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Document 62013CJ0544

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 16 de julho de 2015.
Abcur AB contra Apoteket Farmaci AB e Apoteket AB.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Stockholms tingsrätt.
Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Diretiva 2001/83/CE — Âmbito de aplicação — Artigos 2.°, n.° 1, e 3.°, pontos 1 e 2 — Medicamentos preparados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial — Exceções — Medicamentos preparados numa farmácia segundo receita médica destinada a um doente específico — Medicamentos preparados numa farmácia segundo as indicações de uma farmacopeia e destinados a serem diretamente entregues aos pacientes abastecidos por essa farmácia — Diretiva 2005/29/CE.
Processos apensos C-544/13 e C-545/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:481

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

16 de julho de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Diretiva 2001/83/CE — Âmbito de aplicação — Artigos 2.°, n.o 1, e 3.°, pontos 1 e 2 — Medicamentos preparados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial — Exceções — Medicamentos preparados numa farmácia segundo receita médica destinada a um doente específico — Medicamentos preparados numa farmácia segundo as indicações de uma farmacopeia e destinados a serem diretamente entregues aos pacientes abastecidos por essa farmácia — Diretiva 2005/29/CE»

Nos processos apensos C‑544/13 e C‑545/13,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial, nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentados pelo Stockholms tingsrätt (Suécia), por decisões de 11 de outubro de 2013, entradas no Tribunal de Justiça em 21 de outubro de 2013, nos processos

Abcur AB

contra

Apoteket Farmaci AB (C‑544/13),

Apoteket AB e Apoteket Farmaci AB (C‑545/13),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de novembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Abcur AB, por S. Wilow e G. Åkesson, advokater,

em representação da Apoteket AB e da Apoteket Farmaci AB, por E. Johnson, N. Baggio e E. Wernberg, advokater,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e A. P. Antunes, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por V. Kaye, na qualidade de agente, assistida por J. Holmes, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por A. Sipos, M. van Beek e M. Šimerdová, na qualidade de agentes, assistidos por M. Johansson, advokat,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de março de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 2.°, n.o 1, e 3.°, pontos 1 e 2, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004 (JO L 136, p. 34, a seguir «Diretiva 2001/83»), da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 149, p. 22), e da Diretiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa (JO L 376, p. 21).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem a Abcur AB (a seguir «Abcur») à Apoteket Farmaci AB (a seguir «Farmaci»), no processo C‑544/13, e a Abcur à Apoteket AB (a seguir «Apoteket») e à Farmaci, no processo C‑545/13, a respeito do fabrico e da comercialização, no primeiro processo, pela Farmaci, entre 30 de outubro de 2009 e o mês de junho de 2010, do medicamento Noradrenalin APL (a seguir «Noradrenalin APL») e, no segundo processo, pela Apoteket e pela Farmaci, entre 15 de novembro de 2006 e o mês de junho de 2010, do medicamento Metadon APL (a seguir «Metadon APL»).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2001/83

3

A Diretiva 2001/83 codificou e reuniu num texto único as diretivas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes aos medicamentos para uso humano, entre as quais figurava a Diretiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18).

4

Nos termos do considerando 2 da Diretiva 2001/83, «[t]oda a regulamentação em matéria de produção, de distribuição ou de utilização de medicamentos deve ter por objetivo essencial garantir a proteção da saúde pública».

5

O considerando 35 desta diretiva enuncia que «[é] necessário exercer um controlo de toda a cadeia de distribuição dos medicamentos, desde o fabrico ou importação na Comunidade até ao fornecimento ao público, por forma a garantir que estes sejam conservados, transportados e manipulados em condições adequadas […]».

6

O artigo 1.o, ponto 19, da referida diretiva define receita médica como «[q]ualquer receita de medicamentos prescrita por um profissional habilitado para esse efeito».

7

Os artigos 2.° e 3.° da mesma diretiva figuram no seu título II, com a epígrafe «Âmbito de aplicação».

8

O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 dispõe:

«A presente diretiva aplica‑se aos medicamentos para uso humano destinados a serem colocados no mercado dos Estados‑Membros e preparados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial.»

9

O artigo 3.o, pontos 1 e 2, da Diretiva 2001/83 prevê:

«A presente diretiva não se aplica:

1)

Aos medicamentos preparados numa farmácia segundo receita médica destinada a um doente específico (denominados em geral ‘fórmula magistral’).

2)

Aos medicamentos preparados numa farmácia segundo as indicações de uma farmacopeia e destinados a serem diretamente entregues aos pacientes abastecidos por essa farmácia (denominados em geral ‘fórmula oficinal’).»

10

O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 dispõe:

«De acordo com a legislação em vigor e a fim de responder a necessidades especiais, um Estado‑Membro pode excluir das disposições da presente diretiva os medicamentos fornecidos para satisfazer um pedido de boa‑fé não solicitado (‘pedido de uso compassivo’), elaborados de acordo com as especificações de um profissional de saúde autorizado e destinados a um doente determinado sob a sua responsabilidade pessoal direta.»

Diretiva 2004/27

11

O considerando 4 da Diretiva 2004/27 enuncia que «[t]oda a regulamentação em matéria de fabrico e de distribuição de medicamentos para uso humano deve ter como objetivo principal a proteção da saúde pública […]».

