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Document 62014CC0413

    Conclusões do advogado-geral N. Wahl apresentadas em 20 de outubro de 2016.
    Intel Corp. contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Artigo 102.o TFUE — Abuso de posição dominante — Descontos de fidelidade — Competência da Comissão — Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Artigo 19.o.
    Processo C-413/14 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:788

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NILS WAHL

    apresentadas em 20 de outubro de 2016 ( 1 )

    Processo C‑413/14 P

    Intel Corporation Inc.

    contra

    Comissão Europeia

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Artigo 102.o TFUE — Abuso de posição dominante — Descontos de fidelidade — Qualificação como abuso — Critério jurídico aplicável — Infração única e continuada — Direitos de defesa — Artigo 19.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho — Audição sobre o objeto de um inquérito — Competência da Comissão — Execução — Efeitos»

    Índice

     

    I – Quadro jurídico

     

    II – Factos na origem do litígio

     

    III – Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

     

    IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos da recorrente

     

    V – Apreciação dos fundamentos do presente recurso

     

    A – Observações preliminares

     

    B – Primeiro fundamento de recurso: o critério jurídico aplicável aos chamados «descontos de exclusividade»

     

    1. Principais argumentos das partes

     

    2. Análise

     

    a) Apreciação dos descontos e pagamentos da recorrente realizada a título principal pelo Tribunal Geral

     

    i) Princípios básicos da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de descontos

     

    ii) As circunstâncias do caso concreto como meio de determinar se o comportamento recriminado tem um efeito provável sobre a concorrência

     

    iii) A jurisprudência distingue apenas entre duas categorias de descontos

     

    – Uma presunção de ilegalidade baseada na forma não pode ser ilidida

     

    – Os descontos de fidelidade nem sempre são prejudiciais

     

    – Os efeitos dos descontos de fidelidade dependem do contexto

     

    – Práticas conexas exigem a apreciação de todas as circunstâncias

     

    iv) Conclusão provisória

     

    b) Apreciação da capacidade anticoncorrencial realizada a título subsidiário pelo Tribunal Geral

     

    i) Capacidade e/ou probabilidade

     

    ii) Fatores considerados pelo Tribunal Geral para fundamentar a conclusão da existência de um abuso

     

    iii) Outras circunstâncias

     

    – Cobertura de mercado

     

    – Duração

     

    – Desempenho do concorrente no mercado e baixa dos preços

     

    – Teste AEC

     

    c) Conclusão

     

    C – Segundo fundamento de recurso: cobertura de mercado na determinação da existência de um abuso de posição dominante

     

    1. Principais argumentos das partes

     

    2. Análise

     

    D – Terceiro fundamento de recurso: qualificação de certos descontos como «descontos de exclusividade»

     

    1. Principais argumentos das partes

     

    2. Análise

     

    E – Quarto fundamento de recurso: direitos de defesa

     

    1. Principais argumentos das partes

     

    2. Análise

     

    a) A reunião em questão é uma audição na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003.

     

    b) A nota interna não sanou o vício processual

     

    c) Consequência do não registo da reunião em questão

     

    F – Quinto fundamento de recurso: competência

     

    1. Principais argumentos das partes

     

    2. Análise

     

    a) Observações gerais: execução e/ou efeitos?

     

    b) Análise da aplicação dos critérios pertinentes de fixação da competência pelo Tribunal Geral

     

    i) Execução

     

    ii) Efeitos «qualificados»

     

    G – Sexto fundamento de recurso: montante da coima

     

    1. Principais argumentos das partes

     

    2. Análise

     

    VI – Consequências da apreciação

     

    VII – Conclusão

    1. 

    Pelo presente recurso, a Intel Corporation (a seguir «Intel» ou «recorrente») pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão de 12 de junho de 2014, Intel/Comissão ( 2 ), em que o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação da Decisão C(2009) 3726 final da Comissão, de 13 de maio de 2009, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o [CE] (atual artigo 102.o TFUE) e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo COMP/C‑3/37.990 — Intel) (a seguir «decisão impugnada») ( 3 ).

    2. 

    Este caso suscita uma série de importantes questões de princípio. Essas questões incluem a aplicação do conceito de «infração única e continuada» no contexto da disposição atualmente em vigor, o artigo 102.o TFUE, o grau de discricionariedade que a Comissão deveria possuir ao registar as audições realizadas no âmbito dos seus inquéritos e o alcance da competência da Comissão para conduzir inquéritos sobre infrações praticadas no estrangeiro.

    3. 

    Além disso, o presente caso proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de aperfeiçoar a sua jurisprudência sobre o abuso de posição dominante no contexto do atual artigo 102.o TFUE. Mais concretamente, suscita‑se a questão de saber se, à luz da linha jurisprudencial que remonta ao acórdão Hoffmann‑La Roche ( 4 ), se justifica distinguir entre os diferentes tipos de descontos. Tendo em consideração essa jurisprudência, o Tribunal de Justiça deve determinar o critério jurídico a aplicar em relação a categorias específicas de descontos, que o Tribunal Geral designou por «descontos de exclusividade» no acórdão recorrido.

    4. 

    Em especial, o Tribunal de Justiça é chamado a decidir se o Tribunal Geral teve razão ao considerar que os descontos como os que estão em causa no presente processo são intrinsecamente anticoncorrenciais. A eventual natureza intrinsecamente anticoncorrencial desses descontos tornaria inútil a análise de todas as circunstâncias do processo para determinar se o comportamento em questão é, na verdade, suscetível de restringir a concorrência num mercado específico.

    I – Quadro jurídico

    5.

    O considerando 25 do Regulamento (CE) n.o 1/2003 ( 5 ) explica que a Comissão deve, nomeadamente, poder ouvir qualquer pessoa suscetível de dispor de informações úteis e registar as suas declarações.

    6.

    O artigo 19.o do regulamento diz respeito ao poder da Comissão para registar declarações. O seu n.o 1 tem a seguinte redação:

    «No cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode ouvir qualquer pessoa singular ou coletiva que a tal dê o seu consentimento para efeitos da recolha de informações sobre o objeto de um inquérito.»

    7.

    O artigo 27.o, n.o 2, desse regulamento estabelece o seguinte:

    «Os direitos da defesa das partes interessadas serão plenamente acautelados no desenrolar do processo. As partes têm direito a consultar o processo em poder da Comissão, sob reserva do interesse legítimo das empresas na proteção dos seus segredos comerciais. Ficam excluídos da consulta do processo as informações confidenciais e os documentos internos da Comissão e das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência […]»

    8.

    O considerando 3 do Regulamento (CE) n.o 773/2004 ( 6 ) refere que, quando a Comissão procede a audições, as pessoas ouvidas devem ser informadas da finalidade da audição e de todos os registos que dela eventualmente sejam feitos.

    9.

    O artigo 3.o desse regulamento tem por objeto o poder da Comissão de registar declarações. Dispõe o seguinte:

    «1.   Sempre que a Comissão proceda à audição de uma pessoa que para tal tenha dado o seu consentimento nos termos do artigo 19.o do Regulamento [n.o 1/2003], deve, no início da audição, indicar o fundamento legal e a finalidade da audição e recordar o seu caráter voluntário. Deve também informar a pessoa ouvida da intenção de registar as suas declarações.

    2.   A audição pode ser realizada através de quaisquer meios, nomeadamente pelo telefone ou via eletrónica.

    3.   A Comissão pode registar as declarações das pessoas ouvidas sob qualquer forma. Deve ser disponibilizada à pessoa ouvida uma cópia do registo para aprovação. Se for necessário, a Comissão deve fixar um prazo durante o qual a pessoa ouvida pode transmitir eventuais correções a introduzir nas suas declarações.»

    II – Factos na origem do litígio

    10.

    Segue‑se um resumo dos factos na origem do litígio, tal como expostos no acórdão recorrido.

    11.

    A Intel é uma sociedade estabelecida nos Estados Unidos que assegura a conceção, o desenvolvimento, o fabrico e a comercialização de unidades centrais de processamento (a seguir «CPU»), «chipsets» (dispositivos de chips) e outros componentes semicondutores, bem como de soluções para plataformas no âmbito do tratamento de dados e dos dispositivos de comunicação.

    12.

    Em 18 de outubro de 2000, a Advanced Micro Devices, Inc. (a seguir «AMD») apresentou à Comissão uma denúncia formal nos termos do Regulamento n.o 17 ( 7 ), que completou com novos factos e novas alegações, no âmbito de uma denúncia complementar de 26 de novembro de 2003.

    13.

    Em maio de 2004, a Comissão lançou uma série de medidas de investigação relativas a certas alegações feitas pela AMD na sua denúncia complementar.

    14.

    Em 17 de julho de 2006, a AMD apresentou no Bundeskartellamt (organismo federal dos cartéis alemão) uma denúncia em que afirmou que a Intel tinha instituído, nomeadamente, práticas comerciais de exclusão com a Media‑Saturn‑Holding GmbH (a seguir «MSH»), um distribuidor europeu de aparelhos microeletrónicos e primeiro distribuidor europeu de computadores de escritório. O Bundeskartellamt trocou informações com a Comissão sobre esse processo.

    15.

    Em 23 de agosto de 2006, a Comissão reuniu‑se com o Sr. D1, um alto dirigente da Dell Inc., cliente da Intel ( 8 ). A Comissão não juntou ao dossiê do processo a lista dos temas abordados nessa reunião nem redigiu a respetiva ata. Passado algum tempo, um membro da equipa da Comissão encarregada do dossiê redigiu uma nota sobre a reunião, que foi qualificada como interna pela Comissão. Em 19 de dezembro de 2008, a Comissão forneceu à recorrente uma versão não confidencial desta nota.

    16.

    Em 26 de julho de 2007, a Comissão enviou à recorrente uma comunicação de acusações (a seguir «comunicação de acusações de 2007») relativa ao seu comportamento para com cinco grandes fabricantes de equipamentos informáticos (Original Equipment Manufacturers, a seguir «OEM»), a saber, a Dell, a Hewlett Packard‑Company (HP), a ACER Inc., a NEC Corp. e a International Business Machines Corp. (IBM).

    17.

    Em 17 de julho de 2008, a Comissão notificou à recorrente uma comunicação de acusações complementar relativa ao seu comportamento para com a MSH e a Lenovo Group Ltd (a seguir «Lenovo»). Essa comunicação continha novos elementos de prova sobre o comportamento da Intel em relação a alguns dos OEM abrangidos pela comunicação de acusações de 2007, que a Comissão tinha obtido após a sua publicação.

    18.

    Após várias medidas processuais, a Comissão adotou, em 13 de maio de 2009, a decisão impugnada, na qual entendeu que a Intel tinha violado o artigo 82.o CE e o artigo 54.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, ao executar uma estratégia destinada a excluir um concorrente, a saber, a AMD, do mercado de CPU de arquitetura x86 (a seguir «CPU x86»).

    19.

    Essa decisão baseou‑se nas seguintes considerações.

    20.

    Os produtos em causa são CPU. A arquitetura x86 é uma norma concebida pela Intel para as suas CPU. A referida norma permite o funcionamento dos sistemas operativos Windows e Linux. O Windows está principalmente ligado ao conjunto das instruções x86. Antes de 2000, havia diversos fabricantes de CPU x86. No entanto, a maioria abandonou o mercado. Segundo a decisão impugnada, a Intel e a AMD são praticamente as duas únicas empresas a fabricar ainda CPU x86.

    21.

    Além disso, a Comissão concluiu, na decisão impugnada, que o mercado de produtos em causa não era mais amplo do que o mercado de CPU x86. No entanto, não se pronunciou sobre a questão de saber se existe um mercado único de CPU x86 para todos os computadores ou se há que distinguir entre três mercados distintos de CPU x86, a saber, para os computadores de escritório, para os computadores portáteis e para os servidores. Segundo a decisão impugnada, tendo em conta as quotas de mercado da Intel para cada segmento, a conclusão relativa à posição dominante é a mesma.

    22.

    Na decisão impugnada, o mercado geográfico foi definido como sendo de dimensão mundial.

    23.

    Relativamente à posição dominante, no período de dez anos examinado pela Comissão (de 1997 a 2007), a Intel detinha quotas de mercado de cerca de 70% ou mais. Além disso, a Comissão identificou obstáculos importantes à entrada e à expansão no mercado de CPU x86. Esses obstáculos resultam, em especial, dos investimentos irrecuperáveis na investigação e no desenvolvimento, na propriedade intelectual e nas instalações de produção necessárias ao fabrico de CPU x86. Baseando‑se nas quotas de mercado detidas pela Intel e nos obstáculos à entrada e à expansão no mercado relevante, a Comissão concluiu que a Intel ocupou uma posição dominante no referido mercado, pelo menos, ao longo do período abrangido pela referida decisão, ou seja, de outubro de 2002 a dezembro de 2007.

    24.

    Na decisão impugnada, a Comissão identificou dois tipos de comportamento adotados pela Intel para com os seus parceiros comerciais, a saber, descontos condicionais e as chamadas «restrições diretas ( *1 )» (naked restrictions).

    25.

    Quanto ao primeiro tipo de comportamento, a Intel concedeu descontos condicionais a quatro OEM, a saber, a Dell, a Lenovo, a HP e a NEC, desde que lhe comprassem a totalidade ou a quase totalidade das suas CPU x86. A Intel também concedeu pagamentos à MSH, na condição de esta última vender exclusivamente computadores equipados com CPU x86 da Intel.

    26.

    Na decisão impugnada, os descontos condicionais concedidos pela Intel são descritos como descontos de fidelidade. No que diz respeito aos pagamentos condicionais da Intel à MSH, a Comissão concluiu que o mecanismo económico desses pagamentos é equivalente ao dos descontos condicionais concedidos aos OEM.

    27.

    A decisão impugnada fornece igualmente uma análise económica sobre a capacidade de os descontos e os pagamentos à MSH afastarem um concorrente com o mesmo grau de eficiência da INTEL (as efficient competitor test, a seguir «teste AEC») ( 9 ).

    28.

    À luz dessas considerações, a Comissão chegou à conclusão de que os descontos e pagamentos condicionais concedidos pela Intel tiveram como consequência garantir a fidelidade dos principais OEM e da MSH. Essas práticas tiveram efeitos complementares, no sentido de que reduziram sensivelmente a capacidade dos concorrentes de praticarem uma concorrência baseada no mérito das suas CPU x86. Consequentemente, o comportamento anticoncorrencial da Intel contribuiu para reduzir a escolha oferecida aos consumidores bem como os incitamentos à inovação.

    29.

    Quanto ao segundo tipo de comportamento identificado na decisão impugnada, ou seja, as restrições diretas, a Comissão considerou que a Intel concedeu pagamentos a três OEM, a saber, a HP, a Acer e a Lenovo, na condição de diferirem ou anularem o lançamento de produtos equipados com CPU provenientes da AMD (a seguir «CPU da AMD»), e/ou de imporem restrições à distribuição desses produtos. A Comissão concluiu que o comportamento da Intel em matéria de restrições diretas prejudicou a concorrência porque privou os clientes de uma escolha que, de outro modo, teriam tido. No entender da Comissão, esse comportamento não constituía uma concorrência normal baseada no mérito.

    30.

    Na decisão impugnada, a Comissão concluiu que cada um dos comportamentos controvertidos da Intel relativos aos OEM supramencionados e à MSH constitui um abuso na aceção do artigo 102.o TFUE, uma vez que todos estes abusos se inscrevem igualmente no âmbito de uma estratégia de conjunto com vista a afastar a AMD, único concorrente importante da Intel, do mercado de CPU x86. Estes abusos formam, assim, uma infração única do artigo 102.o TFUE.

    31.

    De acordo com as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (a seguir «orientações de 2006») ( 10 ), a Comissão aplicou à recorrente uma coima de 1,06 mil milhões de euros.

    32.

    A decisão impugnada dispõe o seguinte:

    «Artigo 1.o

    […] a Intel violou o artigo [102.° TFUE] e o artigo 54.o do Acordo EEE através da sua participação numa infração única e continuada, entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, mediante a aplicação de uma estratégia destinada a excluir os concorrentes do mercado de CPU x86, que consistiu nos seguintes elementos:

    a)

    Descontos concedidos à Dell, durante o período de dezembro de 2002 a dezembro de 2005, na condição de esta adquirir CPU exclusivamente à Intel;

    b)

    Descontos concedidos à HP, durante o período de novembro de 2002 a maio de 2005, na condição de esta lhe adquirir, pelo menos, 95% das CPU para o seu segmento de computadores de secretária;

    c)

    Descontos concedidos à NEC, durante o período de outubro de 2002 a novembro de 2005, na condição de esta lhe adquirir, pelo menos, 80% das CPU para os segmentos de computadores de secretária e portáteis;

    d)

    Descontos concedidos à Lenovo, durante o ano de 2007, na condição de esta adquirir exclusivamente à Intel as CPU para o seu segmento de computadores portáteis.

    e)

    Pagamentos concedidos à [MSH], durante o período de outubro de 2002 a dezembro de 2007, na condição de esta vender exclusivamente computadores equipados com CPU x86 da Intel;

    f)

    Pagamentos concedidos à HP, durante o período de novembro de 2002 a maio de 2005, na condição de: i) esta canalizar os seus computadores de secretária equipados com CPU x86 da AMD para pequenas e médias empresas e organismos públicos, bem como para clientes do setor educativo e da saúde, e não para clientes do setor empresarial; ii) os parceiros de distribuição da HP serem impedidos de vender os computadores de secretária da HP equipados com CPU x86 da AMD, de modo a que esses computadores só pudessem ser encomendados à HP (quer diretamente quer através dos parceiros de distribuição da HP agindo na qualidade de agentes comerciais); iii) a HP adiar por seis meses o lançamento do seu computador de secretária equipado com CPU x86 da AMD na região [da Europa, Médio Oriente e África];

    g)

    Pagamentos concedidos à Acer, durante o período de setembro de 2003 a janeiro de 2004, na condição de esta adiar o lançamento de um computador portátil equipado com uma CPU x86 da AMD;

    h)

    Pagamentos à Lenovo, durante o período de junho de 2006 a dezembro de 2006, na condição de esta adiar e, por fim, cancelar o lançamento dos seus computadores portáteis equipados com CPU x86 da AMD.

    […]»

    III – Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    33.

    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de julho de 2009, a recorrente pediu a anulação da decisão impugnada. A Association for Competitive Technology, Inc. (a seguir «ACT») interveio em apoio da Intel.

    34.

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade.

    IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos da recorrente

    35.

    No seu recurso, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de agosto de 2014, a Intel pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular, total ou parcialmente, o acórdão recorrido;

    anular, total ou parcialmente, a decisão impugnada;

    anular ou reduzir substancialmente a coima aplicada;

    subsidiariamente, remeter o processo ao Tribunal Geral para decisão em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça;

    condenar a Comissão nas despesas do presente processo e do processo no Tribunal Geral.

    36.

    A ACT apresentou articulados de intervenção em apoio dos pedidos da recorrente.

    37.

    A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas despesas.

    38.

    A Intel, a ACT e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 21 de junho de 2016.

    V – Apreciação dos fundamentos do presente recurso

    39.

    A recorrente invoca seis fundamentos em apoio do presente recurso. No primeiro fundamento de recurso, alega erros de direito na qualificação jurídica dos descontos apelidados de «descontos de exclusividade» pelo Tribunal Geral. No segundo fundamento de recurso, alega um erro de direito na conclusão pela existência de uma infração em 2006 e 2007 e na determinação da pertinência da cobertura do mercado. O terceiro fundamento diz respeito a um erro de direito quanto à qualificação como «descontos de exclusividade» de certos acordos sobre descontos que abrangiam apenas uma pequena parte das compras de um cliente. O quarto fundamento de recurso baseia‑se num vício processual decorrente de uma interpretação incorreta do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, relativamente à inexistência da obrigação de registar as declarações feitas numa audição. O quinto fundamento de recurso baseia‑se numa violação do artigo 102.o TFUE e diz respeito à competência da Comissão para aplicar o artigo 102.o TFUE aos acordos da recorrente com a Lenovo na China, em 2006 e 2007. Por último, o sexto fundamento respeita ao montante da coima, cujo cálculo terá alegadamente resultado de um erro de direito relativo à aplicação retroativa das orientações de 2006.

    40.

    Examinarei sucessivamente todas estas questões. Porém, antes de o fazer, considero oportuno tecer algumas observações preliminares sobre a estrutura e a lógica subjacente ao artigo 102.o TFUE. Essas observações constituem o ponto de partida para a apreciação dos três primeiros fundamentos de recurso.

    A – Observações preliminares

    41.

    Desde o primeiro momento, as regras de concorrência da União Europeia visaram instituir um sistema de concorrência não falseada como parte do mercado interno estabelecido pela União ( 11 ). Nesse contexto, nunca é demais salientar que essas regras visam a proteção do processo concorrencial propriamente dito e não, por exemplo, dos concorrentes ( 12 ). No mesmo sentido, os concorrentes que são forçados a abandonar o mercado devido a uma concorrência intensa, e não a um comportamento anticoncorrencial, não beneficiam de proteção. Por conseguinte, nem todos os casos de abandono do mercado indiciam necessariamente um comportamento abusivo, podendo ser antes um sinal de uma concorrência agressiva, mas sã e admissível ( 13 ). Com efeito, dado o seu caráter económico, a legislação sobre concorrência visa, em última análise, aumentar a eficácia. No meu entender, a importância atribuída à eficiência também está claramente patente na jurisprudência dos tribunais da União.

    42.

    Deste princípio diretor resulta naturalmente que a posição dominante per se não é considerada incompatível com o artigo 102.o TFUE. Apenas são proibidos e, consequentemente, punidos como abuso de posição dominante os comportamentos que constituam uma expressão de poder de mercado em detrimento da concorrência e, portanto, dos consumidores.

    43.

    O corolário lógico do objetivo de um aumento da eficácia é o facto de os efeitos anticoncorrenciais de uma determinada prática assumirem uma importância crucial. Quer estejamos perante um «atalho» para garantir o cumprimento da lei, como o que proporciona o conceito de «restrição por objetivo» no âmbito do artigo 101.o TFUE ( 14 ), ou perante o comportamento de uma única empresa visado pelo artigo 102.o TFUE, as regras de concorrência da União pretendem abranger comportamentos com efeitos anticoncorrenciais. Até à data, a forma que uma determinada prática assume não tem sido considerada importante.

    44.

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral estabeleceu uma distinção entre três categorias de descontos: baseados no volume, «descontos de exclusividade» e descontos baseados num mecanismo que pode revestir um efeito fidelizador. Ao contrário dos sistemas de descontos baseados puramente no volume de compras (categoria 1), que refletem ganhos de eficiência e economias de escala, os sistemas de descontos de exclusividade (categoria 2), na terminologia utilizada pelo Tribunal Geral, são incompatíveis com o objetivo de uma concorrência não falseada no mercado interno. Esses descontos estão sujeitos à condição de o cliente se abastecer, relativamente à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante ( 15 ).

    45.

    Além das duas categorias de descontos anteriormente mencionadas, o acórdão recorrido faz referência a uma categoria residual de descontos que possui um efeito fidelizador, não diretamente ligados a um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo (categoria 3). Inserem‑se nesta categoria, por exemplo, os descontos retroativos ( 16 ). O Tribunal Geral considerou que os descontos abrangidos pela categoria 3 deveriam ser distinguidos dos «descontos de exclusividade», uma vez que não estavam diretamente sujeitos a uma condição de exclusividade. Por esse motivo, reconheceu que era necessário apreciar todas as circunstâncias para determinar se esses descontos têm capacidade para restringir a concorrência ( 17 ).

    46.

    Tendo em conta o seu caráter condicional, o Tribunal Geral qualificou os descontos e os pagamentos oferecidos pela recorrente como «descontos de exclusividade». Invocando a jurisprudência que teve origem no acórdão Hoffmann‑La Roche, o Tribunal Geral entendeu que, para determinar se a empresa em causa abusou da sua posição dominante, bastava que os descontos fossem «descontos de exclusividade» pertencentes à categoria 2. Uma vez apurado esse facto, já não seria necessário considerar «todas as circunstâncias» para verificar se o comportamento em causa tinha capacidade para restringir a concorrência. Essa capacidade anticoncorrencial podia ser presumida apenas com base na forma do comportamento. Segundo o Tribunal Geral, isso devia‑se ao facto de os referidos descontos se destinarem, em regra, a retirar ao comprador, ou a limitar‑lhe, a possibilidade de escolha no que respeita às suas fontes de abastecimento, e, neste sentido, a impedir o abastecimento dos clientes junto dos produtores concorrentes ( 18 ).

    47.

    De acordo com estsa metodologia, a presunção de que os «descontos de exclusividade» oferecidos por uma empresa em posição dominante resultam sempre, sem exceção, numa exclusão anticoncorrencial transparece em todo o acórdão recorrido. Foi essa presunção que levou o Tribunal Geral a rejeitar a relevância do contexto e, consequentemente, a necessidade de apreciar a capacidade de o comportamento ter efeitos concorrenciais.

    48.

    Assim sendo, o destino do primeiro, segundo e terceiro fundamentos de recurso depende, em última análise, do entendimento do Tribunal de Justiça sobre a validade desta presunção.

    B – Primeiro fundamento de recurso: o critério jurídico aplicável aos chamados «descontos de exclusividade»

    1.   Principais argumentos das partes

    49.

