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Document 61985CJ0089

Acórdão do Tribunal de 27 de Setembro de 1988.
A. Ahlström Osakeyhtiö e outros contra Comissão das Comunidades Europeias.
Práticas concertadas entre empresas estabelecidas em países terceiros referentes aos preços de venda a compradores estabelecidos na Comunidade.
Processos apensos 89, 104, 114, 116, 117 e 125 a 129/85.

European Court Reports 1988 -05193

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1988:447

61985J0089

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 27 DE SETEMBRO DE 1988. - A. AHLSTROEM OSAKEYHTIOE E OUTROS CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - PRATICAS CONCERTADAS ENTRE EMPRESAS ESTABELECIDAS EM PAISES TERCEIROS REFERENTES AOS PRECOS DE VENDA A COMPRADORES ESTABELECIDOS NA COMUNIDADE. - PROCESSOS APENSOS 89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85, 125 A 129/85.

Colectânea da Jurisprudência 1988 página 05193
Edição especial sueca página 00651
Edição especial finlandesa página 00671


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Concorrência - Regras comunitárias - Âmbito de aplicação territorial - Acordo sobre preços entre produtores estabelecidos fora da Comunidade - Compradores estabelecidos na Comunidade - Execução do acordo no interior da Comunidade - Aplicação do direito comunitário - Admissibilidade dessa aplicação, à luz do direito internacional público - Intervenção de filiais, agentes ou sucursais estabelecidos no mercado comum - Irrelevância

(Artigo 85.° do Tratado CEE)

2. Direito internacional público - Princípio da não-intervenção - Condições de aplicação

3. Acordos internacionais - Acordo CEE-Finlândia - Regras de concorrência - Obstáculo à aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado - Inexistência

(Artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE; artigos 23.° e 27.° do Acordo CEE-Finlândia)

Sumário


1. Quando produtores estabelecidos fora da Comunidade efectuam vendas directamente a compradores estabelecidos na Comunidade e concorrem entre si em matéria de preços para obterem encomendas desses clientes, há concorrência no mercado comum.

Assim, quando esses produtores se concertam sobre os preços que proporcionarão aos seus clientes estabelecidos na Comunidade e põem em prática essa concertação, vendendo a preços efectivamente coordenados, participam numa concertação que tem por objectivo e por efeito restringir a concorrência no mercado comum, na acepção do artigo 85.° do Tratado.

A competência da Comunidade para aplicar as suas regras de concorrência em relação a tais comportamentos está coberta pelo princípio da territorialidade, que é universalmente reconhecido em direito internacional público. Com efeito, em matéria de repressão de acordos, decisões de associações de empresas e práticas concertadas, o que é determinante é o lugar da respectiva execução, e não o da sua celebração. Pouco importa que os produtores tenham, ou não, recorrido a filiais, agentes,

subagentes ou sucursais estabelecidos na Comunidade com vista a estabelecer contactos entre eles e os compradores que nela estão estabelecidos.

2. Na ausência de qualquer contradição entre o comportamento ordenado a empresas de um Estado terceiro, que operam no mercado comum, pelas regras de concorrência comunitárias, por um lado, e pela legislação do referido Estado terceiro que autoriza cartéis de exportação sem impor a sua formação, por outro lado, não existe, à luz do direito internacional público, conflito de competências estatais, cuja solução resida na aplicação de um princípio de não intervenção.

3. As disposições dos artigos 23.° e 27.° do Acordo de Comércio Livre entre a Comunidade e a Finlândia não excluem a aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE.

Partes


Nos processos apensos "pasta de madeira",

89/85,

1) A. Ahlstroem Osakeyhtioe, de Helsínquia,

2) Joutseno-Pulp Osakeyhtioe, de Joutseno,

3) Kymmene Oy, de Helsínquia, na qualidade de sucessora de Oy Kaukas AB, de Lappeenranta,

4) Kemi Oy, de Kemi,

5) Oy Metsae-Botnia AB, de Kaskinen,

6) Metsaeliiton Teollisuus Oy, de Espoo,

7) Veitsuluoto Oy, na qualidade de sucessora de Oulu Oy, de Oulu,

8) Oy Wilh. Schaumann AB, de Helsínquia,

9) Sunilà Osakeyhtioe, de Sunila,

10) Veitsiluoto Oy, de Kemi,

11) Finncell, de Helsínquia,

12) Enso-Gutzeit Oy, de Helsínquia,

todas empresas finlandesas, representadas por A. von Winterfeld, advogado em Colónia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado E. Arendt, 4, avenue Marie-Thérèse,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelos seus consultores jurídicos A. McClellan e G. zur Hausen e por P. J. Kuyper, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos pelo advogado S. Boese, do Belmont European Community Law Office, de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, também membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