12

Nos termos do considerando 7 desta diretiva, «[c]onvém, designadamente à luz dos progressos científicos e técnicos, clarificar as definições e o âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83/CE, por forma a assegurar um nível elevado de exigências de qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos para uso humano […]».

Diretiva 2005/29

13

Nos termos do considerando 10 da Diretiva 2005/29:

«[...] [A] presente diretiva só se aplica quando não existam disposições [da União] particulares que regulem aspetos específicos das práticas comerciais desleais, tais como requisitos de informação e regras relativas à forma como as informações são apresentadas ao consumidor. Assegura a proteção dos consumidores nos casos em que não exista legislação setorial específica ao nível [da União] e proíbe os profissionais de criarem uma falsa imagem da natureza dos produtos […]»

14

O artigo 2.o, alínea d), desta diretiva define «práticas comerciais das empresas face aos consumidores» como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores».

15

O artigo 3.o, n.os 1, 3 e 4, da referida diretiva dispõe:

«1.   A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.

[...]

3.   A presente diretiva não prejudica as disposições [da União] ou nacionais relativas aos aspetos de saúde e segurança dos produtos.

4.   Em caso de conflito entre as disposições da presente diretiva e outras normas [da União] que regulem aspetos específicos das práticas comerciais desleais, estas últimas prevalecem, aplicando‑se a esses aspetos específicos.»

16

O artigo 5.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê que «[s]ão proibidas as práticas comerciais desleais».

17

O artigo 7.o, n.os 1 e 5, da Diretiva 2005/29 enuncia:

«1.   Uma prática comercial é considerada enganosa quando, no seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, omita uma informação substancial que, atendendo ao contexto, seja necessária para que o consumidor médio possa tomar uma decisão de transação esclarecida, e, portanto, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo.

[...]

5.   São considerados substanciais os requisitos de informação estabelecidos pela legislação [da União] relativamente às comunicações comerciais, incluindo a publicidade ou o marketing, cuja lista não exaustiva consta do anexo II.»

Regulamento (CE) n.o 1394/2007

18

O considerando 6 do Regulamento (CE) n.o 1394/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo a medicamentos de terapia avançada e que altera a Diretiva 2001/83/CE e o Regulamento (CE) n.o 726/2004 (JO L 324, p. 121), enuncia:

«O presente regulamento constitui uma lex specialis, que estabelece disposições adicionais relativamente às da Diretiva 2001/83/CE. O presente regulamento deverá ter por objetivo regular os medicamentos de terapia avançada destinados a ser colocados no mercado dos Estados‑Membros e preparados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial, de acordo com o âmbito geral de aplicação da legislação farmacêutica [da União] consagrado no título II da Diretiva 2001/83/CE […]»

Direito sueco

19

A Lei (1996:1152), relativa ao comércio de medicamentos [lag (1996:1152) om handel med läkemedel], em vigor até 30 de junho de 2009, dispunha, no seu § 2, primeiro parágrafo:

«Para efeitos da presente lei, entende‑se por ‘comércio a retalho’ a venda a um consumidor, uma autoridade sanitária, um estabelecimento hospitalar ou a qualquer outro estabelecimento de cuidados de saúde ou a qualquer pessoa autorizada a receitar medicamentos. Entende‑se por ‘comércio por grosso’ qualquer outra forma de venda.»

20

A Lei (2009:366), relativa ao comércio de medicamentos [lag (2009:366) om handel med läkemedel], que entrou em vigor em 1 de julho de 2009, substituiu a Lei (1996:1152). As disposições pertinentes do seu capítulo 1, § 4, têm a seguinte redação:

«Para efeitos da presente lei, entende‑se por:

‘Distribuição a retalho’: a venda de um medicamento a um consumidor, uma autoridade sanitária, um estabelecimento hospitalar ou a qualquer outro estabelecimento de cuidados de saúde ou a qualquer pessoa autorizada a receitar medicamentos;

[…]

‘Distribuição por grosso’: a atividade que consiste na compra, posse, exportação, entrega e venda de medicamentos que não se enquadre na distribuição a retalho;

‘Farmácia hospitalar’: as funções ou serviços que asseguram o abastecimento de medicamentos aos estabelecimentos hospitalares ou no âmbito destes;

‘Prestador de cuidados de saúde’: qualquer pessoa singular ou coletiva que exerça atividades de cuidados de saúde ou preste serviços médicos a título profissional;

‘Farmácia não hospitalar’: qualquer estabelecimento autorizado a praticar a distribuição a retalho de medicamentos ao abrigo da autorização prevista no capítulo 2, § 1, da presente lei.»

21

A Lei (2008:486), relativa às práticas comerciais [lag (2008:486) marknadsföringslagen], transpôs para o direito sueco as Diretivas 2005/29 e 2006/114.

22

O § 3 desta lei contém, entre outras, a seguinte definição:

«Medida de promoção: a publicidade ou quaisquer outras medidas destinadas, no âmbito da atividade comercial, a promover a venda e a oferta de produtos, incluindo as ações, omissões ou qualquer outra medida ou conduta de um profissional antes, durante ou após a venda ou a entrega de bens a um consumidor ou a um profissional.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

23

A Abcur é uma sociedade sueca que produz e distribui, entre outros, os medicamentos Metadon DnE (a seguir «Metadon DnE») e Noradrenalin Abcur.

