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Document 62010TJ0202

Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção alargada) de 15 de novembro de 2018.
Stichting Woonlinie e o. contra Comissão Europeia.
Auxílios de Estado — Habitação social — Regime de auxílios concedidos a sociedades de habitação social — Auxílios existentes — Compromissos do Estado‑Membro — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 — Serviço de interesse económico geral — Artigo 106.o, n.o 2, TFUE — Definição da missão de serviço público.
Processo T-202/10 RENV II.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2018:795

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

15 de novembro de 2018 ( *1 )

«Auxílios de Estado — Habitação social — Regime de auxílios concedidos a sociedades de habitação social — Auxílios existentes — Compromissos do Estado‑Membro — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 — Serviço de interesse económico geral — Artigo 106.o, n.o 2, TFUE — Definição da missão de serviço público»

Nos processos apensos T‑202/10 RENV II e T‑203/10 RENV II,

Stichting Woonlinie, com sede em Woudrichem (Países Baixos),

Woningstichting Volksbelang, com sede em Wijk bij Duurstede (Países Baixos),

Stichting Woonstede, com sede em Ede (Países Baixos),

representadas por L. Hancher, E. Besselink, J. de Kok, Y. de Vries e F. Van Orden, advogados,

recorrentes no processo T‑202/10 RENV II,

Stichting Woonpunt, com sede em Maastricht (Países Baixos),

Woningstichting Haag Wonen, com sede em Haia (Países Baixos),

Stichting Woonbedrijf SWS.Hhvl, com sede em Eindhoven (Países Baixos),

representadas por L. Hancher, E. Besselink, J. de Kok, Y. de Vries e F. Van Orden, advogados,

recorrentes no processo T‑203/10 RENV II,

apoiadas por:

Reino da Bélgica, representado por J.‑C. Halleux e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por S. Noë e P.‑J. Loewenthal, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Vereniging van Institutionele Beleggers in Vastgoed, Nederland (IVBN), com sede em Voorburg (Países Baixos), representada por M. Meulenbelt e B. Natens, advogados,

interveniente,

que têm por objeto um pedido nos termos do artigo 263.o TFUE e destinado a obter a anulação parcial da Decisão C (2009) 9963 final da Comissão, de 15 de dezembro de 2009, relativa aos auxílios de Estado E 2/2005 e N 642/2009 — Países Baixos — Auxílio existente e auxílio especial por projeto a sociedades promotoras de habitação social,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada),

composto por: A. M. Collins, presidente, M. Kancheva e G. De Baere (relator), juízes,

secretário: G. Predonzani, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de junho de 2018,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

As recorrentes, Stichting Woonlinie, Woningstichting Volksbelang, Stichting Woonstede, Stichting Woonpunt, Woningstichting Haag Wonen e Stichting Woonbedrijf SWS.Hhvl, são sociedades de habitação com sede nos Países Baixos (woningcorporaties, a seguir «sociedades de habitação»). As sociedades de habitação são organismos sem fins lucrativos que têm por missão proceder à aquisição, construção e arrendamento de habitações destinadas essencialmente a pessoas e a grupos socialmente desfavorecidos. As sociedades de habitação exercem igualmente outras atividades, como a construção e arrendamento de apartamentos com rendas mais elevadas, a construção de apartamentos para venda, a construção e arrendamento de imóveis de interesse geral, bem como a construção e arrendamento de estabelecimentos comerciais.

2

Em 1 de março de 2002, em aplicação do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), as autoridades neerlandesas notificaram à Comissão Europeia o sistema geral de auxílios de Estado concedidos às sociedades de habitação. Dado que a Comissão considerou que as medidas de financiamento das sociedades de habitação podiam ser qualificadas de auxílios existentes, as autoridades neerlandesas retiraram a sua notificação.

3

Em 14 de julho de 2005, a Comissão enviou às autoridades neerlandesas um ofício nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 659/1999, que qualificava o sistema geral de auxílios de Estado atribuídos a sociedades de habitação de auxílios existentes (auxílio E 2/2005) e manifestava dúvidas sobre a sua compatibilidade com o mercado interno (a seguir «ofício artigo 17.o»).

4

Na sequência do envio do ofício artigo 17.o, a Comissão e as autoridades neerlandesas iniciaram o procedimento de cooperação nos termos do artigo 108.o, n.o 1, TFUE a fim de tornar o regime de auxílios conforme ao artigo 106.o, n.o 2, TFUE. No âmbito dessa cooperação, em resposta ao ofício artigo 17.o, o Governo neerlandês enviou designadamente à Comissão um ofício em 6 de setembro de 2005.

5

Em 16 de abril de 2007, a Vereniging van Institutionele Beleggers in Vastgoed, Nederland (IVBN) (associação dos investidores imobiliários institucionais dos Países Baixos) apresentou uma denúncia à Comissão relativa aos auxílios atribuídos às sociedades de habitação. Em junho de 2009, o Vesteda Groep BV associou‑se a essa denúncia.

6

Por ofício de 3 de dezembro de 2009, as autoridades neerlandesas propuseram à Comissão compromissos destinados a alterar o sistema geral de auxílios de Estado a favor das sociedades de habitação.

7

Em 15 de dezembro de 2009, a Comissão adotou a Decisão C(2009) 9963 final da Comissão, de 15 de dezembro de 2009, relativa aos auxílios de Estado E 2/2005 e N 642/2009 — Países Baixos — Auxílio existente e auxílio especial por projeto a sociedades promotoras de habitação social (a seguir «decisão controvertida»).

8

Em primeiro lugar, no que respeita ao regime de auxílios existente objeto do processo E 2/2005, as medidas incluídas no sistema geral dos auxílios de Estado concedidos pelos Países Baixos às sociedades de habitação são as seguintes:

a)

garantias do Estado para empréstimos concedidos pelo Fundo de Garantia para a construção de habitações sociais;

b)

auxílios do Fundo Central de Habitação, auxílios por projeto ou auxílios à racionalização sob a forma de empréstimos a juros bonificados ou de subvenções diretas;

c)

venda pelos municípios de terrenos a preços inferiores aos preços de mercado;

d)

direito de contrair empréstimos junto do Bank Nederlandse Gemeenten.

9

Na decisão controvertida, a Comissão qualificou todas estas medidas de auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e considerou que o sistema neerlandês de financiamento da habitação social constituía um auxílio existente, tendo este sido criado antes da entrada em vigor do Tratado CE nos Países Baixos e não tendo as reformas posteriores implicado a sua alteração substancial.

10

A Comissão examinou a compatibilidade do auxílio E 2/2005 relativo ao sistema de financiamento das sociedades de habitação conforme alterado na sequência dos compromissos assumidos pelas autoridades neerlandesas. Concluiu, no considerando 72 da decisão controvertida, que os auxílios à habitação social, isto é, relativos à construção e ao arrendamento de habitações destinadas a particulares, incluindo a construção e a manutenção de infraestruturas de apoio, disponibilizadas nas condições previstas por aqueles compromissos, eram compatíveis com o artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Em consequência, a Comissão aceitou os compromissos assumidos pelas autoridades neerlandesas.

11

Em segundo lugar, no que respeita ao auxílio N 642/2009, em 18 de novembro de 2009, as autoridades neerlandesas notificaram um regime de auxílios novo para a renovação dos bairros urbanos em declínio, qualificado de «auxílio especial por projeto destinado a certos distritos», do qual são beneficiárias as sociedades de habitação que intervêm nos bairros selecionados. Esse novo regime devia ser aplicado nas mesmas condições que as previstas para as medidas abrangidas pelo regime de auxílios existente, conforme alterado na sequência dos compromissos assumidos pelas autoridades neerlandesas. A Comissão considerou que o auxílio N 642/2009 era compatível com o mercado interno e decidiu não levantar objeções relativamente às novas medidas notificadas.

12

Em 30 de agosto de 2010, a Comissão adotou a Decisão C(2010) 5841 final, relativa ao auxílio de Estado E 2/2005, que altera os n.os 22 a 24 da decisão controvertida. Nesta decisão modificativa, a Comissão considerou que, com base nos elementos de prova disponíveis, não podia concluir que a medida d) prevista na decisão controvertida, ou seja, o direito de contrair empréstimos junto do Bank Nederlandse Gemeenten, preenchia todos os requisitos de um auxílio de Estado.

Tramitação processual no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça

13

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de abril de 2010, a Stichting Woonlinie, a Woningstichting Volksbelang e a Stichting Woonstede interpuseram um recurso, registado com o número T‑202/10.

14

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de abril de 2010, a Stichting Woonpunt, a Woningstichting Haag Wonen e a Stichting Woonbedrijf SWS.Hhvl interpuseram um recurso, registado com o número T‑203/10.

15

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de agosto de 2010, a IVBN requereu a sua intervenção em apoio da Comissão nos dois processos.

16

No processo T‑203/10, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de setembro de 2010, as recorrentes pediram o tratamento confidencial dos anexos A.10 e A.16 da petição relativamente à IVBN, no caso de esta ser admitida como interveniente.

17

No processo T‑202/10, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de setembro de 2010, as recorrentes pediram o tratamento confidencial do anexo A.9 da petição relativamente à IVBN, no caso de esta ser admitida como interveniente.

18

Por Despacho de 16 de dezembro de 2011, Stichting Woonlinie e o./Comissão (T‑202/10, não publicado, EU:T:2011:765), o Tribunal Geral julgou inadmissível o recurso destinado a obter a anulação parcial da decisão controvertida, na medida em que a referida decisão respeitava ao regime de auxílios E 2/2005. Por Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão (C‑133/12 P, EU:C:2014:105), o Tribunal de Justiça anulou o referido despacho.

19

Por Despacho de 16 de dezembro de 2011, Stichting Woonpunt e o./Comissão (T‑203/10, não publicado, EU:T:2011:766), o Tribunal Geral julgou inadmissível o recurso destinado a obter a anulação da decisão controvertida. Por Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100), o Tribunal de Justiça anulou parcialmente o referido despacho, na parte em que declarou inadmissível o recurso de anulação da decisão controvertida, na medida em que a referida decisão dizia respeito ao regime de auxílio E 2/2005, e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

20

Nos Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100); e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão (C‑133/12 P, EU:C:2014:105), o Tribunal de Justiça decidiu que os recursos interpostos pelas recorrentes contra a decisão controvertida, na parte em que esta decisão se referia ao regime de auxílio E 2/2005, eram admissíveis e remeteu os processos ao Tribunal Geral para este conhecer do mérito dos recursos. Por último, o Tribunal de Justiça reservou para final a decisão quanto às despesas.

