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Document 61985CJ0024

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 18 de Março de 1986.
    Jozef Maria Antonius Spijkers contra Gebroeders Benedik Abattoir CV e Alfred Benedik en Zonen BV.
    Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad - Países Baixos.
    Manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas.
    Processo 24/85.

    Colectânea de Jurisprudência 1986 -01119

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1986:127

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Quinta Secção)

    18 de Março de 1986 ( *1 )

    No processo 24/85,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado, pelo Hoge Raad der Nederlanden, visando a obtenção, no processo pendente perante este órgão jurisdicional nacional entre

    Jozef Maria Antonius Spijkers

    e

    1) Gebroeders Benedik Abattoir CV,

    2) Alfred Benedik en Zonen BV,

    de uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 77/187 do Conselho de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO 1977, L 61, p. 26; EE 05, fase. 02, p. 122),

    O TRIBUNAL (Quinta Secção),

    constituído pelos Srs. U. Everling, presidente de secção, R. Joliét, O. Due, Y. Galmot e C. Kakouris, juízes,

    advogado-geral: Sir Gordon Slynn

    secretário: H. A. Rühi, administrador principal

    considerando as observações apresentadas:

    por Jozef Maria Antonius Spijkers, representado por J. Groen e J. A. Van Veen, advogados em Haia,

    pelo Governo neerlandês, representado por I. Verkade, secretário-geral do ministério dos Negocios Estrangeiros,

    pelo Governo britânico, representado por S. J. Hay, do Treasury Solicitor's Department, e por Ch. Symons, advogado,

    pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Thomas van Rijn e F. Grondman, membros do seu Serviço Jurídico;

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 22 de Janeiro de 1986,

    profere o presente

    ACÓRDÃO

    (A parte relativa aos factos não é reproduzida)

    Fundamentos da decisão

    1

    Por decisão de 18 de Janeiro de 1985, entrada no Tribunal em 25 de Janeiro de 1985, o Hoge Raad der Nederlanden colocou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, três questões prejudiciais relativas à interpretação do n.° 1 do artigo 1.° da Directiva 77/187 do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO 1977, L 61, p. 26; EE 05, fase. 02, p. 122).

    2

    Estas questões foram colocadas no âmbito de um processo instaurado por Jozef Maria Antonius Spijkers contra as sociedades Gebroeders Benedik Abattoir CV (a seguir designada por Benedik CV) e Alfred Benedik en Zonen BV (a seguir designado por Benedik BV).

    3

    Resulta dos factos constatados pelo órgão jurisdicional nacional que J. Spijkers era empregado, na qualidade de director-adjunto, da sociedade Gebroeders Colaris Abattoir BV (a seguir designada por Colaris), em Ubach over Worms (Países Baixos), sociedade cuja actividade consistia em explorar um matadouro. De acordo com a decisão de reenvio, de 27 de Dezembro de 1982, quando as actividades de Colaris «tinham cessado completamente e quando, designadamente, os elementos incorpóreos da empresa não tinham já qualquer valor», o conjunto do matadouro, com diversas instalações e escritórios, o terreno e um determinado número de bens móveis foram comprados pela Benedik CV. Esta última explora desde então — mas, de facto, desde 7 de Fevereiro de 1983 — um matadouro por conta comum da Benedik CV e da Benedik BV. Todos os trabalhadores da Colaris, à excepção de Spijkers e de um outro trabalhador, foram empregados pela Benedik. O órgão jurisdicional nacional considera, além disso, que a actividade exercida pela Benedik, no conjunto de edifícios em questão, é da mesma natureza da exercida anteriormente pela Colaris, que a transferência dos meios de produção permitiu à Benedik prosseguir as actividades da Colaris, mas que a clientela da Colaris não foi reatada pela Benedik.