    Apoiada pela ACT, a Intel alega, a título principal, que o Tribunal Geral cometeu um erro na qualificação jurídica dos descontos, que designou de «descontos de exclusividade», ou seja, «descontos de fidelidade no sentido da jurisprudência Hoffmann‑La Roche» ( 19 ). No seu entender, o Tribunal Geral errou ao concluir que, ao contrário de outros descontos e práticas tarifárias, os referidos descontos tinham intrinsecamente capacidade para restringir a concorrência e, como tal, eram anticoncorrenciais, sem que fosse necessário considerar as circunstâncias pertinentes desses descontos ou a probabilidade de restringirem a concorrência ( 20 ). Nesse contexto, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro ao confirmar a existência de um abuso sem ter considerado a probabilidade de um prejuízo para a concorrência. Além disso, a Intel alega que, em qualquer caso, o Tribunal Geral cometeu um erro ao ter concluído, a título subsidiário, que os descontos em causa no presente processo tinham capacidade para restringir a concorrência ( 21 ).

    50.

    A Comissão alega que o primeiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente. No essencial, sustenta que esse fundamento assenta numa falácia: que os «descontos de exclusividade» constituem meras práticas tarifárias. A Comissão defende que os «descontos de exclusividade» são intrinsecamente diferentes de outras práticas tarifárias. No seu entender, os descontos sujeitos a uma condição de exclusividade possuem características que dispensam a verificação da sua capacidade para restringirem a competência num determinado caso concreto. A Comissão considera, em especial, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de descontos não corrobora o entendimento defendido pela recorrente, segundo o qual não se justifica distinguir os «descontos de exclusividade» de outros descontos com efeito fidelizador nem, tão‑pouco, das práticas tarifárias.

    51.

    Relativamente à apreciação subsidiária de todas as circunstâncias, a Comissão considera que a recorrente não aduziu qualquer argumento que ponha em causa a apreciação da capacidade anticoncorrencial realizada, a título subsidiário, pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

    2.   Análise

    52.

    No essencial, o primeiro fundamento de recurso prende‑se com o critério jurídico correto a aplicar aos chamados «descontos de exclusividade». Por outras palavras, o que importa determinar é se o Tribunal Geral tinha motivos para concluir que não havia necessidade de considerar «todas as circunstâncias» para verificar se os referidos descontos têm capacidade para produzir um efeito concorrencial. Muito simplesmente: estava o Tribunal Geral certo ao concluir que, em virtude da forma que assumem, os «descontos de exclusividade» são inadmissíveis seja em que contexto for?

    53.

    Antes de mais (e ao contrário do que sugere a Comissão nas suas observações escritas), não vejo motivo que obste a que o Tribunal de Justiça aprecie o primeiro fundamento de recurso na sua totalidade. Ao invocar este fundamento, a recorrente pretende claramente impugnar os erros de direito que, no seu entender, viciaram a qualificação dos descontos e pagamentos da Intel como «descontos de exclusividade», diferentes de outros descontos com efeito fidelizador. Mais concretamente, a recorrente contesta o facto de o Tribunal Geral ter considerado desnecessário apreciar todas as circunstâncias para concluir que o comportamento recriminado constituía um abuso de posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE. A Intel discorda igualmente da apreciação subsidiária da «capacidade» anticoncorrencial ( 22 ) realizada pelo Tribunal Geral. No seu entender, essa apreciação não toma em devida consideração várias circunstâncias relevantes para efeitos de determinar se o comportamento recriminado tem capacidade para restringir a concorrência. Embora esteja estreitamente ligada à reapreciação dos factos, essa questão não pode escapar à fiscalização jurisdicional, uma vez que, nos termos do artigo 256.o TFUE, o Tribunal de Justiça tem competência para reapreciar a qualificação jurídica desses factos por parte do Tribunal Geral e as conclusões jurídicas deles extraídas.

    54.

    Quanto ao mérito do primeiro fundamento de recurso, começarei por analisar se o Tribunal Geral estava certo ao considerar que, na apreciação dos «descontos de exclusividade» oferecidos pela Intel aos OEM em causa e das práticas comerciais acordadas com a MSH, não era necessário examinar «todas as circunstâncias» para determinar se o comportamento recriminado constitui um abuso de posição dominante incompatível com o artigo 102.o TFUE. A este respeito, descreverei os princípios básicos subjacentes à jurisprudência pertinente para demonstrar que essa jurisprudência exige a apreciação de todas as circunstâncias. Como corolário lógico desta conclusão, passarei a analisar a apreciação subsidiária realizada pelo Tribunal Geral relativamente à capacidade dos descontos oferecidos pela recorrente para restringirem a concorrência.

    a) Apreciação dos descontos e pagamentos da recorrente realizada a título principal pelo Tribunal Geral

    55.

    Como mencionado anteriormente (n.os 44 a 46), o Tribunal Geral distinguiu, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça, entre três categorias de descontos: descontos baseados no volume das compras (categoria 1), «descontos de exclusividade» sujeitos à condição de o cliente se abastecer, relativamente à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante (categoria 2) e outros tipos de descontos em que a concessão de um incentivo financeiro não está diretamente ligada a um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo (categoria 3) ( 23 ).

    56.

    Concretamente, o Tribunal Geral concluiu que os descontos concedidos à Dell, à HP, à NEC e à Lenovo referidos pela Comissão, designadamente no artigo 1.o, alíneas a) a d), da decisão impugnada, são «descontos de exclusividade» abrangidos pela categoria 2. Tal devia‑se ao facto de esses descontos estarem ligados à condição de as referidas empresas se terem abastecido junto da Intel, pelo menos num segmento determinado, relativamente à totalidade das suas necessidades em CPU x86 (no caso da Dell e da Lenovo) ou a uma parte importante das suas necessidades (neste caso, 95% no caso da HP e 80% no caso da NEC) ( 24 ). Relativamente aos pagamentos efetuados à MSH, o Tribunal Geral concluiu que a Comissão não estava obrigada a examinar as circunstâncias do caso concreto, mas devia apenas demonstrar a concessão, pela recorrente, de um incitamento financeiro sujeito a uma condição de exclusividade ( 25 ).

    57.

    Em especial, baseando‑se numa afirmação do Tribunal de Justiça no acórdão Hoffmann‑La Roche ( 26 ), o Tribunal Geral entendeu que a qualificação de um «desconto de exclusividade» como abusivo não depende de uma análise da sua capacidade para restringir a concorrência à luz das circunstâncias do caso concreto ( 27 ).

    58.

    A recorrente alega que esta conclusão está viciada por um erro de direito. Sustenta, em especial, que o Tribunal Geral desvalorizou a relevância das declarações feitas pelo Tribunal de Justiça não só noutros processos relacionados com descontos no contexto do artigo 102.o TFUE, mas também a propósito de outras práticas tarifárias.

    59.

    Seguidamente, explicarei por que motivo concordo com a recorrente.

    i) Princípios básicos da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de descontos

    60.

    Em termos gerais, a jurisprudência do Tribunal de Justiça revela um certo ceticismo em relação a diversos mecanismos de descontos oferecidos por empresas em posição dominante, o que poderá ser explicado pelo facto de, em regra, se considerar que incumbe às empresas que detêm uma posição dominante a responsabilidade especial de não impedirem, através do seu comportamento, a concorrência no mercado interno ( 28 ). Em virtude desta responsabilidade especial, os mecanismos que, de uma forma ou de outra, obrigam os clientes a abastecer‑se junto da empresa em posição dominante são considerados mecanismos de fidelização e, como tal, presumem‑se abusivos.

    61.

    Da linha jurisprudencial que remonta ao importante acórdão Hoffmann‑La Rocha resulta uma presunção de ilegalidade dos descontos sujeitos à condição de o cliente se abastecer, relativamente à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante. Essa mesma presunção de ilegalidade também se aplica a outros descontos com efeito fidelizador, ainda que não assentem formalmente na exclusividade. Os descontos, quer sejam retroativos e individualizados, como nos processos Michelin I ( 29 ), British Airways ( 30 ) e Tomra ( 31 ), quer sejam baseados na quota de mercado e individualizados, como no acórdão Hoffmann‑La Roche ( 32 ), têm sido considerados anticoncorrenciais pelo Tribunal de Justiça. Até à data, os únicos descontos que têm escapado à presunção de ilegalidade são os que se baseiam no volume. Estes descontos estão ligados unicamente ao volume de compras efetuadas junto de uma empresa em posição dominante ( 33 ).

    62.

    Os descontos e os pagamentos oferecidos pela Intel podem ser descritos como descontos de fidelidade baseados na quota de mercado ( 34 ). Para poder beneficiar de um desconto, o cliente tem de se abastecer junto da empresa em posição dominante para satisfazer uma determinada percentagem das suas necessidades. Como explicado anteriormente, o Tribunal Geral, baseando‑se na declaração do Tribunal de Justiça no acórdão Hoffmann‑La Roche, considerou que, nos casos em que um desconto constitua um desconto de exclusividade abrangido pela categoria 2, não é necessário analisar a sua capacidade para restringir a concorrência à luz das circunstâncias do caso concreto ( 35 ).

    63.

    O acórdão Hoffman‑La Roche dizia respeito a um sistema de descontos baseados na quota de mercado, que estava sujeito à condição de o cliente se abastecer, relativamente a uma determinada percentagem das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante. Mais concretamente, os descontos aumentavam em função da percentagem do volume de negócios alcançada pelas compras ( 36 ). Nesse caso, o Tribunal de Justiça sustentou que, salvo em circunstâncias excecionais, os descontos de fidelidade não se baseiam numa prestação económica que justifique esse encargo ou essa vantagem. Pelo contrário, no entender do Tribunal de Justiça, destinam‑se a retirar ou a restringir a possibilidade de escolha do comprador relativamente às fontes de abastecimento e a impedir a entrada dos outros produtores no mercado ( 37 ). Por conseguinte, segundo o Tribunal de Justiça, «[c]onstitui uma exploração abusiva de uma posição dominante, na aceção do artigo [102.° TFUE], o facto de uma empresa que se encontra numa posição dominante num mercado, vincular […] compradores através de uma obrigação ou promessa de se abastecerem exclusivamente, relativamente à totalidade ou a uma parte considerável das suas necessidades, junto da referida empresa, quer a obrigação em questão esteja estipulada sem mais, quer seja a contrapartida da concessão de descontos» ( 38 ). O Tribunal de Justiça acrescentou que «[a] situação é idêntica quando a dita empresa, sem vincular os compradores através de uma obrigação formal, aplica, quer em virtude de acordos celebrados com os compradores quer unilateralmente, um sistema de descontos de fidelidade, isto é, de abatimentos ligados à condição de que o cliente — seja qual for o montante, considerável ou mínimo, das suas compras — se abasteça exclusivamente, na totalidade ou numa parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante» ( 39 ).

    64.

    Nessa importante declaração, o Tribunal de Justiça não fez qualquer referência à necessidade de apreciar todas as circunstâncias para determinar se tinha sido provada de forma suficiente a existência de um abuso de posição dominante.

    65.

    Desta perspetiva, talvez a conclusão do Tribunal Geral não seja particularmente surpreendente.

    66.

    Porém, importa desde já salientar que, no acórdão Hoffmann‑La Roche, a conclusão quanto à ilegalidade dos descontos em questão teve por base, não obstante, uma análise exaustiva de vários fatores, incluindo as condições da concessão dos descontos e a respetiva cobertura de mercado ( 40 ). Foi com base nessa análise que o Tribunal de Justiça concluiu que, naquele caso, os descontos de fidelidade tinham por objetivo impedir o abastecimento dos clientes junto dos produtores concorrentes, através da concessão de uma vantagem financeira.

    67.

    Como observou corretamente o Tribunal Geral ( 41 ), desde o acórdão Hoffmann‑La Roche que a jurisprudência se tem centrado principalmente na definição dos critérios adequados para determinar se uma empresa abusou da sua posição dominante recorrendo a sistemas de descontos que não estão diretamente ligados a um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo. São esses os descontos que, na terminologia utilizada no acórdão recorrido, estão incluídos na categoria 3.

    68.

    Nessa jurisprudência subsequente, o Tribunal de Justiça tem constantemente reiterado a declaração de princípio decorrente do acórdão Hoffmann‑La Roche relativa à presunção do caráter abusivo dos descontos de fidelidade. No entanto, como observou a ACT na audiência, na prática, o Tribunal de Justiça tem invariavelmente tomado em consideração «todas as circunstâncias» para determinar se o comportamento recriminado corresponde a um abuso de posição dominante incompatível com o artigo 102.o TFUE.

    69.

    No acórdão Michelin I, que dizia respeito a descontos baseados em objetivos de venda, o Tribunal de Justiça entendeu que, quando esteja em causa um sistema de descontos que não se baseia num compromisso de exclusividade ou de abastecimento de uma determinada quota das necessidades junto da empresa em posição dominante, é necessário considerar todas as circunstâncias ( 42 ). Em processos subsequentes relacionados com descontos não diretamente sujeitos a uma condição de exclusividade, o Tribunal de Justiça concluiu que, para determinar se uma empresa abusou da sua posição dominante, é útil analisar os critérios e as modalidades de concessão do desconto e apurar se esses descontos se destinam, através de uma vantagem que não assenta em nenhuma prestação económica que a justifique, a suprimir ou a restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, a impedir o acesso ao mercado dos concorrentes ou a reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada ( 43 ).

    70.

    Porém, reiterar uma declaração de princípio relativa a uma presunção de caráter abusivo não equivale (como demonstra a jurisprudência do Tribunal de Justiça) a não apreciar as circunstâncias de um caso concreto. Na verdade, o acórdão recorrido constitui um dos raros casos em que a declaração proferida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Hoffmann‑La Roche foi aplicada ipsis verbis, sem uma análise prévia das circunstâncias do caso antes de concluir que uma empresa abusou da sua posição dominante ( 44 ). A fim de justificar essa severidade em relação aos «descontos de exclusividade», o Tribunal Geral considerou, no acórdão recorrido, que os descontos e os pagamentos oferecidos pela Intel estavam sujeitos a uma condição de exclusividade (uma situação semelhante, mas não idêntica, à do acórdão Hoffmann‑La Roche, dada a inexistência de um compromisso formal de exclusividade). Esta circunstância permitiu distinguir o presente caso dos casos mencionados no número anterior.

    71.

    À primeira vista, portanto, poder‑se‑ia facilmente concluir que o acórdão recorrido se limita a confirmar a jurisprudência existente e a aplicá‑la ao comportamento da Intel.

    72.

    Porém, tal conclusão não teria em conta a importância atribuída por essa mesma jurisprudência ao contexto jurídico e económico.

    ii) As circunstâncias do caso concreto como meio de determinar se o comportamento recriminado tem um efeito provável sobre a concorrência

    73.

    Seguidamente, explicarei por que motivo um abuso de posição dominante nunca é determinado em abstrato: mesmo no caso de práticas presumidamente ilegais, o Tribunal de Justiça tem sistematicamente analisado o contexto jurídico e económico do comportamento recriminado. A este respeito, a apreciação do contexto do comportamento em causa constitui um elemento necessário para determinar se ocorreu um abuso de posição dominante. Não há nada de surpreendente nisto. Para estar abrangido pela proibição imposta pelo artigo 102.o TFUE, esse comportamento deve, no mínimo, ser suscetível de afastar os concorrentes do mercado ( 45 ).

    74.

    Bastará uma breve análise dos acórdãos supramencionados (n.os 66 e 69, supra) para concluir que a jurisprudência não se exime de apreciar o contexto jurídico e económico do comportamento (ou, empregando a fórmula habitualmente utilizada em casos relacionados com o artigo 102.o TFUE, «todas as circunstâncias») para determinar se uma empresa abusou da sua posição dominante. Esta conclusão é válida tanto para os descontos sujeitos a uma condição de exclusividade como para outros tipos de mecanismos de fidelização.

    75.

    Consequentemente, entendo que, na sua interpretação do acórdão Hoffmann‑La Roche, o Tribunal Geral não aborda uma questão importante. Ao contrário do que foi sustentado no acórdão recorrido ( 46 ), no acórdão Hoffmann‑La Roche, o Tribunal de Justiça tomou em consideração várias circunstâncias relacionadas com o contexto jurídico e económico dos descontos antes de concluir que a empresa em questão tinha abusado da sua posição dominante. É certo que esse acórdão não declara expressamente que é crucial realizar uma análise de todas as circunstâncias para determinar se o comportamento recriminado corresponde a um abuso de posição dominante. Não obstante, como referido no n.o 66, supra, um exame mais atento do acórdão revela que o Tribunal de Justiça realizou uma análise extraordinariamente pormenorizada das características específicas do mercado farmacêutico em causa, da cobertura de mercado dos descontos bem como dos termos e condições dos contratos celebrados entre a empresa em posição dominante e os seus clientes ( 47 ). Com base nessa análise pormenorizada do contexto jurídico e económico dos descontos, ou seja, das condições da concessão dos descontos, da respetiva cobertura de mercado e da duração dos acordos sobre descontos, o Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que os descontos de fidelidade eram ilegais, salvo em circunstâncias excecionais ( 48 ).

    76.

    Como o Tribunal Geral reconheceu no acórdão recorrido ( 49 ), com exceção do acórdão Hoffmann‑La Roche, o Tribunal de Justiça tem declarado sistemática e explicitamente na sua jurisprudência sobre sistemas de descontos (diferentes dos sistemas puramente baseados no volume das compras) que a apreciação de todas as circunstâncias é de especial importância para determinar se o comportamento recriminado corresponde a um abuso de posição dominante incompatível com o artigo 102.o TFUE ( 50 ). Este facto não constitui, enquanto tal, nenhuma surpresa: excetuando o acórdão Hoffmann‑La Roche, não conheço outros casos em que o Tribunal de Justiça se tenha pronunciado sobre obrigações de abastecimento exclusivo semelhantes às que estão aqui em causa. Não admira, portanto, que a necessidade de tomar em consideração todas as circunstâncias tenha sido novamente reiterada no acórdão Post Danmark II, uma decisão prejudicial, proferida após a prolação do acórdão recorrido, relacionada com descontos retroativos não ligados a uma obrigação de exclusividade ( 51 ).

    77.

    Mas o que implica uma apreciação de «todas as circunstâncias»?

    78.

    Na minha perspetiva, a análise do «contexto» (ou de «todas as circunstâncias», na terminologia utilizada na jurisprudência do Tribunal de Justiça) tem um objetivo simples, mas crucial: determinar se ficou provado de forma suficiente que uma empresa abusou da sua posição dominante ( 52 ). Mesmo que esteja em causa um comportamento com efeitos de exclusão aparentemente manifestos (como a fixação de preços inferiores aos custos de produção), o contexto não pode ser ignorado ( 53 ). Se assim não fosse, um comportamento perfeitamente incapaz de restringir a concorrência poderia ficar abrangido por uma proibição indiferenciada. Existiria ainda o risco de um comportamento pró‑concorrencial ser englobado e penalizado por essa proibição genérica.

    79.

    Por este motivo, o contexto é essencial.

    iii) A jurisprudência distingue apenas entre duas categorias de descontos

    80.

    No meu entender, para efeitos da aplicação do artigo 102.o TFUE, existe uma quase equivalência entre os descontos de fidelidade e as restrições por objetivo previstas no artigo 101.o TFUE, dado que tanto uns como outros se presumem ilegais. Porém, como já referido no n.o 61, supra, os descontos de fidelidade devem ser entendidos no sentido de que abrangem quer os descontos sujeitos à condição de o cliente se abastecer, relativamente à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante, quer outras estruturas tarifárias sujeitas à condição de o cliente atingir um determinado objetivo.

    81.

    Ao contrário do que sustentou o Tribunal Geral no acórdão recorrido, a jurisprudência distingue apenas entre duas, e não três, categorias de descontos. Por um lado, alguns descontos (como os descontos baseados no volume) beneficiam de uma presunção de legalidade ( 54 ). O exame da (i)legalidade de tais descontos passa necessariamente por uma análise exaustiva dos seus efeitos reais ou potenciais. Não são esses descontos que estão aqui em causa.

    82.

    Por outro lado, relativamente aos descontos de fidelidade (que se presumem ilegais), quer estejam ou não diretamente ligados a uma condição de exclusividade, o Tribunal de Justiça adota uma abordagem que apresenta algumas semelhanças com a abordagem às restrições por objetivo estabelecida no artigo 101.o TFUE. Com efeito, para determinar se certo comportamento constitui uma restrição por objetivo à luz dessa disposição, também é necessário examinar primeiro o contexto jurídico e económico do comportamento recriminado, a fim de excluir qualquer outra explicação plausível para o mesmo. Por outras palavras, o contexto específico do comportamento recriminado nunca é ignorado.

    83.

    Como referido anteriormente, no acórdão Hoffman‑La Roche, o Tribunal de Justiça tomou em consideração todas as circunstâncias. Mais tarde, no acórdão Michelin I, o Tribunal de Justiça formulou expressamente uma exigência nesse sentido em relação a descontos não diretamente ligados à exclusividade. Essa exigência foi posteriormente aperfeiçoada, nomeadamente nos acórdãos British Airways, Michelin II e Tomra. A análise de todas as circunstâncias tem por objetivo determinar se foi provada, de acordo com o nível de probabilidade exigido, a existência de um abuso de posição dominante e, em caso afirmativo, se os descontos têm capacidade para produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial.

    84.

    No acórdão recorrido, porém, o Tribunal Geral foi mais longe. Ao aplicar ipsis verbis a declaração do Tribunal de Justiça no acórdão Hoffmann‑La Roche sem a contextualizar, o Tribunal Geral distinguiu um subtipo de descontos de fidelidade (que designou por «descontos de exclusividade») de outros tipos de descontos com um efeito de fidelização ( 55 ). Ao fazê‑lo, criou uma «supercategoria» de descontos, relativamente aos quais não se exige a análise de todas as circunstâncias para concluir que o comportamento recriminado corresponde a um abuso de posição dominante incompatível com o artigo 102.o TFUE. Mais importante ainda, o Tribunal Geral presumiu, em abstrato, o caráter abusivo desses descontos é presumido em abstrato, apenas com base na sua forma.

    85.

    Em termos metodológicos, a lógica subjacente a essa abordagem é questionável, por quatro motivos que passarei a expor.

    – Uma presunção de ilegalidade baseada na forma não pode ser ilidida

    86.

    Em primeiro lugar, se aceitarmos que os «descontos de exclusividade» constituem uma categoria autónoma de descontos que deve ser distinguida de outros tipos de sistemas de descontos com efeito fidelizador, a presunção de ilegalidade que lhe está subjacente deixa de ser ilidível ( 56 ), uma vez que tem por base a forma do comportamento, e não os seus efeitos.

    87.

    Na verdade, o acórdão recorrido parece partir do princípio de que um «desconto de exclusividade», quando oferecido por uma empresa em posição dominante, nunca poderá ter efeitos benéficos para a concorrência, dado que, segundo o Tribunal Geral, a mera existência de uma posição dominante per se constitui uma restrição à concorrência ( 57 ). Esse entendimento equivale a rejeitar a possibilidade, já aceite no acórdão Hoffmann‑La Roche ( 58 ) e reiterada no acórdão recorrido ( 59 ), de invocar uma justificação objetiva (pró‑concorrencial) para o recurso aos descontos em questão.

    88.

    Ao contrário do que sugeriu a Comissão na audiência, uma empresa não pode invocar motivos de eficiência ou outros para justificar o recurso a «descontos de exclusividade» nos casos em que a proibição incide sobre a forma, e não sobre os efeitos ( 60 ). De facto, quaisquer que sejam os efeitos, a forma mantém‑se a mesma. Isso é problemático. Como referiu o Tribunal Geral no acórdão recorrido ( 61 ) e como reconheceu a própria Comissão nas suas observações escritas, a empresa em posição dominante deve poder justificar o recurso a um sistema de descontos provando que o efeito de exclusão por ele produzido pode ser compensado ou mesmo superado por ganhos de eficiência ( 62 ).

    – Os descontos de fidelidade nem sempre são prejudiciais

    89.

    Em segundo lugar, a criação de uma «supercategoria» de descontos só se justifica caso se considere que os acordos sujeitos a uma condição de exclusividade nunca apresentam aspetos positivos, independentemente das circunstâncias do caso concreto. Paradoxalmente, porém, o próprio Tribunal Geral admitiu que as condições de exclusividade também podem ter efeitos benéficos. No entanto, rejeitou a necessidade de analisar esses efeitos, dado que, por força da posição dominante ocupada pela empresa no mercado, a concorrência já estava irrefutavelmente restringida ( 63 ).

    90.

    A experiência e a análise económica não apontam inequivocamente para a conclusão de que os descontos de fidelidade são, por princípio, prejudiciais ou anticoncorrenciais, mesmo quando oferecidos por empresas em posição dominante ( 64 ). De facto, os descontos reforçam a rivalidade entre empresas, que é a própria essência da concorrência.

    91.

    Porém, a verdade é que o maior problema que os descontos suscitam em termos de concorrência surge nos casos em que os clientes de uma empresa em posição dominante são obrigados a colocar à venda uma percentagem dos seus produtos e/ou em que o desconto está sujeito à condição de o cliente se abastecer junto dessa empresa relativamente à totalidade (ou a uma parte importante) das suas necessidades. Esta situação poderia ser vista como um argumento a favor de um tratamento mais rigoroso dos «descontos de exclusividade». No entanto, há outros tipos de descontos que poderão ter um efeito de distorção da concorrência semelhante, ainda que o sistema em causa não esteja expressamente ligado à exclusividade ( 65 ).

    92.

    Com efeito, como demonstra claramente a jurisprudência, os mecanismos de fidelização podem assumir diversas formas. Tal como acontecia nos processos Hoffmann‑La Roche ( 66 ) e Tomra ( 67 ), o mecanismo de fidelização pode ser inerente à exigência de que o cliente se abasteça, relativamente à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades materiais, junto da empresa em posição dominante. Pode igualmente assumir a forma de objetivos de vendas individualizados ( 68 ) ou bónus ( 69 ), que não estão necessariamente ligados a uma determinada proporção das necessidades ou das vendas.

    93.

    Dessa perspetiva, não existe qualquer razão objetiva para que os descontos da categoria 2 sejam submetidos a um tratamento mais rigoroso do que os abrangidos pela categoria 3.