21

Os processos T‑202/10 RENV e T‑203/10 RENV foram distribuídos à Sétima Secção do Tribunal Geral.

22

Em conformidade com o artigo 119.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, em ambos os processos, a Comissão e as recorrentes apresentaram observações escritas em 27 de março e 11 de abril de 2014, respetivamente.

23

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de abril de 2014, o Reino da Bélgica requereu a sua intervenção em apoio das recorrentes nos processos T‑202/10 RENV e T‑203/10 RENV. Por Despachos do presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral de 2 de setembro de 2014, foi admitida a intervenção do Reino da Bélgica, em ambos os processos, em apoio dos pedidos das recorrentes, tendo o mesmo sido autorizado a apresentar observações na fase oral, nos termos do artigo 116.o, n.o 6, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991.

24

Por despachos de 2 de setembro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (T‑203/10 RENV, não publicado, EU:T:2014:792), e de 2 de setembro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão (T‑202/10 RENV, não publicado, EU:T:2014:793), foi admitida a intervenção da IVBN em ambos os processos, em apoio dos pedidos da Comissão. Dado que a interveniente não levantou objeções aos pedidos de tratamento confidencial, foi‑lhe notificada uma versão não confidencial das petições.

25

Por ofícios apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de outubro de 2014, a IVBN informou o Tribunal Geral de que renunciava à apresentação das suas alegações de intervenção nos processos T‑202/10 RENV e T‑203/10 RENV.

26

Por Despachos de 12 de maio de 2015, Stichting Woonpunt e o./Comissão (T‑203/10 RENV, não publicado, EU:T:2015:286), e de 12 de maio de 2015, Stichting Woonlinie e o./Comissão (T‑202/10 RENV, não publicado, EU:T:2015:287), o Tribunal Geral negou provimento aos recursos por serem manifestamente desprovidos de fundamento. Estes despachos foram anulados por Acórdãos de 15 de março de 2017, Stichting Woonlinie e o./Comissão (C‑415/15 P, EU:C:2017:216); e de 15 de março de 2017, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑414/15 P, EU:C:2017:215), respetivamente, pelos quais o Tribunal de Justiça remeteu igualmente o processo ao Tribunal Geral e reservou para final a decisão quanto às despesas.

27

Os processos T‑202/10 RENV II e T‑203/10 RENV II foram distribuídos à Quinta Secção do Tribunal Geral.

28

Em conformidade com o artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a Comissão e as recorrentes apresentaram observações escritas sobre o seguimento do processo em 22 e 24 de maio de 2017, respetivamente. As recorrentes requereram igualmente autorização para apresentar um articulado complementar de observações escritas, nos termos do artigo 217.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

29

Em ambos os processos, em 26 de julho de 2017, as recorrentes apresentaram na Secretaria do Tribunal Geral um articulado complementar de observações escritas, tendo a Comissão e a IVBN apresentado as suas observações sobre o referido articulado complementar em 22 de setembro de 2017.

30

Por decisão do presidente do Tribunal Geral, os presentes processos foram distribuídos a um novo juiz‑relator, pertencente à Oitava Secção.

31

Sob proposta da Oitava Secção do Tribunal Geral, este decidiu, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo para uma formação de julgamento alargada.

32

Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Oitava Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo.

33

Por decisão do presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral de 2 de maio de 2018, ouvidas as partes, os processos T‑202/10 RENV II e T‑203/10 RENV II foram apensados para efeitos da fase oral e da decisão que põe termo à instância, em conformidade com o artigo 68.o do Regulamento de Processo.

34

Na audiência de 20 de junho de 2018, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

Pedidos das partes

35

As recorrentes, apoiadas pelo Reino da Bélgica, concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a decisão recorrida;

condenar a Comissão nas despesas.

36

A Comissão e a IVBN concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar as recorrentes nas despesas.

Questão de direito

37

A título preliminar, importa salientar que, no seu Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100), o Tribunal de Justiça confirmou o Despacho de 16 de dezembro de 2011, Stichting Woonpunt e o./Comissão (T‑203/10, não publicado, EU:T:2011:766), na medida em que este declarou inadmissível o recurso de anulação interposto contra a decisão controvertida, na parte em que essa decisão dizia respeito ao auxílio N 642/2009. Por conseguinte, o Despacho de 16 de dezembro de 2011, Stichting Woonpunt e o./Comissão (T‑203/10, não publicado, EU:T:2011:766), tornou‑se definitivo quanto a esse aspeto. Consequentemente, já não há que conhecer dos fundamentos invocados pelas recorrentes destinados a obter a anulação da decisão controvertida na parte em que esta diz respeito ao auxílio N 642/2009.

38

Cumpre igualmente salientar que, nos seus Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100); e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão (C‑133/12 P, EU:C:2014:105), o Tribunal de Justiça decidiu que os recursos interpostos pelas recorrentes eram admissíveis na medida em que tinham por objeto a anulação da decisão controvertida na parte em que essa decisão se referia ao regime de auxílios E 2/2005, e remeteu os processos ao Tribunal Geral para que conheça do mérito. Por conseguinte, já não há que conhecer dos argumentos das partes relativos à admissibilidade dos pedidos de anulação da decisão controvertida na parte em que se referem ao regime de auxílios E 2/2005.

39

Em apoio dos seus recursos destinados a obter a anulação da decisão controvertida na parte em que se refere ao regime de auxílios E 2/2005, as recorrentes invocam oito fundamentos. O primeiro fundamento é relativo ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito ao qualificar todas as medidas de medidas que faziam parte de um regime de auxílios. O segundo fundamento é relativo ao facto de a decisão controvertida se basear numa apreciação incompleta e manifestamente inexata da legislação nacional pertinente e dos factos. O terceiro fundamento é relativo ao facto de a Comissão ter efetuado uma avaliação incorreta e negligente ao concluir que o arrendamento de habitações sociais a pessoas com «rendimentos relativamente elevados» fazia parte da missão de serviço público confiada às sociedades de habitação social. O quarto fundamento é relativo ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito e excedido as suas competências ao exigir das autoridades neerlandesas uma nova definição da «habitação social». O quinto fundamento é relativo ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito ao não efetuar uma distinção entre a definição de serviço de interesse económico geral (SIEG) e o seu modo de financiamento. O sexto fundamento é relativo ao facto de a Comissão, ao exigir uma definição específica do SIEG, ter interpretado erradamente a Decisão 2005/842/CE da Comissão, de 28 de novembro de 2005, relativa à aplicação do artigo [106.o, n.o 2, TFUE] aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral (JO 2005, L 312, p. 67). O sétimo fundamento é relativo ao facto de a Comissão ter cometido um erro de apreciação e violado o artigo 5.o da Decisão 2005/842, ao não declarar que o modo de financiamento do SIEG era manifestamente inadaptado. O oitavo fundamento é relativo ao facto de a Comissão ter abusado do procedimento de apreciação dos regimes de auxílios existentes, ao impor, com base nesse procedimento, uma lista taxativa dos edifícios que podem ser qualificados de «imóveis sociais».

40

A título preliminar, importa salientar que, pelos segundo a sétimo fundamentos, as recorrentes contestam, em substância, o conteúdo do ofício artigo 17.o e não a apreciação da Comissão que figura na decisão controvertida.

41

No entanto, o Tribunal de Justiça decidiu que, visto que o ofício artigo 17.o constitui uma primeira fase da elaboração da decisão controvertida, as recorrentes não estavam impedidas de invocar a ilegalidade que feria a apreciação contida neste ofício em apoio do seu recurso contra a referida decisão (Acórdãos de 15 de março de 2017, Stichting Woonlinie e o./Comissão, C‑414/15 P, EU:C:2017:215, n.o 48, e de 15 de março de 2017, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑415/15 P, EU:C:2017:216, n.o 48).

42

Em consequência, o Tribunal Geral examinará todos os fundamentos invocados pelas recorrentes.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito ao qualificar todas as medidas de medidas que faziam parte do regime de auxílios.

43

Importa salientar, a título preliminar, que, na sequência da adoção da decisão modificativa da Comissão de 30 de agosto de 2010, as recorrentes renunciaram, na réplica, aos argumentos relativos à medida d) referida na decisão controvertida, ou seja, ao direito de contrair empréstimos junto do Bank Nederlandse Gemeenten.

44

Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão apreciou erradamente a medida c), relativa à venda pelos municípios de terrenos a preços inferiores aos preços de mercado [a seguir «medida c)»], como fazendo parte de um regime de auxílios, concretamente o sistema neerlandês de financiamento da habitação social. Sustentam que essa medida não pode ser qualificada de parte de um regime de auxílios existente, tendo em conta que não é sistemática, não está prevista pela legislação neerlandesa aplicável às sociedades de habitação e a Comissão faz unicamente referência a denúncias respeitantes a casos individuais. Contrariamente ao que argumenta a Comissão, não resulta da notificação das autoridades neerlandesas que os acordos sobre os preços dos terrenos eram periódicos, nem que implicavam sistematicamente uma venda a um preço inferior ao do mercado.

45

Segundo as recorrentes, a Comissão é competente, ao abrigo do artigo 108.o, n.o 1, TFUE, para submeter os regimes de auxílios existentes a um exame permanente, mas não possui essa competência relativamente aos auxílios individuais. Consideram que a Comissão não podia examinar a medida c) nos termos do procedimento previsto nos artigos 17.o a 19.o do Regulamento n.o 659/1999, mas deveria ter examinado os casos individuais referidos nas denúncias no âmbito do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Afirmam que a Comissão excedeu a sua competência ao incluir essa medida no seu exame da compatibilidade com o mercado interno de um regime de auxílios.

46

Com este primeiro fundamento, as recorrentes alegam, em substância, que a Comissão excedeu a sua competência ao apreciar a medida c) segundo o procedimento aplicável aos auxílios existentes, apesar de essa medida não fazer parte do sistema geral de auxílios de Estado concedidos às sociedades de habitação, mas que deveria ter apreciado a referida medida no âmbito do procedimento aplicável aos auxílios individuais.

