela autoridade ou autoridades nacionais que exercem, por força de lei ou de regulamentação, a supervisão das empresas de seguros ou de resseguros, já nos termos do artigo 268.o, alínea d), em conjugação com a alínea a) do mesmo artigo, a decisão de abertura de um processo de liquidação é tomada pelas autoridades administrativas ou judiciais dos Estados‑Membros competentes em matéria de medidas de saneamento ou de processos de liquidação ( 14 ). Poderá, é certo, tratar‑se das mesmas autoridades, porém nem sempre será esse o caso ( 15 ).

    48.

    Em terceiro lugar, trata‑se de diferentes tipos de decisões que prosseguem objetivos distintos. Segundo o artigo 15.o e seguintes da Diretiva 2009/138, e nos termos dos considerandos 8 e 11 da referida diretiva, o procedimento de autorização visa assegurar que qualquer empresa que exerça atividades de seguro ou resseguro obedece a um conjunto de regras, bem como que tais empresas podem exercer as suas atividades em todo o território da União. No que respeita às decisões de abertura de processos de liquidação, decorre do artigo 268.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2009/138 que as decisões se destinam a preparar a realização dos ativos da empresa de seguros e a distribuição do respetivo produto entre os credores, mesmo que tal distribuição, em última análise, possa não ocorrer ( 16 ). Decorre do considerando 121 da Diretiva 2009/138 que tal decisão não pode ser tomada baseando‑se na insolvência.

    49.

    Em quarto lugar, enquanto, em caso de revogação de uma autorização, o artigo 144.o, n.o 2, da Diretiva 2009/138 prevê que a autoridade de supervisão do Estado‑Membro se limita a informar as autoridades de supervisão dos outros Estados‑Membros dessa decisão, em caso de decisão de abertura de um processo de liquidação, o artigo 273.o, n.o 3, da Diretiva 2009/138 dispõe que as autoridades competentes devem informar as outras autoridades não só da sua decisão, mas também dos efeitos práticos que tal processo pode acarretar. Além disso, no que respeita à decisão de abertura de um processo de liquidação, o artigo 280.o da mesma diretiva exige que a autoridade competente, o liquidatário ou qualquer pessoa designada para esse efeito pela autoridade competente proceda ao anúncio da decisão de abertura de um processo de liquidação segundo o processo de publicação previsto no Estado‑Membro de origem e através da publicação de um extrato da decisão no Jornal Oficial da União Europeia.

    50.

    Daqui decorre, como salientado pelo Governo búlgaro, que os conceitos de «decisão de revogação da autorização», por um lado, e de «decisão de abertura de um processo de liquidação», por outro, são distintos. Uma vez que a Diretiva 2009/138 não contém quaisquer disposições que obriguem os Estados‑Membros a considerar que a revogação da autorização implica ou equivale à abertura de um processo de liquidação, a existência de uma «decisão de abertura de um processo de liquidação», na aceção da Diretiva 2009/138, não pode ser deduzida apenas do facto de a autorização de uma empresa de seguros ter sido revogada. Com efeito, é bem possível, por exemplo, que uma decisão de revogação de uma determinada autorização seja tomada por outras razões que não a insolvência da empresa de seguros.

    51.

    É certo que o artigo 279.o da Diretiva 2009/138 prevê que a decisão de abertura de um processo de liquidação implica a revogação da autorização nos termos do artigo 144.o da referida diretiva. O inverso não é, todavia, verdadeiro, uma vez que a Diretiva 2009/138 não exige que, em caso de revogação de uma autorização, o Estado‑Membro de origem promova automaticamente a abertura de um processo de liquidação apenas por esse motivo. Pelo contrário, o considerando 128 da Diretiva 2009/138 refere que «[a] abertura de um processo de liquidação deverá implicar a revogação da autorização de exercício da atividade concedida à empresa de seguros, a menos que essa autorização já tenha sido revogada» ( 17 ), o que significa que a abertura de um processo de liquidação não acarreta automaticamente a revogação da autorização ( 18 ).

    52.