104/85,

Bowater Incorporated, de Darien (Connecticut, Estados Unidos) representada por D. Vaughan, QC, e D. F. Hall, Solicitor, de Linklaters & Paines, de Londres, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de advogados Elvinger & Hoss, 15, Côte d' Eich,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan e por B. Clarke-Smith e P. J. Kuyper, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por N. Forwood, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, também membro do seu Serviço Jurídico, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

114/85,

The Pulp, Paper and Papaerboard Export Association, Bethlehem, Pensilvânia, Estados Unidos, que agrupa as empresas americanas:

- The Chesapeake Corporation,

- Crown Zellerbach Corporation,

- Federal Paper Board Company, Inc.,

- Georgia-pacific Corporation,

- The Mead Corporation,

- Scott Paper Company e

- Weyerhaeuser Company,

representada pelos advogados M. Waelbroeck e A. Vandencasteele, de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete do advogado E. Arendt, 4, avenue Marie-Térèse,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan e por B. Clarke-Smith e P. J. Kuyper, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por N. Forwood, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, também membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

apoiada pelo

Governo do Reino Unido, representado por T. J. G. Pratt, Principal Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por Sir Nicholas Lyell, QC, MP (the Solicitor General) e pelo Prof. R. Higgins, QC,

interveniente,

116/85,

St Anne-Nackawic Pulp and Paper Company Ltd, de Nackawic (N. B., Canadá), representada por D. Voillemot, avocat à la cour d' appel de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado J. Loesch, 8, rue Zithe,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan e por B. Clarke-Smith e P. J. Kuyper, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por N. Forwood, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, também membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

117/85,

International Pulp Sales Company, de Nova Iorque, representada pelos advogados I. Van Bael e J. F. Bellis, de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de advogados Elvinger & Hoss, 15, Côte d' Eich,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan e por B. Clarke-Smith e P. J. Kuyper, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por N. Forwood, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, também membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

125/85,

Westar Timber Ltd, Canada, representada por C. Stanbrook (advogado em Londres), de Stanbrook & Hooper, Bruxelas, e por M. Siragusa (advogado em Roma), de Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, rue de la Loi, 23, Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de advogados Elvinger & Hoss, 15, Côte d' Eich,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan e por K. Banks e P. J. Kuyper, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por N. Forwood, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, também membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

apoiada pelo

Governo do Reino Unido, representado por T. J. G. Pratt, Principal Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por Sir Nicholas Lyell, QC, M.P. (the Solicitor General) e pelo professor R. Higgins, QC,

interveniente,

126/85,

Weldwood of Canada Ltd, Canada, representada por Christopher Prout, Middle Temple, barrister-at-law, e Alice Robinson, Gray' s Inn, barrister-at-law, com substabelecimento de J. M. Cochran III, de Wilkie Farr & Gallagher, Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de advogados Elvinger & Hoss, 15, Côte d' Eich,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan e por P. J. Kuyper e K. Banks, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por N. Forwood, Barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

apoiada pelo

Governo do Reino Unido, representado por T.J.G. Pratt, Principal Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por Sir Nicholas Lyell, QC, MP (the Solicitor General) e pelo professor R. Higgins, QC,

interveniente,

127/85,

MacMillan Bloedel Ltd, Canada, representada por C. Stanbrook (advogado em Londres), de Stanbrook & Hooper, Bruxelas, por P. Sambuc, de Boden, Oppenhoff & Schneider, e pela sociedade de advogados Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de advogados Elvinger & Hoss, 15, Côte d' Eich,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan e por P. J. Kuyper e K. Banks, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por N. Forwood, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, também membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

apoiada pelo

Governo do Reino Unido, representado por T. J. G. Pratt, Principal Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por Sir Nicholas Lyell, QC, MP (the Solicitor General) e pelo professor R. Higgins, QC,