    – Os efeitos dos descontos de fidelidade dependem do contexto

    94.

    Em terceiro lugar, atualmente, os economistas chamam geralmente a atenção para o facto de os efeitos da exclusividade dependerem do contexto ( 70 ). Inversamente, poucos negariam que os descontos de fidelidade, em especial, podem (consoante as circunstâncias) ter um efeito de exclusão anticoncorrencial.

    95.

    O facto de o Tribunal de Justiça estar ciente desta dependência do contexto também poderá ajudar a explicar por que motivo, na sua recente jurisprudência sobre o artigo 102.o TFUE, salientou a importância de apreciar todas as circunstâncias. Fê‑lo, por exemplo, no acórdão Tomra. É certo que, como observou o Tribunal Geral ( 71 ), os descontos analisados em sede de recurso no acórdão Tomra eram descontos retroativos individualizados, ou seja, descontos pertencentes à categoria 3, na terminologia utilizada no acórdão recorrido. Porém, no acórdão Tomra, o Tribunal de Justiça não estabeleceu expressamente uma distinção entre descontos pertencentes à categoria 2 e à categoria 3. Limitou‑se a observar que, nos casos em que os descontos estão sujeitos à condição de o cliente se abastecer, relativamente à totalidade ou a uma parte significativa das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante, é necessário apreciar todas as circunstâncias para determinar se o comportamento recriminado corresponde a um abuso de posição dominante ( 72 ).

    96.

    As partes retiram conclusões antagónicas da declaração do Tribunal de Justiça: ambas sustentam que põe definitivamente termo à controvérsia em redor do critério jurídico a aplicar em relação aos «descontos de exclusividade». No entanto, continua a não haver consenso quanto ao teor desse critério.

    97.

    No meu entender, a declaração do Tribunal de Justiça no acórdão Tomra em nada contribui para nos esclarecer no presente caso. Como demonstram as interpretações diametralmente opostas das partes, a terminologia utilizada nesse acórdão relativamente ao tipo de descontos que devem estar sujeitos a uma apreciação de todas as circunstâncias é demasiado ambígua.

    98.

    Pelo contrário, é legítimo questionar a distinção entre os acórdãos Tomra e Hoffman‑La Roche que é feita pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido. A esse propósito, gostaria de chamar a atenção para dois pontos.

    99.

    Por um lado, à semelhança do que acontece no acórdão Tomra, os descontos analisados no acórdão Hoffmann‑La Roche apresentavam certas características dos descontos retroativos individualizados. Com efeitos, vários contratos examinados neste último acórdão continham não só uma cláusula de desconto relacionada com a maior parte das necessidades do comprador, como também cláusulas de desconto que previam um abatimento cuja percentagem aumentava consoante a percentagem das necessidades estimadas do comprador durante o período de referência tivesse sido coberta ( 73 ). Por outro lado, ainda que partíssemos do princípio de que essa distinção se justificava em virtude de uma suposta diferença intrínseca entre os descontos em causa nos dois processos (o que não considero ser o caso), o Tribunal de Justiça não ignorou, de modo algum, o contexto dos descontos impugnados no acórdão Hoffmann‑La Roche. Por que motivo o faria no acórdão Tomra, decorridas mais de três décadas?

    100.

    Quando muito, a diferença entre os descontos em causa nos acórdãos Tomra e Hoffmann‑La Roche é uma diferença de grau e não de espécie. O mesmo se poderá dizer do acórdão Post Danmark II, em que a relevância do contexto e de todas circunstâncias para determinar se o comportamento recriminado corresponde a um abuso de posição dominante foi recentemente confirmada ( 74 ).

    – Práticas conexas exigem a apreciação de todas as circunstâncias

    101.

    Em quarto e último lugar, a jurisprudência relacionada com práticas tarifárias e de compressão de margens impõe, como observa a recorrente, a apreciação de todas as circunstâncias para determinar se a empresa em causa explorou a sua posição dominante de forma abusiva ( 75 ).

    102.

    O Tribunal Geral desvalorizou a relevância dessa jurisprudência, por considerar que, ao contrário de um incitamento a um abastecimento exclusivo, um preço específico não pode ser considerado abusivo em si mesmo ( 76 ). Contudo, o acórdão recorrido qualifica os descontos da Intel como anticoncorrenciais devido ao preço ( 77 ). No meu entender, a desvalorização da relevância da referida jurisprudência é problemática, pois resulta numa distinção injustificada entre diferentes tipos de práticas tarifárias. Com efeito, os descontos de fidelidade, as práticas de compressão de margens e os preços predatórios apresentam uma característica comum: constituem uma «exclusão baseada no preço» ( 78 ).

    103.

    Escusado será dizer que é extremamente importante que os critérios jurídicos aplicados a uma categoria de comportamentos sejam coerentes com os critérios aplicados relativamente a práticas comparáveis. Uma qualificação jurídica fundamentada e coerente beneficia as empresas, na medida em que reforça a segurança jurídica, e ajuda também as autoridades da concorrência a fazer cumprir a legislação sobre essa matéria. Uma qualificação arbitrária não traz quaisquer benefícios.

    104.

    O Tribunal de Justiça parece ter o mesmo entendimento. Mais recentemente, no acórdão Post Danmark II, o Tribunal de Justiça aplicou a jurisprudência relativa às práticas tarifárias e de compressão de margens em apoio das suas conclusões sobre um sistema de descontos oferecido por uma empresa em posição dominante ( 79 ). Porém, é certo que o acórdão Post Danmark II também pode ser lido no sentido de que defende a tese segundo a qual, no caso dos «descontos de fidelidade», nem sempre haverá necessidade de apreciar todas as circunstâncias ( 80 ). Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça distinguiu os descontos em questão dos descontos baseados numa obrigação de exclusividade antes de concluir que era necessário apreciar todas as circunstâncias para determinar se a empresa em posição dominante explorou de forma abusiva essa posição. Quando muito, os descontos retroativos analisados pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão assemelhavam‑se aos descontos que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou serem descontos com um efeito fidelizador pertencentes à categoria 3 ( 81 ).

    105.

    Como expliquei anteriormente, essa é uma distinção artificial (uma vez que a diferença reside na forma e não nos efeitos). No entanto, mais importante ainda é o facto de essa leitura do referido acórdão contrariar a abordagem adotada pelo Tribunal de Justiça (Grande Secção) no acórdão Post Danmark I, no qual sustentou que, no contexto das práticas tarifárias, todas as circunstâncias devem ser apreciadas ( 82 ). De facto, é significativo que, mais adiante no acórdão Post Danmark II, o Tribunal de Justiça tenha reiterado (e, aí, sem distinguir entre diferentes sistemas de descontos) que a «apreciação da capacidade de um regime de descontos para restringir a concorrência deve ser efetuada tendo em conta o conjunto das circunstâncias relevantes» ( 83 ). Fê‑lo, sem dúvida, para assegurar uma abordagem jurisprudencial coerente à apreciação dos comportamentos potencialmente abrangidos pelo artigo 102.o TFUE.

    iv) Conclusão provisória

    106.

    Tendo em conta as considerações precedentes, os «descontos de fidelidade» não devem ser entendidos como uma categoria autónoma e especial de descontos que dispense a apreciação de todas as circunstâncias para determinar se o comportamento recriminado corresponde a um abuso de posição dominante. Consequentemente, entendo que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que os «descontos de exclusividade» podem ser qualificados como abusivos sem uma análise da sua capacidade para restringir a concorrência à luz das circunstâncias do caso concreto.

    107.

    No entanto, o Tribunal Geral realizou, a título subsidiário, uma análise pormenorizada da capacidade dos descontos e pagamentos oferecidos pela recorrente para restringirem a concorrência. Por outras palavras, examinou «todas as circunstâncias». Por este motivo, a conclusão quanto ao erro de direito enunciada no número anterior não determina necessariamente a anulação do acórdão recorrido. Pelo contrário, essa conclusão só será válida se a apreciação subsidiária realizada pelo Tribunal Geral revelar um erro de direito.

    108.

    Por conseguinte, é necessário examinar agora essa apreciação subsidiária.

    b) Apreciação da capacidade anticoncorrencial realizada a título subsidiário pelo Tribunal Geral

    109.

    No essencial, a recorrente apresenta três linhas de argumentação que põem em causa a apreciação subsidiária realizada pelo Tribunal Geral. Em primeiro lugar, alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao confirmar a conclusão da Comissão quanto à existência de um abuso sem ter considerado a probabilidade de ocorrência de efeitos anticoncorrenciais. Em segundo lugar, os fatores que o Tribunal Geral tomou em consideração eram irrelevantes ou não foram corretamente apreciados. Em terceiro lugar, o Tribunal Geral não apreciou corretamente vários outros fatores que são cruciais para a determinação da existência de um abuso.

    110.

    A Comissão sustenta que, para provar a existência de um abuso de posição dominante, não se exige um grau de «probabilidade» superior (em comparação com o critério da «capacidade»): a capacidade é suficiente. No seu entender, os argumentos aduzidos pela recorrente não põem em causa as conclusões formuladas no acórdão recorrido sobre a capacidade do comportamento da Intel para restringir a concorrência.

    111.

    Com os seus argumentos, a recorrente questiona o critério jurídico que foi aplicado no acórdão recorrido para concluir que o comportamento recriminado tinha capacidade para restringir a concorrência. Em primeiro lugar: qual o nível de probabilidade exigido numa apreciação da capacidade? Em segundo lugar: quais as circunstâncias relevantes que devem ser tomadas em consideração para determinar se o comportamento em questão tem capacidade para restringir a concorrência? Examinarei sucessivamente estas questões.

    i) Capacidade e/ou probabilidade

    112.

    A recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao confirmar a existência de um abuso sem ter considerado a probabilidade de o comportamento recriminado resultar num prejuízo para a concorrência.

    113.

    Na sua apreciação subsidiária, o Tribunal Geral explicou que a Comissão se pode limitar a determinar que o comportamento em apreço tem capacidade para restringir a concorrência. Além disso, observou que, mesmo nos casos em que são apreciadas todas as circunstâncias, a Comissão não é obrigada a provar a ocorrência de um efeito concreto de exclusão ( 84 ).

    114.

    Evidentemente, não é necessário apresentar provas de efeitos reais, dado que, relativamente aos comportamentos que se presumem ilegais, basta que o comportamento recriminado tenha capacidade para restringir a concorrência. Porém, há que ter em conta que a capacidade não pode ser meramente hipotética ou teoricamente possível. Caso contrário, não seria necessário apreciar todas as circunstâncias.

    115.

    É verdade que existe uma certa discrepância na jurisprudência em relação à terminologia utilizada. A jurisprudência utiliza os termos capacidade e probabilidade, por vezes até como sinónimos ( 85 ). Creio que esses termos designam a mesma etapa obrigatória da análise a realizar para determinar se o recurso a descontos de fidelidade corresponde a um abuso de posição dominante.

    116.

    Mas qual o grau de probabilidade de exclusão anticoncorrencial que é exigido? É essa a questão que está no âmago da divergência entre a recorrente e a Comissão no que respeita à adequação da apreciação da capacidade realizada pelo Tribunal Geral: enquanto a Comissão considera que essa análise é adequada, a Intel alega que o Tribunal de Justiça não verificou se, em face das circunstâncias do caso, o comportamento da recorrente poderia restringir a concorrência.

    117.

    A apreciação da capacidade visa determinar se é provável que o comportamento recriminado tenha um efeito de exclusão anticoncorrencial. Por este motivo, a probabilidade deve ser consideravelmente mais do que uma mera possibilidade de certo comportamento restringir a concorrência ( 86 ). Em contrapartida, o facto de a ocorrência de um efeito de exclusão parecer mais provável do que a sua não ocorrência não é, de todo, suficiente ( 87 ).

    118.

    Embora seja certamente verdade que, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça tem salientado sistematicamente a responsabilidade especial das empresas em posição dominante, essa responsabilidade não pode ser entendida no sentido de que o limiar para a aplicação da proibição de abuso estabelecida no artigo 102.o TFUE pode ser tão baixo que se torne inexistente na prática. É o que aconteceria se o grau de probabilidade exigido para qualificar o comportamento recriminado como abuso de posição dominante correspondesse simplesmente à mera possibilidade teórica de ocorrência de um efeito de exclusão, como parece sugerir a Comissão. A aceitação de um nível tão baixo de probabilidade implicaria a aceitação do facto de que o direito da União em matéria de concorrência pune a forma, e não os efeitos anticoncorrenciais.

    119.

    Evidentemente, esta conclusão dificultaria consideravelmente a concretização dos objetivos do direito da União em matéria de concorrência. A presunção da existência de um abuso com fundamento no facto de, feitas as contas, a ocorrência de uma exclusão anticoncorrencial parecer mais provável do que a sua não ocorrência acarreta o risco de abranger não apenas casos isolados de práticas, mas também um número significativo de práticas que, na verdade, promovem a concorrência. As consequências negativas deste alargamento excessivo do âmbito da presunção seriam inaceitáveis.

    120.

    Para evitar esse alargamento excessivo, a apreciação da capacidade dos comportamentos presumidamente ilegais para restringirem a concorrência deve ser entendida no sentido de que tem por objetivo verificar se, atendendo a todas as circunstâncias, o comportamento em questão não produz apenas efeitos ambivalentes no mercado ou efeitos restritivos colaterais necessários à realização de uma operação pró‑concorrencial, mas que os presumidos efeitos restritivos se confirmam de facto. Na falta de tal confirmação, é necessário realizar uma análise completa.

    121.

    Consequentemente, a questão que aqui se coloca é saber se a apreciação da capacidade para restringir a concorrência realizada pelo Tribunal Geral é conclusiva, no sentido de que permite confirmar que a recorrente abusou da sua posição dominante, violando assim o artigo 102.o TFUE. Concretamente, importa determinar (como exigido pela jurisprudência) se a referida apreciação confirma que os descontos suprimem ou restringem a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedem o acesso ao mercado dos concorrentes ou reforçam a posição dominante através de uma concorrência falseada ( 88 ).

    ii) Fatores considerados pelo Tribunal Geral para fundamentar a conclusão da existência de um abuso

    122.

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral baseou a sua conclusão de que os descontos e os pagamentos oferecidos pela recorrente tinham capacidade para restringir a concorrência nos seguintes fatores: i) a recorrente era um parceiro comercial incontornável dos clientes em causa; ii) as reduzidas margens operacionais dos OEM tornavam os descontos atrativos e reforçavam o incitamento ao respeito da condição de exclusividade; iii) os descontos da recorrente foram tomados em consideração pelos seus clientes na decisão de se abastecerem, relativamente à totalidade ou à quase totalidade das suas necessidades, junto dessa empresa; iv) os dois tipos de práticas da recorrente complementavam‑se e reforçavam‑se mutuamente; v) a recorrente visava empresas que revestiam uma importância estratégica especial para o acesso ao mercado; e, por último, vi) os descontos da recorrente faziam parte de uma estratégia de conjunto que tinha por objetivo impedir o acesso da AMD aos canais de vendas mais importantes ( 89 ).

    123.

    A Intel considera que esses elementos não podem ser invocados para provar de forma suficiente que os descontos e os pagamentos por ela oferecidos tinham capacidade para produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial. Mais concretamente, a recorrente alega que os elementos invocados pelo Tribunal Geral se resumem a dois pontos: os OEM tomaram em consideração os descontos da Intel porque esses descontos eram atrativos, e a Intel praticou duas infrações complementares para afastar a AMD de clientes importantes.

    124.

    Por conseguinte, em primeiro lugar, a recorrente contesta a relevância do facto de os descontos e pagamentos em questão terem sido efetivamente tomados em consideração nas decisões comerciais dos seus beneficiários ( 90 ).

    125.

    Concordo com a recorrente.

    126.

    Uma oferta atrativa, que se traduz num incentivo financeiro a continuar a abastecer‑se junto do fornecedor que faz a oferta, pode ser um fator que aponta para um efeito fidelizador ao nível de um cliente individual. Porém, em nada contribui para provar que os descontos terão provavelmente um efeito de exclusão anticoncorrencial. Com efeito, como observa a recorrente, a essência da concorrência reside no facto de os clientes tomarem em consideração os preços mais baixos nas suas decisões de compra. Dito de outra forma, o facto de um preço mais baixo ser efetivamente tomado em consideração abre as portas a um efeito de exclusão, mas, por outro lado, também não afasta a hipótese contrária. Por outras palavras, esse elemento não é conclusivo para determinar se, tendo em conta o nível de probabilidade exigido, o comportamento recriminado tem capacidade para restringir a concorrência.

    127.

    Em segundo lugar, a recorrente alega que a existência de uma estratégia de conjunto que compreende dois tipos de infração (descontos e pagamentos, bem como restrições diretas), que o Tribunal Geral considerou que se completavam e reforçavam mutuamente, não constitui prova de capacidade para restringir a concorrência ( 91 ).

    128.

    Embora uma estratégia de exclusão possa certamente indiciar uma intenção subjetiva de excluir concorrentes do mercado, a mera vontade de o fazer não se traduz numa capacidade para restringir a concorrência. No entanto, é possível vislumbrar um problema ainda mais importante na argumentação do Tribunal Geral. Com efeito, um exame mais atento do acórdão recorrido revela que o Tribunal Geral pôs a carroça à frente dos bois: invocou a existência de uma estratégia de conjunto assente em duas infrações complementares para determinar a capacidade do comportamento recriminado para restringir a concorrência. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral desenvolveu a sua argumentação com base na premissa de que a estratégia em apreço era abusiva, ao invés de apreciar todas as circunstâncias para determinar se tinha sido provada uma infração, de acordo com o grau de probabilidade exigido.

    129.

    Analisadas essas duas críticas específicas, debruçar‑me‑ei agora sobre a crítica mais genérica tecida pela recorrente em relação à apreciação da capacidade. A recorrente alega que os elementos considerados relevantes não são suficientes para concluir que o comportamento recriminado tem capacidade para produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial. Em especial, o Tribunal Geral cometeu um erro ao não valorizar outros elementos que assumem uma importância fundamental nessa apreciação.

    130.

    Recordo que a apreciação de todas as circunstâncias tem por objetivo determinar se é provável que o comportamento recriminado resulte numa exclusão anticoncorrencial. Assim sendo, a questão que se coloca é a seguinte: são os factos apurados pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido — que a Intel era um parceiro comercial incontornável e que os descontos e pagamentos controvertidos visavam empresas que revestiam uma importância estratégia especial para o acesso ao mercado — suficientes para provar, nos termos da lei, a responsabilidade da Intel? Para responder a esta pergunta, importa primeiro determinar se as circunstâncias consideradas cruciais pela Intel, e irrelevantes pelo Tribunal Geral, põem em causa o caráter presumivelmente anticoncorrencial do comportamento da Intel.

    131.

    Analisarei seguidamente essa questão.

    iii) Outras circunstâncias

    132.

    A recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro na sua análise das circunstâncias do caso, na medida em que não tomou em consideração os seguintes elementos: i) a insuficiente cobertura de mercado dos descontos e pagamentos controvertidos; ii) a curta duração da aplicação dos descontos controvertidos; iii) o desempenho do concorrente no mercado e a baixa dos preços; e iv) o teste AEC realizado pela Comissão.

    133.

    Por seu turno, a Comissão considera que o acórdão recorrido demonstrou de forma suficiente que os descontos e pagamentos oferecidos pela Intel tinham capacidade para produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial. Os factos não controvertidos são suficientes para corroborar a conclusão de que os descontos e pagamentos da Intel tinham capacidade para restringir a concorrência.

    134.

    Não concordo com a Comissão.

    135.

    Conforme já expliquei, tal como acontece, de certa forma, com o «atalho» relativo às restrições por objetivo previstas no artigo 101.o TFUE, a apreciação de todas as circunstâncias ao abrigo do artigo 102.o TFUE envolve um exame do contexto do comportamento recriminado para determinar se é possível confirmar o seu efeito anticoncorrencial. Se alguma das circunstâncias examinadas puser em causa o caráter anticoncorrencial do comportamento, é necessária uma análise mais exaustiva dos efeitos.

    136.

    Como explicarei seguidamente, a apreciação de todas as circunstâncias deveria ter levado o Tribunal Geral a concluir que, para determinar se o comportamento recriminado constituía um abuso de posição dominante incompatível com o artigo 102.o TFUE, era necessário realizar uma análise dos efeitos reais ou potenciais desse comportamento.

    – Cobertura de mercado

    137.

    A recorrente alega que a apreciação do efeito provável sobre a concorrência deve ter em conta a cobertura de mercado dos descontos em questão. No seu entender, é pouco provável que os descontos de fidelidade restrinjam a concorrência quando a sua cobertura de mercado é reduzida, uma vez que os concorrentes podem aceder a grandes partes do mercado sem terem de conceder descontos equivalentes. A recorrente observa ainda que, no seu caso, a parte de mercado subordinada era, em comparação, consideravelmente mais baixa, em média, do que, por exemplo, as que estavam em causa nos processos Tomra e Van den Bergh Foods ( 92 ). Por exemplo, no acórdão Tomra, a parte de mercado subordinada era (em média) de 39% ( 93 ). A Comissão, por outro lado, considera que a questão da cobertura de mercado não é relevante para determinar se o comportamento recriminado tem capacidade para produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial.

    138.

    No âmbito da apreciação subsidiária da capacidade de restringir a concorrência, o Tribunal Geral referiu que a cobertura de mercado dos descontos e pagamentos oferecidos pela Intel era, em média, aproximadamente 14% durante todo o período da infração (se o cálculo não se limitar à parte da procura aberta à concorrência) ( 94 ), e considerou esse facto significativo ( 95 ). De acordo com o acórdão recorrido, os descontos e pagamentos oferecidos pela Intel distinguem‑se das circunstâncias subjacentes ao processo Van den Bergh Foods, dado que a forma do sistema então em apreço era diferente da que está em causa no presente processo ( 96 ).

    139.

    Pela minha parte, não estou convencido de que a jurisprudência referida pela recorrente seja irrelevante, como afirma o Tribunal Geral. O mecanismo de exclusividade analisado no acórdão Van den Bergh Foods funcionava efetivamente através do fornecimento gratuito de uma arca congeladora. Mas essa é uma distinção artificial. O fornecimento da arca congeladora estava sujeito à condição de esta ser utilizada exclusivamente para armazenar os gelados da empresa em posição dominante. Consequentemente, 40% dos retalhistas estavam sujeitos a uma condição de exclusividade ( 97 ).

    140.

    Como explicado anteriormente, as regras de concorrência da União visam tradicionalmente os efeitos, não a forma. Nessa perspetiva, a dimensão da parte de mercado subordinada é igualmente relevante, independentemente da forma que assume o sistema. Por este motivo, é geralmente aceite que a probabilidade de ocorrência de efeitos negativos sobre a concorrência aumenta na razão direta da dimensão da parte de mercado subordinada ( 98 ).

    141.

    No entanto, a definição do nível de cobertura de mercado suscetível de provocar efeitos anticoncorrenciais não é, de modo algum, uma operação aritmética. Não surpreende, portanto, que o Tribunal de Justiça tenha rejeitado a ideia da definição obrigatória de um limiar preciso de encerramento do mercado para lá do qual as práticas em causa podem ser consideradas abusivas para efeitos de aplicação do artigo 102.o TFUE. Esta posição foi confirmada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Tomra ( 99 ).

    142.

    É certo que os limiares se podem revelar problemáticos devido às especificidades dos diferentes mercados e às circunstâncias de cada caso concreto. Por exemplo, quando os descontos de fidelidade visam clientes que revestem uma importância especial para o acesso dos concorrentes ao mercado ou para o alargamento da sua quota de mercado, é inquestionável que até mesmo uma cobertura de mercado modesta pode resultar numa exclusão anticoncorrencial. Tudo dependerá de uma série de fatores, que variam de caso para caso.

    143.

    Dessa perspetiva, uma taxa de cobertura de mercado de 14% pode ou não ter um efeito de exclusão anticoncorrencial. Porém, o que é certo é que essa taxa não permite excluir que os descontos em questão não têm um efeito de exclusão anticoncorrencial, ainda que se parta do princípio de que os descontos e pagamentos em questão visam clientes‑chave ( 100 ). A verdade é que 14% não é uma percentagem conclusiva.

    144.

    A circunstância de o acórdão recorrido invocar o facto assente de que a recorrente era um parceiro comercial incontornável no mercado de CPU não altera esse caráter inconclusivo. Importa referir que, segundo o Tribunal Geral, o facto de uma empresa ser um parceiro comercial incontornável constitui, no mínimo, um indício de que os «descontos de exclusividade» ou os pagamentos oferecidos por essa empresa têm capacidade para restringir a concorrência ( 101 ).

    145.

    Essa conclusão só é válida se aceitarmos que o grau de probabilidade exigido corresponde apenas à mera possibilidade de certo comportamento produzir efeitos anticoncorrenciais. No entanto, conforme explicado anteriormente, a apreciação de todas as circunstâncias tem por objetivo determinar se é provável que o comportamento recriminado tenha efeitos anticoncorrenciais.

    146.

    Atendendo ao exposto, considero que a apreciação da cobertura de mercado realizada no acórdão recorrido é inconclusiva. Acima de tudo, não demonstra de forma suficiente que a quota de mercado afetada pelos descontos e pagamentos era suficiente para resultar numa exclusão anticoncorrencial.

    – Duração

    147.

    A recorrente considera que a duração de um acordo sobre descontos é fundamental para a análise da capacidade para restringir a concorrência. Questiona, em especial, a apreciação da duração feita no acórdão recorrido, que se baseou no cúmulo de vários acordos de curta duração.

    148.