    Embora, por um lado, a Diretiva 2009/138 não contenha qualquer obrigação de os Estados‑Membros preverem que a revogação de todas as autorizações concedidas a uma empresa de seguros conduza automaticamente à abertura de um processo de liquidação contra essa empresa, na aceção do artigo 268.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2009/138, sem exigir sequer a adoção de uma decisão autónoma, não proíbe os Estados‑Membros de preverem tal regra. Por conseguinte, apenas se a legislação do Estado‑Membro de origem previr essa regra, o que pressupõe que as respetivas entidades sejam consideradas autoridades competentes na aceção do artigo 268.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/138 e autoridades de supervisão na aceção do artigo 13.o, n.o 10, da mesma diretiva, é que os órgãos jurisdicionais dos outros Estados‑Membros devem concluir pela existência de um processo de liquidação por ter havido uma decisão de revogação da autorização.

    53.

    No processo principal, não decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a legislação nacional em causa preveja que a revogação da autorização implique automaticamente a abertura de um processo de liquidação. Pelo contrário, o Governo búlgaro afirma que, na Decisão de 30 de julho de 2019 de abertura do processo de liquidação relativo à Olympic, o Tribunal Regional de Nicósia se pronunciou no sentido de que a decisão da autoridade competente de revogar a autorização de uma seguradora para exercer a sua atividade não implica a liquidação simultânea e automática da empresa de seguros.

    54.

    Resulta do exposto que a decisão da autoridade competente de revogar a autorização e de nomear um liquidatário provisório não constitui uma «decisão de abertura de um processo de liquidação», na aceção do artigo 268.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2009/138, salvo se (da forma prevista por esta última disposição) a legislação nacional previr ou que o liquidatário provisório está habilitado para a realização dos ativos da empresa de seguros em causa e a distribuição do respetivo produto entre os credores ou que a revogação da autorização tem como consequência a abertura automática do processo de liquidação, sem necessidade de uma decisão autónoma para o efeito por parte de outra autoridade.

    55.

    Embora a questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional diga respeito apenas à decisão de abertura de um processo de liquidação, dever‑se‑á também salientar que, nos termos do artigo 268.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2009/138, o conceito de «medidas de saneamento» se refere a «medidas que, implicando a intervenção das autoridades competentes, se destinam a preservar ou restabelecer a situação financeira de uma empresa de seguros e que afetam os direitos preexistentes de terceiros que não a própria empresa de seguros, nomeadamente as medidas que comportam a possibilidade de suspensão de pagamentos, de suspensão de medidas de execução ou de redução de créditos». Por conseguinte, apenas uma decisão que preencha as três condições seguintes deve ser considerada uma medida de saneamento na aceção do título IV da Diretiva 2009/138. As três condições em questão são:

    que a decisão tenha sido tomada pelas autoridades competentes, ou seja, nos termos do artigo 268.o, n.o 1, alínea a), pelas autoridades administrativas ou judiciais dos Estados‑Membros competentes em matéria de medidas de saneamento ou dos processos de liquidação;

    que vise preservar ou restabelecer a situação financeira de uma empresa de seguros;

    que afete os direitos preexistentes de terceiros que não a própria empresa de seguros.

    56.

    No processo principal, alguns elementos constantes dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça sugerem que, em primeiro lugar, a decisão de nomear um liquidatário provisório foi tomada por uma autoridade que é igualmente competente em matéria de medidas de saneamento. Em segundo lugar, tal decisão visa assegurar a preservação do património social da empresa. Em terceiro lugar, essa decisão não só afeta a governação societária da entidade, como também os direitos preexistentes de terceiros que não a própria empresa de seguros. De facto, nos termos do artigo 220.o da Lei das Sociedades, não pode ser intentada nenhuma ação nem instaurado ou prosseguido nenhum processo contra a sociedade após a nomeação de um liquidatário provisório, exceto mediante autorização do tribunal. Por conseguinte, a decisão de nomear um liquidatário provisório pode constituir uma medida de saneamento na aceção do artigo 268.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2009/138. No entanto, tal cabe apenas ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

    57.

    Sendo este o caso, o artigo 269.o, n.o 4, da Diretiva 2009/138 prevê que os outros Estados‑Membros e, consequentemente, as suas autoridades judiciais reconheçam os efeitos produzidos por essa medida nos termos da legislação do Estado‑Membro de origem, mesmo que as suas autoridades competentes não tenham informado as autoridades dos outros Estados‑Membros da aprovação dessa medida nem dos seus efeitos, conforme exigido pelo artigo 270.o da Diretiva 2009/138.