interveniente,

128/85,

Canadian Forest Products Ltd, Canada, representada por C. Stanbrook (advogado em Londres), de Stanbrook & Hooper, Bruxelas, e por M. Siragusa (advogado em Roma), de Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de advogados Elvinger & Hoss, 15, Côte d' Eich,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan e por P. J. Kuyper e K. Banks, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por N. Forwood, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, também membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

apoiada pelo

Governo do Reino Unido, representado por T. J. G. Pratt, Principal Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por Sir Nicholas Lyell, QC, MP (the Solicitor General) e pelo professor R. Higgins, QC,

interveniente,

129/85,

British Columbia Forest Products Ltd, Canada, representada por C. Stanbrook (advogado em Londres), de Stanbrook & Hooper, Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de advogados Elvinger & Hoss, 15, Côte d' Eich,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan e por P. J. Kuyper e K. Banks, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por N. Forwood, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de G. Kremlis, também membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

apoiada pelo

Governo do Reino Unido, representado por T. J. G. Pratt, Principal Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por Sir Nicholas Lyell, QC, MP (the Solicitor General) e pelo professor R. Higgins, QC,

interveniente,

que têm por objecto a anulação da decisão da Comissão de 19 de Dezembro de 1984, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV.29.725 - Pasta de madeira) (JO 1985, L 85, p. 1),

O TRIBUNAL

constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, G. Bosco, O. Due, J. C. Moitinho de Almeida e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, T. Koopmans, U. Everling, K. Bahlmann, Y. Galmot, C. Kakouris, R. Joliet, T. F. O' Higgins e F. Schockweiler, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 12 de Janeiro de 1988,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 25 de Maio de 1988,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal entre 4 e 30 de Abril de 1985, vários produtores de pasta de madeira e duas das suas associações, todos com sede fora da Comunidade, interpuseram, ao abrigo do segundo parágrafo do artigo 173.° do Tratado CEE, recursos de anulação da Decisão IV/29.725, de 19 de Dezembro de 1984 (JO 1985, L 85, p. 1), pela qual a Comissão declarou que tinham cometido várias infracções ao artigo 85.° do Tratado, aplicando-lhes multas.

2 Essas infracções teriam consistido numa concertação entre os produtores em causa sobre os preços anunciados trimestralmente aos clientes estabelecidos na Comunidade e sobre os preços de transacção praticados efectivamente em relação a eles (n.os 1 e 2 do artigo 1.° da decisão), em recomendações de preços dirigidas aos seus membros pela Pulp Paper and Paperboard Export Association of the United States (a seguir designada por "KEA", iniciais da anterior denominação Kraft Export Association), que agrupa um certo número de produtores estabelecidos nos Estados Unidos (n.° 3 do artigo 1.°), e, no caso da Finncell, organização comum de venda de uma dezena de produtores estabelecidos na Finlândia, na troca de informações individualizadas com certos outros produtores de pasta relativas aos preços no âmbito do Centro de Pesquisa e Informação da Indústria Europeia da Pasta e do Papel cuja gestão é assegurada pela sociedade fiduciária suíça Fides (n.° 4 do artigo 1.°).

3 A Comissão indicou no n.° 79 da decisão impugnada os motivos que justificam, em sua opinião, a competência da Comunidade para aplicar o artigo 85.° do Tratado à concertação em causa. Salientou, em primeiro lugar, que todas as empresas destinatárias da decisão exportavam directamente para compradores estabelecidos na Comunidade ou praticavam o seu comércio no interior da Comunidade por intermédio de filiais, sucursais, agentes ou outros estabelecimentos nela sediados. Sublinhou, em seguida, que as vendas efectuadas por estas empresas para a Comunidade ou dentro desta tinham sido, na sua

grande maioria, objecto da concertação em causa. Assinalou, por fim, que essa concertação tinha afectado dois terços dos fornecimentos e 60% do consumo do produto em causa na Comunidade. A Comissão concluiu daí que: "Os efeitos dos acordos e práticas sobre os preços anunciados e/ou facturados aos clientes e sobre as revendas de pasta na Comunidade foram, não somente substanciais, mas ainda intencionais, e foram a consequência primeira e directa dos acordos e práticas."