24

Antes da reorganização do quadro regulamentar das farmácias na Suécia, em 1 de julho de 2009, a venda de medicamentos a retalho era assegurada exclusivamente pela Apoteket, uma empresa detida pelo Estado sueco. Nesse contexto, a Apoteket comercializava o Metadon APL e o Noradrenalin APL, preparados pela Apotek Produktion och Laboratorier AB (a seguir «Apotek PL»).

25

Até 30 de junho de 2008, a Farmaci e a Apotek PL constituíam divisões autónomas da Apoteket. Em 1 de julho de 2008 a Farmaci passou a ser uma subsidiária detida a 100% pela Apoteket. Na mesma data, a Apotek PL tornou‑se filial a 100% da Apoteket. Em 1 de julho de 2010, a Apotek PL tornou‑se uma sociedade independente, diretamente detida pelo Estado.

26

A Farmaci fornece medicamentos aos conselhos distritais (landsting), aos municípios, a empresas privadas e a prestadores de cuidados de saúde públicos e privados. A Farmaci gere igualmente cerca de 70 farmácias hospitalares.

27

O medicamento Noradrenalin Abcur, autorizado desde 3 de julho de 2009, é um preparado farmacêutico para perfusão, essencialmente utilizado no tratamento da hipotensão arterial aguda, nos serviços de emergência e nas unidades de cuidados intensivos. Antes dessa data, nenhum medicamento com noradrenalina beneficiava de uma autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») na Suécia, sendo as necessidades satisfeitas, neste Estado‑Membro, pelo Noradrenalin APL, preparado pela Apotek PL.

28

O Metadon DnE, autorizado desde 10 de agosto de 2007, é utilizado no tratamento da dependência de opiáceos. Antes dessa data, não existia, na Suécia, nenhum medicamento à base de metadona que beneficiasse de AIM, pelo que as necessidades eram satisfeitas, neste Estado‑Membro, pelo Metadon APL, preparado pela Apotek PL. O Metadon DnE e o Metadon APL contêm a mesma substância ativa e são utilizados da mesma maneira. Todavia, estes produtos distinguem‑se pelo seu teor de açúcar e de álcool e pelo sabor.

29

A Abcur intentou uma ação judicial contra a Apoteket e a Farmaci, por terem publicitado o Noradrenalin APL (processo C‑544/13) e o Metadon APL (processo C‑545/13). A Abcur pediu ao órgão jurisdicional nacional a que foi submetido o litígio que ordenasse a cessação da publicidade a estes dois medicamentos e o pagamento de uma indemnização. É ponto assente que a Farmaci forneceu o Noradrenalin APL a pacientes e que a Apoteket e a Farmaci forneceram o Metadon APL a pacientes.

30

Foi neste contexto que o Stockholms tingsrätt (Tribunal de Primeira Instância de Estocolmo) decidiu suspender as instâncias nestes processos e submeter ao Tribunal de Justiça, no processo C‑544/13, as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Um medicamento para uso humano, sujeito a receita médica, que apenas é utilizado em cuidados de emergência, para o qual não foi emitida uma [AIM] pela autoridade competente de um Estado‑Membro, nem nos termos do Regulamento (CEE) n.o 2309/93, preparado por um operador como o que está em questão no processo no Stockholms tingsrätt, e requisitado pelos estabelecimentos hospitalares nas condições em questão nesse processo, pode ser abrangido por alguma das exceções previstas no artigo 3.o, ponto 1 ou 2, da Diretiva 2001/83 […], especialmente numa situação em que existe outro medicamento autorizado, com a mesma substância ativa, a mesma dosagem e a mesma forma farmacêutica?

2)

Se um medicamento para uso humano sujeito a receita médica, como o referido na primeira questão, for abrangido pelo artigo 3.o, ponto 1 ou 2, ou pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, pode considerar‑se que a legislação relativa à publicidade de medicamentos não é harmonizada ou são as medidas que, no presente processo, alegadamente constituem publicidade regidas pela Diretiva 2006/114, relativa à publicidade enganosa e comparativa?

3)

Se, em consonância com a segunda questão, a Diretiva 2006/114 relativa à publicidade enganosa e comparativa for aplicável, em que circunstâncias de princípio podem ser consideradas publicidade, na aceção da Diretiva 2006/114, as medidas submetidas à apreciação do Stockholms tingsrätt [utilização de uma denominação, de um número de produto e de um código AnatomicTherapeuticChemical ao medicamento, aplicação de um preço fixo ao medicamento, prestação de informações sobre o medicamento no Registo nacional de produtos para os medicamentos (NPL), atribuição de uma identificação NPL ao medicamento, divulgação de folhetos de informação sobre o medicamento, fornecimento do medicamento através de um serviço eletrónico de encomenda para os estabelecimentos de saúde e prestação de informações sobre o medicamento através de uma publicação de uma associação profissional nacional]?»