    58.

    Se a decisão em causa no processo principal de revogar a autorização de uma empresa de seguros e de nomear um liquidatário provisório tiver de ser qualificada, à luz dos efeitos que a legislação do Estado‑Membro de origem lhe atribui como medida de saneamento ou como decisão de abertura de um processo de liquidação, os outros Estados‑Membros estarão então obrigados, nos termos dos artigos 269.o, n.o 4, e 273.o, n.o 2, respetivamente, da Diretiva 2009/138, a reconhecer os efeitos que a legislação do Estado‑Membro de origem atribui a essas decisões.

    59.

    É certo que o artigo 292.o da Diretiva 2009/138 prevê que «[o]s efeitos das medidas de saneamento e dos processos de liquidação sobre ações pendentes relativas a bens ou direitos que tenham deixado de pertencer à empresa de seguros regem‑se exclusivamente pela lei do Estado‑Membro em que a ação correr termos». Todavia, o presente processo não diz respeito a um bem ou direito que a empresa de seguros já tenha alienado ( 19 ).

    60.

    À luz das considerações anteriores, proponho que a resposta à primeira questão seja que o artigo 274.o da Diretiva 2009/138 deve ser interpretado no sentido de que a decisão de uma autoridade de um Estado‑Membro de revogar a autorização de uma empresa de seguros e de nomear um liquidatário provisório não constitui uma «decisão de abertura de um processo de liquidação» na aceção da referida diretiva, salvo se a legislação nacional previr ou que o liquidatário provisório está habilitado para a realização dos ativos da empresa de seguros em causa e a distribuição do respetivo produto entre os credores ou que a revogação da autorização implica automaticamente a abertura de um processo de liquidação sem necessidade de tomar qualquer outra decisão para esse efeito.

    61.

    Se tal decisão não puder ser qualificada como uma decisão de abertura de um processo de liquidação, mas a sua adoção pretender assegurar a preservação dos ativos da empresa e impedir a propositura ou prossecução de um processo contra a empresa de seguros, salvo mediante autorização do tribunal, essa decisão deve ser qualificada como medida de saneamento na aceção do título IV da Diretiva 2009/138.

    62.

    Se uma decisão puder ser qualificada como uma decisão de abertura de um processo de liquidação ou como uma medida de saneamento na aceção do título IV da Diretiva 2009/138, essa decisão deve ser reconhecida, sem qualquer outra formalidade, em toda a União.

    2. Quanto à segunda questão prejudicial

    63.

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a lei do Estado‑Membro de origem de uma empresa de seguros que prevê a suspensão de todos os processos judiciais instaurados contra essa empresa em caso de revogação da sua autorização e a nomeação de um liquidatário provisório deve ser aplicada pelos tribunais dos outros Estados‑Membros, mesmo que a sua própria legislação não preveja tal disposição.

    64.

    Decorre da resposta à primeira questão que, para que os outros Estados‑Membros tenham a obrigação, nos termos da Diretiva 2009/138, de suspender os seus processos judiciais devido à adoção de uma decisão pelo Estado‑Membro de origem, é necessário, por um lado, que essa decisão constitua uma medida de saneamento ou uma decisão de abertura de um processo de liquidação na aceção do título IV da referida diretiva e, por outro, que a legislação do Estado‑Membro de origem preveja que, em caso de adoção de tal decisão, qualquer processo judicial contra a empresa em causa seja suspenso. Com efeito, nos termos dos artigos 269.o, n.o 4, e 273.o, n.o 2, da Diretiva 2009/138, os Estados‑Membros são obrigados a reconhecer os efeitos que a legislação do Estado‑Membro de origem atribui a estes dois tipos de decisões. Assim, embora o órgão jurisdicional nacional não tenha especificado as disposições cuja interpretação foi solicitada, pode deduzir‑se dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que tais disposições são os artigos 269.o, n.o 4 e 273.o, n.o 2, da diretiva.

    65.