4 No que toca especialmente às empresas estabelecidas na Finlândia e à sua associação Finncell, a Comissão precisou no n.° 80 da decisão que o Acordo de Comércio Livre entre a Comunidade e a Finlândia (JO 1973, L 328, p. 1; EE 11 F4 p. 151) não contém "qualquer disposição que a impeça de aplicar imediatamente o artigo 85.° do Tratado quando o comércio entre Estados-membros seja afectado".

5 Várias recorrentes alegaram fundamentos relativos à competência da Comunidade para lhes aplicar as suas regras de concorrência. Em 8 de Julho de 1987, o Tribunal decidiu, numa primeira fase, ouvir as partes quanto a estes fundamentos. Por despacho de 16 de Dezembro de 1987, o Tribunal decidiu apensar os processos para efeitos da audiência e do acórdão.

6 Todas as recorrentes que invocaram fundamentos relativos à competência alegam em primeiro lugar que a Comissão, ao aplicar-lhes as regras de concorrência do Tratado, fez uma apreciação errada do âmbito de aplicação territorial do artigo 85.° Lembram, a este propósito, que o Tribunal, no seu acórdão

de 14 de Julho de 1972 (ICI/Comissão, 48/69, Recueil, p. 619), não aderiu à teoria dos efeitos e pôs em evidência o facto de ter havido um comportamento restritivo da concorrência no interior do mercado comum devido à actividade de filiais susceptível de ser imputada às sociedades-mãe. Acrescentam que, mesmo admitindo que a aplicação do artigo 85.° em relação a elas encontrasse fundamento no direito comunitário, o acto de aplicação da regra assim interpretada seria contrário ao direito internacional público, dado que este se opõe a que a Comunidade pretenda regular comportamentos restritivos da concorrência adoptados fora do seu território em virtude apenas das repercussões económicas que nele provocaram.

7 As recorrentes membros da KEA alegam, por outro lado, que tal aplicação é contrária ao direito internacional público, na medida em que viola o princípio da não intervenção. Afirmam que, no caso em apreço, a aplicação do artigo 85.° prejudicou o interesse que têm os Estados Unidos em promover as actividades de exportação das suas empresas, interesse consagrado na lei Webb-Pomerene de 1918, em virtude da qual as associações de exportação, como a KEA, escapam à aplicação das leis antitrust americanas.

8 Algumas recorrentes canadianas alegaram igualmente que, ao aplicar-lhes multas e ao subordinar a redução destas à tomada de compromissos relativos ao seu comportamento futuro, a

Comunidade atentou contra a soberania do Canadá, ignorando assim as regras da cortesia internacional (comitas gentium).

9 As recorrentes finlandesas entendem que, de qualquer forma, só as regras de concorrência contidas no acordo de comércio livre entre a Comunidade e a Finlândia podem ser aplicadas ao seu comportamento, excluindo a aplicação do artigo 85.° do Tratado, pelo que a Comunidade devia ter consultado a Finlândia quanto às medidas que pretendia tomar em relação à concertação em causa, em conformidade com o processo previsto no artigo 27.° desse acordo.

10 Para mais ampla exposição dos factos do processo, da sua tramitação e dos argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos dos autos apenas serão adiante retomados na medida do necessário à fundamentação do Tribunal.

Quanto à apreciação errada do âmbito de aplicação territorial do artigo 85.° do Tratado e quanto à incompatibilidade da decisão com o direito internacional público

a) Quanto às empresas individualmente consideradas

11 Quanto ao fundamento extraído da violação do artigo 85.° do próprio Tratado, convirá lembrar que, por força dessa disposição, são proibidos todos os acordos ou práticas concertadas entre empresas, susceptíveis de afectar o comércio

entre Estados-membros e que tenham por objectivo ou por efeito restringir a concorrência no mercado comum.

12 Convirá salientar, em seguida, que as principais fontes de abastecimento em pasta de madeira estão situadas fora da Comunidade, a saber, no Canadá, nos Estados Unidos, na Suécia e na Finlândia, e que o mercado tem, por conseguinte, uma dimensão mundial. Quando produtores de pasta estabelecidos nestes países efectuam vendas directamente a compradores estabelecidos na Comunidade e quando concorrem entre si em matéria de preços para obterem encomendas desses clientes, há concorrência no mercado comum.

13 Assim, quando esses produtores se concertam sobre os preços que proporcionarão aos seus clientes estabelecidos na Comunidade e põem em prática essa concertação vendendo a preços efectivamente coordenados, participam numa concertação que tem por objectivo e por efeito restringir a concorrência no mercado comum, na acepção do artigo 85.° do Tratado.