31

No processo C‑545/13, o órgão jurisdicional de reenvio submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Um medicamento para uso humano, sujeito a receita médica, preparado e fornecido nas condições em questão no processo no Stockholms tingsrätt, para o qual não foi emitida uma [AIM] pela autoridade competente de um Estado‑Membro, nem nos termos do Regulamento (CEE) n.o 2309/93, pode ser considerado um medicamento, na aceção do artigo 3.o, ponto 1 ou 2, da Diretiva 2001/83 […], especialmente numa situação em que existe outro medicamento autorizado, com a mesma substância ativa, a mesma dosagem e a mesma forma farmacêutica?

2)

Se um medicamento para uso humano, sujeito a receita médica, preparado e fornecido nas condições em questão no processo no Stockholms tingsrätt, for abrangido pela Diretiva 2001/83, a Diretiva 2005/29 […] pode ser aplicável paralelamente [à] Diretiva 2001/83, no que respeita às alegadas medidas publicitárias?

3)

Se um medicamento para uso humano, sujeito a receita médica, preparado e fornecido nas condições em questão no processo no Stockholms tingsrätt, for abrangido pelo artigo 3.o, ponto 1 ou 2, ou pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, pode considerar‑se que a legislação relativa à publicidade de medicamentos não é harmonizada, ou são as medidas que, no presente processo, alegadamente constituem publicidade regidas pela (i) Diretiva 2006/114 […] e/ou pela (ii) Diretiva 2005/29 […]?

4)

Se, em consonância com a terceira questão, a Diretiva 2006/114 […] for aplicável, em que circunstâncias de princípio podem ser consideradas publicidade, na aceção da Diretiva 2006/114, as medidas submetidas à apreciação do Stockholms tingsrätt [utilização ou atribuição de uma denominação, de um número de produto e de um código ATC ao medicamento, aplicação de um preço fixo ao medicamento, prestação de informações sobre o medicamento no Registo nacional de produtos para os medicamentos (NPL), atribuição de uma identificação NPL ao medicamento, divulgação de folhetos de informação sobre o medicamento e de informações sobre este através de um serviço eletrónico de encomenda para os estabelecimentos de saúde e através da própria página Internet da empresa, prestação de informações sobre o medicamento através de uma publicação de uma associação profissional nacional, prestação de informações sobre o medicamento no registo central de produtos da Apoteket (ACA) e num registo com ele relacionado (JACA), prestação de informações sobre o medicamento noutra base de dados nacional de informações sobre medicamentos (SIL), prestação de informações sobre o medicamento através do sistema de terminais da Apoteket (ATS) ou de um sistema equivalente de dispensa de medicamentos, prestação de dados sobre o próprio produto e sobre um produto concorrente em correspondência com consultórios médicos e associações de doentes, comercialização do medicamento, medidas relativas ao controlo farmacêutico do medicamento e de medicamentos concorrentes, não prestação de informação sobre diferenças documentadas e relevantes entre os produtos, não prestação de informação sobre a composição do próprio medicamento e sobre a apreciação da Läkemedelsverk sobre o medicamento, não prestação aos estabelecimentos de saúde de informação sobre a apreciação feita pelo conselho científico da Läkemedelsverk quanto ao produto concorrente, manutenção de um certo nível de preço do medicamento, indicação de um prazo de validade de três (3) meses para as receitas, dispensa do medicamento nas farmácias em vez do medicamento concorrente, apesar de o doente ter uma receita para o medicamento concorrente, obstrução e entrave à transferência no mercado de preparações normalizadas para o medicamento concorrente, incluindo a recusa, por parte de farmácias locais, de receberem o medicamento concorrente, bem como a aplicação de um preço fixo, no âmbito de um regime de comparticipação sem decisão prévia de uma autoridade nacional]?»

32

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 12 de dezembro de 2013, os processos C‑544/13 e C‑545/13 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão a proferir.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão nos processos C‑544/13 e C‑545/13

33

A título preliminar, importa recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, cabe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram apresentadas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidirem os litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente indicadas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (acórdãos eco cosmetics e Raiffeisenbank St. Georgen, C‑119/13 e C‑120/13, EU:C:2014:2144, n.o 32 e jurisprudência referida, e Subdelegación del Gobierno en Guipuzkoa — Extranjeria, C‑38/14, EU:C:2015:260, n.o 25).

34

Para o efeito, o Tribunal de Justiça pode extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, as normas e os princípios do direito da União que carecem de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal (v., neste sentido, acórdãos eco cosmetics e Raiffeisenbank St. Georgen, C‑119/13 e C‑120/13, EU:C:2014:2144, n.o 33, e Aykul, C‑260/13, EU:C:2015:257, n.o 43 e jurisprudência referida).

35

A este respeito, há que salientar que, embora a primeira questão nos processos C‑544/13 e C‑545/13 apenas incida expressamente sobre a interpretação do artigo 3.o, pontos 1 e 2, da Diretiva 2001/83, que prevê exceções ao âmbito de aplicação desta diretiva, resulta das decisões de reenvio que, na sequência de um desacordo entre as partes nos processos principais quanto à questão de saber se o Noradrenalin APL e o Metadon APL foram preparados industrialmente ou se no seu fabrico interveio um processo industrial, o Stockholms tingsrätt também se interroga sobre a interpretação que deve ser feita do artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva, que define o seu âmbito de aplicação.