    Neste contexto, interpreto a segunda questão como tendo sido submetida ao Tribunal de Justiça, uma vez que o processo principal diz respeito a um litígio entre particulares ( 20 ). Com efeito, como uma diretiva é um ato dirigido aos Estados‑Membros que deve ser transposta por estes para o seu direito interno, as suas disposições só podem ter efeito direto se forem claras, precisas e incondicionais e se o Estado‑Membro não tiver transposto tais disposições em tempo útil. Ainda que estas condições estejam reunidas, uma diretiva nunca pode, por si só, criar obrigações na esfera jurídica de um particular, e não pode, portanto, ser invocada enquanto tal contra este ( 21 ). Com efeito, alargar a invocabilidade de uma disposição de uma diretiva não transposta, ou incorretamente transposta, ao domínio das relações entre particulares equivaleria a reconhecer à União o poder de criar, com efeito imediato, deveres na esfera jurídica dos particulares, quando esta só tem essa competência nas áreas em que lhe é atribuído o poder de adotar regulamentos ( 22 ).

    66.

    Desta forma, mesmo uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva que tenha por objeto conferir direitos ou impor obrigações aos particulares não pode ter aplicação, enquanto tal, no âmbito de um litígio exclusivamente entre particulares ( 23 ).

    67.

    O Tribunal de Justiça reconheceu, contudo, que existem situações que, sem constituir exceções, simplesmente não são abrangidas por este princípio, quer porque o litígio em questão não constitui estritamente um litígio entre particulares, quer devido à interposição de uma regra nacional ou da União, com efeito direto e que os particulares possam invocar.

    68.

    Em primeiro lugar, uma disposição de uma diretiva pode aplicar‑se no contexto de um litígio entre particulares quando a um deles, estando sujeito à autoridade do Estado, tenha sido confiado o cumprimento de uma missão de interesse público, estando investido de poderes exorbitantes face aos que resultam do direito comum ( 24 ). Com efeito, uma vez que nesta situação o particular não pode ser equiparado a uma pessoa singular comum, a diretiva pode impor‑lhe obrigações. Contudo, no caso em apreço, esta situação não se aplica, uma vez que as empresas de seguros não são, em princípio, investidas de qualquer prerrogativa de autoridade pública e não podem ser qualificadas como entidades públicas para este efeito.

    69.

    Em segundo lugar, conforme ilustrado pelo recente acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo Smith, uma disposição de uma diretiva pode ser tida em conta num litígio entre particulares, quando concretiza as condições de aplicação de um princípio geral do direito da União ou de um direito fundamental que pode ser diretamente invocado ( 25 ). Na verdade, em tal situação, não é a diretiva enquanto tal que impõe obrigações aos particulares, mas sim — segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça — o princípio geral do direito fundamental, tal como consagrado na referida diretiva.

    70.

    Não é necessário, para efeitos do presente processo, examinar esta linha jurisprudencial ou, nos casos em que se aplica a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), em que medida está em conformidade com as restrições específicas impostas ao seu âmbito de aplicação pelo artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Mesmo que esta linha jurisprudencial seja correta, na medida em que sugere que determinados princípios gerais ou direitos fundamentais do direito da União poderão tornar obrigatório àquilo que é, em substância, uma forma de efeito direto horizontal em relação às diretivas, o único argumento que pode ser invocado nesse sentido é o de que os artigos 269.o, n.o 4, ou 273.o, n.o 2, da Diretiva 2009/138 podem concretizar o requisito da cooperação leal entre Estados‑Membros, consagrado no primeiro travessão do artigo 4.o, n.o 3, TUE ( 26 ). Este princípio não cria, contudo, uma obrigação independente por parte dos Estados‑Membros ( 27 ). Por conseguinte, mesmo que o princípio da cooperação leal seja por vezes invocado pelo Tribunal de Justiça para sublinhar a importância da conformidade com uma disposição do direito da União ( 28 ), este princípio não pode ser utilizado para justificar a aplicação das disposições de uma diretiva que não tenha sido transposta em processos entre particulares. Caso contrário, o artigo 4.o, n.o 3, TUE poderia ser invocado em quase todos os casos para sancionar o que, na prática, poderia equivaler a uma forma de efeito direto horizontal.

    71.

    Em qualquer caso, o princípio da cooperação que pode indiscutivelmente ser invocado não diz respeito às relações entre um Estado‑Membro e a União, mas às relações entre Estados‑Membros. No entanto, neste caso, o princípio da cooperação leal não tem por objeto instituir uma norma jurídica operativa enquanto tal, limitando‑se a traçar o quadro de uma negociação que os Estados‑Membros entabularão entre si sempre que necessário ( 29 ).