47

No que respeita à medida c), resulta da decisão controvertida que entre as atividades das sociedades de habitação figura designadamente a construção de apartamentos, de imóveis de interesse geral, de estabelecimentos comerciais e de outras infraestruturas locais, destinadas ao arrendamento ou à venda. A Comissão sublinhou que as sociedades de habitação intervêm na qualidade de promotores e assumem, a este respeito, a responsabilidade da totalidade do projeto, desde o lançamento até à conclusão. Considerou que, no âmbito dessas atividades, as sociedades de habitação estão em concorrência com os promotores imobiliários privados e, por conseguinte, deviam ser consideradas como empresas que exercem uma atividade económica.

48

A Comissão considerou que a medida c) constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE, com o fundamento de que conferia manifestamente uma vantagem às sociedades de habitação, que estavam dispensadas de adquirir os seus terrenos ao preço do mercado, que se tratava manifestamente de uma medida estatal porque os terrenos eram vendidos pelos municípios, que era seletiva na medida em que visava unicamente as sociedades de habitação e que se tratava de uma transferência de fundos públicos sob a forma de lucro cessante. Além disso, esta medida implicava uma distorção da concorrência e afetava as trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

49

Em primeiro lugar, importa salientar que, segundo o artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999, constitui um regime de auxílios «qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido».

50

Daqui resulta que o facto de serem concedidos auxílios individuais não exclui a existência de um regime ao abrigo do qual esses auxílios são concedidos. Contrariamente ao que alegam as recorrentes, o facto de a Comissão ter recebido denúncias relativas a vendas individuais de terrenos a preços inferiores ao preço de mercado não se opõe à existência de um regime de auxílios em aplicação do qual esses auxílios individuais foram concedidos.

51

Em segundo lugar, no que respeita ao argumento das recorrentes de que, dado que não está prevista por um texto legislativo, essa medida não pode fazer parte de um regime de auxílios, basta sublinhar que a exigência de uma disposição legislativa como fundamento de um regime de auxílios não faz parte da definição de um regime de auxílios na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999.

52

Além disso, importa salientar que os argumentos das recorrentes estão em contradição com a apreciação das autoridades neerlandesas, que consideraram, na sua notificação à Comissão, que os acordos celebrados por numerosos municípios dos Países Baixos relativos à venda de terrenos às sociedades de habitação a preços preferenciais constituíam uma medida que fazia parte do sistema de financiamento das referidas sociedades.

53

Nessa notificação, as autoridades neerlandesas indicaram que a venda de terrenos a preços inferiores ao preço de mercado não estava prevista na lei ou na regulamentação aplicáveis, mas figurava nos acordos de prestação de serviços celebrados de forma sistemática pelos municípios com as sociedades de habitação. Salientaram que essa prática não correspondia às recomendações fixadas pela Comissão na sua Comunicação no que respeita a auxílios estatais no âmbito da venda de terrenos e imóveis públicos (JO 1997, C 209, p. 3), que permite excluir a qualificação de auxílio de Estado.

54

O caráter recorrente da prática consistente em os municípios venderem a sociedades de habitação terrenos a preços inferiores aos preços de mercado resulta igualmente dos documentos apresentados pela Comissão em anexo à tréplica. Entre esses documentos figuram circulares de diversos municípios dos Países Baixos respeitantes à sua política em matéria de preços dos terrenos que mostram que esses municípios praticam preços inferiores aos preços do mercado para a venda de terrenos destinados à construção de habitação social.

55

Em terceiro lugar, as recorrentes argumentam que a Comissão deveria ter demonstrado que a medida c) existia antes da entrada em vigor do Tratado para a qualificar de parte de um regime de auxílios existente.

56

A este respeito, resulta de um estudo histórico sobre a política pública em matéria de terrenos para a construção de habitação desde 1900, apresentados pela Comissão em anexo à tréplica, que os poderes públicos já em 1952 intervinham na fixação dos preços dos terrenos destinados à construção de habitação social mediante a fixação de um limite.

57

Em quarto lugar, as recorrentes acrescentam que a Comissão não respeitou o procedimento relativo aos auxílios existentes, tendo em conta que a medida c) não era mencionada no ofício artigo 17.o, tendo‑o sido pela primeira vez na decisão controvertida.

58

Basta recordar que a medida c) figurava na notificação e, portanto, era considerada tanto pela Comissão como pelas autoridades neerlandesas como uma medida de auxílio que fazia parte do sistema de financiamento das sociedades de habitação.

59

Por outro lado, as recorrentes não explicam quais são as consequências de a medida c) não estar expressamente mencionada no ofício artigo 17.o, em especial tendo em conta que a medida c) foi considerada compatível com o mercado interno na decisão controvertida.

60

Por conseguinte, nenhum dos argumentos das recorrentes é suscetível de pôr em causa a qualificação da medida c) de medida que faz parte do regime de auxílios relativo ao sistema de financiamento das sociedades de habitação, nem demonstra que a Comissão excedeu a sua competência ao examinar a referida medida no âmbito do regime de auxílios existente em matéria de financiamento das sociedades de habitação.

61

Em último lugar, importa acrescentar que, na réplica, as recorrentes alegam que os municípios concluem com todos os adquirentes de terrenos, e não unicamente com as sociedades de habitação, acordos que preveem uma redução no preço do terreno em troca de determinados compromissos. Acrescentam que, se um terreno é destinado à construção de habituação social para arrendamento, o seu valor residual é inferior. Por conseguinte, uma das condições da qualificação de auxílio de Estado não está preenchida.

62

Este argumento, invocado pela primeira vez na réplica, pelo qual as recorrentes alegam que a medida c) não constitui um auxílio de Estado, constitui, em substância, um fundamento novo, relativo à violação do artigo 107.o TFUE.

63

Ora, resulta do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, que é proibido deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo ou que constituam a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, direta ou indiretamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com este (v. Acórdão de 22 de novembro de 2017, von Blumenthal e o./BEI, T‑558/16, não publicado, EU:T:2017:827, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

64

Uma vez que foi apenas na fase da réplica que as recorrentes invocaram o fundamento que visava contestar a qualificação de auxílio de Estado da medida c), que o referido fundamento não se baseia em elementos que se revelaram após a interposição do recurso e não constitui a ampliação de um fundamento deduzido na petição inicial, deve ser julgado extemporâneo e, portanto, inadmissível.

65

Em quaisquer circunstâncias, como sublinha a Comissão, neste argumento, as recorrentes referem outras medidas destinadas a conceder reduções de preços a determinados compradores em contrapartida de compromissos relativos à construção de habitações de reduzido consumo energético ou à venda a adquirentes pela primeira vez. Essas medidas, bem como a referência ao valor residual dos terrenos, são distintas da prática dos municípios que consiste em vender terrenos às sociedades de habitação a preços inferiores ao preço de mercado.

66

Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

67

A título subsidiário, o Tribunal Geral interroga‑se sobre o interesse das recorrentes em invocar esse fundamento e em sustentar que a Comissão excedeu a sua competência ao analisar a compatibilidade da medida c) no quadro do sistema geral de financiamento das sociedades de habitação. Com efeito, importa recordar que as recorrentes são as beneficiárias do regime de auxílios existente, do qual faz parte a medida c), que a Comissão declarou compatível com o mercado interno ao abrigo do artigo 106.o, n.o 2, TFUE. É possível questionar o interesse das recorrentes em sustentar que a compatibilidade dessa medida deveria ter sido apreciada segundo um procedimento diferente que poderia ter conduzido a um resultado diferente, ou seja, a uma decisão de incompatibilidade.

Quanto ao segundo fundamento, relativo ao facto de a decisão controvertida se basear numa apreciação incompleta e manifestamente inexata da legislação nacional pertinente e dos factos

68

As recorrentes alegam que a Comissão não demonstrou na decisão controvertida a existência de um erro manifesto no sistema neerlandês de financiamento da habitação social e, devido a esse facto, abusou das suas competências ao iniciar o procedimento previsto no artigo 17.o do Regulamento n.o 659/1999 e ao exigir medidas úteis.

69

Alegam, especialmente no articulado complementar, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a definição dos SIEG por um Estado‑Membro só pode ser posta em causa pela Comissão se esta demonstrar um erro manifesto, tendo em conta o amplo poder de apreciação de Estado‑Membro. Acusam a Comissão de se ter limitado a constatar, no ofício artigo 17.o, que a possibilidade de arrendar habitações sociais a pessoas com «rendimentos relativamente elevados» devia ser considerada como um erro manifesto. Alegam que a Comissão não apreciou a legislação neerlandesa pertinente. Nesse ofício, a Comissão apenas constatou que o SIEG não estava definido de maneira suficientemente clara porque se dirigia a todas as categorias de rendimentos.

70

Ora, segundo as recorrentes, a definição de «habitação social» no sistema neerlandês inicial era claramente limitada e não abrangia todas as categorias de rendimentos. A Comissão ignorou o facto de as sociedades de habitação terem a obrigação legal de dar prioridade a uma categoria de pessoas definida como pessoas com rendimentos que não lhes permitem obter uma habitação adequada de maneira autónoma.

71

Acrescentam que a Comissão não se pode limitar a afirmar que o SIEG não está delimitado de maneira suficientemente clara, devendo antes demonstrá‑lo e indicar quais as medidas que devem ser tomadas pelo Estado para torná‑lo conforme ao Tratado. Não decorre da decisão controvertida nem do ofício artigo 17.o que a Comissão examinou a delimitação do SIEG das sociedades de habitação e parece que se baseia unicamente na falta de limite de rendimentos.

72

A título preliminar, importa recordar, por um lado, que, segundo jurisprudência constante, não está abrangida pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE uma intervenção estatal considerada uma compensação que represente a contrapartida de prestações efetuadas pelas empresas beneficiárias para executar obrigações de serviço público, pelo que, na realidade, essas empresas não retiram proveito de uma vantagem financeira e, portanto, a referida intervenção não tem por efeito colocar essas empresas numa posição concorrencial mais favorável face a empresas concorrentes (v. Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Comunidad Autónoma del País Vasco e o./Comissão, C‑66/16 P a C‑69/16 P, EU:C:2017:999, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

73

Contudo, para que, num caso concreto, tal compensação possa escapar à qualificação de auxílio estatal, devem estar preenchidos os requisitos enunciados nos n.os 88 a 93 do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415). Assim, em primeiro lugar, a empresa beneficiária deve ser efetivamente incumbida da execução de obrigações de serviço público e essas obrigações devem estar claramente definidas. Em segundo lugar, os parâmetros com base nos quais a compensação é calculada devem ter sido previamente estabelecidos de forma objetiva e transparente. Em terceiro lugar, a compensação não pode ultrapassar o que é necessário para financiar total ou parcialmente os custos ocasionados pela execução das obrigações de serviço público. Em quarto lugar, o nível da compensação necessária deve ser determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, perfeitamente gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas, teria suportado para executar essas obrigações (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Comunidad Autónoma del País Vasco e o./Comissão, C‑66/16 P a C‑69/16 P, EU:C:2017:999, n.os 46 e 47).