36

Por conseguinte, há que considerar que, com a sua primeira questão nos processos C‑544/13 e C‑545/13, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se medicamentos para uso humano, como os que estão em causa nos processos principais, distribuídos unicamente mediante receita médica e que não beneficiam de uma AIM concedida pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro ou nos termos do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO L 136, p. 1), podem ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83, por força dos seus artigos 2.°, n.o 1, e 3.°, ponto 1 ou 2, em especial, no que se refere a esta última disposição, quando existem outros medicamentos com a mesma substância ativa, a mesma dosagem e a mesma forma farmacêutica que obtiveram essa AIM.

37

Antes de mais, importa salientar que os artigos 2.°, n.o 1, e 3.°, pontos 1 e 2, da Diretiva 2001/83 figuram no seu título II, que define o âmbito de aplicação desta diretiva.

38

Resulta da redação dessas disposições que o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 determina, de forma positiva, o âmbito de aplicação desta diretiva, ao prever que a mesma se aplica aos medicamentos para uso humano destinados a serem colocados no mercado dos Estados‑Membros e preparados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial, enquanto o artigo 3.o, pontos 1 e 2, da referida diretiva prevê algumas exceções à sua aplicação.

39

Daqui decorre que, para ser abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83, o produto em causa deve, por um lado, satisfazer as condições estabelecidas no artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva e, por outro, não se enquadrar numa das exceções expressamente previstas no artigo 3.o da referida diretiva (v., neste sentido, acórdão Octapharma France, C‑512/12, EU:C:2014:149, n.o 38).

40

Esta delimitação do âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83 resulta, além disso, do considerando 6 do Regulamento n.o 1394/2007, que recorda que a regulamentação dos medicamentos preparados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial constitui «o âmbito geral de aplicação da legislação farmacêutica [da União] consagrado no título II da Diretiva 2001/83» (v., também, neste sentido, acórdãos Hecht‑Pharma, C‑140/07, EU:C:2009:5, n.os 21 e 22, e Octapharma France, C‑512/12, EU:C:2014:149, n.os 29 e 30).

41

Em primeiro lugar, no que se refere à aplicabilidade do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, importa salientar que, em conformidade com a redação desta disposição, o âmbito de aplicação desta disposição é limitado aos produtos que são medicamentos para uso humano destinados a serem colocados no mercado dos Estados‑Membros e que são preparados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial.

42

Embora não se conteste que os produtos em causa nos processos principais são medicamentos para uso humano, na aceção da Diretiva 2001/83, e que se destinam a ser introduzidos no mercado nos Estados‑Membros, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, no que se refere à produção destes medicamentos, por um lado, que a produção do Noradrenalin APL foi realizada pela unidade da Apotek PL encarregada da preparação de fórmulas magistrais. O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, segundo a Abcur, o Noradrenalin APL é um produto normalizado, fabricado e comercializado com vista ao seu armazenamento e à venda por grosso.

43

Por outro lado, o referido órgão jurisdicional informa, em substância, que a produção do Metadon APL para as farmácias era assegurada pela Apotek PL, em várias unidades de fabrico, em grande escala ou em série. O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, segundo a Abcur, resulta das próprias estatísticas de vendas das demandadas nos processos principais que as vendas de Metadon APL ascenderam a cerca de 130000 caixas, em 2009.

44

Importa salientar que a Diretiva 2001/83 não define as expressões «preparados industrialmente» ou «em cujo fabrico intervenha um processo industrial». O mesmo acontece com a Diretiva 89/341/CEE do Conselho, de 3 de maio de 1989, que altera as Diretivas 65/65/CEE, 75/318/CEE e 75/319/CEE relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO L 142, p. 11), que introduziu no artigo 2.o da Diretiva 65/65 o conceito de medicamentos «preparados industrialmente», e com a Diretiva 2004/27, que alterou o artigo 2.o da Diretiva 2001/83, para incluir no seu âmbito de aplicação os medicamentos «em cujo fabrico intervenha um processo industrial».

45

Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados, em toda a União, de modo autónomo e uniforme, tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., neste sentido, acórdãos Ekro, 327/82, EU:C:1984:11, n.o 11, e A, C‑523/07, EU:C:2009:225, n.o 34 e jurisprudência referida).

46

Como salientado no n.o 41 do presente acórdão, resulta dos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 que esta se aplica não só aos medicamentos preparados industrialmente mas também, desde a alteração desta disposição pelo artigo 2.o da Diretiva 2004/27, aos medicamentos em cujo fabrico intervenha um processo industrial, os quais não estavam inicialmente abrangidos pela referida disposição.

47

Quanto aos objetivos prosseguidos pela regulamentação relativa aos medicamentos para uso humano, tanto o considerando 2 da Diretiva 2001/83 como o considerando 4 da Diretiva 2004/27 recordam que toda a regulamentação em matéria de fabrico e de distribuição de medicamentos para uso humano deve ter como objetivo principal a proteção da saúde pública (v., também, acórdãos Antroposana e o., C‑84/06, EU:C:2007:535, n.o 36, e Comissão/Polónia, C‑185/10, EU:C:2012:181, n.o 27).

48

Importa também salientar que, segundo o considerando 7 da Diretiva 2004/27, a qual alterou o âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83, convinha, designadamente à luz dos progressos científicos e técnicos, clarificar as definições e o âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83, «por forma a assegurar um nível elevado de exigências de qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos para uso humano».