    72.

    Em terceiro lugar, mesmo que uma diretiva nunca possa por si só impor obrigações a um particular, o caráter vinculativo que esta adquire decorrido o prazo de transposição impõe às autoridades nacionais a obrigação de interpretar o seu direito interno em conformidade com a diretiva ( 30 ). Assim, a fim de proporcionar a proteção jurídica que os particulares extraem das regras do direito da União, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a interpretar o seu direito interno são obrigados a tomar em consideração o conjunto das regras desse direito e a aplicar os métodos de interpretação reconhecidos por este, de modo a interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa, para alcançar o resultado por ela prosseguido ( 31 ).

    73.

    Como é óbvio, as palavras‑chave aqui são «na medida do possível». O princípio da interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União é limitado por outros princípios gerais de direito, incluindo o da segurança jurídica. A obrigação de o juiz nacional se basear no direito da União quando procede à interpretação e à aplicação das regras pertinentes do direito interno não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional.

    74.

    Convém também recordar que os particulares e as entidades privadas têm o direito de se reger pela legislação nacional em vigor em cada Estado‑Membro. Não devem ser considerados responsáveis pelo facto — se for esse o caso — de um determinado Estado‑Membro não ter cumprido o seu dever de transpor uma determinada diretiva da forma que tal diretiva exige ou de sofrer as consequências jurídicas que resultam desse incumprimento. Um princípio fundamental de qualquer ordenamento jurídico — como o da União — é que deve haver um nexo entre a responsabilidade pessoal e a responsabilidade jurídica. Esta é mais uma razão pela qual, por uma questão de princípio e justiça elementar, uma diretiva não deve ter efeito direto horizontal contra uma entidade privada, não estatal, precisamente porque o incumprimento de um Estado‑Membro no que respeita às transposições de uma diretiva não deve recair sobre terceiros inocentes que não têm qualquer responsabilidade na matéria.

    75.

    Tudo isto significa que o juiz nacional não pode — e não deve — reescrever efetivamente o texto legislativo nacional sob o pretexto de interpretação conforme, porque ao fazê‑lo iria comprometer o processo legislativo nacional. É, evidentemente, um pilar da natureza democrática dos Estados‑Membros da União que a lei seja feita apenas pelos representantes eleitos desse Estado no âmbito dos seus próprios sistemas parlamentares e legislativos. Assim, uma diretiva não pode ser invocada num litígio entre particulares para afastar a regulamentação de um Estado‑Membro contrária a esta diretiva ( 32 ).

    76.

    No presente processo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a sua legislação nacional pode ser interpretada à luz destes princípios no sentido de prever que todos os processos judiciais contra essa empresa devem ser suspensos em caso de revogação da sua autorização e de nomeação de um liquidatário provisório.

    77.

    Proponho, por conseguinte, que a resposta à segunda questão seja que os artigos 269.o, n.o 4, e 273.o, n.o 2, da Diretiva 2009/138 devem ser interpretados no sentido de que, num litígio entre particulares, a lei do Estado‑Membro de origem de uma empresa de seguros que prevê a suspensão de todos os processos judiciais contra essa empresa em caso de revogação da sua autorização e a nomeação de um liquidatário provisório não deve ser aplicada pelos tribunais dos outros Estados‑Membros se a sua legislação não previr tal disposição, a menos que, em primeiro lugar, tal revogação ou nomeação constitua uma medida de saneamento ou uma decisão de abertura de um processo de liquidação, na aceção do Título IV dessa diretiva e, em segundo lugar, a legislação dos outros Estados‑Membros possa ser legitimamente interpretada no sentido de permitir essa suspensão, o que exige que tal interpretação não corresponda a uma interpretação contra legem.

    V. Conclusão

    78.

    À luz do que precede, proponho que se responda às questões prejudiciais submetidas pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária) da seguinte forma:

    1)

    O artigo 274.o da Diretiva 2009/138/CE, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) deve ser interpretado no sentido de que a decisão de uma autoridade de um Estado‑Membro de revogar a autorização de uma empresa de seguros e nomear um liquidatário provisório não constitui uma «decisão de abertura de um processo de liquidação» na aceção da referida diretiva, salvo se a legislação nacional previr ou que o liquidatário provisório está habilitado para a realização dos ativos da empresa de seguros em causa e a distribuição do respetivo produto entre os credores ou que a revogação da autorização implica automaticamente a abertura de um processo de liquidação sem necessidade de tomar qualquer outra decisão para esse efeito.