74

Daqui resulta que uma intervenção estatal que não preenche um ou vários dos requisitos enumerados no n.o 73, supra, é suscetível de ser considerada um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Comunidad Autónoma del País Vasco e o./Comissão, C‑66/16 P a C‑69/16 P, EU:C:2017:999, n.o 48; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 94).

75

Por outro lado, o artigo 106.o, n.o 2, TFUE prevê que as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ficam submetidas ao disposto nos Tratados, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada e que o desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afetado de maneira que contrarie os interesses da União.

76

Quanto à articulação entre os requisitos estabelecidos pela jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), e o exame de uma medida de auxílio ao abrigo do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a fiscalização do respeito dos requisitos enunciados nesta jurisprudência é feita a montante, quando da apreciação da questão de saber se a medida em causa deve ser qualificada de auxílio estatal. Essa questão é, com efeito, prévia à que consiste em verificar, se for o caso, se um auxílio incompatível é, no entanto, necessário para o cumprimento da missão confiada ao beneficiário da medida em causa, ao abrigo do disposto no artigo 106.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Comunidad Autónoma del País Vasco e o./Comissão, C‑66/16 P a C‑69/16 P, EU:C:2017:999, n.o 55; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 8 de março de 2017, Viasat Broadcasting UK/Comissão, C‑660/15 P, EU:C:2017:178, n.o 34).

77

Uma vez que os requisitos do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), e os necessários à aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, prosseguem, assim, em princípio, finalidades diferentes, não é menos verdade que o primeiro requisito deste acórdão, segundo o qual a empresa beneficiária deve efetivamente ser incumbida da execução de obrigações de serviço público que devem estar claramente definidas, aplica‑se igualmente no caso de a derrogação prevista no artigo 106.o, n.o 2, TFUE ter vocação para ser aplicada (v. Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Comunidad Autónoma del País Vasco e o./Comissão, C‑66/16 P a C‑69/16 P, EU:C:2017:999, n.o 56 e jurisprudência aí referida).

78

Assim, daqui resulta, em substância, que, tanto o primeiro requisito enunciado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), como a redação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, em si mesma, exigem que o operador em causa seja encarregado de uma missão SIEG por um ato de autoridade pública e que este defina claramente as obrigações SIEG em causa (v. Acórdãos de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 181 e jurisprudência aí referida).

79

A este respeito, segundo jurisprudência constante, os Estados‑Membros têm um amplo poder de apreciação quanto à definição do que consideram ser um SIEG e, por conseguinte, a definição desses serviços por um Estado‑Membro só pode ser posta em causa pela Comissão em caso de erro manifesto (v. Acórdãos de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 166 e jurisprudência aí referida; e de 1 de março de 2017, França/Comissão, T‑366/13, não publicado, EU:T:2017:135, n.o 92 e jurisprudência aí referida).

80

No entanto, o poder de definição dos SIEG pelo Estado‑Membro não é ilimitado e não pode ser exercido de forma arbitrária com a exclusiva finalidade de subtrair um setor particular à aplicação das regras da concorrência (Acórdãos de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 168; e de 1 de março de 2017, França/Comissão, T‑366/13, não publicado, EU:T:2017:135, n.o 93).

81

Importa acrescentar que, ainda que o Estado‑Membro disponha de um amplo poder de apreciação quanto à determinação do que considera ser um SIEG, isso, no entanto, não o dispensa de demonstrar, de forma juridicamente bastante, que o âmbito do mesmo é necessário e proporcional relativamente a uma necessidade real de serviço público. A falta de prova por parte do Estado‑Membro de que esses critérios estão satisfeitos ou a inobservância dos mesmos pode constituir um erro manifesto de apreciação que a Comissão deve tomar em consideração (Acórdão de 1 de março de 2017, França/Comissão, T‑366/13, não publicado, EU:T:2017:135, n.o 105).

82

Por último, há que precisar que, segundo jurisprudência constante, tendo em conta, por um lado, o amplo poder de apreciação de que dispõe o Estado‑Membro quanto à definição de uma missão de SIEG e às condições da sua execução e, por outro, o alcance do controlo limitado ao erro manifesto que a Comissão está habilitada a exercer a esse título, a fiscalização que deve ser exercida pelo Tribunal Geral sobre a apreciação da Comissão a esse respeito também não pode exceder o mesmo limite e, por conseguinte, deve limitar‑se a analisar se a Comissão constatou ou rejeitou com razão a existência de um erro manifesto do Estado‑Membro (v. Acórdão de 1 de março de 2017, França/Comissão, T‑366/13, não publicado, EU:T:2017:135, n.o 106 e jurisprudência aí referida).

83

Além disso, a Comissão adotou em 2005 o Enquadramento comunitário dos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público (JO 2005, C 297, p. 4) a seguir «enquadramento de 2005»), cujo objeto consiste em definir em que condições estes auxílios estatais podem ser considerados compatíveis com o mercado interno, nos termos do artigo 106.o, n.o 2, TFUE. No n.o 12 do referido enquadramento, a Comissão recordou que a responsabilidade pela gestão do SIEG deve ser confiada à empresa em causa através de um ou mais atos oficiais, cuja forma pode ser determinada por cada Estado‑Membro e que esses atos devem indicar, nomeadamente, a natureza precisa das obrigações de serviço público.

84

A Decisão 2005/842 estabelece as condições em que os auxílios estatais sob a forma de compensações de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral devem ser considerados compatíveis e isentos da obrigação de notificação prévia. Nos termos do seu artigo 2.o, n.o 1, alínea b), esta decisão é aplicável designadamente às compensações de serviço público concedidas a empresas de habitação social que realizam atividades qualificadas como SIEG pelo Estado‑Membro em causa.

85

A referida decisão recorda as exigências impostas pela jurisprudência. Assim, no que respeita às compensações de serviço público, o considerando 7 da mesma decisão dispõe o seguinte:

«Tais auxílios apenas podem ser declarados compatíveis se forem atribuídos para garantir a prestação de serviços de interesse económico geral, tal como referidos no n.o 2 do artigo [106.o TFUE]. Decorre claramente da jurisprudência que, com exceção dos setores em que existe regulamentação [da União] na matéria, os Estados‑Membros dispõem de um amplo poder de apreciação quanto à natureza dos serviços suscetíveis de serem qualificados de interesse económico geral. Assim, com exceção dos setores em que existe regulamentação [da União] na matéria, incumbe à Comissão garantir que não se verificam erros manifestos no que se refere à definição de serviços de interesse económico geral.»

86

No considerando 16 da Decisão 2005/842, a Comissão salientou designadamente que as empresas de habitação social a que foram confiadas tarefas de SIEG apresentam características específicas que devem ser tomadas em consideração. Resulta deste considerando que «as empresas encarregadas de serviços de habitação social que fornecem alojamento a cidadãos desfavorecidos ou a grupos menos favorecidos que, devido a problemas de solvência, não conseguem obter uma habitação em condições de mercado, devem beneficiar da isenção de notificação prevista na presente decisão, mesmo que o montante de compensação que recebem exceda os limiares previstos na presente decisão, desde que os serviços que prestam sejam qualificados como serviços de interesse económico geral pelos Estados‑Membros».

87

Por outro lado, o artigo 70c, n.o 1, da Woningwet (Lei da habitação neerlandesa de 1901), mencionado pelas recorrentes, dispõe que as sociedades de habitação têm por missão alojar prioritariamente pessoas que, devido aos seus rendimentos ou a outras circunstâncias, têm dificuldades para encontrar um alojamento adequado. Para a atribuição das habitações que gerem com uma renda proporcionalmente reduzida, as sociedades de habitação estão obrigadas a, na medida do possível, dar prioridade a candidatos que são especificamente designados para a obtenção das referidas habitações, tendo em conta os seus rendimentos.

88

No ofício artigo 17.o, relativo à definição do SIEG, a Comissão manifestou a sua posição preliminar e indicou que tinha dúvidas sobre se podia aceitar a definição de serviço público das sociedades de habitação que constava da legislação neerlandesa na medida em que a referida definição não era suficientemente clara e podia incluir erros manifestos.

89

A esse respeito, salientou:

«Quando arrendam habitações, as sociedades de habitação estão legalmente obrigadas a dar prioridade às pessoas que têm dificuldades em encontrar um alojamento adequado (devido a baixos rendimentos ou a outras circunstâncias). No entanto, as atividades de alojamento não se restringem às pessoas socialmente desfavorecidas. Em caso de excesso de capacidade, as sociedades de habitação arrendam habituações a pessoas com rendimentos relativamente elevados, prejudicando assim os seus concorrentes comerciais que não beneficiam de medidas estaduais. A possibilidade de arrendar habitações a grupos com rendimentos mais elevados ou a empresas deve ser considerada um erro manifesto na definição do serviço público. A solução proposta pelas autoridades neerlandesas de reduzir o valor máximo das habitações que podem ser consideradas “habitações sociais” não resolve este problema.»

90

A Comissão considerou que, atendendo ao caráter social do serviço público, a definição das atividades das sociedades de habitação devia ter uma conexão direta com os agregados familiares socialmente desfavorecidos e não unicamente com um valor máximo das habitações.

91

A título preliminar, a Comissão indicou que as autoridades neerlandesas deviam redefinir a missão de serviço público atribuída às sociedades de habitação, de modo a que a habitação social seja destinada a um conjunto claramente definido de pessoas ou de grupos socialmente desfavorecidos.

