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Document 52019IE2261

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Tecnologia de cadeia de blocos e o mercado único da UE — Que futuro?»(parecer de iniciativa)

    EESC 2019/02261

    JO C 47 de 11.2.2020, p. 17–22 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    11.2.2020   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 47/17


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Tecnologia de cadeia de blocos e o mercado único da UE — Que futuro?»

    (parecer de iniciativa)

    (2020/C 47/03)

    Relatora: Ariane RODERT

    Correlator: Gonçalo LOBO XAVIER

    Decisão da plenária

    21.2.2019

    Base jurídica

    Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

    Parecer de iniciativa

    Competência

    Secção do Mercado Único, Produção e Consumo

    Adoção em secção

    18.10.2019

    Adoção em plenária

    30.10.2019

    Reunião plenária n.o

    547

    Resultado da votação

    (votos a favor/votos contra/abstenções)

    182/1/5

    1.   Conclusões e recomendações

    1.1.

    O presente parecer incide sobre a cadeia de blocos enquanto tecnologia. Quando é aplicada, pode ser uma força transformadora positiva em muitos setores da sociedade, trazendo consigo valores como a confiança e a transparência, a democracia e a segurança. Em última análise, pode ajudar a reinventar modelos socioeconómicos, apoiando assim a inovação societal necessária para fazer face aos desafios atuais da sociedade. No entanto, uma vez que a questão das criptomoedas tem sido intensamente debatida, o CESE deve, num futuro próximo, reexaminar estes instrumentos separadamente em relação ao risco de branqueamento de capitais e/ou de evasão fiscal.

    1.2.

    A aplicação da cadeia de blocos já traz benefícios à sociedade. Contribui para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), capacita os cidadãos, promove o empreendedorismo e a inovação, melhora a mobilidade e as oportunidades transfronteiras para as empresas, ao mesmo tempo que aumenta a transparência para os consumidores. Além disso, pode reduzir a evasão fiscal e a corrupção e desenvolver serviços tanto privados como públicos. No entanto, há ainda vários desafios por superar, nomeadamente a questão urgente da garantia de clareza e segurança jurídicas e da proteção da privacidade.

    1.3.

    Embora as instituições da UE tenham analisado a cadeia de blocos até certo ponto, ainda é necessária uma abordagem comum a nível da UE. Com todo o seu historial, a UE tem uma oportunidade única para manter a sua posição de liderança do mercado mundial, mas apenas se agir de imediato.

    1.4.

    Por conseguinte, o CESE insta a Comissão Europeia a lançar uma iniciativa abrangente para a cadeia de blocos, que defina uma abordagem e visão comuns da UE centradas nos ODS. Esta deverá ser complementada por um plano de ação para que a Europa se torne um ponto de referência em matéria de cadeia de blocos a nível mundial. Importa reforçar a Parceria Europeia de Cadeia de Blocos e o Observatório e Fórum para a Tecnologia de Cadeia de Blocos, criando uma plataforma de partes interessadas da cadeia de blocos da UE que reúna representantes das instituições da UE, nomeadamente do CESE e do Comité das Regiões, da indústria, dos consumidores, dos Estados-Membros e do mundo académico, entre outros, com vista a proporcionar um espaço de aprendizagem e capacitação em conjunto, uma rede de redes e a partilha de boas práticas.

    1.5.

    O CESE pode ter um papel ativo ao acolher esta «plataforma», garantindo a transparência, a integração, a colaboração e a participação da sociedade civil organizada.

    2.   Introdução

    2.1.

    A cadeia de blocos e a tecnologia do livro-razão distribuído têm potencial para transformar a sociedade. A cadeia de blocos é uma estrutura matemática para armazenar dados de forma a limitar a corrupção e a falsificação dos dados. A tecnologia proporciona uma nova forma de criar confiança para a transferência segura de algo de valor. A cadeia de blocos é considerada uma nova fase mais transformadora da era da Internet, mas importa assinalar que se trata de uma de muitas novas oportunidades tecnológicas.

    2.2.

