Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62002CJ0270

    Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 5 de Fevereiro de 2004.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
    Medidas de efeito equivalente - Produtos alimentares para desportistas legalmente fabricados e comercializados noutros Estados-Membros - Autorização prévia à comercialização.
    Processo C-270/02.

    Colectânea de Jurisprudência 2004 I-01559

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:78

    Arrêt de la Cour

    Processo C-270/02


    Comissão das Comunidades Europeias
    contra
    República Italiana


    «Medidas de efeito equivalente – Produtos alimentares para desportistas legalmente fabricados e comercializados noutros Estados-Membros – Autorização prévia à comercialização»

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 5 de Fevereiro de 2004
        

    Sumário do acórdão

    Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas – Medidas de efeito equivalente – Regulamentação nacional que faz depender de autorização a comercialização de géneros alimentícios para desportistas – Inadmissibilidade – Justificação – Protecção da saúde pública – Protecção dos consumidores – Inexistência se não for demonstrada a necessidade e a proporcionalidade da referida medida

    (Artigos 28.° CE e 30.° CE)

    Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 28.° CE e 30.° CE um Estado‑Membro que mantém em vigor uma legislação que faz depender a comercialização de géneros alimentícios para desportistas, legalmente fabricados e comercializados noutros Estados‑Membros, da obrigação de pedir uma autorização prévia e da abertura de um procedimento para esse efeito, sem ter demonstrado o carácter necessário e proporcionado de tal exigência.

    Com efeito, cabe às autoridades nacionais competentes demonstrar, por um lado, que a sua regulamentação é necessária para realizar um ou vários objectivos mencionados no artigo 30.° CE, como a protecção da saúde e da vida das pessoas ou por exigências imperativas de, nomeadamente, defesa dos consumidores e, eventualmente, que a comercialização dos produtos em questão constitui um risco sério para a saúde pública e, por outro, que essa regulamentação está em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

    (cf. n.os 21, 22, 26, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
    5 de Fevereiro de 2004(1)

    «Medidas de efeito equivalente – Produtos alimentares para desportistas legalmente fabricados e comercializados noutros Estados-Membros – Autorização prévia à comercialização»

    No processo C-270/02,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por C.-F. Durand e R. Amorosi, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. Aiello, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandada,

    que tem por objecto obter a declaração de que, ao manter em vigor uma legislação que faz depender a comercialização de géneros alimentícios para desportistas, legalmente fabricados e comercializados noutros Estados-Membros, da obrigação de pedir uma autorização prévia e da abertura de um procedimento para esse efeito, sem ter demonstrado o carácter necessário e proporcionado de tal exigência, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 28.° CE e 30.° CE,



    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),,



    composto por: C. Gulmann, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J.-P. Puissochet e F. Macken (relatora), juízes,

    advogado-geral: J. Mischo,
    secretário: R. Grass,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente



    Acórdão



    1
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de Julho de 2002, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção com vista a obter a declaração de que, ao manter em vigor uma legislação que faz depender a comercialização de géneros alimentícios para desportistas, legalmente fabricados e comercializados noutros Estados‑Membros, da obrigação de pedir uma autorização prévia e da abertura de um procedimento para esse efeito, sem ter demonstrado o carácter necessário e proporcionado de tal exigência, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 28.° CE e 30.° CE.


    Enquadramento jurídico

    Legislação comunitária

    2
    Por força do artigo 28.° CE, são proibidas, entre os Estados‑Membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente. No entanto, nos termos do artigo 30.° CE, são autorizadas as restrições à importação que são justificadas, designadamente, por razões de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas, na medida em que não constituam um meio de discriminação arbitrária nem qualquer restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros.