92

Referiu igualmente que «a disponibilização de habitação social pod[ia] constituir um serviço de interesse económico geral se fosse limitada a um grupo‑alvo de cidadãos ou de grupos sociais desfavorecidos, tendo presente que os Estados‑Membros dispõem de um amplo poder de apreciação relativamente à dimensão do grupo‑alvo e às modalidades exatas de aplicação do sistema aos grupos‑alvo». Acrescentou que, «no ofício artigo 17.o, […] [tinha manifestado] a sua posição preliminar na qual se questionava sobre se a definição do serviço público era suficientemente clara, e se tinha sido cometido um erro manifesto na qualificação de habitação social da operação que consiste em arrendar habitações a grupos que representam todos os níveis de rendimentos».

93

Resulta assim do ofício artigo 17.o que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, foi à luz da definição de SIEG da habitação social que figura na legislação neerlandesa que a Comissão entendeu que a referida definição não correspondia à exigência de clareza. Com efeito, a Comissão considerou que a obrigação legal de dar «prioridade às pessoas que têm dificuldades em encontrar um alojamento adequado» não permitia uma delimitação suficientemente precisa do grupo‑alvo a que se destinavam as habitações sociais.

94

Ao contrário do que sustentam as recorrentes, por um lado, a Comissão não indicou que a definição do SIEG não era suficientemente precisa devido à inexistência de um limiar de rendimentos e, por outro, as disposições legislativas relativas ao controlo exercido sobre as sociedades de habitação não são pertinentes no que respeita à questão de saber se a sua missão está suficientemente definida na legislação.

95

Assim, resulta do ofício artigo 17.o que a Comissão informou as autoridades neerlandesas de que a falta de uma definição precisa da missão atribuída às sociedades de habitação constituía um erro manifesto na definição do SIEG.

96

A este respeito, recorde‑se que, segundo o artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, o referido ofício constitui uma conclusão preliminar da Comissão sobre a qual as autoridades nacionais são chamadas a pronunciar‑se. Assim, no âmbito do procedimento de cooperação, as autoridades nacionais tinham a possibilidade de pôr em causa essa apreciação da Comissão, demonstrando que a definição do SIEG da habitação social era suficientemente precisa e não continha qualquer erro manifesto.

97

Em aplicação da jurisprudência referida no n.o 81, supra, incumbia às autoridades neerlandesas demonstrar, de forma juridicamente bastante, que o âmbito do SIEG conferido às sociedades de habitação era necessário e proporcionado relativamente a uma necessidade real de serviço público. Competia‑lhes, pois, demonstrar que a definição da missão conferida às sociedades de habitação era suficientemente precisa para corresponder ao objetivo do SIEG da habitação social, que, segundo a Decisão 2005/842, consiste em fornecer alojamento a cidadãos desfavorecidos ou a grupos menos favorecidos que, devido a problemas de solvência, não conseguem obter uma habitação em condições de mercado.

98

Contrariamente ao que argumentam as recorrentes, resulta da jurisprudência que o ónus da prova de demonstrar que o SIEG está delimitado de forma suficientemente clara recai sobre as autoridades nacionais.

99

Resulta igualmente da jurisprudência referida no n.o 81, supra, que a falta de prova pelo Estado‑Membro de que esses critérios estão cumpridos pode constituir um erro manifesto de apreciação. É ainda mais assim quando, como no presente caso, as autoridades neerlandesas admitiram que a missão do SIEG não era suficientemente precisa.

100

Com efeito, no seu ofício de 6 de setembro de 2005, em resposta ao ofício artigo 17.o, o Governo neerlandês mencionou «a dúvida da Comissão quanto à compatibilidade do regime de financiamento atual das sociedades de habitação, qualificado de auxílio existente, com o mercado interno, porque a definição de serviço público é insuficientemente clara e eventualmente contém erros manifestos» e o facto de «[o] s Países Baixos serem convidados a adotar as medidas necessárias para que a definição tenha uma conexão direta com os agregados familiares socialmente desfavorecidos». Saliente‑se que o Governo neerlandês não contestou essas apreciações.

101

Em contrapartida, o Governo neerlandês admitiu que «as sociedades de habitação, que, na verdade, devem fornecer habitação a título prioritário, mas não exclusivo, a pessoas socialmente desfavorecidas, pod[ia]m atualmente também (ainda que em pequena escala) atribuir habitações em arrendamento a pessoas ou agregados familiares com rendimentos (mais) elevados do que esse grupo‑alvo» e que «o arrendamento a esse grupo‑alvo sem caráter social não [tinha] (totalmente) lugar em conformidade com os preços de mercado». Indicou, assim, que uma «legislação que, de uma maneira ou de outra (administrativamente e/ou sob uma forma jurídica distinta) efetue uma divisão entre atividades comerciais e essenciais (SIEG) para limitar os mecanismos de apoio das atividades essenciais continua a ser o princípio que orienta as tendências delineadas no início do presente ofício, o que deve responder às alegações e limitar no fundo o auxílio de Estado à atribuição de habitação ao grupo‑alvo».

102

Seguidamente, entre as medidas propostas pelo Governo neerlandês no seu ofício de 3 de dezembro de 2009, figura uma definição do grupo‑alvo dos agregados familiares socialmente desfavorecidos enquanto «candidatos a uma habitação com rendimento inferior a, no máximo, 33000 euros». Propôs igualmente o seguinte:

«É assegurada a atribuição de 90% das habitações de cada sociedade de habitação a candidatos a habitação que fazem parte do grupo‑alvo no momento da atribuição. Os 10% restantes serão atribuídos em função de critérios objetivos que comportam um elemento de prioridade social. As pessoas que disponham de rendimentos superiores ao limite mas que, no entanto, possam ser consideradas como necessitando de apoio social, como as famílias numerosas e outras categorias definidas na regulamentação, são prioritárias.»

103

A este respeito, há que rejeitar o argumento das recorrentes suscitado, a título subsidiário, na réplica, segundo o qual, ao aceitar esses compromissos que permitem que 10% das habitações sociais sejam arrendadas sem limite de rendimentos, a Comissão reconheceu que não é possível exigir às sociedades de habitação que alojem exclusivamente (e não a título prioritário) pessoas desfavorecidas. Com efeito, esse argumento assenta numa leitura errada da apreciação da Comissão que figura no ofício artigo 17.o A Comissão não considerou que a definição do SIEG continha um erro manifesto porque não previa que as sociedades de habitação deviam arrendar «exclusivamente» habitações a pessoas desfavorecidas, mas que era imprecisa porque previa a locação a título «prioritário às pessoas com dificuldades em encontrar uma habitação adequada», sem definir esse grupo‑alvo das pessoas desfavorecidas.

104

Decorre do que precede que a Comissão demonstrou, de forma juridicamente bastante, a existência de um erro manifesto na definição do SIEG da habitação social conferido às sociedades de habitação e não excedeu as suas competências ao enviar o ofício artigo 17.o

105

Consequentemente, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter efetuado uma avaliação incorreta e negligente ao concluir que o arrendamento de habitações sociais a pessoas com «rendimentos relativamente elevados» fazia parte da missão de serviço público atribuída às sociedades de habitação

106

As recorrentes alegam que a Comissão violou o seu dever de fundamentação ao não definir, na decisão controvertida, o conceito de «rendimentos relativamente elevados», que desempenhou um papel crucial na sua apreciação. Argumentam que o mero facto de as sociedades de habitação exercerem atividades acessórias ao lado da sua missão de serviço público, que consiste em arrendar habitações a agregados familiares com «rendimentos relativamente elevados», seja qual for a definição que deles dá a Comissão, não permite a esta última concluir pela existência de um erro manifesto na definição do SIEG. A Comissão não demonstrou que as sociedades de habitação tinham recebido um auxílio financeiro para essas atividades acessórias.

107

Na réplica, as recorrentes argumentam que, no ofício artigo 17.o, a Comissão descreveu o erro manifesto na definição do SIEG como sendo a possibilidade de as sociedades de habitação arrendarem habitações a agregados familiares com «rendimentos relativamente elevados» e não, como alega a Comissão, como o facto de o sistema inicial não conter garantias suficientes para impedir que as sociedades de habitação afetem auxílios estatais às suas atividades comerciais conexas. Ora, consideram que a Comissão não fundamentou, na decisão controvertida, o conceito de «rendimentos relativamente elevados», nem o facto de o arrendamento de habitações sociais a pessoas com esses rendimentos fazer parte da missão de serviço público das sociedades de habitação. Em qualquer caso, a Comissão não fundamentou o facto de poderem ter lugar subvenções cruzadas.

108

A título preliminar, importa salientar que, na réplica, as recorrentes indicam que esse fundamento faz referência a uma passagem que figura no ofício artigo 17.o, que indica o seguinte:

«Em caso de excesso de capacidade, as sociedades de habitação arrendam habitações a pessoas com rendimentos relativamente elevados, prejudicando assim os seus concorrentes comerciais que não beneficiam de medidas estaduais. A possibilidade de arrendar habitações a grupos com rendimentos mais elevados ou a empresas deve ser considerada como um erro manifesto na definição do serviço público.»

109

A decisão controvertida não contém a expressão «rendimentos relativamente elevados». Por conseguinte, os argumentos invocados no âmbito do presente fundamento referem a fundamentação do ofício artigo 17.o e as recorrentes não podem invocar falta de fundamentação da decisão controvertida em si mesma a este respeito.

110

Por outro lado, refira‑se que os argumentos das recorrentes assentam numa leitura errada e parcial do ofício artigo 17.o

111

Com efeito, importa recordar que a Comissão constatou, no ofício artigo 17.o, um erro manifesto na definição do SIEG na medida em que a mesma não era suficientemente precisa porque não visava unicamente um grupo‑alvo de pessoas socialmente desfavorecidas. Salientou, em seguida, que, na medida em que, em caso de excesso de capacidade, as sociedades de habitação podiam ser levadas a arrendar habitações a pessoas não pertencentes a esse grupo‑alvo, existia um risco de os auxílios de Estado beneficiarem igualmente as sociedades de habitação para essas atividades alheias ao SIEG.

112

A este respeito, no n.o 39 do ofício artigo 17.o, a Comissão indicou o seguinte:

«Além disso, por vezes, as sociedades de habitação têm excesso de capacidade de habitação social. Nesse caso, arrendam as referidas habitações a outras partes (isto é, a agregados familiares que não são socialmente desfavorecidos). Conforme salientado anteriormente, a Comissão considera que o arrendamento de habitação a agregados familiares que não são socialmente desfavorecidos não pode ser considerado um serviço público.»