14 Nestas condições, há que concluir que a Comissão, ao aplicar, nas circunstâncias do caso em apreço, as regras de concorrência do Tratado em relação a empresas com sede fora da Comunidade, não fez uma apreciação errada do âmbito de aplicação territorial do artigo 85.°

15 Em apoio do fundamento extraído da incompatibilidade da decisão com o direito internacional público, as recorrentes alegaram que a aplicação das regras de concorrência ao caso em apreço foi baseada apenas nas repercussões económicas, no mercado comum, de comportamentos restritivos da concorrência adoptados fora da Comunidade.

16 Convém sublinhar, a este propósito, que uma infracção ao artigo 85.°, como é o caso da celebração de um acordo que tenha por efeito restringir a concorrência no mercado comum, implica dois elementos de comportamento: a formação do acordo e a respectiva execução. Fazer depender a aplicabilidade das proibições estabelecidas pelo direito da concorrência do lugar da formação do acordo redundaria evidentemente em fornecer às empresas um meio fácil para se subtraírem às referidas proibições. O que é determinante, por isso, é o lugar da execução do acordo.

17 No caso em apreço, foi no interior do mercado comum que os produtores puseram em prática o seu acordo em matéria de preços. Neste contexto, pouco importa que tenham, ou não, recorrido a filiais, agentes, subagentes ou sucursais estabelecidos na Comunidade com vista a estabelecer contactos entre eles e os compradores que nela estão estabelecidos.

18 Nestas condições, a competência da Comunidade para aplicar as suas regras de concorrência em relação a tais comportamentos está coberta pelo princípio da territorialidade, que é universalmente reconhecido em direito internacional público.

19 No que toca ao argumento extraído da violação do princípio da não intervenção, convém esclarecer que as recorrentes membros da KEA se referem a uma regra segundo a qual, quando dois Estados tenham ambos competência para publicar e executar normas e quando as suas normas redundem em impor a uma pessoa ordens contraditórias quanto ao comportamento que deve adoptar, cada um dos estados seria obrigado a exercer a sua competência com moderação. As recorrentes concluíram daí que, ao aplicar o seu direito da concorrência com desprezo por esta norma, a Comunidade atentou contra o princípio da não intervenção.

20 Sem que seja necessário tomar posição quanto à existência de semelhante regra em direito internacional, bastará reconhecer que as condições da sua aplicação, em qualquer caso, não estão preenchidas. Com efeito, não há, no caso em apreço, contradição entre o comportamento prescrito pelos Estados Unidos e o prescrito pela Comunidade, dado que a lei Webb-Pomerene se limita a excluir a aplicação das leis antitrust americanas em relação à formação de cartéis de exportação, sem impor a celebração de tais acordos.

21 Aliás, convém sublinhar que as autoridades dos Estados Unidos não levantaram objecções com base no eventual conflito de competência, quando foram consultadas pela Comissão em conformidade com a recomendação do Conselho da OCDE, de 25 de Outubro de 1979 (Actos da Organização, volume 19, p. 376), relativa à cooperação dos Estados-membros em caso de práticas comerciais restritivas que afectem as trocas internacionais.

22 No que toca ao argumento extraído da inobservância das regras da cortesia internacional (comitas gentium), basta salientar que esse argumento se traduz em pôr em causa a competência da Comunidade para aplicar as suas regras de concorrência a comportamentos como os que foram reconhecidos no caso em apreço e que, como tal, esse argumento foi já rejeitado.

23 Nestas condições, há que concluir que a decisão da Comissão não é contrária, quer ao artigo 85.° do Tratado, quer às regras de direito internacional público invocadas pelas recorrentes.

b) Quanto à associação KEA

24 Resulta dos estatutos da KEA que esta é uma associação sem fins lucrativos que tem por objecto promover os interesses comerciais dos seus membros quando estes exportem os seus produtos e que serve essencialmente de centro de troca de informações para os seus membros relativamente aos respectivos mercados de exportação. A KEA não prossegue ela própria actividades de produção, de venda ou de distribuição.