    Por seu turno, a Comissão alega que a Intel labora num equívoco ao considerar que os potenciais efeitos de exclusão dos descontos de fidelidade resultam necessariamente de uma obrigação contratual: pelo contrário, em virtude do poder de mercado da empresa em posição dominante, essas obrigações contratuais são desnecessárias. Em resumo: a duração é irrelevante.

    149.

    Concretamente, o Tribunal Geral entendeu que o critério relevante não é a duração do período de aviso prévio de rescisão do contrato ou a duração de um contrato individual integrado numa série de contratos, mas sim o período total durante o qual a recorrente oferece descontos de exclusividade e pagamentos a um cliente ( 102 ). Esse período totalizou aproximadamente cinco anos no caso da MSH, três anos no caso da Dell e da NEC, mais de dois anos no caso da HP e aproximadamente um ano no caso da Lenovo. A concessão de «descontos de exclusividade» e pagamentos durante esses períodos foi considerada geralmente suscetível de restringir a concorrência. No entender do Tribunal Geral, isso valia por maioria de razão num mercado como o das CPU, que se caracterizava por um forte dinamismo e por curtos ciclos de vida dos produtos ( 103 ).

    150.

    Importa salientar, antes de mais, que o facto de um contrato ser de curta duração não obsta a que produza efeitos anticoncorrenciais. Do mesmo modo, a questão de saber se, em abstrato, o período total é curto ou longo é irrelevante.

    151.

    Quando (como no presente caso) a exclusividade depende, em última análise, da escolha do cliente de se abastecer, relativamente à maior parte das suas necessidades, junto de uma empresa em posição dominante, não se pode simplesmente presumir — ex post facto — que o cúmulo de contratos de curta duração demonstra que esses descontos têm capacidade para restringir a concorrência.

    152.

    Isto deve‑se, pelo menos, a dois motivos.

    153.

    Em primeiro lugar, ao contrário do que acontece numa situação de abastecimento exclusivo, a mudança de fornecedor não está sujeita a uma sanção. Esta afirmação é válida desde que um concorrente possa, pelo menos em princípio, igualar o desconto perdido. Porém, se o concorrente não puder vender os produtos em questão sem prejuízo, o cliente está, de facto, vinculado à empresa em posição dominante. Dessa perspetiva, o valor do desconto também não pode ser considerado totalmente insignificante.

    154.

    Mais concretamente, numa análise ex post da duração, como no presente caso, é necessário apurar se outro fornecedor estaria em posição de compensar a perda dos descontos. Caso contrário, a escolha do cliente de se continuar a abastecer junto da empresa em posição dominante seria automaticamente considerada um indício de abuso, não obstante o facto de os clientes poderem livremente pôr termo aos contratos celebrados com essa empresa.

    155.

    Pura e simplesmente, não se pode presumir que a escolha de um cliente de se continuar a abastecer junto da empresa em posição dominante constitui uma manifestação de um comportamento abusivo. Com efeito, podem existir outras explicações plausíveis para essa escolha, nomeadamente questões relacionadas com a qualidade, a segurança do fornecimento e a preferência dos utilizadores finais.

    156.

    Em segundo lugar, um acordo com uma longa duração total pode certamente constituir um indício de fidelização do cliente individual através do mecanismo de descontos. No entanto, a menos que tenham sido apresentadas outras provas convincentes nesse sentido, o facto de um cliente ter decidido continuar a abastecer‑se junto da empresa em posição dominante não é suficiente para provar de forma suficiente que os descontos oferecidos têm capacidade para restringir a concorrência. Com efeito, importa não esquecer que, desde que o cliente tenha a opção de mudar regularmente de fornecedor (ainda que não tenha exercido essa opção), os descontos de fidelidade também incentivam a rivalidade. Deste modo, também podem ter um efeito pró‑concorrencial.

    157.

    Por conseguinte, considero que a apreciação da duração realizada no acórdão recorrido (que se limitou a considerar a duração total dos acordos analisados) é inconclusiva. Muito simplesmente, essa apreciação não ajuda a determinar se o referido comportamento tem provavelmente um efeito anticoncorrencial.

    – Desempenho do concorrente no mercado e baixa dos preços

    158.

    A recorrente critica o facto de o Tribunal Geral ter considerado irrelevantes o desempenho da AMD no mercado e as provas da inexistência de exclusão (baixa dos preços das CPU x86) no contexto da apreciação da capacidade para restringir a concorrência.

    159.

    Segundo o Tribunal Geral, o sucesso comercial do concorrente e a baixa dos preços não podiam implicar que as práticas da recorrente tivessem sido desprovidas de efeitos. O Tribunal Geral observou que, na inexistência dessas práticas, era possível considerar que o aumento da «quota» de mercado do concorrente e dos seus investimentos em matéria de investigação e de desenvolvimento, bem como a baixa do preço das CPU x86 poderiam ter sido mais importantes ( 104 ).

    160.

    No meu entender, o Tribunal Geral estava correto ao considerar que a quota de mercado da AMD e a baixa do preço das CPU x86 são inconclusivos para efeitos de determinar se o comportamento recriminado tem capacidade para restringir a concorrência. Todavia, essa conclusão seria igualmente válida se o concorrente tivesse registado um fraco desempenho. Na minha perspetiva, a ponderação desses elementos factuais só pode ser útil no contexto de uma apreciação pormenorizada dos efeitos reais ou potenciais sobre a concorrência. Não ajuda a determinar se um sistema de descontos presumidamente ilegal tem capacidade para restringir a concorrência.

    – Teste AEC

    161.

    A recorrente considera que, quando a Comissão tenha realizado uma análise de fundo das circunstâncias económicas que rodeiam o comportamento alegadamente abusivo (como aconteceu no presente caso), comete um erro de direito se ignorar essa análise simplesmente porque não contribui para demonstrar a existência de uma infração.

    162.

    A Comissão alega que o teste AEC não é relevante para efeitos de prova da capacidade do comportamento recriminado para restringir a concorrência. No seu entender, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não corrobora a tese da recorrente de que o teste AEC deveria fazer parte da apreciação de todas as circunstâncias.

    163.

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvalorizou a relevância do teste AEC para efeitos de determinar, no contexto da apreciação de todas as circunstâncias, se o comportamento recriminado tinha capacidade para restringir a concorrência. Por conseguinte, não examinou o critério aplicado pela Comissão na decisão impugnada. Em primeiro lugar, considerou que o teste AEC era irrelevante porque, em virtude da forma que revestiam os «descontos de exclusividade», a Comissão não estava obrigada a demonstrar caso a caso a sua capacidade de exclusão. O acórdão recorrido desvalorizou a relevância do teste AEC essencialmente porque serve unicamente para confirmar que o comportamento recriminado não impossibilita o acesso ao mercado. Segundo o acórdão recorrido, os «descontos de exclusividade» pode impedir o acesso de concorrentes da empresa em posição dominante ao mercado, ainda que esse acesso não seja, em termos económicos totalmente impossível, mas apenas mais difícil ( 105 ). Em segundo lugar, o Tribunal Geral observou que a jurisprudência não impõe a aplicação de um teste AEC, nem mesmo em relação a descontos abrangidos pela categoria 3. Em terceiro lugar, salientou que o Tribunal de Justiça só considerou relevante o referido teste em casos relacionados com práticas tarifárias ou de compressão de margens, que são intrinsecamente diferentes dos casos respeitantes a «descontos de exclusividade» ( 106 ).

    164.

    Antes de mais, conforme demonstrei anteriormente (n.os 122 a 160), é necessário apreciar todas as circunstâncias para determinar se o comportamento em questão tem capacidade para excluir os concorrentes do mercado, mesmo quando estejam em causa «descontos de exclusividade». Por outras palavras, a capacidade de exclusão deve ser demonstrada caso a caso. Se aceitarmos que a mera possibilidade hipotética ou teórica do comportamento recriminado ter um efeito de exclusão anticoncorrencial é suficiente para provar a existência de um abuso, é certo que o teste AEC pode ser considerado irrelevante. Com efeito, em teoria, qualquer desconto oferecido por uma empresa em posição dominante pode, em alguns casos, ter um efeito anticoncorrencial.

    165.

    No entanto, uma vez que se exige um efeito de exclusão, o teste AEC não pode ser ignorado. Como observou o Tribunal Geral, o teste serve para identificar um comportamento que torne economicamente impossível a um concorrente igualmente eficaz obter a parte contestável da procura de um cliente. Por outras palavras, pode ajudar a identificar um comportamento que tenha, muito provavelmente, um efeito anticoncorrencial. Em contrapartida, se o teste demonstrar que um concorrente igualmente eficaz está em condições de cobrir os seus custos, a probabilidade de ocorrência de um efeito significativo diminui significativamente. É por esse motivo que, da perspetiva da identificação de comportamentos com um efeito de exclusão anticoncorrencial, o teste AEC se revela particularmente útil.

    166.

    Quanto ao segundo e terceiro pontos, já expliquei anteriormente (n.os 101 a 105) por que razão a jurisprudência sobre práticas tarifárias e práticas de compressão de margens não deve ser ignorada. Em qualquer caso, o acórdão Post Danmark II dissipou eventuais dúvidas que ainda persistissem nessa matéria. Esse acórdão demonstra que a jurisprudência respeitante a outros tipos de exclusão baseada no preço não pode ser simplesmente ignorada no contexto de casos de descontos. Como confirmou o Tribunal de Justiça, invocando, designadamente, essa jurisprudência, o teste AEC também pode ser útil no contexto da apreciação de um sistema de descontos ( 107 ).

    167.

    Contudo, importa também referir que, no acórdão Post Danmark II, o Tribunal de Justiça teve o cuidado de estabelecer uma ressalva à sua posição sobre o teste AEC. Concretamente, observou que, embora o teste AEC se possa revelar útil em certas situações, não existe qualquer dever jurídico de o utilizar ( 108 ). Esta observação é consentânea com a sua declaração no mesmo sentido no acórdão Tomra. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que a Comissão não está obrigada a demonstrar que os descontos de fidelidade forçam os concorrentes da empresa em posição dominante a cobrar preços abaixo do preço de custo para poderem concorrer na parte contestável do mercado. Pelo contrário, sustentou que a Comissão podia provar que os descontos em questão tinham capacidade para restringir a concorrência com base em indícios qualitativos do seu caráter anticoncorrencial ( 109 ).

    168.

    Nesta medida, seria certamente tentador concluir que, no presente caso, não é necessário recorrer ao teste AEC. Seguindo esta lógica, como alegou a Comissão, a apreciação da capacidade para restringir a concorrência pelo Tribunal Geral não está viciada por um erro de direito por ter considerado o teste AEC irrelevante.

    169.

    Porém, esse entendimento ignora duas questões. Contrariamente ao que acontecia no caso do acórdão Tomra, a Comissão realizou efetivamente um teste AEC exaustivo na decisão impugnada. Mais importante ainda, as outras circunstâncias apreciadas pelo Tribunal Geral não provam inequivocamente a existência de um efeito sobre a concorrência. Nestas circunstâncias, não tenho dúvidas de que o teste AEC não pode ser simplesmente ignorado.

    170.

    Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não tomar em consideração o teste AEC realizado pela Comissão, na decisão impugnada, no âmbito da apreciação de todas as circunstâncias.

    171.

    Para concluir a minha análise da apreciação da capacidade anticoncorrencial realizada pelo Tribunal Geral a título subsidiário, resta‑me fazer as seguintes observações.

    172.

    As circunstâncias que foram tomadas em consideração nessa apreciação não confirmam um efeito sobre a concorrência. Quando muito, essa apreciação demonstra que, em teoria, o comportamento recriminado poderia ter um efeito de exclusão anticoncorrencial, mas o efeito propriamente dito não foi confirmado. Em princípio, a apreciação de todas as circunstâncias deve ter em conta, no mínimo, a cobertura do mercado e a duração do comportamento recriminado. Além disso, pode ser necessário ponderar outras circunstâncias, suscetíveis de variar de um caso para outro. No presente caso, precisamente porque foi realizado pela Comissão na decisão impugnada, o teste AEC não pode ser ignorado na determinação da capacidade do comportamento recriminado para produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial. A apreciação das circunstâncias relevantes deve, no seu todo, permitir determinar, de acordo com o grau de probabilidade exigido, que a empresa em questão abusou da sua posição dominante, violando assim o artigo 102.o TFUE. Na falta de tal confirmação em virtude, por exemplo, de uma cobertura de mercado reduzida, da curta duração dos acordos controvertidos ou do resultado positivo de um teste AEC, é necessário realizar uma análise económica mais exaustiva dos efeitos reais ou potenciais sobre a concorrência para provar a existência de um abuso.

    c) Conclusão

    173.

    Concluí que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, em primeiro lugar, ao concluir que os «descontos de fidelidade» constituem uma categoria autónoma e especial de descontos que dispensa a apreciação de todas as circunstâncias para provar um abuso de posição dominante incompatível com o artigo 102.o TFUE. Em segundo lugar, cometeu um erro de direito na sua apreciação, a título subsidiário, da capacidade para restringir a concorrência ao não ter estabelecido, tendo em conta todas as circunstâncias, que os descontos e pagamentos oferecidos pela recorrente tinham, muito provavelmente, um efeito de exclusão anticoncorrencial.

    174.

    Consequentemente, o primeiro fundamento deve ser julgado procedente.

    C – Segundo fundamento de recurso: cobertura de mercado na determinação da existência de um abuso de posição dominante

    1. Principais argumentos das partes

    175.

    No segundo fundamento de recurso, a recorrente alega que, independentemente da conclusão a que se chegue em relação ao primeiro fundamento, a cobertura de mercado do comportamento da Intel não lhe permitia, em qualquer caso, restringir a concorrência durante os anos de 2006 e 2007. Nesse período, a infração respeitava unicamente à MSH e à Lenovo. No entender da recorrente, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que, uma vez que a Comissão tinha concluído pela existência de uma infração única e continuada relativamente aos anos de 2002 a 2007 na decisão impugnada, a conclusão de que tinha sido cometida uma infração nos anos de 2006 e 2007 se podia basear na taxa média de cobertura de mercado durante todo o período compreendido entre 2002 e 2007 (e não na parte de mercado coberta pelo comportamento naqueles dois anos) ( 110 ).

    176.

    A Comissão observa que o segundo fundamento de recurso se limita a complementar o primeiro, pois baseia‑se integralmente nas mesmas premissas. Essa instituição considera que a cobertura de mercado é irrelevante para efeitos de determinar se os descontos da Intel tinham capacidade para restringir a concorrência: a cobertura de mercado das práticas da Intel só afeta o alcance da restrição da concorrência efetivamente causada por tais práticas. Em virtude da importância estratégica dos OEM visados em 2006 e 2007, o alcance das práticas da Intel não pode ser avaliado por uma simples referência à cobertura de mercado. Neste contexto, a Comissão alega que a cobertura de mercado durante esses dois anos deve ser vista como uma infração única e continuada, que se prende com a existência de uma estratégia de conjunto para excluir a AMD do mercado mundial de CPU.

    2. Análise

    177.

    Concluí anteriormente que o Tribunal de Justiça cometeu um erro na sua apreciação, a título subsidiário, da capacidade anticoncorrencial, tendo em conta todas as circunstâncias. Em especial, cometeu um erro na sua análise da cobertura de mercado, na medida em que não reconheceu que uma parte de mercado subordinada de 14% não permite estabelecer de forma suficiente que o comportamento recriminado tem capacidade para restringir a concorrência. Esse facto é suficiente para que o segundo fundamento devesse igualmente ser julgado procedente.

    178.

    Não obstante, creio que se justifica uma breve análise deste fundamento, dado que as conclusões do Tribunal Geral quanto à existência de uma infração única e continuada constituem a base da conclusão de que ocorreu uma infração nos anos 2006 e 2007. Com efeito, o Tribunal Geral considerou que, no contexto de uma infração única e continuada baseada numa estratégia global de exclusão, era suficiente uma apreciação global da quota média do mercado subordinado para efeitos de determinar se o comportamento em questão tinha capacidade para produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial ( 111 ).

    179.

    Assim, o cerne do presente fundamento de recurso reside na definição do papel desempenhado pelo conceito de infração única e continuada na apreciação da capacidade do comportamento de uma única empresa para restringir a concorrência. Mais concretamente, suscita‑se a questão de saber se esse conceito pode ser invocado para compensar o facto de a cobertura de mercado ser demasiado reduzida para provar, por si só, que o comportamento recriminado tinha capacidade para restringir a concorrência durante um período de tempo específico.

    180.

    Na jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de infração única e continuada tem sido utilizado, em especial, no âmbito do artigo 101.o TFUE, para apreender vários elementos de um comportamento anticoncorrencial, a fim de garantir o cumprimento da lei. A este respeito, a lógica é assegurar a aplicação efetiva da lei nos casos em que as infrações sejam constituídas por um complexo de práticas anticoncorrenciais que podem assumir várias formas e evoluir ao longo do tempo ( 112 ).

    181.

    Por outras palavras, o objetivo é evitar que a repressão conduza a um resultado lamentável, em que vários acordos e práticas concertadas na aceção do artigo 101.o TFUE, que, na verdade, fazem parte de um plano de conjunto para restringir a concorrência, sejam tratados separadamente. Por este motivo, o recurso ao conceito de infração única e continuada facilita o ónus da prova que geralmente recai sobre as autoridades responsáveis pela aplicação da lei de demonstrarem a natureza continuada das práticas anticoncorrenciais sob investigação. Mais concretamente, nos casos em que um conjunto de acordos e práticas seja executado durante um longo período de tempo, é normal que ocorram alterações no âmbito, na forma e nos participantes nesses acordos e/ou práticas durante o período relevante. Sem a ajuda do conceito de infração única e continuada, a Comissão teria de respeitar um nível de prova mais exigente. Teria de identificar e provar a existência de vários acordos e/ou práticas concertadas anticoncorrenciais distintos, bem como identificar separadamente as partes envolvidas em cada um deles. O tratamento separado das práticas recriminadas também poderia, em alguns casos, resultar na prescrição do direito de ação contra acordos e/ou práticas concertadas mais antigos, o que tornaria a repressão menos eficaz.

    182.

    O conceito de infração única e continuada constitui, portanto, uma regra processual.

    183.

    Ao facilitar o ónus da prova das autoridades da concorrência, este conceito assume especial relevância no contexto da aplicação de coimas. Mais concretamente, o facto de não terem sido apresentadas provas em relação a certos períodos específicos não impede que se considere provada a infração durante um período global mais longo. No entanto, é necessário que essa conclusão seja corroborada por indícios objetivos e coerentes nesse sentido. Normalmente, no âmbito de uma infração que se estende por vários anos, o facto de se determinar que um acordo foi aplicado durante diferentes períodos, que podem estar separados por intervalos mais ou menos longos, não afeta a existência do acordo enquanto tal, desde que os atos que constituem a infração prossigam uma única finalidade e se inscrevam no âmbito de uma infração de caráter único e continuado ( 113 ). Com efeito, assume particular relevância o facto de a Comissão ter conseguido provar a existência de um plano de conjunto para restringir a concorrência ( 114 ).

    184.

    Em contrapartida, o recurso ao conceito de infração única e continuada não alarga (nem pode alargar) o âmbito das proibições estabelecidas pelos Tratados.

    185.

    No presente caso, o conceito de infração única e continuada foi inserido num contexto totalmente diferente ( 115 ). No acórdão recorrido, foi utilizado para dar como provada a existência de uma infração respeitante ao comportamento de uma única empresa, não obstante não ter sido confirmado que esse comportamento tinha, por si só, capacidade para restringir a concorrência dentro do mercado interno.

    186.

    Confesso que tal abordagem me oferece algumas dúvidas.

    187.

    Fundamentalmente, como observa a recorrente, o recurso ao conceito de infração única e continuada não pode converter um comportamento lícito numa infração.

    188.

    Porém, uma vez que a Comissão concluiu pela existência de uma infração única e continuada, o Tribunal Geral considerou suficiente realizar uma apreciação global da média da parte do mercado que foi encerrada durante o período entre 2002 e 2007 ( 116 ). Por conseguinte, considerou irrelevante que, durante os anos de 2006 e 2007, a cobertura do mercado tivesse sido consideravelmente inferior à média da parte de mercado subordinada (14%).

    189.

    Por outras palavras, o Tribunal Geral substituiu um critério substantivo por um critério processual. Abandonou o critério da o Tribunal Geral considerou suficiente realizar uma apreciação global da média da parte do mercado que foi encerrada durante o período entre 2002 e 2007 ( 117 ). Por esse motivo, considerou irrelevante que, durante os anos de 2006 e 2007, a cobertura do mercado tivesse sido consideravelmente menor, que, paradoxalmente, considerou relevante para determinar se o comportamento recriminado tinha capacidade para excluir a concorrência, e substituiu‑o pelo critério da infração única e continuada. Essa substituição não é, de forma alguma, admissível. Ou se aceita que a cobertura do mercado é absolutamente irrelevante e que as regras de concorrência da União punem a forma e não os efeitos (expliquei anteriormente por que motivo considero esta solução indefensável), ou é um critério que deve ser devidamente tomado em consideração na apreciação de todas as circunstâncias.

    190.

    Ao adotar aquela abordagem, o Tribunal Geral não verificou se o comportamento em questão tinha capacidade restringir a concorrência durante todo o período em causa.

    191.

    Em qualquer caso, se tivesse procedido a essa verificação, teria forçosamente de concluir que uma parte de mercado subordinada tão reduzida é inconclusiva para provar a capacidade do comportamento recriminado para restringir a concorrência.

    192.

    À semelhança do que referi no n.o 143, supra, a propósito de uma parte de mercado de 14%, também não é possível afastar a possibilidade de, em certos casos, uma parte subordinada inferior a 5% ser suficiente para excluir os concorrentes do mercado. Seja como for, essa parte de mercado é simplesmente inconclusiva no contexto da apreciação da capacidade para restringir a concorrência. Como já expliquei, não se pode presumir (com base na forma que assume o comportamento) que certos acordos estão abrangidos pela proibição estabelecida no artigo 102.o TFUE sem ter devidamente em conta a quota do mercado subordinado. Nos casos em que a quota do mercado subordinado não fornece provas conclusivas de um efeito sobre a concorrência, a determinação da prática de um abuso implica a ponderação dos efeitos reais ou potenciais do comportamento em questão.

    193.

    Convém reiterar que, sempre que a cobertura do mercado seja considerada inconclusiva para efeitos de provar um efeito sobre a concorrência durante um determinado período de tempo, esse problema não pode ser solucionado mediante o recurso ao conceito de infração única e continuada. Pelo contrário, como o próprio conceito indica, para que várias manifestações de um comportamento constituam uma infração única e continuada, cada uma dessas manifestações deve constituir, por si só, uma infração. Por outras palavras, esse comportamento deve constituir uma infração ao longo de todo o período em causa.

    194.

    Consequentemente, o segundo fundamento de recurso também deve ser julgado procedente.

    D – Terceiro fundamento de recurso: qualificação de certos descontos como «descontos de exclusividade»

    1. Principais argumentos das partes

    195.

    A recorrente, apoiada pela ACT, sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao qualificar os descontos concedidos à HP e à Lenovo como «descontos de exclusividade». Embora esses descontos abrangessem 95% dos computadores de secretária da HP e 80% dos computadores portáteis da Lenovo, constituíam uma pequena parte da totalidade das compras de CPU dessas duas empresas. A Intel alega, em substância, que, uma vez que a exigência de exclusividade ligada a esses descontos respeitava apenas a certos segmentos das necessidades em CPU dos referidos OEM, a qualificação dos descontos em questão como «descontos de exclusividade» constitui um erro de direito. No entender da recorrente, o Tribunal Geral não teve razão ao considerar que essa situação tem o mesmo efeito que a satisfação da «totalidade ou [de] uma parte importante» das necessidades totais do cliente. Mais concretamente, essa abordagem priva, na prática, de qualquer rigor a exigência relativa «à totalidade ou a uma parte importante»: conduz a um alargamento injustificado do alcance do conceito de «descontos de exclusividade», que estariam automaticamente condenados à luz da interpretação do artigo 102.o TFUE adotada pelo Tribunal Geral.

    196.

    A Comissão alega que este fundamento de recurso deve ser julgado improcedente por dois motivos. Em primeiro lugar, considera que a liberdade de abastecimento dos OEM em certos segmentos não neutraliza a restrição imposta à sua liberdade de escolherem os seus próprios fornecedores num segmento do mercado de CPU. Em segundo lugar, a Comissão sustenta que a Intel interpretou incorretamente a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça nos termos da qual os concorrentes da empresa em posição dominante devem ter capacidade para concorrer, com base no mérito, em todo o mercado.

    2. Análise

    197.

    Tal como acontece com o segundo fundamento de recurso, o terceiro fundamento de recurso está intimamente ligado ao primeiro. Em substância, suscita a questão de saber se o Tribunal Geral estava certo ao considerar que os descontos oferecidos pela recorrente à HP e à Lenovo podiam ser qualificados como «descontos de exclusividade» ( 118 ).

    198.

    Como já tive oportunidade de explicar, os «descontos de exclusividade» não constituem uma categoria autónoma. Existe uma presunção de ilegalidade em relação aos descontos de fidelidade, incluindo (entre outros) aqueles que o Tribunal Geral designou por «descontos de exclusividade». Uma das possíveis razões para que um desconto seja considerado um desconto de fidelidade reside no facto de assentar na exigência de o cliente se abastecer, relativamente à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante ( 119 ). No entanto, a forma não determina, por si só, o destino desses descontos, uma vez que é necessário apreciar todas as circunstâncias antes de concluir que o comportamento recriminado constitui um abuso de posição dominante. Por conseguinte, se, como proponho, o Tribunal de Justiça julgar procedente o primeiro fundamento da recorrente, não é necessário analisar o terceiro.

    199.

    Porém, se o Tribunal de Justiça julgar improcedente o primeiro fundamento e considerar que importa distinguir os «descontos de exclusividade» de outros tipos de descontos de fidelidade, o terceiro fundamento mantém a sua relevância.