    3
    Embora a Directiva 89/398/CEE do Conselho, de 3 de Maio de 1989, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial (JO L 186, p. 27), na redacção dada pela Directiva 1999/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Junho de 1999 (JO L 172, p. 38), preveja no seu artigo 4.°, n.° 1, bem como no seu anexo I, que as disposições específicas aplicáveis a grupos de géneros alimentícios entre os quais figuram os alimentos adaptados a um desgaste muscular intenso, sobretudo para desportistas, são estabelecidas por meio de directivas específicas, nenhuma dessas directivas foi até hoje adoptada para esse tipo de alimentos.

    Legislação nacional

    4
    Na Itália, o artigo 8.° do Decreto legislativo n.° 111, de 27 de Janeiro de 1992, relativo ao fabrico e importação para venda de determinados produtos (suplemento ordinário da GURI n.° 39, de 17 de Fevereiro de 1992, a seguir «Decreto legislativo n.° 111/92»), entre os quais figuram os alimentos adaptados a um desgaste muscular intenso e destinados, antes de mais, aos desportistas, dispõe que estão sujeitas à autorização do Ministério da Saúde, bem como ao pagamento das despesas relacionadas com o tratamento administrativo do pedido, o fabrico e a importação, para venda, de produtos destinados a uma alimentação especial, pertencente aos grupos referidos no anexo I do referido decreto. As modalidades desse procedimento estão definidas num regulamento adoptado posteriormente, o Decreto do Presidente da República n.° 131, de 19 de Janeiro de 1998.


    Procedimento pré‑contencioso

    5
    Uma queixa de um fabricante britânico de géneros alimentícios para desportistas, designadamente, barras energéticas e bebidas re‑hidratantes, na sequência de alegadas dificuldades do seu distribuidor italiano em comercializar na Itália os referidos produtos, chamou a atenção da Comissão. Estes últimos estavam sujeitos à autorização prévia do Ministério da Saúde italiano bem como ao pagamento de despesas administrativas relativas ao pedido de autorização, por força do artigo 8.° do Decreto legislativo n.° 111/92.

    6
    O referido fabricante informou igualmente a Comissão de que as autoridades italianas lhe tinham indicado que, suprimindo a menção «desporto» da embalagem, o simples envio de um exemplar da rotulagem evitava ter de pedir uma autorização.

    7
    Considerando que o procedimento de autorização prévia constituía uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação contrária ao artigo 28.° CE, que esse procedimento não era justificado por uma das razões enumeradas no artigo 30.° CE e que não era nem necessário nem proporcionado à prossecução de um objectivo legítimo, em 11 de Junho de 1998, a Comissão enviou à República Italiana uma notificação de incumprimento.

    8
    Não tendo obtido resposta da República Italiana, a Comissão notificou‑lhe, em 18 de Dezembro de 1998, um parecer fundamentado convidando‑a a adoptar as medidas necessárias para dar cumprimento a este parecer no prazo de dois meses a contar da notificação deste.

    9
    A República Italiana respondeu ao parecer fundamentado, em primeiro lugar, por carta de 4 de Fevereiro de 1999, afirmando que a legislação em causa tinha por objectivo proteger a saúde do consumidor e que as orientações gerais relativas à emissão da autorização tinham sido elaboradas para esse efeito, e, em seguida, por carta de 26 de Abril de 1999, juntando cópia das referidas orientações gerais.

    10
    Não estando satisfeita com a resposta que as autoridades italianas lhe dirigiram em 4 de Fevereiro de 1999 nem com as explicações que lhe forneceram numa reunião «pacote» em 2 de Julho de 1999, a Comissão emitiu, em 25 de Julho de 2001, um parecer fundamentado complementar.

    11
    Não tendo obtido resposta no prazo requerido a Comissão intentou, portanto, a presente acção.


    Quanto à acção

    Argumentos das partes

    12
    Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos artigos 28.° CE e 30.° CE, a Comissão considera que a existência de incumprimento não parece poder ser contestada.