25 Há que esclarecer em seguida que foram constituídos no seio da KEA vários grupos, entre os quais o grupo "pasta de madeira", para cobrir os diferentes sectores da indústria da pasta e do papel. Por força do artigo 1.° do regulamento interno da KEA, as empresas só podem aderir a esta associação tornando-se membros de um dos grupos que a constituem. Resulta do artigo 2.° do mesmo regulamento que esses grupos podem desenvolver a sua actividade com total independência.

26 Convém salientar por fim que, segundo uma declaração de princípio adoptada pelo grupo "pasta de madeira", à qual a decisão faz referência no n.° 32, os membros do grupo podem celebrar acordos de preços nas suas reuniões periódicas, na condição de cada membro ser informado antecipadamente de que terá lugar uma discussão sobre os preços e de haver "quorum" na reunião em causa. O acordo unânime dos membros presentes vincula igualmente os membros ausentes aquando da tomada de decisão.

27 Resulta do que precede que as recomendações de preços da KEA não podem ser distinguidas dos acordos de preços celebrados pelas empresas membros do grupo "pasta de madeira" e que a KEA não desempenhou um papel próprio na execução desses acordos.

28 Nestas condições, deve ser anulada a decisão, na parte que diz respeito à KEA.

Quanto à aplicação, exclusiva ou não, das regras de concorrência contidas no acordo de comércio livre entre a Comunidade e a Finlândia

29 Há que verificar se, como pretendem as recorrentes, as disposições contidas nos artigos 23.° e 27.° do acordo de comércio livre têm por efeito excluir a aplicação do artigo 85.° do Tratado nas relações entre a Comunidade e a Finlândia.

30 A este propósito, convém lembrar em primeiro lugar que, de acordo com o n.° 1 do artigo 23.° do acordo de comércio livre, são especialmente incompatíveis com o bom funcionamento do acordo, na medida em que possam afectar as trocas entre a Comunidade e a Finlândia, todos os acordos, decisões de associações de empresas e práticas concertadas que tenham por objectivo ou efeito restringir a concorrência. Por força do n.° 2 do artigo 23.°, se uma parte contratante considerar que uma dada prática é incompatível com a disposição já referida, pode tomar as medidas adequadas, nas condições e de acordo com os procedimentos previstos no artigo 27.° No âmbito desse processo, consulta a outra parte contratante no seio dum comité misto, com vista a chegar a um acordo sobre as medidas que tem em vista para pôr fim às práticas contestadas. Na falta de acordo, a parte interessada pode adoptar medidas de protecção.

31 Importa observar em seguida que as disposições dos artigos 23.° e 27.° do acordo de comércio livre pressupõem que as partes contratantes disponham de normas que lhes permitam aplicar sanções aos acordos, decisões de associações de empresas e práticas concertadas que considerem incompatíveis

com o acordo. No que toca à Comunidade, essas normas não podem deixar de ser os artigos 85.° e 86.° do Tratado. O acordo de comércio livre não exclui, por isso, a sua aplicação.

32 Finalmente, convém salientar que, no caso em apreço, a Comunidade aplicou as suas regras de concorrência em relação às recorrentes finlandesas, não porque estas se tenham concertado entre si, mas antes porque participaram numa concertação mais vasta com empresas americanas, canadianas e suecas, que restringiu a concorrência na Comunidade. Por isso, as trocas com a Finlândia não eram as únicas a ser afectadas. Em semelhante situação, a intervenção do comité misto não poderia conduzir à adopção de medidas adequadas.

33 Assim, deve ser rejeitado o fundamento extraído da aplicação exclusiva das regras de concorrência contidas no acordo de comércio livre entre a Comunidade e a Finlândia.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

antes de conhecer dos restantes fundamentos invocados pelas recorrentes, decide:

1) Rejeitar o fundamento baseado na errada apreciação do âmbito de aplicação territorial do artigo 85.° do Tratado e na incompatibilidade da Decisão IV/29.725

da Comissão, de 19 de Dezembro de 1984, com o direito internacional público.

2) Anular a Decisão IV/29.725 da Comissão, de 19 de Dezembro de 1984, na parte respeitante à Pulp Paper and Paperboard Export Association of the United States.

3) Rejeitar o fundamento baseado na aplicação exclusiva das regras de concorrência contidas no Acordo de Comércio Livre entre a Comunidade e a Finlândia.

4) Deferir o processo à Quinta Secção, para exame dos restantes fundamentos.

5) Reservar para final a decisão sobre as despesas.

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