    200.

    Se o Tribunal de Justiça chegar a essa conclusão, a exigência relativa «à totalidade ou a uma parte importante» das necessidades assume um papel crucial na apreciação desses descontos, uma vez que apenas os descontos sujeitos à condição de o cliente se abastecer, relativamente «à totalidade ou a uma parte importante» das suas necessidades junto da empresa em posição dominante estariam incluídos na categoria de «descontos de exclusividade».

    201.

    Sob reserva desta precisão, gostaria de observar o seguinte.

    202.

    No que respeita à HP, por exemplo, a condição de exclusividade estava relacionada com a exigência de que aquela comprasse à recorrente 95% das suas CPU x86 para computadores de secretária. Essa percentagem corresponde certamente «à totalidade ou a uma parte importante» das necessidades em CPU naquele segmento. No entanto, o facto de esses 95% corresponderem aparentemente a cerca de 28% das necessidades totais da HP ao nível de CPU introduz um elemento de dúvida ( 120 ). Como alega a recorrente, dificilmente se pode afirmar que constituam a «totalidade ou […] uma parte importante» dessas necessidades totais.

    203.

    A este respeito, o Tribunal Geral declarou no acórdão recorrido que é irrelevante que a condição de o cliente se abastecer, relativamente à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante seja aplicável ao mercado no seu todo ou a um segmento específico do mesmo ( 121 ). Para justificar essa abordagem o Tribunal Geral fez referência ao acórdão Tomra. De acordo com a declaração feita pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão, os concorrentes deveriam poder concorrer pelo seu mérito em todo o mercado, e não apenas numa parte dele. Contudo, essa declaração nada diz sobre o modo como deve ser interpretado o critério relativo «à totalidade ou a uma parte importante». Pelo contrário, diz respeito à questão de saber se é possível justificar o facto de uma empresa em posição dominante encerrar uma parte substancial do mercado à concorrência nos casos em que a parte do mercado suscetível de ser conquistada (ou seja, a «parte contestável», na terminologia do acórdão recorrido) ainda é suficiente para dar lugar a um número limitado de concorrentes ( 122 ).

    204.

    Não é isso que está aqui em causa. A questão que se coloca no presente caso é saber se o critério relativo «à totalidade ou a uma parte importante» das necessidades também pode ser aplicado por referência a uma parte específica do mercado relevante.

    205.

    Na decisão impugnada, não foi estabelecida qualquer distinção entre as CPU, quer sejam utilizadas nos computadores destinados aos profissionais quer sejam destinadas aos particulares, para efeitos da definição do mercado relevante, dado que, para um determinado tipo de computador, a mesma CPU pode ser utilizada no segmento profissional/empresas e no segmento particulares/consumidores ( 123 ). A possibilidade de substituição entre segmentos parece indicar que o mercado não pode ser dividido.

    206.

    Relativamente a este aspeto, o Tribunal Geral observou, no acórdão recorrido, que a questão de saber se as CPU utilizadas no segmento profissional são diferentes das CPU x86 utilizadas para os computadores destinados aos particulares não é pertinente no presente contexto. No seu entender, mesmo que essas CPU fossem permutáveis, a escolha de fornecedor dos OEM em questão estaria consideravelmente limitada no segmento em causa ( 124 ).

    207.

    Esse argumento é, à primeira vista, convincente.

    208.

    Porém, negligencia um aspeto importante: o raciocínio desenvolvido no acórdão recorrido toma como ponto de partida a perspetiva da HP (e da Lenovo), e não a da AMD. Da perspetiva da AMD, é totalmente irrelevante que a liberdade de escolha da HP e da Lenovo esteja ou não consideravelmente limitada num determinado segmento, dado que estas duas empresas são clientes da Intel, e não seus concorrentes.

    209.

    Com efeito, importa salientar que o que está em causa é um comportamento de exclusão em relação à AMD, que é um concorrente da Intel, e não a exploração dos clientes desta última. O que é relevante, da perspetiva da AMD (e, consequentemente, para efeitos de determinar se o comportamento recriminado constitui um abuso de posição documento com efeitos de exclusão incompatível com o artigo 102.o TFUE), é a percentagem global das necessidades que estão bloqueadas em virtude dos descontos e pagamentos da Intel.

    210.

    Como salienta a ACT, não importa se algumas necessidades se referem a um segmento específico. O que importa é saber se os OEM em questão ainda podem comprar quantidades significativas aos concorrentes da Intel. Parece ser o que acontece no presente caso: a HP e a Lenovo ainda podiam comprar quantidades significativas de CPU x86 à AMD. A questão de saber se uma empresa abusou da sua posição dominante ao excluir um concorrente não pode depender de uma segmentação aparentemente arbitrária do mercado.

    211.

    Desta perspetiva, é difícil defender, no que respeita à HP, que a obrigação de exclusividade relativa a 95% dos computadores de secretária destinados às empresas podia representar mais do que 28% das necessidades totais da HP. Seguindo o mesmo raciocínio, a exclusividade relativa nos computadores portáteis da Lenovo não equivale a uma exclusividade total. Em suma, nestas circunstâncias, não é possível satisfazer o critério relativo «à totalidade ou a uma parte importante».

    212.

    Correndo o risco de dizer o óbvio, a abordagem adotada no acórdão recorrido conduz a um resultado dificilmente justificável: até mesmo um «desconto de exclusividade» relativo a um segmento do mercado relevante que abrangesse uma parte insignificante das necessidades totais do cliente (imaginemos, por exemplo, 3%) poderia estar automaticamente condenado.

    213.

    Por conseguinte, concluo que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na qualificação dos descontos oferecidos pela recorrente à HP e à Lenovo.

    214.

    Nestes termos, independentemente de o Tribunal de Justiça subscrever ou não a minha posição quanto ao primeiro e segundo fundamentos de recurso, o terceiro fundamento de recurso deve ser julgado procedente.

    E – Quarto fundamento de recurso: direitos de defesa

    1. Principais argumentos das partes

    215.

    O quarto fundamento de recurso tem por objeto os direitos de defesa da recorrente, consagrados no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). A Intel alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir pela inexistência de qualquer vício processual relativamente a uma reunião com o Sr. D1, um dirigente da Dell, em 2006, no âmbito da investigação que conduziu à adoção da decisão impugnada (a seguir «reunião em questão»).

    216.

    A este respeito, a recorrente alega, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral errou ao considerar que a reunião em questão não era uma audição na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003. Em segundo lugar, sustenta que o Tribunal Geral errou ao considerar que, embora a Comissão devesse ter registado a reunião em questão devido à sua importância, a violação do princípio da boa administração resultante dessa falha tinha sido sanada pela junção ao dossiê de uma versão não confidencial de uma nota interna (o auxiliar de memória da Comissão) (a seguir «nota interna), à qual a recorrente teve acesso. Em terceiro lugar, alega que o Tribunal Geral errou na sua apreciação, a título subsidiário, da questão de saber se um vício processual como o que foi identificado no acórdão recorrido constitui fundamento para a anulação da decisão impugnada no que respeita ao comportamento da recorrente face à Dell.

    217.

    A título principal, a Comissão alega que o quarto fundamento de recurso é inoperante, uma vez que a Intel não contestou a conclusão do Tribunal Geral no acórdão recorrido de que os descontos concedidos à Dell eram «descontos de exclusividade». No entender da Comissão, esse fundamento é também inadmissível, dado que a questão de saber se a violação do princípio da boa administração poderia ser sanada mediante a concessão à Intel de acesso a uma versão não confidencial da nota interna depende de uma avaliação da importância da reunião em questão e da adequação da nota elaborada. Essas são questões de facto, insuscetíveis de reapreciação em sede de recurso para o Tribunal de Justiça.

    218.

    A título subsidiário, a Comissão alega que os argumentos da Intel não procedem. A Intel não apresentou qualquer argumento relevante que pusesse em causa a apreciação da nota interna efetuada no acórdão recorrido. A Comissão sustenta igualmente que a decisão impugnada se baseou principalmente em provas documentais cuja leitura em nada seria alterada devido à reunião em questão.

    2. Análise

    219.

    É necessário salientar, desde já, que o quarto fundamento de recurso não é, de modo algum, inoperante, nem tão‑pouco inadmissível, como alega a Comissão.

    220.

    Neste fundamento de recurso, a Intel alega especificamente que a conclusão pela existência de uma infração deve ser anulada em relação à Dell, porque a apreciação dos factos em que essa conclusão se baseia está viciada por uma violação dos seus direitos de defesa. Esta é uma questão de direito sobre a qual o Tribunal de Justiça se pode (e deve) pronunciar. O facto de a qualificação dos descontos concedidos pela Intel à Dell como «descontos de exclusividade» ser ou não contestada é irrelevante a esse respeito. Como já expliquei, a conclusão de que os descontos em causa (independentemente do «rótulo» que lhes seja dado) são ilegais tem, necessariamente, de ser precedida de um exame de todas as circunstâncias relevantes. Durante a audiência, a própria Comissão reconheceu que, em princípio, até os «descontos de exclusividade» podiam ser justificados pela empresa em questão. Do mesmo modo, o facto de ser consensual entre as partes que a Comissão não se baseou em informações obtidas durante a reunião em questão para incriminar a Intel é irrelevante, não tendo qualquer influência no eventual valor ilibatório dessa reunião ( 125 ). Mais importante ainda, a questão de saber se ocorreu ou não uma violação dos direitos de defesa depende inteiramente do eventual impacto dessa (potencial) violação no conteúdo material da decisão impugnada.

    221.

    Em termos muito simples, pouco ou nada importa como os descontos da Intel foram qualificados ou que provas foram utilizadas para incriminar a recorrente, caso os seus direitos de defesa tenham sido violados. O único elemento que o Tribunal de Justiça deve apurar é se a recorrente demonstrou que poderia ter assegurado melhor a sua defesa se tivesse tido acesso a um registo da reunião em questão. Para tal, o Tribunal de Justiça deve também determinar se a nota interna (que só foi comunicada à recorrente tardiamente, na fase do recurso em primeira instância) poderia ter «sanado» uma eventual irregularidade processual anterior, resultante da decisão da Comissão de não registar a reunião em questão. É por este motivo que não considero convincente o argumento da Comissão de que os argumentos aduzidos pela recorrente sobre o valor da nota interna contestam, na realidade, matéria de facto.

    222.

    Como explicarei de seguida, o quarto fundamento de recurso deve ser julgado procedente.

    a) A reunião em questão é uma audição na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003.

    223.

    A recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que não tinha existido uma violação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 ( 126 ). A este respeito, a Intel alega que a distinção estabelecida no acórdão recorrido entre audições «formais» e «informais» está juridicamente incorreta. No seu entender, o mesmo acontece com a conclusão de que a Comissão não está obrigada a proceder a um registo das audições «informais» ( 127 ).

    224.

    Antes de examinar essa distinção, é conveniente recordar rapidamente as etapas (processuais) que conduziram à comunicação da nota interna sobre a reunião em questão à recorrente.

    225.

    Resulta do acórdão recorrido que, durante o procedimento administrativo, a Comissão começou por negar que tivesse ocorrido qualquer reunião com o Sr. D1. Essa instituição só admitiu que a reunião tinha tido lugar depois de a Intel ter demonstrado a existência de uma lista dos temas tratados na reunião em questão. Nessa altura, a Comissão continuou a negar a existência de qualquer registo da reunião. Porém, alguns meses depois, o Auditor admitiu a existência de uma nota interna, mas observou que a recorrente não tinha o direito de acesso a essa nota. Não obstante, em dezembro de 2009, a Comissão enviou, «por cortesia», uma cópia da versão não confidencial da nota interna à Intel. Grande parte dessa cópia estava rasurada. Na sequência de um pedido apresentado pelo Tribunal Geral nesse sentido, a versão confidencial da referida nota foi finalmente transmitida à recorrente em janeiro de 2013, durante o processo em primeira instância ( 128 ).

    226.

    Debruçando‑me agora sobre a interpretação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, o poder de proceder a audições constitui um corolário lógico dos amplos poderes de investigação concedidos à Comissão pelo Regulamento n.o 1/2003. A questão que aqui se coloca é saber se esses poderes estão, todavia, sujeitos a certos limites.

    227.

    Esses limites podem ser claramente identificados com base na redação das disposições pertinentes. Para começar, o artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 prevê que a Comissão pode ouvir qualquer pessoa (singular ou coletiva) que a tal dê o seu consentimento para efeitos da recolha de informações sobre o objeto de um inquérito. Embora o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004 estabeleça a obrigação legal de registar as audições, o n.o 3 do mesmo artigo dispõe que a Comissão pode escolher a forma como as declarações das pessoas ouvidas são registadas.

    228.

    Nestas condições, parece‑me óbvio que, sempre que a Comissão decida proceder a uma audição, não pode deixar de registar o seu conteúdo. Em contrapartida, pode escolher a forma (o suporte) do registo.

    229.

    Esse facto, enquanto tal, não é refutado no acórdão recorrido ( 129 ).

    230.

    O problema reside antes no facto de, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral ter feito uma distinção entre audições formais e informais. O quadro legislativo estabelecido pelo Regulamento n.o 1/2003 não faz nenhuma distinção desse tipo.

    231.

    No meu entender, a referida distinção é altamente problemática. A criação, por via jurisprudencial, de uma nova ferramenta para a Comissão realizar os seus inquéritos permitir‑lhe‑ia contornar as normas adotadas pelo legislador, precisamente, com o intuito de regular os poderes concedidos a essa instituição no âmbito das investigações relacionadas com violações das regras de concorrência.

    232.

    Como resulta claramente do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, uma dessas regras é o dever de registar as informações recolhidas em audições relacionadas com o objeto de um inquérito. Na minha perspetiva, qualquer reunião com um terceiro que tenha especificamente por objetivo a recolha de informações materiais destinadas a serem utilizadas na apreciação de um determinado caso estará necessariamente abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003.

    233.

    Em contrapartida, isso não significa que a Comissão nunca possa ter contactos informais com terceiros. Como o próprio texto do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 deixa bem claro, apenas estão abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa disposição os intercâmbios de informações sobre o objeto de um inquérito. Sempre que o intercâmbio de informações entre a Comissão e terceiros não esteja relacionado com o objeto de um inquérito específico (habitualmente em curso), não existe dever de registo.

    234.

    No presente caso, porém, não vislumbro qualquer justificação para não considerar que a reunião em questão é uma audição na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003.

    235.

    Essa reunião não estava apenas relacionada com o objeto do inquérito da Comissão (então em curso) sobre as práticas da Intel. Como indica a nota interna, os temas abordados durante a reunião (que terá durado cinco horas) respeitavam à própria essência do assunto objeto do inquérito (ou seja, a eventual sujeição dos descontos oferecidos pela Intel à Dell a uma condição de exclusividade). Mais importante ainda, uma das pessoas ouvidas era um dos mais altos dirigentes da Dell ( 130 ).

    236.

    A este respeito, é irrelevante que a reunião tivesse ou, como sustentou a Comissão, não tivesse por finalidade a recolha de provas sob a forma de uma ata ou de declarações assinadas ( 131 ).

    237.

    Aceitar que apenas esses contactos com terceiros estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 alargaria significativamente a margem de discricionariedade da Comissão para realizar audições sem estar obrigada a proceder ao seu registo. Esse entendimento também permitiria que a Comissão fosse seletiva quanto aos elementos de prova a divulgar às empresas sob suspeita de violação das regras de concorrência da União: os funcionários da Comissão que convocassem uma pessoa para ser ouvida ou que estivessem presentes na reunião poderiam decidir, com base em critérios subjetivos, o que seria e o que não seria junto ao dossiê.

    238.

    Contudo, não foi nesses moldes que o legislador da União concebeu o direito de «acesso ao processo». A divulgação de todas as provas constitui a regra, e a não divulgação de elementos de prova específicos é a exceção, como indica o artigo 27.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003. A interpretação do artigo 19.o proposta pela Comissão comportaria o risco de privar o artigo 27.o, n.o 2, do seu efeito útil.

    239.

    Na audiência, a Comissão teve grande dificuldade em explicar quais os seus contactos com terceiros que estava obrigada a registar e quais não estava. É extraordinário que, ao tentar explicar a sua posição, a Comissão parece ter sugerido que a decisão de recorrer ao artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 era totalmente discricionária. O facto de a Comissão não ter conseguido fornecer ao Tribunal de Justiça uma resposta clara sobre este ponto é compreensível: afigura‑se muito difícil identificar um critério que permita distinguir entre audições formais e informais diferente daquele que se encontra previsto na lei, ou seja, determinar se a audição diz respeito ao objeto da investigação.

    240.

    Igualmente importante é o facto de que a decisão de proceder ou não ao registo de uma audição também escaparia a qualquer eventual fiscalização jurisdicional. Não existindo um registo escrito, como poderiam os tribunais da União verificar se a Comissão cumpriu as disposições do Regulamento n.o 1/2003 e, de um modo mais geral, se os direitos das empresas e das pessoas singulares envolvidas num inquérito foram plenamente respeitados?

    241.

    Com efeito, em última análise, a obrigação de registar as audições, prevista no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, existe, pelo menos, por duas razões relacionadas entre si. Essa obrigação assegura, por um lado, a possibilidade de as empresas sob suspeita de violação das regras de concorrência da União organizarem a sua defesa e, por outro, a possibilidade de os tribunais da União fiscalizarem ex post se a Comissão exerceu os seus poderes de inquérito dentro dos limites da lei.

    242.

    Por estes motivos, estou firmemente convicto de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão não tinha violado o artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 ao não organizar a reunião em questão como uma audição, na aceção desta disposição, e ao não proceder a um registo adequado da mesma.

    b) A nota interna não sanou o vício processual

    243.

    Como referido anteriormente (n.o 216, supra), o Tribunal Geral concluiu, no acórdão recorrido, que não tinha existido qualquer violação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003. No entanto, tendo em conta o conteúdo e a importância das informações recebidas durante a reunião em questão, considerou que a Comissão deveria ter procedido ao seu registo. No entender do Tribunal Geral, essa omissão constituía uma violação do princípio da boa administração. Nesta matéria, o Tribunal Geral considerou que, nas circunstâncias do presente caso, deveria ter sido junta ao dossiê, no mínimo, uma nota sucinta com o nome dos participantes, bem como um breve resumo dos assuntos abordados. A recorrente poderia então ter pedido acesso a esse documento ( 132 ).

    244.

    Não obstante, no entender do Tribunal Geral, essa irregularidade processual tinha sido sanada pelo facto de, durante o procedimento administrativo, ter sido disponibilizada à Intel uma versão não confidencial da nota interna e de lhe ter sido proporcionada a oportunidade de se pronunciar sobre esse documento. Essa nota, que se servia de resumo interno dos temas discutidos destinado aos membros dos serviços da Comissão encarregados do caso, continha os nomes dos participantes e «um breve resumo dos assuntos abordados» ( 133 ).

    245.

    A recorrente alega que esse entendimento constituía um erro de direito não só porque a Comissão estava obrigada a proceder ao registo do conteúdo da reunião em questão, mas também porque, contrariamente ao que o Tribunal Geral afirmou, a nota não continha um «breve resumo dos assuntos abordados».

    246.

    Concordo com a recorrente.

    247.

    Por uma questão de princípio, uma nota como a que é descrita no acórdão recorrido não pode, em caso algum, sanar a violação de uma formalidade essencial. Como o Tribunal Geral admitiu no acórdão recorrido, essa nota representa um resumo sucinto dos temas discutidos durante a referida reunião ( 134 ). Porém, não especifica o conteúdo da audição, como a própria Comissão reconhece. Mais importante, porém, é o facto de a nota ser omissa quanto ao teor das informações fornecidas pelo Sr. D1 durante a reunião acerca dos assuntos nela mencionados.

    248.

    No meu entender, essa nota não pode sanar uma violação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004.

    249.

    Nunca é demais lembrar que as informações sobre uma audição juntas ao dossiê devem ser suficientes para garantir o respeito dos direitos de defesa das empresas acusadas de violar as regras de concorrência da União. Não é, manifestamente, o que se passa no presente caso. Desenvolverei esta questão no n.o 257 e segs.

    250.

    Consequentemente, suscita‑se a questão de saber se o vício processual resultante da violação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, pode determinar a ilegalidade da decisão impugnada no que respeita às conclusões sobre a Dell. Ao contrário do que decidiu o Tribunal Geral ( 135 ), a recorrente considera que a resposta deve ser afirmativa. A ACT também subscreve esse entendimento. É certo que os argumentos da recorrente dizem respeito a uma linha de raciocínio que o Tribunal Geral desenvolveu no acórdão recorrido por uma questão de exaustividade. Por conseguinte, poder‑se‑ia alegar que esses argumentos são inoperantes e não podem conduzir à anulação do acórdão ( 136 ). Porém, caso o Tribunal de Justiça entenda, como eu, que o Tribunal Geral cometeu um erro ao sustentar que 1) a reunião em questão não era uma audição na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, e que 2) a nota interna sanou qualquer vício processual decorrente da decisão da Comissão de não proceder a um registo dessa reunião, o Tribunal de Justiça deverá também apreciar a linha de raciocínio enunciada no acórdão recorrido sobre as consequências de uma possível irregularidade processual.

    c) Consequência do não registo da reunião em questão

    251.

    Segundo o acórdão recorrido, a presente situação distingue‑se da situação subjacente ao acórdão Solvay ( 137 ), que é frequentemente invocado pela recorrente. Nesse processo, a Comissão tinha perdido vários documentos após a conclusão do procedimento administrativo e a empresa em causa não havia tido acesso a esses documentos durante esse procedimento. Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça concluiu que um vício processual dessa natureza justificava a anulação da decisão da Comissão. O critério dessa anulação foi expresso nos seguintes termos: um vício processual justifica a anulação quando não se possa excluir que os elementos (extraviados) teriam permitido à empresa em causa dar aos factos uma interpretação diferente da Comissão, o que poderia ter sido útil para a sua defesa ( 138 ).

    252.

    No entender do Tribunal Geral, porém, a declaração do Tribunal de Justiça no acórdão Solvay não podia ser transposta para o presente caso, dado que, ao contrário do que aconteceu no processo Solvay, era possível reconstituir o conteúdo da reunião em questão ( 139 ). É por esse motivo que, de acordo com a jurisprudência respeitante ao acesso ao processo ( 140 ), o Tribunal Geral exigiu que a Intel apresentasse um primeiro indício de que a Comissão «não consignou elementos ilibatórios que contradizem o teor das provas documentais diretas em que a Comissão se baseou na decisão impugnada ou, pelo menos, lhes dão uma clareza diferente». A mera hipótese da relevância das informações fornecidas durante a reunião em questão não foi considerada suficiente ( 141 ).

    253.

    Com efeito, segundo jurisprudência constante, sempre que tenha sido negado acesso a uma parte do processo durante o procedimento administrativo, mas esse acesso tenha sido, ainda assim, garantido na fase do processo judicial, o critério relevante consiste, por uma questão de princípio, em determinar se a empresa poderia ter utilizado, de alguma maneira, as informações não comunicadas em sua defesa. Não se exige que essas informações tivessem conduzido a uma decisão com um conteúdo diferente ( 142 ), mas sim que a empresa pudesse ter garantido melhor a sua defesa se a irregularidade não tivesse existido ( 143 ).

    254.

    Porém, essa regra só é aplicável nos casos em que não tenham sido apresentadas provas documentais diretas. Sempre que a Comissão se tenha baseado em provas documentais diretas na decisão impugnada, a empresa em causa deve demonstrar que a Comissão não registou provas ilibatórias que contrariem o resultado das provas documentais diretas ou, pelo menos, lhes deem uma luz diferente ( 144 ). Por outras palavras, caso a Comissão tenha utilizado provas documentais diretas para incriminar a empresa em causa, o cumprimento do ónus da prova revela se particularmente difícil de satisfazer.

    255.

    Não cabe apreciar, nas presentes conclusões, se, de um modo geral, essa abordagem é justificada. No entanto, considero que a imposição de tal exigência à recorrente no presente caso é juridicamente incorreta, na medida em que o ónus da prova que assim recai sobre a empresa em causa é simplesmente impossível de satisfazer. A abordagem correta consiste em perguntar, como exige o Tribunal de Justiça no acórdão Solvay, se é possível excluir, liminarmente, a possibilidade de as informações a que a empresa em causa não teve acesso poderem ter sido úteis para a sua defesa.

    256.

    No presente caso, a resposta a essa pergunta deve ser negativa.

    257.

    Na situação em causa no processo Solvay, não havia forma de reconstituir o conteúdo dos documentos em falta a partir de outras fontes. Além disso, a própria Comissão tinha admitido que os documentos em falta continham muito provavelmente informações relevantes para a defesa da empresa (mais concretamente, as respostas aos pedidos de informação) ( 145 ).

    258.

    No presente caso, não foi efetuado um registo adequado da reunião em questão (como expliquei anteriormente). Não obstante, a recorrente teve acesso à versão não confidencial da nota interna e ao chamado «documento de acompanhamento» durante o procedimento administrativo. Esse documento continha as respostas escritas da Dell às questões colocadas ao Sr. D1 durante a reunião em questão. Mais tarde, durante o processo perante o Tribunal Geral, a recorrente teve acesso à versão confidencial da nota interna. No entender do Tribunal Geral, esses dois documentos forneciam indicações suficientes sobre os assuntos discutidos durante a reunião. Com base nesses documentos, concluiu que não tinham sido reveladas na reunião quaisquer informações de caráter ilibatório que a recorrente pudesse ter utilizado em sua defesa ( 146 ).

    259.