113

Contrariamente ao que alegam as recorrentes, resulta claramente do ofício artigo 17.o que o conceito de pessoas com «rendimentos relativamente elevados» visa as pessoas que não podem ser consideradas como pessoas socialmente desfavorecidas.

114

A este respeito, saliente‑se que decorre do excerto do ofício de 6 de setembro de 2005, citado no n.o 101, supra, que as autoridades neerlandesas compreenderam o conceito de pessoas com «rendimentos relativamente elevados» como abrangendo os agregados familiares com rendimentos mais elevados do que o grupo‑alvo de pessoas socialmente desfavorecidas.

115

Resulta também claramente do ofício artigo 17.o que a Comissão considerou que o conceito de arrendamento de habitações a pessoas com «rendimentos relativamente elevados» não podia ser considerado abrangido pela missão de serviço público das sociedades de habitação.

116

Contrariamente ao que argumentam as recorrentes na petição inicial, a Comissão não considerou que o mero facto de as sociedades de habitação exercerem atividades comerciais acessórias constituía um erro manifesto na definição do SIEG. O que a Comissão observou é que, devido à falta de delimitação precisa do SIEG, existia um risco de os auxílios concedidos às sociedades de habitação beneficiarem igualmente as suas atividades acessórias que, consequentemente, não eram exercidas nas condições do mercado.

117

Como decorre igualmente do n.o 40 da decisão controvertida, para assegurar a compatibilidade do mecanismo de financiamento da habitação social com o artigo 106.o, n.o 2, TFUE, a Comissão considerou que convinha limitar a habitação social a um grupo‑alvo de pessoas desfavorecidas ou de grupos socialmente desfavorecidos e prever que as atividades de serviço público e as atividades comerciais fossem objeto de contabilidades distintas e de controlos adequados, a fim de garantir a execução das atividades comerciais nas condições do mercado.

118

Daqui resulta que as recorrentes não podiam alegar que a Comissão não previu a existência de um risco de subvenções cruzadas.

119

A este respeito, ao reconhecer, no ofício de 6 de setembro de 2005, que o arrendamento de habitações a agregados familiares com rendimentos mais elevados relativamente ao grupo‑alvo não tinha inteiramente lugar em conformidade com os preços de mercado, as autoridades neerlandesas admitiram a existência de subvenções cruzadas.

120

Por outro lado, ao contrário do que alegam as recorrentes, no ofício artigo 17.o que continha uma apreciação preliminar da Comissão, esta última não tinha que demonstrar que as atividades acessórias das sociedades de habitação beneficiavam efetivamente dos auxílios de Estado ou que tinham efetivamente tido lugar subvenções cruzadas. Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o exame dos auxílios existentes só pode conduzir a uma decisão que produza efeitos para o futuro. Portanto, só no caso de a Comissão considerar que o sistema de financiamento em causa apresenta um risco de sobrecompensação para o futuro é que pode ser levada a propor medidas adequadas (v. Acórdão de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 166 e jurisprudência aí referida).

121

Por último, as recorrentes alegam, na réplica, que as sociedades de habitação já tinham a obrigação de manter uma contabilidade separada por força do artigo 25.o B da Mededingingswet (Lei da concorrência neerlandesa).

122

Ora, importa salientar que, no seu ofício de 6 de setembro de 2005, o Governo neerlandês menciona o ponto do ofício artigo 17.o em que é feita referência à obrigação de as empresas manterem contabilidades separadas, sem argumentar que essa obrigação já existia na legislação para as sociedades de habitação. Além disso, no ofício de 3 de dezembro de 2009, entre as medidas que o Governo neerlandês se comprometeu a adotar a fim de assegurar a compatibilidade do regime de auxílios, figura a separação contabilística entre as atividades sociais (que beneficiam do auxílio de Estado) e comerciais (sem auxílio de Estado) em conformidade com a Diretiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas (JO 1980, L 195, p. 35).

123

Por último, como refere a Comissão, em conformidade com o artigo 25.o D, n.o 1, alínea b), da Lei da concorrência neerlandesa, a obrigação de manter uma contabilidade separada, prevista pelo artigo 25.o B da referida lei, não é aplicável às empresas encarregadas de um SIEG de habitação social cujo volume de negócios é inferior a 40 milhões de euros. Os compromissos das autoridades neerlandesas visavam, pois, estender essa obrigação a todas as sociedades de habitação.

124

Consequentemente, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito e excedido as suas competências ao exigir das autoridades neerlandesas uma nova definição da «habitação social», e ao sexto fundamento, relativo ao facto de a Comissão, ao exigir uma definição específica do SIEG, ter interpretado erradamente a Decisão 2005/842

125

Com o quarto fundamento, as recorrentes alegam que, entre as medidas úteis que Comissão propôs às autoridades neerlandesas, exigiu que estas últimas limitem a definição de habitação social a um grupo específico de agregados familiares desfavorecidos. Decorre do ofício artigo 17.o, e designadamente da referência à Decisão da Comissão de 3 de julho de 2001 respeitante ao auxílio de Estado N 209/01 relativo à Garantia a favor de empréstimos da Housing Finance Agency na Irlanda (JO 2002, C 67, p. 33), que a Comissão considerou que essa limitação só podia ser efetuada através de um limite de rendimentos. Os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação significativa para determinar o alcance dos seus SIEG no domínio da habitação social e a Comissão não é competente para impor um critério relativo à delimitação de um grupo‑alvo.

126

Com o sexto fundamento, as recorrentes argumentam que a isenção de notificação nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE prevista pela Decisão 2005/842 é aplicável à habitação social, mas não está submetida a limiares. No considerando 16 da Decisão 2005/842, o conceito de habitação social é definido unicamente por referência «a cidadãos desfavorecidos ou a grupos menos favorecidos», mas não por referência a um limite de rendimentos. Defendem que a Comissão aplicou erradamente a Decisão 2005/842 ao considerar que o sistema neerlandês de habitação social continha um erro manifesto porque não comportava nenhum limite de rendimentos específico. Segundo as recorrentes, as missões das sociedades de habitação eram definidas com suficiente clareza na legislação neerlandesa.

127

Com estes dois fundamentos, as recorrentes acusam, em substância, a Comissão de ter cometido um erro de direito, excedido as suas competências e infringido a Decisão 2005/842 ao exigir, no ofício artigo 17.o, que as autoridades neerlandesas definissem o SIEG da habitação social por referência a um grupo‑alvo determinado em função de um limite de rendimentos.

128

A título preliminar, importa recordar que resulta do exame do segundo fundamento, e designadamente da jurisprudência referida nos n.os 79 a 81, supra, que, mesmo que os Estados‑Membros disponham de um amplo poder de apreciação, a Comissão pode pôr em causa a definição de um SIEG em caso de erro manifesto. Na medida em que se verificou que a Comissão considerou, acertadamente, no ofício artigo 17.o, que a falta de definição suficientemente clara de um grupo‑alvo de pessoas socialmente desfavorecidas constituía um erro manifesto, era, pois, competente, ao contrário do que alegam as recorrentes, para exigir das autoridades neerlandesas uma limitação dessa definição.

129

No ofício artigo 17.o, a Comissão indicou que a definição do SIEG da habitação social devia estabelecer uma conexão direta com os agregados familiares desfavorecidos. A este propósito, indicou que a solução proposta pelas autoridades neerlandesas que consistia em reduzir o valor máximo das habitações que podiam ser consideradas «habitações sociais» não resolvia o problema.

130

Em seguida, mencionou a sua decisão de 3 de julho de 2001, relativa ao auxílio de Estado N 209/01, a título ilustrativo da sua prática recente em matéria de habitação social. A medida de auxílio objeto dessa decisão consistia na garantia do Estado acordada à Housing Finance Agency (HFA, agência para o financiamento da habitação, Irlanda) no âmbito da sua atividade de empréstimo e captação de fundos destinados às atividades de habitação social realizadas pelas coletividades locais. Indicou que a garantia estadual da HFA só podia ser concedida em benefício de pessoas que cumpriam certos critérios, em concreto, que necessitassem de um empréstimo, que os seus rendimentos fossem inferiores a um determinado limite e que fossem inelegíveis para um empréstimo de fonte comercial. Observou que a justificação social no estatuto do SIEG irlandês se baseava em critérios mais rigorosos do que os aplicados no sistema neerlandês.

131

Resulta assim do ofício artigo 17.o que a Comissão mencionou a Decisão de 3 de julho de 2001 a título exemplificativo de uma definição de um SIEG no domínio da habitação social que faz claramente referência a critérios sociais e a agregados familiares socialmente desfavorecidos. Contrariamente ao que alegam as recorrentes, a Comissão não exigiu que as autoridades neerlandesas adotassem os mesmos critérios, nem considerou que só podiam definir o SIEG através de uma referência a um limite de rendimentos.

132

Como salientam as próprias recorrentes, o conceito de habitação social é definido, no considerando 16 da Decisão 2005/842, por referência «a cidadãos desfavorecidos ou a grupos menos favorecidos». Em conformidade com essa decisão, no ofício artigo 17.o, a Comissão exigiu unicamente que a definição das atividades das sociedades de habitação tenha uma conexão direta com os agregados familiares socialmente desfavorecidos.

133

Ao contrário do que sustentam as recorrentes, a Comissão não considerou, no ofício artigo 17.o, que o erro manifesto na definição do SIEG resultava da falta de limite de rendimentos específicos, mas que resultava da falta de uma definição clara do grupo‑alvo. A Comissão limitou‑se a indicar que um critério relativo ao valor máximo da habitação não era um critério satisfatório.

134

Além disso, importa recordar que foram as próprias autoridades neerlandesas que propuseram à Comissão, no ofício de 3 de dezembro de 2009, uma nova definição da habitação social baseada num limite de rendimentos.

135

Isso é aliás confirmado por diversos documentos apresentados pela Comissão em anexo da tréplica, entre os quais dois relatórios de concertação, o primeiro, entre o ministro da Habitação neerlandês e a Tweede Kamer der Staten‑Generaal (Segunda Câmara do Parlamento, Países Baixos), datado de 31 de agosto de 2006, relativo às sociedades de habitação, e o segundo, entre o ministro da Administração Interna neerlandês e a Segunda Câmara do Parlamento, datado de 28 de outubro de 2010, relativos aos auxílios às sociedades de habitação, em que os ministros indicaram expressamente que o limite de rendimentos não tinha sido imposto pela Comissão, tendo sido proposto pelos Países Baixos.