    Se tal decisão não puder ser qualificada como uma decisão de abertura de um processo de liquidação, mas a sua adoção pretender assegurar a preservação dos ativos da empresa e impedir a propositura ou prossecução de um processo contra a empresa de seguros, salvo mediante autorização do Tribunal, essa decisão deve ser qualificada como medida de saneamento na aceção do título IV da Diretiva 2009/138. Se tal decisão puder ser qualificada como uma decisão de abertura de um processo de liquidação ou como uma medida de saneamento na aceção do título IV da Diretiva 2009/138, essa decisão deve ser reconhecida, sem qualquer outra formalidade, em toda a União.

    2)

    Os artigos 269.o, n.o 4, e 273.o, n.o 2, da Diretiva 2009/138 devem ser interpretados no sentido de que, num litígio entre particulares, a lei do Estado‑Membro de origem de uma empresa de seguros que prevê a suspensão de todos os processos judiciais contra essa empresa em caso de revogação da sua autorização e a nomeação de um liquidatário provisório não deve ser aplicada pelos tribunais dos outros Estados‑Membros se a sua legislação não previr tal disposição, a menos que, em primeiro lugar, tal revogação ou nomeação constitua uma medida de saneamento ou uma decisão de abertura de um processo de liquidação, na aceção do Título IV dessa diretiva e, em segundo lugar, a legislação dos outros Estados‑Membros possa ser legitimamente interpretada no sentido de permitir essa suspensão, o que exige que tal interpretação não corresponda a uma interpretação contra legem.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) JO 2009, L 335, p. 1.

    ( 3 ) V., neste sentido, Acórdãos do District Court of Nicosia (Tribunal Regional de Nicósia), Unibrand Secretarial Services Limited/Εταιρεία Tricor Limited (HE9769), pedido n.o 310/13, 9/7/2015 (CY:EDLEF:2015:A282); e do District Court of Limassol (Tribunal Regional de Limassol), AZOVMASHINVEST HOLDING LTD, pedido n.o 380/14, 18/1/2017 (CY:EDLEM:2017:A18).

    ( 4 ) V., neste sentido, Acórdão do District Court of Nicosia (Tribunal Regional de Nicósia), Tricor Limited, pedido n.o 310/13, 13/1/2016 (CY:EDLEF:2016:A16).

    ( 5 ) V., neste sentido, Acórdão do District Court of Larnaca (Tribunal Regional de Larnaca), Nίκο Κυριακίδη, Προσωρινό Παραλήπτη/Assofit Holdings Limited, pedido n.o 26/2012, 28/5/2013, (CY:EDLAR:2013:A90).

    ( 6 ) V., neste sentido, Acórdãos do District Court of Nicosia (Tribunal Regional de Nicósia), Unibrand Secretarial Services Limited/Εταιρεία Tricor Limited (HE9769), pedido n.o 310/13, 9/7/2015 (CY:EDLEF:2015:A282); e de Nicósia, Tricor Limited, pedido n.o 310/13, 13/1/2016 (CY:EDLEF:2016:A16). V. igualmente, neste sentido, artigo 233.o do Peri Eterion Nomos (Lei das Sociedades).

    ( 7 ) V., a este propósito, Acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de maio de 2010, Ioannis Katsivardas — Nikolaos Tsitsikas (C‑160/09, EU:C:2010:293, n.o 27).

    ( 8 ) O sublinhado é meu.

    ( 9 ) A jurisprudência deu uma interpretação lata ao conceito de «formalidades» constante dos artigos 3.o, n.o 2, e 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de abril de 2001, relativa ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito (JO 2001, L 125, p. 15), e cuja redação é semelhante à dos artigos 269.o, n.o 4, e 273.o, n.o 2. V. Acórdão de 24 de outubro de 2013, LBI (C‑85/12, EU:C:2013:697, n.o 40).