49

Além disso, o considerando 35 da Diretiva 2001/83 recorda a necessidade de se exercer um controlo de toda a cadeia de distribuição dos medicamentos, desde o seu fabrico ou importação na União, até ao fornecimento ao público, por forma a garantir que sejam conservados, transportados e manipulados em condições adequadas.

50

Tendo em conta o objetivo de proteção da saúde pública prosseguido pela regulamentação da União relativa aos medicamentos para uso humano, assim recordado, as expressões «preparados industrialmente» e «em cujo fabrico intervenha um processo industrial» não podem ser objeto de interpretação restritiva. Por conseguinte, estas expressões devem incluir, pelo menos, qualquer preparação ou fabrico em que intervenha um processo industrial. Tal processo caracteriza‑se, em geral, por uma sucessão de operações, que podem, designadamente, ser mecânicas ou químicas, a fim de obter um produto normalizado, em quantidades significativas.

51

Nestas condições, há que considerar que a produção normalizada de quantidades significativas de um medicamento com vista ao seu armazenamento e à venda por grosso assim como a produção, em grande escala ou em série, de fórmulas magistrais em lotes são características de uma preparação industrial ou de uma produção em cujo fabrico intervém um processo industrial.

52

No caso em apreço, sem prejuízo das constatações factuais que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, produtos como os em causa nos processos principais estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83, por força do seu artigo 2.o, n.o 1, desde que satisfaçam as condições nele previstas.

53

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se medicamentos como os que estão em causa nos processos principais podem ser abrangidos pelas exceções previstas no artigo 3.o, ponto 1 ou 2, da Diretiva 2001/83, especialmente quando existem outros medicamentos com a mesma substância ativa, a mesma dosagem e a mesma forma farmacêutica que obtiveram uma AIM.

54

A fim de interpretar essas disposições, deve ter‑se em conta que, de uma maneira geral, as disposições que têm o caráter de derrogação a um princípio devem, segundo jurisprudência constante, ser interpretadas de forma estrita (v., designadamente, neste sentido, acórdãos Erotic Center, C‑3/09, EU:C:2010:149, n.o 15, e Comissão/Polónia, C‑185/10, EU:C:2012:181, n.o 31 e jurisprudência referida).

55

A título preliminar, importa salientar que a circunstância evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, que se refere ao artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, segundo a qual existem outros medicamentos com a mesma substância ativa, a mesma dosagem e a mesma forma farmacêutica que obtiveram uma AIM, não é pertinente para efeitos da aplicação das exceções previstas no artigo 3.o, pontos 1 e 2, da Diretiva 2001/83, as quais só exigem a reunião das condições expressamente previstas nesse artigo.

56

Acresce que, por força do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, a fim de responder a necessidades especiais, um Estado‑Membro pode excluir do âmbito de aplicação desta diretiva os medicamentos fornecidos para satisfazer um pedido de boa‑fé não solicitado, elaborados de acordo com as especificações de um profissional de saúde autorizado e destinados a um doente determinado sob a sua responsabilidade pessoal direta. A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que resulta do conjunto das condições enunciadas nesta disposição, lidas à luz dos objetivos essenciais desta mesma diretiva, nomeadamente o que tem a ver com a proteção da saúde pública, que a exceção prevista na referida disposição só pode dizer respeito a situações em que o médico considera que o estado de saúde dos seus doentes particulares requer a administração de um medicamento do qual não existe equivalente autorizado no mercado nacional ou que não está disponível nesse mercado (v., neste sentido, acórdão Comissão/Polónia, C‑185/10, EU:C:2012:181, n.os 29 e 36).

57

Daqui decorre, como salientou o advogado‑geral no n.o 55 das suas conclusões, que, quando medicamentos com as mesmas substâncias ativas, a mesma dosagem e a mesma forma que os medicamentos que o médico assistente considera dever prescrever para tratar os seus doentes já estão autorizados e disponíveis no mercado nacional, não se pode falar de «necessidades especiais», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, que requerem uma derrogação à exigência de uma AIM (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Polónia, C‑185/10, EU:C:2012:181, n.o 37, e Novartis Pharma, C‑535/11, EU:C:2013:226, n.o 46).

58

Quanto ao artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2001/83, resulta da redação desta disposição que a aplicação da exceção prevista está subordinada à reunião de um conjunto de condições, relativas à preparação do medicamento em causa «numa farmácia», «segundo receita médica», a qual deve ser «destinada a um doente específico».

59

Estas condições são cumulativas, pelo que não se pode aplicar a exceção prevista no artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2001/83, quando não se verifica uma delas.

60

O conceito de «receita médica» está definido no artigo 1.o, ponto 19, da Diretiva 2001/83, como «[q]ualquer receita de medicamentos prescrita por um profissional habilitado para esse efeito». Dado que resulta da própria redação do artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2001/83 que o medicamento em causa deve ser preparado «segundo» uma receita médica, há que considerar que essa preparação deve ser necessariamente realizada com base numa receita prévia prescrita por um profissional habilitado para esse efeito.