    13
    Antes de mais, a Comissão considera que uma legislação como a do caso vertente constitui um entrave à livre circulação dos produtos em causa. Ora, segundo a Comissão, a República Italiana não demonstrou que não existe um risco para a saúde pública, bem como uma relação entre o objectivo de prevenção desse risco e a legislação adoptada, nem qualquer solução que permita alcançar esse mesmo objectivo colocando entraves menores ao comércio intracomunitário.

    14
    Em seguida, a Comissão alega que as orientações gerais em que o Governo italiano se baseou no procedimento pré‑contencioso apenas salientam o aspecto nutricional e informativo do produto, sem mencionar o risco sanitário inerente à sua utilização nem distinguir as modalidades dessa utilização, e não compreende, portanto, as razões de protecção da saúde pública invocadas pelas autoridades italianas para justificar o procedimento de autorização prévia.

    15
    Por último, na opinião da Comissão, no caso de o objectivo do referido procedimento ser o de garantir uma informação exacta do consumidor, resulta que tal objectivo pode ser atingido também de modo eficaz através da notificação do produto à autoridade competente, com o envio de um exemplar da rotulagem.

    16
    Na sua contestação, a República Italiana limita‑se a afirmar que está em vias de alterar o artigo 8.° do Decreto legislativo n.° 111/92, prevendo que a comercialização dos géneros alimentícios deixará de estar dependente de um procedimento de autorização prévia, mas apenas será sujeita a um procedimento de notificação.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    17
    A livre circulação de mercadorias entre Estados-Membros é um princípio fundamental do Tratado CE que tem a sua expressão na proibição, constante do artigo 28.° CE, das restrições quantitativas à importação entre os Estados-Membros, bem como de todas as medidas de efeito equivalente.

    18
    A proibição das medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas prevista no artigo 28.° CE visa qualquer medida comercial dos Estados-Membros susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário (acórdãos de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837, n.° 5, Colect., p. 423; de 12 de Março de 1987, Comissão/Alemanha, dito «Lei da pureza da cerveja», 178/84, Colect., p. 1227, n.° 27, e de 16 de Janeiro de 2003, Comissão/Espanha, C-12/00, Colect., p. I-459, n.° 71).

    19
    Tratando‑se da comercialização num Estado‑Membro de produtos legalmente fabricados e comercializados noutro Estado‑Membro, e na falta de harmonização comunitária, uma obrigação, tal como a imposta no caso vertente pelo artigo 8.° do Decreto legislativo n.° 111/92, que exige que os alimentos adaptados a um desgaste muscular intenso e destinados, antes de mais, aos desportistas sejam sujeitos a um procedimento de autorização prévia, bem como ao pagamento das respectivas despesas administrativas, torna a comercialização desses produtos mais difícil e dispendiosa (v., neste sentido, acórdãos de 3 de Junho de 1999, Colim, C‑33/97, Colect., p. I‑3175, n.° 36, e de 16 de Novembro de 2000, Comissão/Bélgica, C‑217/99, Colect., p. I‑10251, n.° 17). Por conseguinte, tal obrigação entrava as trocas entre Estados‑Membros e constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 28.° CE.

    20
    É verdade que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional que sujeita a uma autorização prévia o uso de uma substância nutritiva num género alimentício legalmente fabricado e/ou comercializado noutros Estados‑Membros não é, em princípio, contrária ao direito comunitário se determinadas condições estiverem preenchidas (v., neste sentido, acórdão de 16 de Julho de 1992, Comissão/França, C‑344/90, Colect., p. I‑4719, n.° 8, e acórdão deste dia, Comissão/França, C‑24/00, ainda não publicado na Colectânea, n.os 25 a 27).

    21
    No entanto, uma obrigação como a do caso vertente só se justifica por uma das razões de interesse geral enumeradas no artigo 30.° CE, tal como a protecção da saúde e da vida das pessoas, ou por uma das exigências imperativas destinadas, designadamente, à defesa dos consumidores (v., designadamente, acórdãos de 20 de Fevereiro de 1979 Rewe‑Zentral, dito «Cassis de Dijon», 120/78, Colect., p. 327, n.° 8, e de 19 de Junho de 2003, Comissão/Itália, C‑420/01, Colect., p. I‑6445, n.° 29).