    Contudo, as informações que podem ser deduzidas desses documentos relativamente ao que se passou durante a reunião em questão continuam a ser mera especulação, como demonstra claramente o acórdão recorrido ( 147 ). Como ilustra a análise das informações disponíveis efetuada no acórdão recorrido, uma vez que não existe um registo adequado da reunião, não é possível saber ao certo o que foi discutido e em que medida essas informações poderiam ter sido ilibatórias, incriminatórias ou até mesmo neutras ( 148 ).

    260.

    A fiscalização jurisdicional não pode assentar em presunções sobre as provas.

    261.

    É certamente verdade que, como observa a Comissão, a análise destinada a determinar se uma violação dos direitos de defesa deveria conduzir à anulação das decisões da Comissão começa pelas acusações formuladas contra a empresa em causa e pelas provas apresentadas em seu apoio ( 149 ). Caso contrário, seria sempre possível alegar que informações não juntas ao dossiê podiam ter sido úteis para a empresa em causa ( 150 ).

    262.

    Tendo em conta as acusações formuladas pela Comissão contra a Intel no caso em apreço, não restam dúvidas quanto à relevância da reunião em questão. Com efeito, como referiu o Tribunal Geral, a nota interna e o documento de acompanhamento mostram que, durante a reunião, foram discutidos assuntos relevantes para apurar se a Dell tinha recebido da recorrente descontos de fidelidade anticoncorrenciais ( 151 ).

    263.

    Em situações como esta, o ónus da prova continua a recair, em princípio, sobre a empresa em causa ( 152 ). Como observa a Comissão, a empresa deve apresentar os factos e provar que determinados documentos, cujo acesso lhe foi negado no decurso do procedimento administrativo poderiam ter sido úteis à sua defesa. Porém, tal acontece quando os documentos tenham sido ocultados durante o procedimento administrativo e o conteúdo desses documentos tenha sido posteriormente constatado e apreciado pelo Tribunal de Justiça ( 153 ). Como observou a advogada‑geral J. Kokott no processo Solvay, tal deve‑se ao facto de, nessas circunstâncias, a empresa em causa estar em condições de identificar os autores e a natureza do documento ocultado. Mas isso não é tudo. Mais importante ainda, nessas circunstâncias, a empresa em causa também poderá descrever o conteúdo desses documentos ( 154 ).

    264.

    A situação aqui é diferente. A identidade do autor e a natureza da reunião foram revelados pela nota interna. No entanto, o conteúdo das respostas dadas pelo Sr. D1 às questões que lhe foram colocadas pela Comissão permanece obscuro. É certo que, como observou o Tribunal Geral, a nota interna e o documento de acompanhamento lançam uma certa luz sobre os temas especificamente abordados durante a reunião em questão. Contudo, esses documentos não são suficientes para reconstituir ex post as provas apresentadas, ou seja, o que foi efetivamente dito durante a referida reunião.

    265.

    Embora o acórdão recorrido não aborde expressamente esta questão, só será possível chegar à conclusão contrária se presumirmos que o Sr. D1 e a Dell são uma única e mesma entidade, e que o Sr. D1 apenas pôde reiterar a posição da Dell sobre os assuntos discutidos. Tendo em conta a sua qualidade de alto dirigente da Dell, essa presunção pode estar correta.

    266.

    No entanto, também pode estar incorreta.

    267.

    Contrariamente ao que a Comissão terá sugerido na audiência, é igualmente provável que o Sr. D1 tenha expresso a sua opinião pessoal sobre os temas abordados na reunião em questão ( 155 ). Simplesmente não sabemos. Consequentemente, não é possível excluir que a reunião tenha lançado uma luz diferente, ou até mesmo uma nova luz, sobre a condicionalidade dos descontos oferecidos à Dell. Ao invés de reconhecer essa possibilidade, o Tribunal Geral impôs à recorrente o ónus (alegadamente impossível) de provar que a reunião não registada revelara provas ilibatórias que poderiam ter lançado uma luz diferente sobre as provas apresentadas pela Comissão em apoio das suas alegações. Por motivos óbvios, concluiu que a recorrente não tinha satisfeito esse ónus.

    268.

    Por conseguinte, sou forçado a concluir que o quarto fundamento de recurso também deve ser julgado procedente.

    269.

    No caso de o Tribunal de Justiça não perfilhar o meu entendimento, desaconselho‑o, ainda assim, a rejeitar o quarto fundamento de recurso, pelos seguintes motivos.

    270.

    Imaginemos, por hipótese, que as provas em causa podiam ser reconstituídas ex post, como sustentou o Tribunal Geral no acórdão recorrido. Segundo o Tribunal Geral, a recorrente devia, portanto, demonstrar que as provas em causa podiam pôr em causa as «provas documentais diretas» que já tinham sido consideradas suficientes para condenar a Intel por abuso de posição dominante relativamente aos descontos oferecidos à Dell ( 156 ). Esta abordagem assenta numa falácia, na medida em que presume, erradamente, que as provas ocultadas durante o procedimento administrativo possuem necessariamente menor valor probatório do que as provas aduzidas pela Comissão em apoio da sua conclusão pela existência de um abuso. Mais concretamente, o problema resulta da interpretação excessivamente ampla do conceito de «provas documentais diretas» no acórdão recorrido.

    271.

    Tanto quanto é do meu conhecimento, esse conceito não foi expressamente definido pelo Tribunal de Justiça. Não obstante, a jurisprudência fornece indicações úteis sobre o seu alcance.

    272.

    Geralmente, o conceito de prova documental direta é utilizado na jurisprudência no contexto do artigo 101.o TFUE, para descrever certas formas de prova (por oposição, por exemplo, aos elementos de prova circunstanciais ou económicos) que a Comissão pode utilizar para estabelecer a existência de uma infração, como por exemplo, que determinadas empresas participaram num cartel ou numa prática conexa contrária ao artigo 101.o TFUE ( 157 ).

    273.

    Ao contrário das provas circunstanciais ( 158 ), as provas documentais diretas emanam, em regra, da empresa ou das empresas suspeitas de terem violado as regras de concorrência da União e, em especial, o artigo 101.o TFUE. Normalmente, essas provas assumem a forma de um documento que, por si só, aponta para a existência de um cartel ou de uma prática conexa (ou para a participação de uma empresa específica nessa prática). Seria o caso, por exemplo, de um memorando sobre um acordo entre os participantes no cartel, da troca entre os participantes de mensagens de correio eletrónico sobre fixação de preços ou, até, das atas de reuniões sobre tais práticas ( 159 ). Sempre que a Comissão se tenha baseado em tais provas para concluir pela existência de uma infração ou pela participação de empresas numa infração, essas empresas devem demonstrar, para efeitos de anulação da decisão impugnada, que os elementos de prova aos quais que não lhes foi facultado acesso no decurso do procedimento administrativo contraria, no essencial, as provas documentais diretas apresentadas ( 160 ).

    274.

    As provas em que a Comissão se baseou na decisão impugnada para concluir pela condicionalidade dos descontos concedidos à Dell podem ser descritas, na melhor das hipóteses, como provas circunstanciais ou provas por presunção ( 161 ). Na realidade, importa não esquecer que se considerou que os «descontos de exclusividade» em causa no presente caso (incluindo os que foram concedidos à Dell) estavam, de facto, sujeitos a uma condição de exclusividade porque não se baseavam numa obrigação formal de abastecimento exclusivo ( 162 ). Pelo contrário, a condicionalidade dos descontos oferecidos à Dell foi inferida (indiretamente) do nível desses descontos ( 163 ). Foi igualmente atribuída especial relevância à perspetiva da Dell quanto aos riscos envolvidos na troca da Intel por um concorrente para satisfazer uma parte das suas necessidades ( 164 ). Correndo o risco de dizer o óbvio, essas provas dificilmente poderão ser descritas como «provas documentais diretas» da condicionalidade dos descontos em questão.

    275.

    Na falta de um documento escrito que comprove a existência de uma obrigação de abastecimento exclusivo, a admissão de qualquer elemento de prova escrito como «prova documental direta» de um abuso de posição dominante incompatível com o artigo 102.o TFUE comprometeria gravemente, no meu entender, os direitos de defesa da empresa em causa: não bastaria que a empresa demonstrasse que determinado elemento de prova ao qual não tinha tido acesso durante o procedimento administrativo poderia ter sido útil para sua defesa. Teria igualmente de demonstrar (como exigiu o Tribunal Geral no acórdão recorrido) que as provas ocultadas contrariavam, no essencial, as provas aduzidas pela Comissão em apoio da sua conclusão pela existência de um abuso.

    276.

    Tendo isto em conta, estou firmemente convencido de que as provas circunstanciais (como as que são invocadas na decisão impugnada) devem ser apreciadas como um todo (antes de poder decidir sobre se o corpo das prova apresentadas é suficiente para demonstrar a existência de um abuso de posição dominante). Para efeitos de anulação da decisão impugnada, a empresa deve simplesmente demonstrar, nessas circunstâncias, que poderia ter utilizado em sua defesa, de uma forma ou de outra, as provas ocultadas, e não que essas provas contrariam, no essencial, as provas aduzidas pela Comissão para demonstrar a existência de uma infração ( 165 ).

    277.

    Por conseguinte, concluo que, mesmo no âmbito deste cenário alternativo, o quarto fundamento de recurso deve ser julgado procedente.

    F – Quinto fundamento de recurso: competência

    1. Principais argumentos das partes

    278.

    Com o seu quinto fundamento de recurso, a Intel, apoiada pela ACT, alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao entender que a Comissão tinha competência para aplicar o artigo 102.o TFUE aos acordos celebrados pela Intel com a Lenovo em 2006 e 2007 (a seguir, respetivamente, «acordo de 2006» e «acordo de 2007» ou, em conjunto, «acordos Lenovo»). Por um lado, o acordo de 2006 encorajava a Lenovo, através da concessão de um incentivo financeiro, a adiar (e, por fim, a cancelar) o lançamento no mercado mundial de dois produtos equipados com CPU da AMD ( 166 ). Por outro lado, o acordo de 2007 dizia respeito aos descontos que a Intel concederia caso a Lenovo decidisse comprar exclusivamente CPU junto da Intel para os seus computadores portáteis ( 167 ). A recorrente alega que, no que respeita à Lenovo, as restrições diretas e os descontos praticados não foram executados no EEE nem tinham qualquer efeito previsível, imediato ou substancial nesse espaço.

    279.

    A Comissão considera que o quinto fundamento não procede: o Tribunal Geral não estava errado ao considerar que a Comissão tinha competência para aplicar o artigo 102.o TFUE em relação aos acordos com a Lenovo. A Comissão alega que, à luz do direito internacional público, a competência se pode basear em diversos fatores, desde que exista um nexo suficientemente estreito entre o comportamento recriminado e as regras aplicáveis no território em causa. Nessa matéria, o critério da execução e o critério dos efeitos «qualificados» são as duas únicas formas possíveis de determinar se tal nexo existe. Segundo a Comissão, na aplicação desses critérios, o acórdão recorrido não está viciado por qualquer erro de direito.

    2. Análise

    280.

    O presente fundamento não é, de modo algum, menos importante do que aqueles que foram apreciados anteriormente. Proporciona ao Tribunal de Justiça uma excelente oportunidade para clarificar a linha jurisprudencial que teve início com o acórdão ICI e foi posteriormente desenvolvida no acórdão Wood Pulp ( 168 ), a propósito do âmbito de aplicação territorial do direito da concorrência da União. Permitirá ao Tribunal de Justiça aperfeiçoar essa linha jurisprudencial e adaptá‑la ao contexto atual, caracterizado por economias globais, mercados integrados e complexos padrões de comércio.

    281.

    Importa aqui ter em conta as implicações mais latas que a decisão do Tribunal de Justiça pode comportar. Com efeito, uma interpretação excessivamente liberal das regras sobre competência territorial não deixa de suscitar controvérsia do ponto de vista do direito internacional público, em conformidade com o qual o direito da União deve ser interpretado ( 169 ). Por conseguinte, justifica‑se enquadrar este fundamento de recurso num contexto mais vasto.

    282.

    De um modo geral, a competência assume (pelo menos) três formas: competência legislativa, competência executiva e competência jurisdicional. A Intel questiona a competência da Comissão para aplicar o direito da concorrência da União a um comportamento unilateral emergente de acordos que, provavelmente, produzem os seus efeitos fora da União Europeia. Por conseguinte, o presente processo não diz respeito à execução física fora do território da União, questão esta que suscita diversas dificuldades do ponto de vista do direito internacional público.

    283.

    Recordo ainda que o direito internacional público permite que, em certos casos, os Estados exerçam a sua competência fora do seu território. Porém, mesmo que se tenha de reconhecer que não é vinculativo per se ( 170 ), o respeito mútuo das esferas de competência da União Europeia e do Estado terceiro em causa ( 171 ), ou a cortesia, sugerem que, na determinação da competência extraterritorial, se justifica uma certa moderação. Não surpreende que a própria União Europeia se oponha à aplicação extraterritorial do direito de Estados terceiros quando considera que essa aplicação é ilegal ( 172 ).

    284.

    Dito isto, um exame da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela que a aplicação do direito da União pressupõe um vínculo adequado com o território da União ( 173 ). Desse modo, é respeitado o princípio básico da territorialidade consagrado no direito internacional público. No entanto, no exercício dos seus poderes soberanos, não é raro os Estados e as organizações internacionais terem frequentemente em consideração circunstâncias que ocorrem ou ocorreram fora do respetivo domínio territorial de competência ( 174 ).

    285.

    Da atual jurisprudência do Tribunal de Justiça decorre que a aplicação do direito da concorrência da União exige existência de um vínculo adequado com o território da União, quer esse nexo assuma a forma da presença de uma filial ou da execução de um comportamento anticoncorrencial nesse território. Porém, em casos anteriores, esse nexo era muito mais percetível do que na situação em apreço.

    286.

    No presente caso, o Tribunal Geral considerou que a competência pode ser estabelecida com base em dois critérios alternativos: o critério da execução e o critério dos efeitos «qualificados» das práticas dentro do EEE ( 175 ). Segundo ele, a aplicação desses critérios conduz à mesma conclusão: a Comissão tinha competência em relação aos acordos Lenovo ( 176 ).

    287.

    Seguidamente, começarei por expor a minha posição sobre a questão da competência em relação à aplicação por iniciativa pública das regras de concorrência da União ( 177 ). Seguidamente, explicarei por que motivo considero que o presente fundamento de recurso deve ser julgado procedente.

    a) Observações gerais: execução e/ou efeitos?

    288.

    A minha primeira observação prende‑se com uma questão simples e óbvia. Para determinar se a Comissão pode aplicar as regras de concorrência da União a um comportamento específico, o ponto de partida será necessariamente o teor dos artigos 101.° e 102.° TFUE. Longe de darem à Comissão carte blanche para aplicar o direito da concorrência da União a qualquer comportamento, independentemente do local onde este ocorra e da existência ou não de um vínculo claro com o território da União, essas disposições têm por objeto comportamentos anticoncorrenciais coletivos ou unilaterais dentro do mercado interno: o artigo 101.o TFUE proíbe os acordos ou práticas «que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno»; e o artigo 102.o TFUE, por seu turno, proíbe a «[exploração] de forma abusiva […] no mercado interno».

    289.

    A norma de competência para efeitos da aplicação das regras de concorrência da União está, portanto, claramente inscrita nessas disposições. Embora o artigo 102.o TFUE seja um pouco menos explícito, o artigo 101.o TFUE deixa bem claro que é aplicável a qualquer comportamento com efeitos anticoncorrenciais no mercado interno.

    290.

    Além disso, tal como a Comissão, não creio que o acórdão Wood Pulp do Tribunal de Justiça implique que o único critério válido de fixação da competência é a execução. Entendo antes que, sempre que um comportamento anticoncorrencial seja executado na União Europeia, não existe qualquer dúvida quanto à aplicabilidade dos artigos 101.° e 102.° TFUE. Por outras palavras, é inquestionável que um comportamento executado na União Europeia pode produzir efeitos no mercado interno e, consequentemente, não se pode subtrair a uma fiscalização da sua compatibilidade com as regras de concorrência da União. Nesta medida, importa não esquecer que o critério da execução está firmemente enraizado no princípio da territorialidade, ou, pelo que, se estiver preenchido, é um fator decisivo para estabelecer a competência da Comissão para aplicar as referidas regras a um comportamento específico ( 178 ).

    291.

    O facto de apenas uma parte do comportamento em causa ter lugar na União Europeia é, para aquele efeito, irrelevante ( 179 ). No acórdão Wood Pulp, o Tribunal de Justiça analisou uma série de práticas de fixação dos preços da pasta de madeira (que a Comissão considerara incompatíveis com o atual artigo 101.o TFUE), que tinham sido adotadas fora da (atual) União Europeia por produtores estrangeiros de pasta de madeira. Nesse contexto, o Tribunal de Justiça explicou por que motivo o critério relevante para estabelecer a competência era a execução de um acordo ou de uma prática conexa, e não a sua celebração ou a sua formação. Se as proibições estabelecidas nos Tratados só fossem aplicáveis nos casos em que o acordo, decisão ou prática concertada fossem formados ou adotados no território da União, as empresas teriam ao seu dispor um meio fácil de se subtrair à aplicação das regras de concorrência da União. Naquele processo, o critério da execução estava preenchido em virtude da venda direta dos produtos cartelizados: as empresas em causa tinham vendido diretamente pasta de madeira a compradores na União Europeia ( 180 ).

    292.

    Em contrapartida, não considero que apenas as vendas diretas da empresa em causa na União Europeia possam preencher o critério da execução para efeitos da jurisprudência consagrada no acórdão Wood Pulp. O significado corrente do termo «execução» é realizar ou pôr em prática. Por conseguinte, para preencher este critério, é necessário que um dos elementos constituintes essenciais do comportamento anticoncorrencial tenha lugar dentro da União Europeia. Isso dependerá sobretudo da natureza, da forma e do alcance do comportamento anticoncorrencial. É necessária uma apreciação individual do comportamento ilegal para determinar se foi executado dentro da União Europeia. Por exemplo, não estou convencido de que as vendas indiretas do produto em causa nunca possam ser qualificadas de execução ( 181 ). No meu entender, isso depende das circunstâncias de cada caso concreto. Neste contexto, um dos elementos que importa apreciar é, por exemplo, saber se uma das empresas que cartelizou um produto e a empresa que o incorporou noutro produto posteriormente comercializado na União fazem parte de uma única e mesma entidade económica ou, se assim não for, se existem outras ligações societárias ou estruturais entre as empresas em causa.

    293.

    Para concluir este ponto, considero que um comportamento coletivo ou unilateral é executado no mercado interno (e, portanto, desencadeia inquestionavelmente a aplicação dos artigos 101.° e 102.° TFUE) quando exista um elemento de comportamento intraterritorial ( 182 ). Por outras palavras, quando parte do comportamento ilegal seja realizada, aplicada ou posta em prática no mercado interno porque um dos seus elementos constituintes essenciais tem lugar aí.

    294.

    No entanto, se a execução fosse considerada o único critério de competência suscetível que desencadeia a aplicação das regras de concorrência da União, vários tipos de comportamentos suscetíveis de ter por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno ficariam fora do âmbito de aplicação dessas regras. Estou a pensar em comportamentos caracterizados por uma omissão ilícita, como a recusa de contratar ou os boicotes. Tal como referi nos n.os 288 e 289, supra, essa interpretação dos artigos 101.° e 102.° TFUE seria contrário ao texto dessas disposições.

    295.

    Na realidade, vários advogados‑gerais já sugeriram ao Tribunal de Justiça que adotasse, no domínio do direito da concorrência, uma abordagem à competência ratione loci baseada nos efeitos ( 183 ). Até à data, o Tribunal de Justiça não perfilhou nem rejeitou expressamente essa abordagem ( 184 ).

    296.

    Nestas condições, creio que o Tribunal de Justiça deveria apreciar aqui expressamente essa questão e, em conformidade com o que foi proposto pelos advogados‑gerais mencionados no número anterior, adotar uma abordagem baseada nos efeitos, para efeitos da aplicação dos artigos 101.° e 102.° TFUE.

    297.

    Não é determinante que essa abordagem assente num conceito (amplo) de territorialidade ou que, pelo contrário, implique uma certa aplicação extraterritorial do direito da União ( 185 ). Determinante é que, preenchidas certas condições, o critério dos efeitos constitui um critério de atribuição de competência geralmente aceite em direito internacional público no que respeita a este tipo de legislação ( 186 ), e foi adotado em muitos ordenamentos jurídicos pelo mundo inteiro ( 187 ). Com efeito, grande parte da doutrina considera que a controvérsia relativa à sua admissibilidade é coisa do passado ( 188 ).

    298.

    A este respeito, é de salientar que muitas outras disposições do direito da União regulam o comportamento no estrangeiro de entidades que não são nacionais de um Estado‑Membro da União nem têm uma presença física ou jurídica na União, em virtude dos efeitos que esse comportamento produz no mercado interno. É o caso, por exemplo, de algumas disposições que regulam as operações relativas a instrumentos financeiros ou outros tipos de comportamento económico ( 189 ).

    299.

    Isso não significa, porém, que qualquer efeito, por muito fraco ou indireto que seja, possa desencadear a aplicação das regras de concorrência da União. Numa economia globalizada, um comportamento que tenha lugar em qualquer parte do mundo, por exemplo, na China, produzirá quase inevitavelmente algum tipo de efeito na União Europeia. No entanto, a aplicação dos artigos 101.° e 102.° TFUE não se pode basear num vínculo ou num efeito puramente hipotético ou demasiado remoto.

    300.

    Considero especialmente importante que a competência seja estabelecida com uma certa cautela quando esteja em causa um comportamento que, em rigor, não teve lugar no território da União Europeia. Com efeito, por uma questão de cortesia, e pela mesma ordem de ideias, para garantir que as empresas possam exercer a sua atividade num quadro jurídico previsível, os efeitos do comportamento em causa só podem ser utilizados como critério de atribuição da competência com grande prudência, sobretudo nos dias de hoje. Há mais de 100 autoridades nacionais ou supranacionais em todo o mundo que se consideram competentes em matéria de práticas anticoncorrenciais.

    301.

    Como sustentou o Tribunal Geral no acórdão Gencor, a aplicação das regras de concorrência da União a um comportamento específico só pode ser justificada se esse comportamento tiver efeitos imediatos, substanciais e previsíveis no mercado interno ( 190 ). Podemos traçar aqui um paralelismo óbvio com as regras da concorrência aplicáveis nos Estados Unidos da América (EUA): A section 1 do Sherman Antitrust Act estabelece uma proibição geral das restrições ao comércio sem quaisquer limites geográficos, razão pela qual, em 1982, o Congresso norte‑americano aprovou o Foreign Trade Antitrust Improvement Act (a seguir «FTAIA») ( 191 ), com vista a clarificar (e, possivelmente, restringir) a aplicação extraterritorial do Sherman Antitrust Act. O FTAIA dispõe, nomeadamente, que as regras antitrust norte‑americanas não se aplicam a comportamentos praticados no estrangeiro, salvo se tiverem um efeito direto, substancial e razoavelmente previsível nos EUA. No acórdão Empagran, o Supremo Tribunal dos EUA concluiu, no contexto da interpretação do Sherman Act e do FTAIA, que não era razoável aplicar a legislação dos EUA a um comportamento praticado no estrangeiro quando os danos dele resultantes fossem independentes de qualquer dano interno ( 192 ).

    302.

    Na interpretação e na aplicação dos artigos 101.° e 102.° TFUE a comportamentos coletivos ou unilaterais de empresas que ocorram inteiramente fora das fronteiras da União, o Tribunal de Justiça deve guiar‑se por princípios semelhantes. Na minha perspetiva, esses comportamentos só estão abrangidos pelas referidas disposições se for possível identificar um efeito anticoncorrencial direto (ou imediato), substancial e previsível no mercado interno. O critério dos efeitos «qualificados» (que implica, na minha perspetiva, que os efeitos são suficientemente importantes para justificar a atribuição de competência) não está preenchido quando, por exemplo, os efeitos na União Europeia sejam meramente hipotéticos ou insignificantes. Também não está preenchido quando a distorção da concorrência dentro do mercado interno não seja imputável à empresa em causa, uma vez que esta não podia ter previsto esses efeitos nocivos.

    303.

    O teor dos artigos 101.° e 102.° TFUE não justifica a aplicação do direito da União pela Comissão a comportamentos que não tenham um efeito «qualificado» no território da União Europeia. O entendimento contrário seria também problemático à luz do direito internacional público. Um alargamento excessivo do alcance das regras de concorrência da União comportaria o risco de ingerência nos interesses soberanos de outros Estados e daria lugar a dificuldades de aplicação, tanto a nível jurídico como prático ( 193 ). Também aumentaria consideravelmente os casos de sobreposição da competência de diferentes Estados ou entidades políticas, criando assim um clima de grande insegurança para as empresas e aumentando o risco de aplicação de regras (ou decisões judiciais) contraditórias ao mesmo comportamento. Por último, mas igualmente importante, esse alargamento poderia suscitar problemas à luz do princípio da boa administração: qual seria o interesse em aplicar o direito da União a comportamentos que não produzem efeitos significativos na União Europeia? Seria essa uma utilização válida e eficaz dos limitados recursos da União Europeia?

    304.

    À luz do exposto, entendo que o Tribunal Geral não pode ser criticado, como alega a Intel, por ter examinado a competência da Comissão para aplicar o artigo 102.o TFUE à luz tanto do critério da execução como do critério dos efeitos «qualificados». É verdade que teria sido mais lógico analisar primeiro se o comportamento da Intel tinha sido executado na União e, caso a resposta fosse negativa, determinar então se, não obstante, esse comportamento produzia efeitos «qualificados» no mercado interno.

    305.