136

O argumento das recorrentes segundo o qual, em aplicação do Acórdão de 22 de outubro de 2008, TV2/Danmark e o./Comissão (T‑309/04, T‑317/04, T‑329/04 e T‑336/04, EU:T:2008:457), os Estados‑Membros podem optar por uma definição qualitativa do SIEG e não podem ser obrigados a limitá‑lo em termos quantitativos, por meio de um limite de rendimentos, não é, pois, pertinente.

137

Por outro lado, importa salientar que a Comissão se limitou a considerar, na decisão controvertida, que esta nova definição do SIEG da habitação social cumpria as exigências da Decisão 2005/842. Não pode, no entanto, excluir‑se que a Comissão tivesse legalmente aprovado uma definição do SIEG proposta pelas autoridades neerlandesas baseada num critério distinto de uma limitação de rendimentos, se essa definição fosse suficientemente clara e estabelecesse uma conexão com as pessoas desfavorecidas.

138

Resulta do que precede que, ao não ter exigido uma definição do SIEG baseada num limite de rendimentos, a Comissão não cometeu um erro de direito, nem excedeu as suas competências ou violou a Decisão 2005/842.

139

Consequentemente, o quarto e sexto fundamentos devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao quinto fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito ao não efetuar uma distinção entre a definição de um SIEG e o seu modo de financiamento

140

As recorrentes alegam que resulta do Acórdão de 22 de outubro de 2008, TV2/Danmark e o./Comissão (T‑309/04, T‑317/04, T‑329/04 e T‑336/04, EU:T:2008:457), que cumpre distinguir entre a definição de um SIEG e o seu modo de financiamento. A Comissão não efetuou essa distinção e considerou o SIEG como uma forma de subvenção cruzada de atividades comerciais acessórias. Entendeu que podia opor‑se a uma possibilidade de subvenção cruzada limitando a definição do SIEG graças a um limite de rendimentos, de modo que as sociedades de habitação não pudessem utilizar os meios colocados à sua disposição no âmbito do SIEG para ofertas de habitação a agregados familiares que excedam esse limite. A Comissão deveria ter apreciado a definição do SIEG independentemente dos meios colocados à disposição das sociedades de habitação para a execução desse SIEG, e depois examinar se esses meios excediam o necessário para assegurar a execução do SIEG. Segundo as recorrentes, a Comissão confundiu as duas questões ao pretender opor‑se a uma sobrecompensação através de uma limitação do SIEG.

141

Em primeiro lugar, importa recordar que, no n.o 108 do Acórdão de 22 de outubro de 2008, TV2/Danmark e o./Comissão (T‑309/04, T‑317/04, T‑329/04 e T‑336/04, EU:T:2008:457), referido pelas recorrentes, o Tribunal Geral considerou que um SIEG se define, por hipótese, relativamente ao interesse geral que visa satisfazer, e não relativamente aos meios que assegurarão o seu fornecimento.

142

Ora, no caso em apreço, no ofício artigo 17.o, a Comissão indicou às autoridades neerlandesas, num primeiro momento, que a definição do SIEG da habitação social devia ser determinada relativamente ao interesse geral que prossegue, a saber, relativamente a critérios sociais, e ter uma conexão direta com os agregados familiares socialmente desfavorecidos. Apenas num segundo momento a Comissão examinou a questão da proporcionalidade do financiamento do SIEG e das subvenções cruzadas.

143

Daqui resulta que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, a Comissão não fez depender a definição do SIEG da habitação social do seu modo de financiamento.

144

Em segundo lugar, as recorrentes alegam erradamente que a Comissão não podia opor‑se a uma sobrecompensação ou a uma possibilidade de subvenção cruzada ao limitar a definição do SIEG.

145

Com efeito, a fim de considerar que um auxílio de Estado sob a forma de compensações de serviço público é compatível com o mercado interno, o artigo 5.o, n.o 1, da Decisão 2005/842 recorda que o montante da compensação não deve exceder o necessário para cobrir os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como uma rendibilidade razoável de quaisquer capitais próprios para a execução dessas obrigações (v, igualmente, n.o 14 do enquadramento de 2005).

146

O artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2005/842 indica que os custos a tomar em consideração devem incluir todos os custos incorridos na gestão do SIEG e que, se a empresa realizar igualmente atividades fora do âmbito do SIEG, apenas podem ser considerados os custos ligados ao mesmo (v. igualmente n.o 16 do enquadramento de 2005).

147

No ofício artigo 17.o, a Comissão indicou designadamente que, para cumprir o critério de proporcionalidade, é necessário que o auxílio de Estado não exceda os custos líquidos da missão de serviço público, tomando em conta os outros rendimentos diretos ou indiretos derivados da missão de serviço público. A Comissão salientou que, no caso em apreço, devia determinar, primeiro, se os custos e os rendimentos associados às atividades de serviço público e não público podiam ser adequadamente determinados e, segundo, se o financiamento era proporcionado aos custos líquidos.

148

Assim, é necessária uma definição clara do SIEG para garantir o respeito do critério de proporcionalidade do auxílio, a saber, para garantir que a compensação concedida não excede o necessário para cumprir a missão de serviço público.

149

Por conseguinte, a Comissão, ao pedir às autoridades neerlandesas que definissem o SIEG da habitação social relativamente a um grupo‑alvo de agregados familiares socialmente desfavorecidos, pediu‑lhes que determinassem claramente as missões de serviço público para as quais eram atribuídas as compensações. Essa definição exata permitia, assim, determinar os custos incorridos com a execução do SIEG e evitar, por um lado, as sobrecompensações e, por outro, que as atividades exercidas pelas sociedades de habitação fora do SIEG beneficiassem dos auxílios de Estado a fim de evitar as subvenções cruzadas.

150

Além disso, cumpre salientar, à semelhança da Comissão, que as próprias recorrentes indicaram na petição inicial que a definição do SIEG é pertinente para verificar se existe uma sobrecompensação que possa levar a uma subvenção cruzada.

151

Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao sétimo fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter cometido um erro de apreciação e violado o artigo 5.o da Decisão 2005/842, ao não declarar que o modo de financiamento do SIEG era manifestamente inadaptado

152

As recorrentes alegam que a Comissão infringiu o artigo 5.o da Decisão 2005/842, que prevê que o montante da compensação para um SIEG é compatível com o Tratado se não ultrapassar o que é necessário para cobrir os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como um lucro razoável pelo cumprimento destas obrigações. No ofício artigo 17.o, a Comissão não declarou que existia sobrecompensação, nem demonstrou a existência de um risco de lucro exorbitante que pudesse levar a uma sobrecompensação.

153

Alegam que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao não examinar, no ofício artigo 17.o, a existência de uma sobrecompensação no sistema de financiamento da habitação social inicial, à luz da definição inicial do SIEG, antes de exigir uma modificação desse sistema. No ofício artigo 17.o, a Comissão não podia exigir uma modificação do sistema de habitação social com o fundamento de que não tinha podido determinar, por falta de informações suficientes prestadas pelas autoridades neerlandesas, os custos do SIEG e o montante da compensação que as sociedades de habitação recebem.

154

Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o exame dos auxílios existentes só pode conduzir a medidas para o futuro. Portanto, só no caso de a Comissão considerar que o sistema de financiamento em causa apresenta um risco de sobrecompensação para o futuro é que pode ser levada a propor medidas adequadas (v. Acórdão de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 166 e jurisprudência aí referida).

155

Nestas condições, ainda que seja possível que a averiguação, no âmbito do exame permanente de um auxílio existente, de uma eventual sobrecompensação no que respeita ao passado possa eventualmente, segundo as circunstâncias particulares do caso em apreço, apresentar interesse para a apreciação da compatibilidade desse auxílio existente com o mercado interno, não o é menos que tal averiguação não é, em si, forçosamente indispensável para uma apreciação correta da necessidade de propor medidas adequadas para o futuro e para a determinação dessas medidas. O risco ou a falta de risco de sobrecompensação para o futuro depende, definitiva e essencialmente, das modalidades concretas do próprio regime de financiamento, e não da circunstância de esse regime ter, na prática, ocasionado uma sobrecompensação no passado (Acórdão de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 167).

156

Resulta dessa jurisprudência que, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não estava obrigada a demonstrar a existência de uma sobrecompensação no sistema de financiamento da habitação social inicial.

157

Além disso, no ofício artigo 17.o, a Comissão constatou, no que respeita à proporcionalidade do financiamento, que, uma vez que as autoridades neerlandesas não podiam prestar informações sobre os sobrecustos em que as sociedades de habitação incorreram para as atividades de serviço público, nem sobre o valor exato das medidas estaduais, lhe era impossível determinar se existia ou não sobrecompensação dos custos líquidos do serviço público.

158

Salientou igualmente que, com o arrendamento comercial das capacidades de habitação social excedentárias que eram financiadas pelos auxílios de Estado, as sociedades de habitação falsearam a concorrência no mercado imobiliário, ao oferecerem habitações abaixo dos preços de mercado e investiam os lucros daí resultantes em outras atividades comerciais.

159

Importa recordar, a este respeito, que o ofício artigo 17.o é apenas a primeira etapa do procedimento, que não contém uma apreciação definitiva sobre a compatibilidade do auxílio existente. As autoridades neerlandesas, em resposta a esse ofício, estavam em condições de prestar informações complementares suscetíveis de demonstrar a inexistência de sobrecompensação e a compatibilidade do sistema inicial com o artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

160

Ora, no seu ofício de 6 de setembro de 2005, as autoridades neerlandesas salientaram que todas as operações entre as sociedades de habitação e as suas filiais comerciais deveriam ter lugar nas condições do mercado e que, segundo o Governo neerlandês, daí decorria que os recursos públicos destinados ao grupo‑alvo social não podiam ser utilizados para as atividades comerciais. Resulta do excerto desse ofício mencionado no n.o 101, supra, que as autoridades neerlandesas, longe de contestarem a existência de um risco de sobrecompensação, admitiram, pelo contrário, a necessidade de adotar medidas, prevendo designadamente a obrigação de manter contabilidades separadas, a fim de limitar a atribuição do auxílio de Estado às atividades destinadas ao grupo‑alvo de pessoas desfavorecidas.