    ( 10 ) V., por analogia, no que respeita ao âmbito de aplicação do princípio do reconhecimento mútuo em matéria penal, Acórdão de 6 de dezembro de 2018, IK (Execução de uma pena acessória) (C‑551/18 PPU, EU:C:2018:991, n.o 51). Embora determinados instrumentos da União relativos ao reconhecimento de decisões judiciais confiram competência exclusiva aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros de origem em matérias específicas ou vinculem os órgãos jurisdicionais aos quais foi apresentado um pedido aos factos cuja apreciação é do foro competente do órgão jurisdicional de origem, o órgão jurisdicional do Estado de acolhimento continua a ser competente para apreciar se uma situação é ou não abrangida pelo âmbito de aplicação de tais instrumentos.

    ( 11 ) V., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2015, Abcur (C‑544/13 e C‑545/13, EU:C:2015:481, n.o 34) e de 20 de maio de 2010, Ioannis Katsivardas — Nikolaos Tsitsikas (C‑160/09, EU:C:2010:293, n.o 24).

    ( 12 ) V. artigo 227.o, n.o 2, da Peri Eterion Nomos (Lei das Sociedades).

    ( 13 ) V., neste sentido, District Court of Nicosia (Tribunal Regional de Nicósia), Unibrand Secretarial Services Limited/Εταιρεία Tricor Limited (HE9769), pedido n.o 310/13, 9/7/2015 (CY:EDLEF:2015:A282); District Court of Nicosia (Tribunal Regional de Nicósia), Tricor Limited, pedido n.o 310/13, 13/1/2016 (CY:EDLEF:2016:A16), e Poiitis A., Η εκκαθάριση Εταιρειών, 2.a Edição, Larnaca, 2015, p. 89.

    ( 14 ) É por esta razão que o artigo 273.o, n.o 3, da Diretiva 2009/138 prevê que, em caso de abertura de um processo de liquidação, as autoridades competentes do Estado‑Membro de origem devem, antes da abertura do processo, informar, sempre que possível, as autoridades de supervisão desse Estado‑Membro, ou seja, as autoridades competentes para revogar a autorização.

    ( 15 ) V., neste sentido, considerando 119 da Diretiva 2009/138.

    ( 16 ) Além disso, em conformidade com tais disposições, as condições de adoção das primeiras estão harmonizadas, enquanto as condições de adoção das segundas são da competência dos Estados‑Membros.

    ( 17 ) O sublinhado é meu.

    ( 18 ) A este respeito, nos termos do disposto no artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2009/138, é concedida autorização para um determinado ramo de seguro direto ou mesmo para uma parte dos riscos abrangidos por esse ramo. Uma vez que a mesma empresa de seguros pode ter obtido várias autorizações, a revogação de uma autorização para um determinado ramo não implica necessariamente que esta já não possa cumprir os seus objetivos. Contudo, quando a autorização é revogada pela razão específica de a empresa de seguros não ter cumprido os requisitos de capital, uma revogação da autorização sem a abertura subsequente de um processo de liquidação pode parecer absurda à primeira vista. Com efeito, tal como decorre dos artigos 101.o e 129.o da Diretiva 2009/138, os requisitos de capital são calculados globalmente em relação a todos os ramos de atividade da empresa de seguros. Por conseguinte, quando o requisito de capital previsto na Diretiva 2009/138 não se encontra preenchido, tal implica, em princípio, a revogação de todas as autorizações concedidas a essa empresa. Atendendo ao facto de, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2009/138, as empresas de seguros em causa não poderem, em princípio, ter outro objeto social que não seja a atividade seguradora e as operações dela diretamente decorrentes, tal poderá ter como consequência a impossibilidade de as empresas cumprirem os seus objetivos. No entanto, conforme sublinha o considerando 128 da diretiva, é evidente que o legislador da União optou deliberadamente por não exigir aos Estados‑Membros que estabeleçam que a revogação de todas as autorizações concedidas a uma empresa de seguros implica automaticamente a sua liquidação, talvez porque não se pode excluir a possibilidade de a empresa ser resgatada.