    4

    Por decisões do Rechtbank de Maastricht de 3 de Março de 1983, a Colaris foi declarada falida. Por acto de 9 de Março de 1983, J. Spijkers citou a Benedik CV e a Benedik BV em processos de medidas provisórias perante o presidente do Rechtbank de Maastricht, pedindo que fossem condenadas a pagar-lhe o seu salário a partir de 27 de Dezembro de 1982, ou, pelo menos, a partir da data que este órgão jurisdicional nacional entendesse correcta, e a dar-lhe trabalho dentro dos dois dias a seguir à decisão a tomar. Em apoio do seu pedido, afirmou que se tratava, na ocorrência, de uma transferência da empresa, na acepção da legislação neerlandesa adoptada para levar à prática a Directiva 77/187, já citada, o que importaria, ipso jure, a tranferência para a Benedik dos direitos e obrigações derivados do seu contrato de trabalho com a Colaris.

    5

    Tendo sido considerado improcedente pelo presidente do Rechtbank de Maastricht o pedido formulado no processo de medidas provisórias e tendo esta decisão sido confirmada em recurso pelo Gerechtshof de 's-Hertogenbosch, J. Spijkers interpôs recurso de cassação perante o Hoge Raad der Nederlanden, que decidiu suspender a instância e interpelar o Tribunal sobre as seguintes questões :

    «1)

    Será de considerar que há transferência, na acepção do n.° 1 do artigo 1.° da Directiva 77/187/CEE, no caso da tranferência dos edifícios e dos bens móveis, quando, por este facto, ao “adquirente” da empresa é conferida a possibilidade de prosseguir as actividades do “titular originário” e quando, em seguida, o “adquirente” exerce no complexo de edifícios em questão actividades análogas?

    2)

    O facto de, no momento da venda dos edificios e dos bens móveis, terem cessado completamente as actividades do vendedor e, nomeadamente, de os elementos incorpóreos da empresa não terem já qualquer valor constituirá obstáculo a que se considere que se está perante uma “tranferência”, no sentido da primeira questão?

    3)

    O facto de a clientela não ter sido objecto de transferência constuirá obstáculo a que se considere que se está em presença de uma transferência?»

    6

    Para se poder compreender bem o objecto destas questões, convirá colocá-las no contexto da Directiva 77/187. Esta, adoptada com base, nomeadamente, no artigo 100.° do Tratado, tem em vista, nos termos dos seus considerandos, «proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresários especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos». Com esta finalidade, prevê, entre outras coisas, no n.° 1 do artigo 3.°, a transferência dos direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho e, no n.° 1 do seu artigo 4.°, a protecção dos trabalhadores em causa contra o despedimento por parte do cedente ou do cessionário, só por causa da transferência. O n.° 1 do artigo 1.°, cuja interpretação é solicitada no caso concreto, define o âmbito de aplicação desta directiva ao dispor que «a presente directiva é aplicável às transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que resultam de uma cessão convencional ou de fusão que impliquem mudança de empresário».

    7

    Há, portanto, que entender que, pelas questões prejudiciais assim colocadas, o órgão jurisdicional nacional deseja ser esclarecido sobre o alcance e os critérios da noção de «transferência de empresas, de estabelecimento ou de partes de estabelecimentos que impliquem mudança de empresário» que consta do n.° 1 do artigo 1.° da directiva, tendo em vista um caso como o descrito na decisão de reenvio. Estas questões devem, por isso, ser examinadas em conjunto.

    8

    J. M. Spijkers afirma que há transferência de empresa, na acepção do n.° 1 da Directiva 77/187, desde que os meios de produção e as actividades da empresa sejam transferidos, como unidade, de um empresário para o outro, sem que seja importante saber se, no momento da transferência, as actividades do cedente tinham sido interrompidas ou se o «goodwill» (clientela e imagem de marca) tinha já desaparecido.

    9

    Os governos neerlandês e britânico bem como a Comissão entendem, em contrapartida, que a existência ou a ausência de uma transferência de empresa, na acepção indicada, deve ser apreciada à luz de todas as circunstâncias que caracterizam a operação em causa, tais como a transferência ou não dos activos corpóreos (edifícios, bens móveis, «stocks») e incorpóreos («know-how», «goodwill»), a natureza das actividades prosseguidas bem como a eventual cessação das actividades à data da transferência. Todavia, nenhum destes elementos será, só por si, determinante.