    No entanto, o facto de a Intel não ter questionado a competência da Comissão durante o procedimento administrativo (como o Tribunal Geral salientou no n.o 246 do acórdão recorrido) é irrelevante. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o âmbito da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos procedimentos de aplicação dos artigos 101.° e 102.° TFUE, cuja fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, é assegurada pelo Tribunal Geral à luz dos fundamentos invocados pelo recorrente, e tendo em conta todos os elementos de prova apresentados por estes últimos, quer estes sejam anteriores ou posteriores à decisão em causa e tenham sido apresentados previamente no âmbito do procedimento administrativo ou, pela primeira vez, no âmbito do recurso para o Tribunal Geral, na medida em que esses elementos de prova sejam pertinentes para a fiscalização da legalidade da decisão da Comissão ( 194 ).

    306.

    A título de conclusão, o quadro jurídico aplicado pelo Tribunal Geral não merece críticas. Não obstante, a aplicação, no acórdão recorrido, dos referidos critérios de fixação da competência aos alegados abusos resultantes dos acordos Lenovo justifica as seguintes observações críticas.

    b) Análise da aplicação dos critérios pertinentes de fixação da competência pelo Tribunal Geral

    307.

    Começarei por examinar as conclusões do Tribunal Geral quanto à aplicação no EEE das restrições diretas e dos descontos de exclusividade resultantes dos acordos Lenovo.

    i) Execução

    308.

    No acórdão recorrido ( 195 ), o Tribunal Geral concluiu que os acordos Lenovo se destinavam a ser executados por essa empresa no mundo inteiro, incluindo no EEE. Em razão desses acordos, a Intel não podia alegar que não tinha qualquer influência na utilização das CPU da Intel pela Lenovo. A Intel também tinha conhecimento de que a Lenovo estava presente no mercado interno, onde vendia computadores portáteis nesse mercado.

    309.

    Considero que este raciocínio se encontra viciado por um erro de direito. Se a Comissão tivesse concluído que a Intel, juntamente com a Lenovo, tinha violado o artigo 101.o TFUE, o Tribunal Geral teria motivos para examinar se os acordos celebrados entre elas se destinavam a ser executados, por qualquer uma das partes, no EEE. No entanto, a decisão impugnada tem por objeto um comportamento que a Comissão considerou condenável à luz do artigo 102.o TFUE: um comportamento unilateral por parte da Intel. Por conseguinte, é esse comportamento unilateral (o alegado abuso) que deve ter lugar no EEE.

    310.

    Ora, em parte alguma do acórdão recorrido é feita referência a um comportamento iniciado ou posto em prática pela Intel no território do EEE com vista a executar os acordos Lenovo. Isto não surpreende, uma vez que esses acordos, celebrados por uma empresa sedeada nos EUA e uma empresa chinesa, diziam respeito a vendas de CPU fabricadas e vendidas fora da União, para fins de incorporação em computadores fabricados na China. Esses acordos limitavam apenas a possibilidade de a AMD, outra empresa sedeada nos EUA, vender CPU no mercado chinês.

    311.

    Ao invés de se concentrar numa possível execução dos acordos pela Intel, o Tribunal Geral concentrou‑se no comportamento do consumidor num mercado a jusante, a fim de estabelecer uma ligação com o território do EEE. O simples facto de a Lenovo se ter abstido de vender, durante um certo período de tempo, determinado modelo de computador à escala mundial, incluindo possivelmente o EEE, constituía, segundo o Tribunal Geral, um exemplo de execução de abusos por parte da Intel.

    312.

    Esta argumentação não colhe. Ao associar a execução ao comportamento do cliente da empresa acusada de ter violado o artigo 102.o TFUE, praticamente qualquer comportamento, por mais remota que seja a sua ligação ao território da União, poderia ser considerado abrangido pela esfera de competência da Comissão com base no critério da execução. Os restantes elementos tomados em consideração pelo Tribunal Geral também são pouco convincentes. Em primeiro lugar, não creio que o mero facto de a Intel ter influência na utilização dada pela Lenovo às CPU da Intel seja relevante a este respeito. Se existisse alguma ligação societária ou estrutural entre a Lenovo e a Intel, a conclusão poderia ter sido diferente. Em segundo lugar, o facto de a Intel ter conhecimento de que a Lenovo estava presente e vendia computadores portáteis no mercado interno também é, no meu entender, pouco relevante. Devo salientar, mais uma vez, que o comportamento ilegal não consiste na venda de computadores portáteis, mas sim na exclusão da AMD do mercado de CPU. O mero conhecimento da presença de um cliente no EEE não pode ser considerado um exemplo de execução de comportamentos abusivos no mercado a montante.

    313.

    À luz dos elementos expostos no acórdão recorrido, não estou, portanto, convencido de que se possa considerar que o alegado abuso da Intel foi executado no EEE, na aceção do acórdão Wood Pulp. Creio que nada no comportamento em questão foi executado, implementado ou posto em prática no mercado interno.

    314.

    Porém, isso não afasta a possibilidade de o comportamento da Intel ter produzido no mercado interno efeitos anticoncorrenciais abrangidos pelo artigo 102.o TFUE. Por conseguinte, passarei agora a examinar as conclusões do Tribunal Geral quanto aos efeitos do abuso da Intel no EEE.

    ii) Efeitos «qualificados»

    315.

    No acórdão recorrido ( 196 ), o Tribunal Geral começou por explicar que o critério aplicável consistia em determinar se o comportamento da Intel podia ter efeitos imediatos, substanciais e previsíveis no mercado interno. Segundo ele, isso não significa que o efeito no mercado tenha de ser real, bastando que seja suficientemente provável que o comportamento em causa possa ter uma influência sensível e não negligenciável nesse mercado. Seguidamente, o Tribunal Geral examinou separadamente os efeitos dos dois tipos de comportamentos.

    316.

    Relativamente às restrições diretas, o Tribunal Geral observou que os volumes de vendas projetados na região EMOA (Europa, Médio Oriente e África) para o quarto trimestre de 2006 para os dois modelos de computador portátil afetados pelo adiamento do lançamento eram de 5400 e de 4250 unidades. Seguidamente, declarou que o EEE constitui uma parte importante dessa região. Uma vez que a Intel não apresentou qualquer prova em apoio do seu argumento de que era possível que todos esses computadores se destinassem a zonas fora do EEE, o Tribunal Geral entendeu que os efeitos no EEE eram, pelo menos, potenciais. Reconheceu que o número de unidades em causa na região EMOA era modesto, mas acrescentou que o comportamento da Intel fazia parte de uma infração única e continuada ( 197 ). Entendeu igualmente que o comportamento da Intel visava produzir efeitos imediatos no EEE (onde, durante um certo lapso de tempo, um determinado modelo de computador equipado com CPU da AMD não estava disponível) e diretos (o comportamento da Intel afetava diretamente as vendas de computadores pela Lenovo) ( 198 ).

    317.

    Quanto aos descontos de exclusividade, o Tribunal Geral qualificou os seus efeitos de imediatos, dado que nenhum computador portátil da Lenovo equipado com uma CPU x86 de um concorrente da Intel estava disponível em parte alguma no mundo, incluindo no EEE. Seguidamente, afirmou que o efeito anticoncorrencial era previsível para a Intel e tinha mesmo sido projetado por ela. Quanto ao caráter substancial do efeito, o Tribunal Geral declarou que os descontos de exclusividade faziam parte de uma infração única e continuada ( 199 ).

    318.

    Para além de sucinta, a argumentação do Tribunal Geral está, acima de tudo, viciada por um erro de direito.

    319.

    Relativamente a ambos os tipos de comportamento, o único argumento do Tribunal Geral sobre o caráter substancial do efeito no mercado interno é que faziam parte de uma infração única e continuada. No entanto, conforme explicado nos n.os 179 e segs., supra, o conceito de infração única e continuada é uma mera norma processual destinada a facilitar o ónus da prova que recai sobre as autoridades da concorrência. Este conceito não alarga (nem pode alargar) o âmbito das proibições estabelecidas pelos Tratados.

    320.

    Ora, é exatamente isso que o Tribunal Geral fez no acórdão recorrido. Ao invés de apreciar a capacidade de cada desconto de exclusividade e de cada restrição direta para produzir um efeito anticoncorrencial sensível no mercado interno, o que teria desencadeado a aplicação do artigo 102.o TFUE, limitou‑se a agrupar essas práticas, juntamente com comportamentos que tiveram lugar na União Europeia, numa infração única e continuada, cujo efeito era, no seu entender, significativo. Consequentemente, dois tipos distintos de comportamentos praticados no estrangeiro, que, em princípio, poderiam ter sido subtraídos ao âmbito de aplicação do artigo 102.o TFUE, ficaram subitamente abrangidos por esta disposição pelo facto de terem sido apreciados com outros comportamentos, como parte de um plano de conjunto para restringir a concorrência.

    321.

    Se o Tribunal Geral tivesse aplicado corretamente o critério dos efeitos «qualificados» (verificando se cada tipo de comportamento estava abrangido pela esfera de competência da Comissão), o resultado da sua análise poderia ter sido diferente. Por exemplo, o próprio Tribunal Geral declarou que o número de computadores afetados pelas restrições diretas era «modesto» e que não estava claramente estabelecido se todos ou alguns desses computadores se destinavam a ser comercializados no EEE. Quanto a este último elemento, devo chamar a atenção para outro erro de direito cometido pelo Tribunal Geral: é claramente à Comissão que incumbe o ónus de provar que os efeitos do comportamento recriminado dentro do mercado interno podem ser sensíveis. Com efeito, segundo jurisprudência assente, cabe à Comissão provar que estão preenchidas todas as condições da aplicação dos artigos 101.° e 102.° TFUE num caso concreto ( 200 ). Consequentemente, o Tribunal Geral não teve razão ao exigir que a Intel ilidisse a presunção da Comissão relativamente à possível venda no EEE de computadores destinados a uma região muito mais vasta.

    322.

    É inquestionável que os acordos Lenovo tiveram um efeito imediato e direto, caso se entenda que estes termos significam que esses acordos influenciaram o comportamento da Lenovo relativamente à compra de CPU e a subsequente venda de computadores portáteis equipados com CPU x86. Porém, a questão fulcral consiste em saber se os efeitos anticoncorrenciais resultantes desses acordos eram imediatos e diretos no EEE. Por outras palavras, o Tribunal Geral deveria ter feito a seguinte pergunta: podiam esses acordos reduzir imediata ou diretamente a capacidade dos concorrentes da Intel para competirem no setor de CPU x86 no mercado interno? O Tribunal Geral é totalmente omisso quanto a este aspeto, limitando‑se a observar que os referidos acordos tinham influenciado as escolhas comerciais da Lenovo. Esta observação é válida para qualquer acordo comercial.

    323.

    O Tribunal Geral aplicou este mesmo raciocínio incorreto à previsibilidade dos efeitos produzidos pelos acordos Lenovo. Mais uma vez, centrou a sua apreciação no efeito que esses acordos tiveram (ou se destinavam a ter) nas escolhas comerciais da Lenovo. O acórdão recorrido não aborda a questão da previsibilidade do efeito anticoncorrencial que esses acordos (alegadamente) produziram no mercado interno.

    324.

    Com base nos elementos referidos no acórdão recorrido, longe de ser imediato, substancial e previsível, o efeito anticoncorrencial suscetível de resultar dos acordos Lenovo revela‑se antes hipotético, especulativo e não fundamentado. Isso não significa, porém, que os acordos Lenovo não produziram, ou que não podiam produzir, efeitos «qualificados» no mercado interno.

    325.

    Por um lado, poderão legitimamente ser suscitadas dúvidas, por exemplo, sobre a questão de saber se um comportamento que afetou a venda no EEE de alguns milhares de computadores, correspondentes a uma percentagem extremamente baixa do mercado mundial de CPU, durante um lapso de tempo particularmente curto, pode ter qualquer efeito imediato, substancial e previsível no EEE. Por outro lado, não é possível excluir que os acordos Lenovo pudessem ter tido um impacto significativo na capacidade duradoura da AMD para desenvolver, fabricar e comercializar CPU em todo o mundo, incluindo no EEE. Da perspetiva da Intel, a exclusão do seu único concorrente viável no mercado de CPU pode ser alcançada independentemente de optar por visar clientes presentes no EEE ou noutras regiões do mundo. O efeito pretendido é o mesmo.

    326.

    Lamentavelmente, o Tribunal Geral não realizou nenhuma análise desta natureza. Por conseguinte, a questão fundamental de saber se os acordos Lenovo tinham a capacidade para produzir um efeito anticoncorrencial imediato, substancial e previsível no EEE permanece sem resposta, apesar de assumir uma importância crucial para a decisão sobre a aplicação do artigo 102.o TFUE ao alegado abuso resultante dos referidos acordos.

    327.

    Com base no exposto, concluo que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aplicar tanto o critério da execução como o critério dos efeitos «qualificados» para rejeitar os argumentos da Intel (e da ACT) sobre a incompetência da Comissão para aplicar o artigo 102.o TFUE aos abusos resultantes dos acordos Lenovo. Consequentemente, o quinto fundamento de recurso deve ser julgado procedente.

    G – Sexto fundamento de recurso: montante da coima

    1. Principais argumentos das partes

    328.

    O sexto fundamento de recurso diz respeito ao montante da coima imposta em primeira instância, e divide‑se em duas partes. Em primeiro lugar, a Intel alega que a coima é desproporcionada, independentemente de uma eventual redução em virtude dos erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral. Em segundo lugar, alega que o Tribunal Geral errou ao aplicar as orientações de 2006 a um comportamento que lhes era anterior. A aplicação retroativa das orientações de 2006 para justificar a aplicação de uma coima de montante 50 vezes superior ao previsto na legislação em vigor à data em que teve lugar a maior parte desse comportamento é, no entender da recorrente, contrária aos princípios fundamentais do direito da União. Em especial, a recorrente questiona a conformidade dessa abordagem com o artigo 7.o da CEDH e com o artigo 49.o da Carta.

    329.

    A Comissão considera que este fundamento de recurso deve ser julgado improcedente por ser, em parte, inadmissível e, em parte, inoperante ou, subsidiariamente, improcedente.

    2. Análise

    330.

    A recorrente invoca o presente fundamento de recurso como um motivo autónomo para a anulação do acórdão recorrido. Alega que, na fixação da coima, o Tribunal Geral violou o princípio da proporcionalidade e aplicou incorretamente (de forma retroativa) as orientações da Comissão sobre o cálculo das coimas.

    331.

    A primeira parte do sexto fundamento de recurso diz respeito à (des)proporcionalidade da coima imposta à recorrente na decisão impugnada e posteriormente confirmada pelo Tribunal Geral. No essencial, pergunta‑se o seguinte: quais os parâmetros adequados para apreciar a proporcionalidade de uma coima imposta pela Comissão no âmbito das suas investigações?

    332.

    Esta não é, de modo algum, uma questão desprovida de interesse. Por princípio, aborda a própria essência dos poderes concedidos à Comissão para investigar e punir violações das regras de concorrência da União. Além disso, tem implicações quanto ao modo como os tribunais da União exercem a sua competência de plena jurisdição em matéria de fixação das coimas.

    333.

    Uma resposta detalhada àquela pergunta implicaria a análise de um vasto leque de temas sensíveis. Estou a pensar, em especial, na relação recíproca entre o efeito dissuasor e o montante das coimas, no ponto de referência relevante para avaliar a proporcionalidade (ou seja: proporcionalidade em relação a quê?) e nos limites que o artigo 49.o, n.o 3, da Carta pode impor ao montante das coimas aplicadas às empresas que violaram regras de concorrência da União.

    334.

    Lamentavelmente, porém, o presente recurso não se presta a esse debate. Excetuando algumas observações isoladas sobre o caráter desproporcionado da coima, especialmente em comparação com coimas impostas anteriormente em casos de descontos, a título do artigo 102.o TFUE, a recorrente não explica de que forma a apreciação do Tribunal Geral viola o princípio da proporcionalidade ( 201 ). A Intel limita‑se a pedir ao Tribunal de Justiça que determine, ele mesmo, uma eventual sanção proporcionada às circunstâncias do presente caso.

    335.

    A este respeito, como se sabe, por razões de equidade, não incumbe ao Tribunal de Justiça substituir a apreciação do Tribunal Geral sobre o montante da coima pela sua apreciação. Excecionalmente, se o Tribunal de Justiça considerar que o nível da sanção é não só inapropriado mas igualmente excessivo, ao ponto de ser desproporcionado, pode declarar a existência de um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, em razão do caráter inapropriado do montante de uma coima ( 202 ). O facto de a coima imposta na decisão impugnada (1,06 mil milhões de euros) ser, à data, a mais elevada de sempre não é suficiente, por si só, para tornar a coima inapropriada, ou mesmo desproporcionada, como parece sugerir a recorrente.

    336.

    Na realidade, os argumentos desenvolvidos acerca da proporcionalidade põem em causa estas constatações factuais e, em especial, a apreciação da prova em primeira instância ( 203 ). Ao contrário do que acontece no contexto dos outros fundamentos de recurso invocados no presente caso, o erro de direito alegadamente cometido pelo Tribunal Geral não é facilmente identificável com base nos argumentos da recorrente. Como já foi referido, não cabe ao Tribunal de Justiça reapreciar, os factos ou as provas, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. Não foi aduzida no presente caso qualquer alegação fundada na existência de um erro manifesto na apreciação dos factos. Os documentos dos autos também não revelam de forma manifesta uma desvirtuação da prova do tipo alegado pela Intel. Com efeito, para poder ser apreciada em sede de recurso pelo Tribunal de Justiça, deve ser possível identificar a alegada desvirtuação sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos ( 204 ).

    337.

    Por esse motivo considero, tal como a Comissão, que os argumentos apresentados pela recorrente relativamente à proporcionalidade da coima devem ser declarados inadmissíveis.

    338.

    A segunda parte do sexto fundamento de recurso diz respeito à aplicação retroativa das orientações de 2006 a comportamentos que, em parte, as antecedem. Pergunta‑se: até que ponto está a Comissão vinculada pelas suas orientações sobre o cálculo das coimas?

    339.

    A jurisprudência do Tribunal de Justiça é clara sobre esta questão e não apoia a tese da recorrente.

    340.

    É jurisprudência constante que a Comissão não está impedida de ajustar (para cima) o nível das coimas, dentro dos limites indicados no Regulamento n.o 1/2003, caso tal seja necessário para assegurar a execução da política de concorrência da União. Tal deve‑se ao facto de a correta aplicação das regras de concorrência da União exigir que a Comissão possa ajustar, em qualquer momento, o nível das coimas para satisfazer as necessidades dessa política ( 205 ). Nesse contexto, o princípio da não retroatividade só pode afetar a discricionariedade que a Comissão possui na fixação da coima se a modificação em causa não era razoavelmente previsível quando foram cometidas as infrações em causa ( 206 ).

    341.

    Mais importante ainda, o Tribunal de Justiça sustentou que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem fundar uma confiança legítima na utilização de um determinado método de cálculo da coima. Pelo contrário, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de que, a todo o momento, a Comissão pode aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado. Isto é válido não só quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas, fixando coimas em decisões individuais, mas também se este aumento for operado pela aplicação, a casos concretos, de regras de conduta que tenham um alcance geral, como é o caso das orientações de 2006 ( 207 ).

    342.

    No meu entender, estas declarações sugerem que, desde que a coima não ultrapasse os limites estabelecidos no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, a recorrente não pode invocar utilmente o princípio da não retroatividade para contestar o montante da coima aplicada com base nas orientações de 2006. Isto é assim, nomeadamente, porque o comportamento recriminado só terminou depois de essas orientações entrarem em vigor. Com efeito, é o Regulamento n.o 1/2003 que define, enquanto direito aplicável, os limites da discricionariedade da Comissão na aplicação de uma coima por violação das regras de concorrência da União, e não as orientações sobre o cálculo das coimas, que descrevem em maior pormenor de que modo a Comissão tenciona utilizar essa discricionariedade.

    343.

    À luz do exposto, considero que a segunda parte do sexto fundamento de recurso deve ser declarada improcedente. Consequentemente, o sexto fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

    VI – Consequências da apreciação

    344.

    Nos termos do primeiro parágrafo do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Se o litígio estiver em condições de ser julgado, o Tribunal de Justiça pode decidi‑lo definitivamente. Pode igualmente remeter o processo ao Tribunal Geral.

    345.

    Uma vez que concluí que o primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto fundamentos de recurso devem ser julgados procedentes, o acórdão recorrido deve ser anulado.

    346.

    Tendo em conta a natureza dos erros cometidos pelo Tribunal Geral à luz do primeiro, segundo, terceiro e quinto fundamentos de recurso, entendo que o presente processo não está em condições de ser decidido definitivamente. Tal deve‑se ao facto de uma decisão sobre o mérito (quanto à questão de saber se os descontos e pagamentos oferecidos pela Intel constituem um abuso de posição dominante incompatível com o artigo 102.o TFUE e se os acordos Lenovo produziram efeitos anticoncorrenciais imediatos, substanciais e previsíveis no EEE) depender de um exame de todas as circunstâncias do processo e, sendo esse o caso, dos efeitos reais ou potenciais do comportamento da Intel na concorrência no mercado interno. Esse exame, por sua vez, implica uma apreciação dos factos para a qual o Tribunal Geral está mais bem posicionado.

    347.

    Por outro lado, no que respeita ao quarto fundamento de recurso, relativo à violação dos direitos de defesa da recorrente, o Tribunal de Justiça parece, à primeira vista, suficientemente informado para tomar uma decisão quanto à anulação da decisão impugnada. Não obstante, os elementos factuais disponíveis e o debate que teve lugar perante o Tribunal de Justiça levam‑me a propor, também quanto a este ponto, a remessa para o Tribunal Geral. Mais concretamente, deve ser dada às partes uma oportunidade adequada para manifestarem o seu ponto de vista sobre as consequências a retirar da irregularidade processual em causa e, em especial, sobre a questão de saber se a decisão impugnada deve ser anulada na totalidade (como no processo Solvay ( 208 )) ou apenas na parte respeitante ao comportamento da Intel em relação à Dell.

    348.

    Consequentemente, proponho ao Tribunal de Justiça que remeta o processo ao Tribunal Geral para uma nova apreciação.

    VII – Conclusão

    349.

    À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que:

    1)

    anule o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 12 de março de 2014, proferido no processo T‑268/09, Intel/Comissão;

    2)

    remeta o processo ao Tribunal Geral;

    3)

    reserve para final a decisão quanto às despesas.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) V. acórdão de 12 de junho de 2014, Intel/Comissão (T‑286/09, EU:T:2014:547, a seguir «acórdão recorrido»).

    ( 3 ) Para um resumo dessa decisão, v. JO 2009 C 227, p. 13.

    ( 4 ) V. acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36, a seguir «acórdão Hoffmann‑La Roche»).

    ( 5 ) Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.°] e [102.° TFUE] (JO L 1, p. 1).

    ( 6 ) Regulamento da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.°] e [102.° TFUE] (JO L 123, p. 18).

    ( 7 ) Regulamento do Conselho de 6 de fevereiro de 1962: Primeiro Regulamento de execução dos artigos [101.°] e [102.° TFUE] (JO 1962, EE 08 F1, p. 22).

    ( 8 ) Informação confidencial ocultada. Nas presentes conclusões, a fim de preservar o anonimato, os nomes das pessoas serão substituídos, como na primeira instância, pela letra inicial do nome da empresa em que trabalham, seguida de um número.

    ( *1 ) NdT: No acórdão recorrido, as restrições diretas foram designadas por «restrições não dissimuladas».

    ( 9 ) Este critério determina o preço a que um concorrente com o mesmo grau de eficiência da Intel deveria ter oferecido as suas CPU a fim de indemnizar um OEM pela perda de um desconto que lhe teria sido concedido pela Intel.

    ( 10 ) JO 2006, C 210, p. 2.

    ( 11 ) V. acórdão de 17 e fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 22 e jurisprudência aí referida, a seguir «acórdão TeliaSonera»). Segundo o Tribunal de Justiça, as regras de concorrência da União têm por finalidade evitar que a concorrência seja falseada em detrimento do interesse geral, das empresas individuais e dos consumidores, contribuindo deste modo para garantir o bem‑estar na União Europeia.

    ( 12 ) Como observou o Tribunal de Justiça, o artigo 102.o TFUE não visa assegurar que concorrentes menos eficazes que a empresa que detém uma posição dominante permaneçam no mercado. V. acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark (C‑209/10, EU:C:2012:172, n.os 21 e 22, a seguir «acórdão Post Danmark I»).

    ( 13 ) Acórdão Post Danmark I, n.os 21 e 22.

    ( 14 ) Relativamente às vantagens da aplicação de tal «atalho», v. minhas conclusões no processo CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:1958, n.o 35).

    ( 15 ) Acórdão recorrido, n.os 76 e 77. V. também acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 89.

    ( 16 ) Acórdão recorrido, n.os 75 e 78.

    ( 17 ) Acórdão recorrido, n.os 78 e 82.

    ( 18 ) Acórdão recorrido, n.os 76 e 77.

    ( 19 ) Acórdão recorrido, n.o 76.

    ( 20 ) Acórdão recorrido, n.o 99.

    ( 21 ) Acórdão recorrido, n.os 172 a 197.

    ( 22 ) V., em maior pormenor, n.os 110 e segs., infra.

    ( 23 ) Acórdão recorrido, n.os 74 a 78.

    ( 24 ) Acórdão recorrido, n.o 79.

    ( 25 ) Acórdão recorrido, n.o 171.

    ( 26 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche, n.os 89 e 90.

    ( 27 ) Acórdão recorrido, n.o 81.

    ( 28 ) V. acórdão de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão (322/81, EU:C:1983:313, n.o 57, a seguir «acórdão Michelin I»); v. também acórdãos de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão (C‑202/07 P, EU:C:2009:214, n.o 105); de 14 de outubro de 2008, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 176, a seguir «acórdão Deutsche Telekom»), e acórdão TeliaSonera, n.o 24.