61

Além disso, segundo a referida disposição, a receita médica deve ser «destinada a um doente específico». Daqui se conclui que essa receita deve dizer respeito a um doente designado de forma precisa, e, como o advogado‑geral salientou no n.o 47 das suas conclusões, esse doente deve ser identificado antes de cada preparação do medicamento em causa, a qual deve ser realizada especificamente para o referido doente.

62

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Noradrenalin APL foi preparado pela Apotek PL, em função de necessidades conhecidas de antemão, para ser utilizado em serviços de emergência e, em todo o caso, com base em encomendas efetuadas antes de um paciente específico ter sido identificado.

63

No que se refere ao Metadon APL, o órgão jurisdicional de reenvio informa que este medicamento, quando é utilizado num estabelecimento de cuidados de saúde, não é objeto de receita médica destinada a um paciente específico. Todavia, salienta que esse medicamento também é fornecido a farmácias não hospitalares, com base num sistema que as demandadas nos processos principais qualificam de «encomenda», subscrito por cada uma dessas farmácias. Assim, mesmo que tenha sido emitida uma «primeira receita médica» para cada paciente específico, a produção e a entrega do Metadon APL foram efetuadas, segundo esse órgão jurisdicional, com base nas necessidades relativamente imediatas dessas farmácias e conhecidas de antemão.

64

Todavia, como o advogado‑geral salientou no n.o 46 das suas conclusões, há que considerar que, para poder beneficiar da exceção prevista no artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2001/83, a preparação do medicamento deve necessariamente ocorrer depois da emissão da receita destinada a um doente específico. Por conseguinte, esta exceção não é aplicável a um sistema de abastecimento por «encomenda», subscrito por uma farmácia não hospitalar, com base numa estimativa das suas necessidades a curto prazo de um medicamento cuja preparação não é realizada especificamente para um doente previamente identificado.

65

Assim, não estando preenchida uma das condições de aplicação do artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2001/83, esta disposição não é aplicável no caso de medicamentos como os que estão em causa nos processos principais, se estes não forem preparados segundo uma prescrição médica emitida anteriormente à sua preparação, a qual deve ser realizada especificamente para um doente previamente identificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

66

Quanto ao artigo 3.o, ponto 2, da Diretiva 2001/83, há que considerar, à semelhança do que foi salientado no n.o 58 do presente acórdão a respeito da exceção prevista no artigo 3.o, ponto 1, desta diretiva, que a aplicação dessa exceção está também subordinada à reunião de um conjunto de condições relativas aos medicamentos em causa. Estes devem ser preparados «numa farmácia»,«segundo as indicações de uma farmacopeia», «e destinados a serem diretamente entregues aos pacientes abastecidos por essa farmácia». Estas condições são igualmente cumulativas, pelo que a exceção prevista nesta disposição não é aplicável quando uma delas não se verifica.

67

A este respeito, como o advogado‑geral salientou no n.o 52 das suas conclusões, resulta da própria redação do artigo 3.o, ponto 2, da Diretiva 2001/83 que o medicamento em causa deve ser preparado «numa farmácia» e entregue «diretamente» ao paciente abastecido por «essa» farmácia. Assim, para beneficiar da exceção prevista nesta disposição, o referido medicamento deve ser entregue diretamente pela farmácia que o preparou aos pacientes abastecidos por esta farmácia.

68

A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Noradrenalin APL só é administrado por estabelecimentos de cuidados de emergência e que os pacientes não podem adquirir esse medicamento para seu uso pessoal.

69

No que respeita ao Metadon APL, o órgão jurisdicional de reenvio informa que este é preparado pela Apotek PL, que, todavia, não o entrega diretamente ao paciente em causa, sendo essa entrega efetuada por um estabelecimento de cuidados de saúde ou por uma farmácia não hospitalar.

70

Assim, não estando preenchida uma das condições de aplicação do artigo 3.o, ponto 2, da Diretiva 2001/83, esta disposição não é aplicável no caso de medicamentos como os que estão em causa nos processos principais, se estes não se destinarem a ser entregues diretamente aos pacientes abastecidos pela farmácia que os preparou, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

71

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão submetida nos processos C‑544/13 e C‑545/13 que medicamentos para uso humano como os que estão em causa nos processos principais, entregues mediante receita médica e que não beneficiam de uma AIM concedida pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro ou nos termos do Regulamento n.o 726/2004, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83 por força do seu artigo 2.o, n.o 1, se tiverem sido produzidos industrialmente ou se no seu fabrico interveio um processo industrial. Estes medicamentos só podem beneficiar da exceção prevista no artigo 3.o, ponto 1, desta diretiva se tiverem sido preparados segundo uma receita médica emitida antes da sua preparação, a qual deve ser realizada especificamente para um doente previamente identificado. Os referidos medicamentos só podem beneficiar da exceção prevista no artigo 3.o, ponto 2, da Diretiva 2001/83 se forem entregues diretamente pela farmácia que os preparou aos pacientes que abastece. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as condições de aplicação destas disposições estão preenchidas nos processos principais.

Quanto à segunda questão no processo C‑545/13

72

Com a sua segunda questão no processo C‑545/13, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, caso os medicamentos para uso humano, como os que estão em causa no processo principal, estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83, as práticas publicitárias relativas a esses medicamentos, como as alegadas nos processos principais, podem também ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29.