    10

    O Governo britânico e a Comissão sugerem, neste contexto, que, para determinar o critério essencial desta noção, se examine se o cessionário se torna titular de uma empresa ainda existente cuja actividade pode prosseguir ou, pelo menos, tem a possibilidade de prosseguir actividades da mesma natureza. O Governo neerlandês sublinha que, em atenção ao objectivo social da directiva, a noção de transferência supõe a prossecução efectiva das actividades do cedente pelo cessionário, no quadro da mesma empresa.

    11

    Este último ponto de vista deve ser acolhido. Resulta, com efeito, da economia da Directiva 77/187 e dos termos do n.° 1 do seu artigo 1.° que esta directiva tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente duma mudança de titular. Do que resulta que o critério decisivo para estabelecer a existência de uma transferência, na acepção desta directiva, é saber se a entidade em questão mantém a sua identidade.

    12

    Por conseguinte, não poderá verificar-se a transferência de uma empresa, de um estabelecimento ou de uma parte de estabelecimento pelo simples facto de os seus activos serem alienados. Convém, pelo contrário, avaliar, num caso como o presente, se se trata de uma entidade económica ainda existente que foi alienada, o que resulta designadamente do facto de a sua exploração ser efectivamente prosseguida ou retomada pelo novo empresário, com as mesmas actividades económicas ou com actividades da mesma natureza.

    13

    Para determinar se estas condições estão reunidas, convirá tomar em consideração o conjunto de circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não dos elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, o emprego ou não por parte do novo empresário do essencial dos efectivos, a transferencia ou não da clientela, bem como o grau de similitude das actividades exercidas antes e depois da transferencia e da duração de uma eventual suspensão destas actividades. Convirá, todavia, precisar que todos estes elementos não passam de aspectos parciais da avaliação de conjunto qüe se impõe e não poderão, por isso, ser apreciados isoladamente.

    14

    As apreciações de facto necessárias com vista à verificação da existência ou não da transferência, na acepção indicada, relevam da competência do órgão jurisdicional nacional, tendo em conta os elementos de interpretação acima especificados.

    15

    Por estas razões, há que dar como resposta às questões colocadas que o n.° 1 do artigo 1.° da Directiva 77/187, de 14 de Fevereiro de 1977, deve ser interpretado no sentido de que a noção de «transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que impliquem mudança de empresário» tem em vista a hipótese de a entidade económica em questão manter a sua identidade. Para verificar a existência ou não de uma transferência, na acepção indicada, num caso como o que constitui o objecto do processo principal, convém averiguar, tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, se se trata de uma entidade económica ainda existente que foi alienada — o que resulta nomeadamente do facto de a sua exploração ser efectivamente prosseguida ou retomada pelo novo empresário, com as mesmas actividades económicas ou com actividades da mesma natureza.

    Quanto às despesas

    16

    As despesas efectuadas pelos governos britânico e neerlandês bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser objecto de reembolso. Revestindo o processo, em relação às partes no processo principal, o carácter de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, cabe a este decidir sobre as despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL (Quinta Secção),

    pronunciando-se sobre as questões que lhe foram apresentadas pelo Hoge Raad der Nederlanden, por decisão de 18 de Janeiro de 1985, declara:

     

    O n.° 1 do artigo l.° da Directiva 77/187, de 14 de Fevereiro de 1977, deve ser interpretado no sentido de que a noção de «transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que impliquem mudança de empresário» tem em vista a hipótese de a entidade econômica em questão manter a sua identidade. Para verificar a existência ou não de uma transferência, na acepção indicada, num caso como o que constitui objecto do processo principal, convém averiguar, tendo em consideração o conjunto das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, se se trata de uma entidade económica ainda existente que foi alienada — o que resulta, nomeadamente, do facto de a sua exploração ser efectivamente prosseguida ou retomada pelo novo empresário, com as mesmas actividades económicas ou com actividades da mesma natureza.

     

    Everling

    Joliét

    Due

    Galmot

    Kakouris

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 18 de Março de 1986.

    O secretário

    P. Heim

    O presidente da Quinta Secção

    U. Everling


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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