161

Além disso, contrariamente ao que alegam as recorrentes, resulta do ofício artigo 17.o que uma definição precisa do SIEG não era a única medida que permitia evitar que uma sobrecompensação beneficiasse as atividades comerciais. Com efeito, para determinar os custos e as receitas relativos ao serviço público e evitar que uma sobrecompensação do SIEG seja utilizada com o objetivo de financiar as atividades comerciais das sociedades de habitação, a Comissão recordou que, em aplicação da Diretiva 80/723, estas últimas deviam estar obrigadas a uma contabilidade separada.

162

A este respeito, cabe referir que o artigo 5.o, n.o 5, da Decisão 2005/842 prevê igualmente que «[q]uando a empresa desenvolve simultaneamente atividades abrangidas e não abrangidas pelo âmbito dos serviços de interesse económico geral, a sua contabilidade interna deve apresentar, separadamente, os custos e as receitas relativos ao serviço de interesse económico geral e os relativos aos outros serviços, bem como os parâmetros de afetação dos custos e receitas».

163

Por outro lado, a jurisprudência invocada pelas recorrentes segundo a qual o controlo do caráter proporcional da compensação para a execução de uma missão SIEG, conforme estabelecida por um ato de alcance geral, se limita a verificar se a compensação prevista é necessária para que a missão SIEG em causa possa ser realizada em condições economicamente aceitáveis (Acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 222), não é pertinente no caso em apreço. Com efeito, basta recordar que a Comissão indicou, no ofício artigo 17.o, que, na falta de uma definição suficientemente precisa do SIEG e de informações suficiente transmitidas pelas autoridades neerlandesas, não estava em condições de determinar os custos e as receitas relativos ao SIEG e, portanto, de apreciar o caráter proporcional da compensação.

164

Consequentemente, o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao oitavo fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter abusado do procedimento de apreciação dos regimes de auxílios existentes, ao impor, com base nesse procedimento, uma lista taxativa dos edifícios que podem ser qualificados de «imóveis sociais»

165

As recorrentes alegam que a Comissão abusou do procedimento relativo aos auxílios existentes e excedeu as suas competências ao aprovar uma lista taxativa de edifícios que podem ser qualificados de «imóveis sociais». Segundo as recorrentes, a Comissão não podia formular uma apreciação que tivesse por consequência que projetos que não figuram na lista deixem de poder ser qualificados de «imóveis sociais».

166

Argumentam que a referida aprovação não faz parte das competências da Comissão. Salientam que, nem no ofício artigo 17.o, nem nas propostas de medidas úteis, a Comissão fez recomendações relativas à definição de imóvel social. A Comissão limitou‑se a observar que os imóveis que constam da lista têm uma função social manifesta, sem indicar a razão pela qual essa função não é aplicável a outros imóveis. A Comissão não analisou a definição inicial das missões das sociedades de habitação no que respeita aos imóveis sociais e, por conseguinte, não podia decidir que essa definição apresentava erros que careciam de uma definição mais restritiva dessas missões.

167

Saliente‑se que, na decisão controvertida, a Comissão constatou que entre as atividades de interesse geral das sociedades de habitação figuram a construção e o arrendamento de imóveis de interesse geral. As sociedades de habitação beneficiam de auxílios de Estado para cobrir os custos de investimento e dão esses imóveis de arrendamento a organizações não governamentais ou a organismos públicos, os quais prestam serviços públicos ou realizam atividades sem fins lucrativos, com exclusão de qualquer atividade comercial. Salientou que os beneficiários dos auxílios de Estado são, antes de mais, as sociedades de habitação, em seguida, os operadores que exercem atividades nesses imóveis e, por último, os cidadãos que beneficiam dos serviços propostos.

168

Na decisão controvertida, a Comissão enumerou os compromissos assumidos pelas autoridades neerlandesas, no seu ofício de 3 de dezembro de 2009, relativos às atividades das sociedades de habitação que consistiam na construção e arrendamento de imóveis de interesse geral. Esses compromissos são descritos do seguinte modo:

«Os imóveis de interesse geral compreendem centros de bairro, centros de saúde, centros de acolhimento para mulheres, centros de assistência a pessoas idosas, centros culturais, desportivos, etc. Estes estabelecimentos são detidos e mantidos por sociedades de habitação e dados de arrendamento a organizações não governamentais ou a organismos públicos. Aplicar‑se‑ão as seguintes condições:

n)

Apenas podem receber auxílios os estabelecimentos que sirvam efetivamente o interesse geral e contribuam para a vida da coletividade, por exemplo, os centros comunitários, centros de bairro, centros de juventude, etc. Será aprovada por ato administrativo e anexa à presente decisão uma lista quase exaustiva dos estabelecimentos que podem ser qualificados de imóveis de interesse geral.

o)

As sociedades de habitação estão obrigadas a dar de arrendamento os referidos imóveis em contrapartida de uma renda inferior às rendas praticadas no mercado, de modo que o benefício obtido pelas sociedades de habitação seja repercutido nas organizações sociais que exercem as suas atividades no imóvel.

[…]»

169

A Comissão constatou que a lista dos estabelecimentos que podiam ser qualificados de interesse geral, anexa à decisão controvertida, mostrava claramente que todas as atividades exercidas nesses estabelecimentos constituíam verdadeiramente atividades de interesse geral. Recordou que, dado que as sociedades de habitação estavam obrigadas a aplicar rendas moderadas aos seus locatários, os benefícios que lhes eram atribuídos eram repercutidos nos locatários, os quais eram prestadores de serviços públicos ou organizações sem fins lucrativos. Observou que os auxílios visavam objetivos definidos de forma estrita e específica, como mostrava a lista precisa dos imóveis com vocação social, e considerou que todos os projetos comerciais estavam excluídos do regime de auxílios.

170

Há que salientar que a lista das «estabelecimentos que podem ser qualificados de imóveis de interesse geral» que figura em anexo à decisão controvertida foi estabelecida pelas autoridades neerlandesas, facto que as recorrentes não contestam.

171

A Comissão considerou que a referida lista, conjuntamente com outros compromissos assumidos pelas autoridades neerlandesas, permitia responder ao receio, manifestado «durante o procedimento, de que atividades comerciais beneficiem de auxílios de Estado.

172

Contrariamente ao que argumentam as recorrentes, foi para responder às preocupações da Comissão face ao risco de os auxílios concedidos para o financiamento do SIEG beneficiarem edifícios nos quais são exercidas atividades comerciais, expressas no âmbito do procedimento de cooperação, que as autoridades neerlandesas propuseram uma lista de imóveis com vocação social.

173

A este propósito, no ofício que remeteu, em 12 de junho de 2009, ao presidente da Segunda Câmara do Parlamento, o ministro da Habitação neerlandês informou que a Comissão tinha manifestado dúvidas quanto à concessão de auxílios de Estado para a construção e arrendamento de imóveis sociais. Declarou o seguinte:

«Considero que é importante que o auxílio de Estado continue disponível para construir e arrendar imóveis sociais. Para o efeito, na ocasião da concertação com a [Comissão], descreverei com maior exatidão o conceito de imóvel social a fim de estabelecer claramente a distinção com um imóvel de uso essencialmente comercial.»

174

Resulta do que precede que a apreciação da Comissão, relativa aos auxílios concedidos às sociedades de habitação respeitantes à construção e arrendamento de imóveis de interesse geral, é conforme ao procedimento de exame dos auxílios existentes previsto pelos artigos 17.o a 19.o do Regulamento n.o 659/1999.

175

Por último, no que respeita ao argumento das recorrentes de que a aprovação da referida lista tem como consequência que os projetos que nela não figurem já não podem ser qualificados de imóveis sociais, basta observar que não foi a Comissão, mas as autoridades neerlandesas, nos seus compromissos, que definiram os estabelecimentos que podem ser qualificados de imóveis de interesse geral e, por conseguinte, os que não o podem. Não compete à Comissão, contrariamente ao que alegam as recorrentes, indicar a razão pela qual a função social não é aplicável a outros imóveis.

176

Por conseguinte, o oitavo fundamento deve ser julgado improcedente.

177

Tendo em conta o que precede, deve ser negado provimento aos recursos.

Quanto às despesas

178

Em conformidade com o artigo 219.o do Regulamento de Processo, nas decisões do Tribunal Geral proferidas após anulação e remessa, este Tribunal decide das despesas relativas, por um lado, aos processos que nele correram e, por outro, ao processo de recurso para o Tribunal de Justiça.

179

Na medida em que, nos acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100); de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão (C‑133/12 P, EU:C:2014:105); de 15 de março de 2017, Stichting Woonlinie e o./Comissão (C‑414/15 P, EU:C:2017:215); e de 15 de março de 2017, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑415/15 P, EU:C:2017:216), o Tribunal de Justiça reservou para final a decisão quanto às despesas, compete ao Tribunal Geral decidir igualmente, no presente acórdão, das despesas relativas aos referidos processos de recurso.

180

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão e pela IVBN, em conformidade com o pedido destas últimas.

181

O Reino da Bélgica, que interveio no litígio, suportará as suas próprias despesas, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

decide:

 

1)

É negado provimento aos recursos.

 

2)

A Stichting Woonlinie, a Woningstichting Volksbelang e a Stichting Woonstede, são condenadas a suportar as suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia nos processos T‑202/10, T‑202/10 RENV, T‑202/10 RENV II, C‑133/12 P e C‑414/15 P e as despesas efetuadas pela Vereniging van Institutionele Beleggers in Vastgoed, Nederland (IVBN) nos processos T‑202/10, T‑202/10 RENV e T‑202/10 RENV II.

 

3)

A Stichting Woonpunt, a Woningstichting Haag Wonen e a Stichting Woonbedrijf SWS.Hhvl, são condenadas a suportar as suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia nos processos T‑203/10, T‑203/10 RENV, T‑203/10 RENV II, C‑132/12 P e C‑415/15 P e as despesas efetuadas pela IVBN nos processos T‑203/10, T‑203/10 RENV e T‑203/10 RENV II.

 

4)

O Reino da Bélgica é condenado a suportar as suas próprias despesas.

 

Collins

Kancheva

Barents

Passer

De Baere

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de novembro de 2018.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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