73

Resulta do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2005/29 que esta é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no seu artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto. O artigo 2.o, alínea d), da referida diretiva define tais práticas como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores».

74

Como o Tribunal de Justiça salientou, a Diretiva 2005/29 caracteriza‑se por um âmbito de aplicação material especialmente amplo, que se estende a qualquer prática comercial que tenha uma ligação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores (acórdão Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, C‑540/08, EU:C:2010:660, n.o 21).

75

Nos termos do artigo 3.o, n.o 3, desta diretiva, a sua aplicação «não prejudica as disposições [da União] ou nacionais relativas aos aspetos de saúde e segurança dos produtos».

76

Ora, a Diretiva 2001/83 faz parte das disposições do direito da União relativas à saúde, sendo que o considerando 2 desta diretiva recorda que a garantia da proteção da saúde pública constitui o objetivo essencial de toda a regulamentação em matéria de produção, de distribuição ou de utilização de medicamentos.

77

Daqui se conclui que a Diretiva 2005/29 é aplicável sem prejuízo das disposições da Diretiva 2001/83 relativas à publicidade dos medicamentos que estão abrangidos pelo âmbito de aplicação desta última diretiva.

78

Como salientou o advogado‑geral no n.o 61 das suas conclusões, o caráter complementar das Diretivas 2005/29 e 2001/83 resulta, por outro lado, da interpretação conjugada do artigo 7.o com o anexo II da Diretiva 2005/29. Com efeito, segundo o n.o 1 deste artigo, uma prática comercial é considerada enganosa quando, no seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, omita uma informação substancial que, atendendo ao contexto, seja necessária para que o consumidor médio possa tomar uma decisão de transação esclarecida, e, portanto, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo. Nos termos do artigo 7.o, n.o 5, da Diretiva 2005/29, são considerados substanciais os requisitos de informação estabelecidos pela legislação da União relativamente às comunicações comerciais, incluindo a publicidade ou o marketing, cuja lista não exaustiva consta do anexo II. Ora, o referido anexo refere expressamente, neste contexto, os artigos 86.° a 100.° da Diretiva 2001/83.

79

Por último, há que sublinhar que o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2005/29 dispõe que, em caso de conflito entre as disposições desta diretiva e outras normas da União que regulem aspetos específicos das práticas comerciais desleais, estas normas prevalecem, aplicando‑se a esses aspetos específicos. Consequentemente, segundo o seu considerando 10, a referida diretiva só se aplica quando não existam disposições da União particulares que regulem aspetos específicos das práticas comerciais desleais, tais como requisitos de informação ou regras relativas à forma como as informações são apresentadas ao consumidor.

80

Na medida em que a Diretiva 2001/83 contém regras específicas relativas à publicidade dos medicamentos, constitui uma regra especial em relação às regras gerais de proteção dos consumidores contra as práticas comerciais desleais das empresas, como as previstas na Diretiva 2005/29 (v., por analogia, acórdão Gintec, C‑374/05, EU:C:2007:654, n.o 31).

81

Daqui se conclui que, em caso de conflito entre as disposições da Diretiva 2005/29 e da Diretiva 2001/83, em especial as disposições que figuram no título VIII desta última, em matéria de publicidade, essas disposições da Diretiva 2001/83 prevalecem e aplicam‑se a esses aspetos específicos das práticas comerciais desleais.

82

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão submetida no processo C‑545/13 que, mesmo na hipótese de medicamentos para uso humano como os que estão em causa no processo principal estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83, as práticas publicitárias relativas a esses medicamentos, como as alegadas nos processos principais, podem também ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29, desde que estejam preenchidas as condições de aplicação desta diretiva.

83

Atendendo às respostas dadas à primeira questão prejudicial, nos processos C‑544/13 e C‑545/13, e à segunda questão prejudicial, no processo C‑545/13, não há que responder às outras questões. Com efeito, essas questões foram submetidas para o caso de as exceções previstas no artigo 3.o, pontos 1 e 2, da Diretiva 2001/83 serem aplicáveis.

Quanto às despesas

84

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

Medicamentos para uso humano como os que estão em causa nos processos principais, entregues mediante receita médica e que não beneficiam de uma autorização de introdução no mercado concedida pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro ou nos termos do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Diretiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, por força do artigo 2.o, n.o 1, daquela diretiva, se tiverem sido produzidos industrialmente ou se no seu fabrico interveio um processo industrial. Estes medicamentos só podem beneficiar da exceção prevista no artigo 3.o, ponto 1, desta diretiva, conforme alterada, se tiverem sido preparados segundo uma receita médica emitida antes da sua preparação, a qual deve ser realizada especificamente para um doente previamente identificado. Os referidos medicamentos só podem beneficiar da exceção prevista no artigo 3.o, ponto 2, da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2004/27, se forem entregues diretamente pela farmácia que os preparou aos pacientes que abastece. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as condições de aplicação destas disposições estão preenchidas nos processos principais.

 

2)

Mesmo na hipótese de medicamentos para uso humano como os que estão em causa no processo principal estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2004/27, as práticas publicitárias relativas a esses medicamentos, como as alegadas nos processos principais, podem também ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, desde que estejam preenchidas as condições de aplicação desta diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: sueco.

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