    ( 19 ) A este respeito, é interessante verificar que, em especial no Acórdão de 24 de outubro de 2013, LBI (C‑85/12, EU:C:2013:697, n.o 53), a jurisprudência interpretou o artigo 32.o da Diretiva 2001/24, que tem a mesma redação que o artigo 292.o da Diretiva 2009/138, com fundamento no considerando 130 da Diretiva 2001/24. Todavia, embora o artigo 32.o da Diretiva 2001/24 tenha uma redação idêntica ao artigo 292.o da Diretiva 2009/138, o considerando 130 da Diretiva 2009/138, ao contrário do considerando 30 da Diretiva 2001/24 não distingue entre ações judiciais pendentes e ações de execução individuais resultantes de ações judiciais, parecendo, pelo contrário, considerá‑las em conjunto. Tendo em conta este considerando e a redação do artigo 292.o da Diretiva 2009/138, afigura‑se que, nos termos dessa diretiva, o critério decisivo é se o processo em curso se refere ou não a um bem que a empresa já transmitiu em sentido material.

    ( 20 ) No presente processo, verifico que o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu o processo principal contra a recorrida. Contudo, não se pode deduzir deste facto que a segunda questão seja hipotética, uma vez que tal suspensão foi decidida com o fundamento de que tinha havido uma decisão de abertura de um processo de liquidação contra a recorrida e não que a nomeação de um liquidatário provisório constitui, ao abrigo do direito cipriota, uma medida de saneamento. Uma vez que não se pode excluir que o direito búlgaro, conforme interpretado pelos tribunais desse Estado‑Membro, não permita a suspensão de um processo contra uma empresa de seguros em caso de aprovação de medidas de saneamento na aceção do artigo 268.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2009/138, pode ser útil responder à segunda questão.

    ( 21 ) V., a título de exemplo, Acórdãos de 10 de outubro de 2017, Farrell (C‑413/15, EU:C:2017:745, n.o 31) e de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 42). Uma vez que, nos termos do artigo 309.o, n.o 1, da Diretiva 2009/138, o prazo para a sua transposição era 31 de março de 2015, pode‑se considerar que tais condições se encontram preenchidas no caso em apreço.

    ( 22 ) V., a título de exemplo, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften (C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 66). Quando a União pode escolher entre adotar uma diretiva ou um regulamento, o facto de optar por uma diretiva implica necessariamente que pretende excluir a possibilidade de as disposições adotadas produzirem efeito direto horizontal.

    ( 23 ) Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 43).

    ( 24 ) Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 45).

    ( 25 ) V., neste sentido, a título de exemplo, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631, n.os 46 a 48).

    ( 26 ) É certo que o objetivo das medidas de saneamento ou de liquidação é proteger a empresa em causa contra um risco de falência e ressarcir os seus credores na medida do possível. No entanto, não se pode deduzir que disposições, como os artigos 269.o, n.o 4, e 273.o, n.o 2, da Diretiva 2009/138 concretizam direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de empresa, prevista no artigo 16.o da Carta, ou do direito de propriedade, previsto no artigo 17.o da referida carta. Com efeito, conforme resulta dos artigos 269.o, 273.o e 274.o, a Diretiva 2009/138 pretende assegurar o reconhecimento mútuo das medidas de saneamento e dos processos de liquidação, sem harmonizar as regras substantivas relativas a qualquer um destes dois procedimentos. Consequentemente, não é a Diretiva 2009/138 que é suscetível de concretizar tais direitos, mas sim as leis dos Estados‑Membros.

    ( 27 ) V., por exemplo, Acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár (C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 57 e jurisprudência referida).

    ( 28 ) V., por exemplo, Acórdão de 3 de março de 2016, Comissão/Malta (C‑12/14, EU:C:2016:135, n.o 37). Contudo, o princípio da cooperação leal não permite a um Estado‑Membro contornar as obrigações que lhe são impostas pelo direito da União [Acórdão de 18 de outubro de 2016, Nikiforidis (C‑135/15, EU:C:2016:774, n.o 54)], incluindo o facto de o princípio da segurança jurídica se opor a que uma diretiva possa impor obrigações legais a um particular.

    ( 29 ) V., por analogia, Acórdão de 26 de maio de 2016, NN (L) International (C‑48/15, EU:C:2016:356, n.o 38).

    ( 30 ) Esta obrigação também não constitui uma exceção ao princípio de que uma diretiva não pode impor obrigações a particulares. Com efeito, em tal situação, a obrigação imposta aos particulares não será devido à diretiva enquanto tal, mas sim à legislação nacional, uma vez que é através desta última que a diretiva é aplicada.

    ( 31 ) Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 39).

    ( 32 ) V., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 32) e Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation (C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 73).

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