    22
    Segundo jurisprudência constante, cabe às autoridades nacionais competentes demonstrar, por um lado, que a sua regulamentação é necessária para realizar um ou vários objectivos mencionados no artigo 30.° CE ou por exigências imperativas e, eventualmente, que a comercialização dos produtos em questão constitui um risco sério para a saúde pública e, por outro, que essa regulamentação está em conformidade com o princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, acórdãos de 30 de Novembro de 1983, Van Bennekom, 227/82, Recueil, p. 3883, n.° 40; de 13 de Março de 1997, Morellato, C‑358/95, Colect., p. I‑1431, n.° 14; de 8 de Maio de 2003, ATRAL, C‑14/02, Colect., p. I‑4431, n.° 67, e Comissão/Itália, já referido, n.° 30).

    23
    No caso vertente, o Governo italiano não demonstrou que o procedimento de autorização prévia para a comercialização dos alimentos para desportistas é justificado por e proporcionado a uma das razões de interesse geral enumeradas no artigo 30.° CE, designadamente, a protecção da saúde pública.

    24
    Não obstante os pedidos da Comissão, o Governo italiano não demonstrou nenhum pretenso risco para a saúde pública que os produtos em causa seriam susceptíveis de apresentar. O mesmo governo não precisou em que dados científicos ou relatórios médicos se baseavam as orientações gerais juntas e não forneceu informações gerais sobre o alegado risco. Além disso, não evidenciou a relação entre o procedimento em causa e o alegado risco para a saúde pública nem explicou as razões pelas quais tal protecção seria mais eficaz do que outras formas de controlo e, portanto, proporcionada ao objectivo prosseguido.

    25
    Por outro lado, se, como a Comissão alegou, o procedimento em causa tem, na realidade, mais por objectivo a defesa dos consumidores, o Governo italiano também não demonstrou em que é que esse procedimento é necessário e proporcionado ao referido objectivo. Com efeito, há medidas menos restritivas para afastar esses riscos residuais de enganar os consumidores, entre as quais figura, nomeadamente, a notificação da comercialização do produto em causa à autoridade competente pelo fabricante ou pelo distribuidor do produto, com o envio de um exemplar da rotulagem e a obrigação para o fabricante ou para o distribuidor deste de produzir, em caso de dúvidas, prova da exactidão material dos dados de facto mencionados na rotulagem (v., neste sentido, acórdãos de 28 de Janeiro de 1999, Unilever, C‑77/97, Colect., p. I‑431, n.° 35, e de 23 de Janeiro de 2003, Comissão/Áustria, C‑221/00, Colect., p. I‑1007, n.os 49 e 52).

    26
    Tendo em conta a totalidade das circunstâncias precedentes, há que declarar que, ao manter em vigor uma legislação que faz depender a comercialização de géneros alimentícios para desportistas, legalmente fabricados e comercializados noutros Estados‑Membros, da obrigação de pedir uma autorização prévia e da abertura de um procedimento para esse efeito, sem ter demonstrado o carácter necessário e proporcionado de tal exigência, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 28.° CE e 30.° CE.


    Quanto às despesas

    27
    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Italiana e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    decide:

    1)
    Ao manter em vigor uma legislação que faz depender a comercialização de géneros alimentícios para desportistas, legalmente fabricados e comercializados noutros Estados‑Membros, da obrigação de pedir uma autorização prévia e da abertura de um procedimento para esse efeito, sem ter demonstrado o carácter necessário e proporcionado de tal exigência, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 28.° CE e 30.° CE.

    2)
    A República Italiana é condenada nas despesas.

    Gulmann

    Puissochet

    Macken

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de Fevereiro de 2004.

    O secretário

    O presidente

    R. Grass

    V. Skouris


    1
    Língua do processo: italiano.

    Top