    ( 29 ) Acórdão Michelin I, n.os 66 a 71, em relação a descontos baseados em objetivos de vendas.

    ( 30 ) V. acórdão de 15 de março de 2007, British Airways/Comissão (C‑95/04 P, EU:C:2007:166, n.o 52, a seguir «acórdão British Airways»), relativamente a prémios concedidos com base na totalidade das vendas.

    ( 31 ) V. acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão (C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 75, a seguir «acórdão Tomra»), relativamente aos descontos pertinentes em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

    ( 32 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche, n.os 92 a 100.

    ( 33 ) V. acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 90. V. também acórdão de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão (T‑203/01, EU:T:2003:250, n.o 58, a seguir «acórdão Michelin II»). Neste último acórdão, o Tribunal Geral estabeleceu uma exceção à presunção de legalidade, considerando que esta presunção não existia nos casos em que os descontos de quantidade tivessem um efeito de fidelização.

    ( 34 ) De acordo com uma definição possível, os descontos de fidelidade são concedidos sob a condição de o cliente efetuar uma grande parte ou uma parte cada vez maior das suas compras junto da empresa que concede os descontos. Esses descontos são aplicáveis quando o cliente ultrapassa uma meta de vendas específica num determinado período. A meta pode estar relacionada com um aumento do volume de compras, com o abastecimento exclusivo (ou de certa percentagem) junto de um fornecedor ou com um abastecimento superior a um determinado limite estabelecido com base nas necessidades do cliente. Por outras palavras, um desconto de fidelidade é um desconto concedido por um fornecedor a um cliente para recompensar a sua fidelidade. V. OECD Policy roundtables, Fidelity and Bundled Rebates and Discounts, DAF/COMP(2008)29, 2008, p. 97. Disponível em: https://www.°ecd.°rg/competition/abuse/41772877.pdf.

    ( 35 ) Acórdão recorrido, n.os 80 e 81.

    ( 36 ) V., por exemplo, acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 97.

    ( 37 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 90.

    ( 38 ) V. acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 89.

    ( 39 ) V. acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 89.

    ( 40 ) V. acórdão Hoffmann‑La Roche, n.os 92 e segs.

    ( 41 ) V., em especial, n.os 82 e 83 do acórdão recorrido.

    ( 42 ) V. acórdão Michelin I, n.o 73.

    ( 43 ) V., em especial, acórdãos British Airways, n.o 67, e Tomra, n.o 71.

    ( 44 ) V., como exemplos de dois outros casos isolados, acórdãos de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão (C‑62/86, EU:C:1991:286, n.o 149), e de 27 de abril de 1994, Almelo (C‑393/92, EU:C:1994:171, n.o 44). No entanto, a posição assumida pelo Tribunal de Justiça no acórdão AKZO/Comissão sobre a obrigação de abastecimento exclusivo deve ser entendida no contexto da multiplicidade de práticas abusivas da AKZO. Do mesmo modo, a declaração categórica do Tribunal de Justiça no acórdão Gemeente Almelo e o. constituiu uma resposta a um pedido de decisão prejudicial e, como tal, encontrava‑se obviamente limitada aos factos do caso.

    ( 45 ) V., nos n.os 109 e segs., infra, uma análise mais detalhada sobre o nível de probabilidade exigido para concluir que um determinado tipo de comportamento constitui um abuso.

    ( 46 ) Acórdão recorrido, n.o 81.

    ( 47 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 82.

    ( 48 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 90.

    ( 49 ) Acórdão recorrido, n.os 82 a 84.

    ( 50 ) V. acórdãos Michelin I, n.o 73; British Airways, n.o 67; e Tomra, n.o 71. V. também acórdão de 9 de setembro de 2010, Tomra Systems e o./Comissão (T‑155/06, EU:T:2010:370, n.o 215).

    ( 51 ) Acórdão de 6 de outubro de 2015, Post Danmark (C‑23/14, EU:C:2015:651, n.o 68, a seguir «acórdão Post Danmark II»).

    ( 52 ) V. n.o 168 e segs., infra.

    ( 53 ) V., nesse sentido, acórdão Post Danmark I, n.o 44.

    ( 54 ) V. acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 90. V. também acórdão Michelin II, n.o 58.

    ( 55 ) Acórdão recorrido, n.os 92 e 93. Este subtipo de descontos de fidelidade tem sido descrito como «opções de exclusividade», que funcionam através de alavancagem. Petit, N., «Intel, Leveraging Rebates and the Goals of Article 102 TFEU», European Competition Journal, vol. 11, n.o 1, 2015, pp. 26 a 28.

    ( 56 ) Acórdão recorrido, n.o 94.

    ( 57 ) V. acórdão recorrido, n.o 89.

    ( 58 ) V. acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 89.

    ( 59 ) V. declaração no n.o 81 do acórdão recorrido.

    ( 60 ) Acórdão recorrido, n.o 89.

    ( 61 ) Acórdão recorrido, n.o 81.

    ( 62 ) V. acórdão British Airways, n.os 85 e 86 e jurisprudência aí referida, e acórdão Post Danmark I, n.os 40 e 41 e jurisprudência aí referida. V. também acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 90. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça observou que uma empresa também poderia justificar o recurso a descontos quando, em circunstâncias excecionais, um acordo entre empresas estivesse abrangido pela exceção prevista no artigo 101.o, n.o 3, TFUE.

    ( 63 ) Acórdão recorrido, n.os 89 a 94.

    ( 64 ) OECD Policy roundtables, Fidelity and Bundled Rebates and Discounts, op.cit., pp. 9 e 21. V. também Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo [102.° TFUE] a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante (JO 2009, C 45, p. 7), n.o 37, relativamente aos descontos condicionais. A Comissão refere aí que esses descontos também podem ser utilizados para atrair clientes e, como tal, podem estimular a procura e beneficiar os consumidores. V. também Neven, D., «A structured assessment of rebates contingent on exclusivity», Competition Law & Policy Debate, vol. 1, n.o 1, 2015, p. 86.

    ( 65 ) OECD Policy roundtables, Fidelity and Bundled Rebates and Discounts, op.cit., p. 9.

    ( 66 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 89.

    ( 67 ) Acórdão Tomra, n.o 70.

    ( 68 ) V. acórdão Michelin I, n.o 72.

    ( 69 ) V. acórdão British Airways, n.o 75.

    ( 70 ) V., por exemplo, Neven, D., op.cit., p. 39. A exclusão depende de vários fatores, entre os quais as vendas não contestáveis, o poder dos incentivos proporcionados pela exigência de exclusividade nas vendas não contestáveis, o grau de concorrência entre compradores, a importância das economias de escala e a questão de saber se os descontos visam compradores concorrentes das empresas que se abastecem junto de empresas rivais.

    ( 71 ) Acórdão recorrido, n.o 97.

    ( 72 ) V. acórdão Tomra, n.os 70 e 71, que remetem para o acórdão Michelin I, n.os 71 e 73.

    ( 73 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 97.

    ( 74 ) Acórdão Post Danmark II, n.o 68.

    ( 75 ) V. acórdãos Deutsche Telekom, n.o 175; TeliaSonera, n.o 76; e Post Danmark I, n.o 26.

    ( 76 ) Acórdão recorrido, n.o 99.

    ( 77 ) Acórdão recorrido, n.o 93.

    ( 78 ) DG Competition discussion paper on the application of Article [102.° TFUE] to exclusionary abuses, 2005, p. 23. Disponível em: http://ec.europa.eu/competition/antitrust/art82/discpaper2005.pdf. V. também OECD Policy roundtables, Fidelity and Bundled Rebates and Discounts, op.cit., p. 26. Esse documento também identifica os descontos como um tipo de prática tarifária.

    ( 79 ) Acórdão Post Danmark II, n.o 55, relativo ao teste AEC, e jurisprudência aí referida.

    ( 80 ) Acórdão Post Danmark II, n.os 27 a 29.

    ( 81 ) V. acórdão Post Danmark II, n.os 23 a 25.

    ( 82 ) Acórdão Post Danmark II, n.o 26.

    ( 83 ) Acórdão Post Danmark II, n.o 68.

    ( 84 ) Acórdão recorrido, n.o 177. Com efeito, caso contrário, as autoridades da concorrência só poderiam intervir se o abuso objeto de suspeita tivesse resultado numa exclusão anticoncorrencial.

    ( 85 ) V. acórdão Post Danmark II, n.os 68 e 69, e jurisprudência aí referida. V., por outro lado, acórdão Tomra, n.o 68. Neste último acórdão, o Tribunal de Justiça entendeu que, para provar um abuso de uma posição dominante, basta demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou que o comportamento é suscetível de ter tal efeito.

    ( 86 ) V., recentemente, acórdão Post Danmark II, n.o 69, e acórdão Post Danmark I, n.o 44.

    ( 87 ) V., porém, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Post Danmark (C‑23/14, EU:C:2015:343, n.o 82).

    ( 88 ) V. acórdão Michelin I, n.o 73. V. também acórdão Post Danmark II, n.o 29 e jurisprudência aí referida.

    ( 89 ) Acórdão recorrido, n.os 178 a 184.

    ( 90 ) Acórdão recorrido, n.o 180.

    ( 91 ) Acórdão recorrido, n.o 181.

    ( 92 ) V. acórdão de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão (T‑65/98, EU:T:2003:281, a seguir «acórdão Van den Bergh Foods»).

    ( 93 ) Acórdão Tomra, n.o 34.

    ( 94 ) Acrescenta que, relativamente à quota de mercado da Dell, os descontos oferecidos a esta empresa tinham bloqueado entre 14,58% e 16,34% do mercado, facto que considerava igualmente significativo: v. acórdão recorrido, n.os 190 e 191.

    ( 95 ) Acórdão recorrido, n.o 194.

    ( 96 ) Acórdão recorrido, n.os 121 e 122.

    ( 97 ) Acórdão Van den Bergh Foods, n.o 98.

    ( 98 ) Documento de reflexão da Comissão sobre o artigo [102.° TFUE], op.cit., pp. 18, 19 e 41.

    ( 99 ) Acórdão Tomra, n.o 46.

    ( 100 ) O Tribunal Geral observou que a Comissão podia, com razão, concluir que, em virtude da ênfase dada às empresas que revestiam uma importância estratégia especial para o acesso ao mercado, os descontos e pagamentos se destinavam às grandes OEM e a um dos principais retalhistas. Acórdão recorrido, n.os 182 e 183. V. também n.os 1507 a 1511, em relação à MSH.

    ( 101 ) Acórdão recorrido, n.o 178.

    ( 102 ) Acórdão recorrido, n.os 112, 113 e 195.

    ( 103 ) Acórdão recorrido, n.o 195.

    ( 104 ) Acórdão recorrido, n.o 186.

    ( 105 ) Acórdão recorrido, n.os 93 e 150.

    ( 106 ) Acórdão recorrido, n.os 143, 144 e 152.

    ( 107 ) V. acórdão Danmark II, n.os 55 a 58.

    ( 108 ) V. acórdão Danmark II, n.o 57 e jurisprudência aí referida.

    ( 109 ) V. acórdão Tomra, n.os 73 a 80.

    ( 110 ) Acórdão recorrido, n.os 192 e 193.

    ( 111 ) Acórdão recorrido, n.os 193, 1561 e 1562.

    ( 112 ) V., a este respeito, acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens (C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 41 e jurisprudência aí referida, a seguir «acórdão Verhuizingen Coppens»).

    ( 113 ) V. acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens (C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 72 e jurisprudência aí referida). V. também acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 260, a seguir «acórdão Aalborg»).

    ( 114 ) V., por exemplo, acórdão Aalborg, n.o 260.

    ( 115 ) Relativamente à utilização desse conceito no contexto da competência, v. n.os 319 e segs,. infra.

    ( 116 ) Acórdão recorrido, n.o 193.

    ( 117 ) Acórdão recorrido, n.o 193.

    ( 118 ) Acórdão recorrido, n.os 134 e 137.

    ( 119 ) V. acórdãos Hoffmann‑La Roche, n.o 89, e Tomra, n.o 70.

    ( 120 ) V. acórdão recorrido, em especial n.os 126 e 129, relativamente à HP, e n.o 137, relativamente à Lenovo.

    ( 121 ) Acórdão recorrido, n.os 132 e 133.

    ( 122 ) V. acórdão Tomra, n.o 42.

    ( 123 ) Decisão impugnada, considerando 831. V. também acórdão recorrido, n.o 133.

    ( 124 ) Acórdão recorrido, n.o 133.

    ( 125 ) V., sobre essa questão, acórdão recorrido, n.o 611.

    ( 126 ) Acórdão recorrido, n.o 612.

    ( 127 ) Acórdão recorrido, n.os 614 e 615.

    ( 128 ) Acórdão recorrido, n.os 601 e 606.

    ( 129 ) Acórdão recorrido, n.o 617.

    ( 130 ) Acórdão recorrido, n.o 621. V. também n.o 636, relativamente aos temas abordados na reunião.

    ( 131 ) V. também acórdão recorrido, n.o 617.

    ( 132 ) Acórdão recorrido, n.o 621.

    ( 133 ) Acórdão recorrido, n.o 622.

    ( 134 ) Acórdão recorrido, n.os 635 e 636.

    ( 135 ) Acórdão recorrido, n.o 664.

    ( 136 ) V., por exemplo, acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 148 e jurisprudência aí referida, a seguir «acórdão Dansk Rørindustri»).

    ( 137 ) V. acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão (C‑109/10 P, EU:C:2011:686, a seguir «acórdão Solvay»).

    ( 138 ) Acórdão Solvay, n.os 57 a 62.

    ( 139 ) Acórdão recorrido, n.o 630.

    ( 140 ) V., em especial, acórdão Aalborg, n.o 133.

    ( 141 ) Acórdão recorrido, n.o 629.

    ( 142 ) Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P, e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.o 318 e jurisprudência aí referida, a seguir «acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij»). V. também acórdão Aalborg, n.o 75.

    ( 143 ) V. acórdão de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão (C‑194/99 P, EU:C:2003:527, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

    ( 144 ) V. acórdão Aalborg, n.o 133. V. também acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão (C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.os 23 e 24 e jurisprudência aí referida, a seguir «acórdão Knauf Gips»).

    ( 145 ) Acórdão Solvay, n.os 62 e 64.

    ( 146 ) V. acórdão recorrido, por exemplo, n.os 631, 644, 658 e 660.

    ( 147 ) V. acórdão recorrido, em especial n.os 646 e 658.

    ( 148 ) Acórdão recorrido, n.os 632 a 660.

    ( 149 ) V. acórdão Solvay, n.o 59.

    ( 150 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Solvay/Comissão (C‑109/10 P, EU:C:2011:256, n.o 191).

    ( 151 ) Acórdão recorrido, n.o 632 e segs.

    ( 152 ) Para uma análise crítica, v. minhas conclusões no processo SKW Stahl‑Metallurgie e SKW Stahl‑Metallurgie Holding/Comissão (C‑154/14 P, EU:C:2015:543, n.os 76 e 77).

    ( 153 ) Acórdãos Limburgse Vinyl Maatschappij, n.os 318 e 324; Aalborg, n.os 74, 75 e 131; e Knauf Gips, n.os 23 e 24.

    ( 154 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Solvay/Comissão (C‑109/10 P, EU:C:2011:256, n.o 193).

    ( 155 ) V., nessa matéria, acórdão recorrido, n.os 572 a 575.

    ( 156 ) V., em especial, n.os 651 a 653 do acórdão recorrido.

    ( 157 ) Para uma discussão sobre provas documentais diretas em casos de cartéis, v. Guerrin, M. e Kyriazis, G., «Cartels: Proof and Procedural Issues», Fordham International Law Journal, volume 16, n.o 2, 1992, pp. 266 a 341 (em especial, pp. 299 a 301).

    ( 158 ) V., por exemplo, acórdãos de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão (48/69, EU:C:1972:70, n.os 65 a 68), e de 16 de dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 to 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, EU:C:1975:174, n.os 164 e 165), relativamente à utilização da correspondência entre terceiros como prova.

    ( 159 ) V., por exemplo, acórdão Aalborg, n.o 158, que faz referência ao acórdão objeto de recurso para o Tribunal de Justiça nesse processo. V. também acórdão de 19 de março de 2003, CMA CGM e o./Comissão (T‑213/00, EU:T:2003:76, n.os 136 e segs.)

    ( 160 ) V. acórdão Aalborg, n.o 133, onde essa regra foi claramente enunciada pelo Tribunal de Justiça.

    ( 161 ) Para provar a condicionalidade dos descontos em questão na decisão impugnada, a Comissão baseou‑se em certos documentos internos da Intel, a saber, apresentações e mensagens de correio eletrónico (decisão impugnada, considerandos 238 a 242); na resposta da Dell ao abrigo do artigo 18.o (decisão impugnada, considerandos 233 e 234); e em certos documentos internos da Dell, a saber, apresentações internas e mensagens de correio eletrónico (decisão impugnada, em especial considerandos 222 a 227, 229 e 231). V. também acórdão recorrido, n.os 444 a 515.

    ( 162 ) Relativamente à Dell, v. acórdão recorrido, n.o 440.

    ( 163 ) Decisão impugnada, considerando 950, e acórdão recorrido, n.os 504 a 514.

    ( 164 ) Decisão impugnada, em especial considerandos 221 e 323.

    ( 165 ) Acórdão de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão (C‑194/99 P, EU:C:2003:527, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

    ( 166 ) Decisão impugnada, considerando 560.

    ( 167 ) Decisão impugnada, considerando 561.

    ( 168 ) V. acórdão de 27 de setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, EU:C:1988:447, a seguir «acórdão Wood Pulp»).

    ( 169 ) V., entre outros, acórdão de 24 de novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, EU:C:1992:453, n.o 9, a seguir «acórdão Poulsen»).

    ( 170 ) V., nesse sentido, acórdão de 29 de junho de 2006, SGL Carbon/Comissão (C‑308/04 P, EU:C:2006:433, n.o 34).

    ( 171 ) V., neste sentido, acórdão de 14 de julho de 1972, Geigy/Comissão (52/69, EU:C:1972:73, n.o 11).

    ( 172 ) Remeto, nomeadamente, para o Regulamento (CE) n.o 2271/96 do Conselho, de 22 de novembro de 1996, relativo à proteção contra os efeitos da aplicação extraterritorial de legislação adotada por um país terceiro e das medidas nela baseadas ou dela resultantes (JO L 309, p. 1), em especial para o terceiro e quarto considerandos.

    ( 173 ) V., entre outros, acórdãos Poulsen, n.o 28; de 29 de junho de 1994, Aldewereld (C‑60/93, EU:C:1994:271, n.o 14); de 9 de novembro de 2000, Ingmar (C‑381/98, EU:C:2000:605, n.o 25); de 24 de junho de 2008, Commune de Mesquer (C‑188/07, EU:C:2008:359, n.os 60 a 63); de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 125, a seguir «acórdão ATAA»); e de 13 de maio de 2014, Google Spain eGoogle (C‑131/12, EU:C:2014:317, n.os 54 e 55). V. também acórdão de 23 de abril de 2015, Zuchtvieh‑Export (C‑424/13, EU:C:2015:259, n.o 56).

    ( 174 ) V. conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:637, n.os 148 e 149).

    ( 175 ) Acórdão recorrido, n.os 231 a 233 e 244.

    ( 176 ) Acórdão recorrido, n.os 296 e 310.

    ( 177 ) Nas presentes conclusões, não analisarei a competência dos tribunais da União Europeia para julgarem casos de aplicação, por iniciativa privada, das regras de concorrência da União nem o poder do legislador da União para legislar em matéria de concorrência.

    ( 178 ) V. acórdão Wood Pulp, n.os 16 e 18.

    ( 179 ) Chamo a atenção para o facto de essa abordagem ter sido validada pelo Tribunal de Justiça em alguns processos em que a aplicabilidade das regras relevantes da União foi impugnada por algumas entidades privadas, com fundamento num alegado efeito extraterritorial: v. acórdãos Poulsen, ATAA e Google Spain.

    ( 180 ) Acórdão Wood Pulp, n.os 12 a 18.

    ( 181 ) Assim, o meu entendimento sobre esta questão difere da tese defendida pelo advogado‑geral M. Wathelet. V. conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo InnoLux/Comissão (C‑231/14 P, EU:C:2015:292, n.o 46).

    ( 182 ) Cf. Lowe, V. e Staker, C., «Jurisdiction», in Evans, M.D. (ed.), International Law, 3.a ed., Oxford University Press, 2010, pp. 322 e 323.

    ( 183 ) Para argumentos a favor de uma abordagem à competência baseada nos efeitos, v., em especial, conclusões do advogado‑geral H. Mayras no processo Imperial Chemical Industries/Comissão (48/69, EU:C:1972:32, n.o 693 e segs.), e conclusões do advogado‑geral M. Darmon nos processos apensos Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, EU:C:1988:258, n.os 19 e segs., a seguir «conclusões no processo Wood Pulp»). V. no mesmo sentido, conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo InnoLux/Comissão, n.os 49 e segs.

    ( 184 ) As partes discutiram exaustivamente se o recente acórdão de 9 de julho de 2015, InnoLux/Comissão (C‑231/14 P, EU:C:2015:451) apoiava, nem que fosse implicitamente, essa abordagem. Porém, no meu entender, o Tribunal de Justiça decidiu não se pronunciar sobre a questão da competência, considerando‑a irrelevante para a decisão do litígio. V. n.os 71 a 73 do acórdão.

    ( 185 ) Essa questão é efetivamente debatida pela doutrina: v., entre outros, International Bar Association, Report of the Task Force on Extraterritorial Jurisdiction, 2009, pp. 12 e 13.

    ( 186 ) V. OCDE, Revised recommendation of the Council Concerning Cooperation between Member countries on Anticompetitive Practices affecting International Trade, 1995, Disponível em: https://www.°ecd.°rg/daf/competition/21570317.pdf. V. também conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo Wood Pulp, n.os 19 a 31; e acórdão de 25 de março de 1999, Gencor/Comissão (T‑102/96, EU:T:1999:65, n.o 90).

    ( 187 ) V., por exemplo, International Bar Association, Report of the Task Force on Extraterritorial Jurisdiction, 2009, pp. 39 a 77.

    ( 188 ) V., entre outros, Wagner‑von Papp, F., «Competition Law, Extraterritoriality & Bilateral Agreements», Research handbook on International Competition Law, Edward Elgar Publishing 2012, p. 41 e outras referências.

    ( 189 ) Para uma exposição geral dessas disposições e uma análise crítica, v. Scott, J., «The New EU “Extraterritoriality”», Common Market Law Review, vol. 51, Wolters Kluwer Law and Business, 2014, pp. 1343 a 1380.

    ( 190 ) Acórdão recorrido, n.o 243.

    ( 191 ) 15 U.S.Code, título 15, capítulo 1, §6a.

    ( 192 ) Acórdão do Supremo Tribunal dos EUA, Hoffman‑La Roche Ltd. c. Empagran S.A., 124 S.Ct. 2359 (2004).

    ( 193 ) É precisamente por estes motivos que as instituições da União celebraram acordos com as autoridades de vários países terceiros, a fim de estabelecer formas de cooperação no domínio do direito da concorrência. Por exemplo, foram celebrados dois desses acordos com o Governo dos EUA; curiosamente, ambos versam sobre a questão da competência. O texto desses acordos e outras referências estão disponíveis em: http://ec.europa.eu/competition/international/bilateral

    ( 194 ) V. acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão (C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 72).

    ( 195 ) Acórdão recorrido, n.os 310 a 314.

    ( 196 ) Acórdão recorrido, n.os 250 a 258 e 283 a 297.

    ( 197 ) Acórdão recorrido, n.o 290.

    ( 198 ) Acórdão recorrido, n.os 277 e 278.

    ( 199 ) Acórdão recorrido, n.os 293 a 295.

    ( 200 ) V. artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003.

    ( 201 ) A este respeito, importa ter em conta que a prática decisória da Comissão não serve, de um modo geral, de quadro jurídico para as coimas em matéria de concorrência, visto que a Comissão dispõe, no domínio da fixação do montante das coimas, de um amplo poder de apreciação e que não está, em princípio, vinculada pelas apreciações que anteriormente fez. V., entre outros, acórdão de 19 de março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão (C‑510/06 P, EU:C:2009:166, n.o 82 e jurisprudência aí referida).

    ( 202 ) V., entre muitos outros, acórdãos de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 205 e jurisprudência aí referida), e de 4 de setembro de 2014, YKK e o./Comissão (C‑408/12 P, EU:C:2014:2153, n.o 29 e jurisprudência aí referida). V. também acórdãos de 29 de abril de 2004, British Sugar/Comissão (C‑359/01 P, EU:C:2004:255, n.o 47 e jurisprudência aí referida), e de 19 de dezembro de 2013, Koninklijke Wegenbouw Stevin/Comissão (C‑586/12 P, não publicado, EU:C:2013:863, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

    ( 203 ) Nesta matéria, a recorrente apresenta uma lista de fatores que, no seu entender, foram incorretamente apreciados no acórdão recorrido. Além disso, a recorrente discorda da forma como o Tribunal Geral apreciou as provas em matéria de dissimulação, um fator que foi invocado para aumentar o montante da coima.

    ( 204 ) V., por exemplo, acórdãos de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão (C‑551/03 P, EU:C:2006:229, n.os 51 a 53 e jurisprudência aí referida), e de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão (C‑431/14 P, EU:C:2016:145, n.os 31 e 32 e jurisprudência aí referida).

    ( 205 ) V., recentemente, acórdão de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão (C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.o 75 e jurisprudência aí referida).

    ( 206 ) V. Dansk Rørindustri, n.o 224.

    ( 207 ) Acórdão Dansk Rørindustri, n.os 228 a 231.

    ( 208 ) Acórdão Solvay, n.os 71 e 72.

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