    O presente parecer incide sobre a cadeia de blocos enquanto tecnologia, que pode ser aplicada a toda uma panóplia de domínios e indústrias, como a energia, o setor financeiro, o setor agroalimentar, a medicina e os cuidados de saúde, as eleições e a governação. É esta a tónica do presente parecer, nomeadamente a cadeia de blocos em relação ao mercado único da UE. Se for corretamente aplicada, a cadeia de blocos pode transformar conceitos como a concorrência e a governação e, assim, fazer face aos desafios e às transições da sociedade. No entanto, uma vez que a questão das criptomoedas tem sido intensamente debatida, o CESE deve, num futuro próximo, reexaminar estes instrumentos separadamente em relação ao risco de branqueamento de capitais e/ou de evasão fiscal.

    2.3.

    O Parecer do CESE «Tecnologia de cadeia de blocos e de livro-razão distribuído como infraestrutura ideal para a economia social» (1), elaborado recentemente, define a cadeia de blocos como «simultaneamente, um código, ou seja, um protocolo de comunicação, e um registo público, no qual são «anotadas», com um elevado grau de transparência e de forma não modificável, todas as transações efetuadas entre os participantes na rede, segundo uma ordem sequencial». Esta definição é complementada pela perspetiva da Comissão Europeia de que a cadeia de blocos é uma tecnologia que promove a confiança dos utilizadores e que possibilita a partilha de informações em linha, bem como a aprovação e o registo de transações de uma forma verificável, segura e permanente (2).

    2.4.

    As instituições da UE já tomaram algumas medidas com vista a apoiar o desenvolvimento da cadeia de blocos. Em 2017, o Serviço de Estudos do Parlamento Europeu publicou o Relatório «Como a tecnologia de cadeia de blocos pode mudar as nossas vidas» (3) e, em 2018, a Comissão Europeia lançou o Observatório e Fórum para a Tecnologia de Cadeia de Blocos (4). Estas medidas visam acelerar a inovação e o desenvolvimento no âmbito da cadeia de blocos, para que a Europa mantenha a sua posição de liderança mundial nesta nova tecnologia transformadora.

    2.5.

    Abril de 2018 representou um marco nesta evolução, quando a Comissão Europeia, 21 Estados-Membros e a Noruega assinaram uma declaração com vista a criar a Parceria Europeia de Cadeia de Blocos e a cooperar para estabelecer a Infraestrutura Europeia de Cadeia de Blocos no Setor dos Serviços (5), cujo objetivo consiste em apoiar os serviços públicos digitais transfronteiras com o mais elevado nível de normas de segurança e privacidade. Desde então, 27 Estados-Membros aderiram à parceria.

    2.6.

    Em 2018, o Parlamento Europeu adotou uma resolução não legislativa (6) sobre a cadeia de blocos e a tecnologia do livro-razão distribuído, salientando que esta é uma oportunidade para a UE se tornar «o líder mundial» e ser um «ator credível» na definição do desenvolvimento dos mercados a nível mundial e intersetorial. Assinala-se que a UE está atualmente na vanguarda do desenvolvimento e da aplicação da cadeia de blocos em comparação com os EUA e a China (7).

    3.   Cadeia de blocos — oportunidades para o mercado único e a UE

    3.1.

    Mesmo que a tecnologia de cadeia de blocos seja um fenómeno relativamente novo, estão já a surgir oportunidades significativas no contexto do mercado único.

    3.2.

    A cadeia de blocos contribui para alcançar os ODS. Na sua conceção e proposta de valor, a cadeia de blocos integra confiança, abertura e transparência (8), facto que se destaca no contexto da concretização dos ODS das Nações Unidas (9).

    3.3.

    Eis alguns exemplos (10):

    objetivo n.o 1, «Erradicar a pobreza», e a utilização de criptomoedas para a população sem acesso a bancos;

    objetivo n.o 3, «Saúde de qualidade», e a oportunidade decorrente da partilha de registos de cuidados de saúde dos doentes de forma mais segura e eficiente; e

    objetivos 12, 14 e 15, «Produção e consumo responsáveis», e a capacidade da cadeia de blocos para garantir a proveniência nas cadeias de abastecimento.

    A cadeia de blocos contribui também para vários outros ODS, tais como a igualdade de oportunidades, os direitos humanos na sua relação com os dados pessoais, o trabalho digno e o crescimento económico, a participação democrática, etc.

    3.4.

    Capacitar os cidadãos. A cadeia de blocos pode potencialmente devolver o poder da informação às pessoas que a detêm. Ao partilhar os dados de forma transparente e reduzir a necessidade de intermediários, a cadeia de blocos pode capacitar os intervenientes que se encontravam anteriormente em posições vulneráveis relativamente a entidades centralizadas.

    3.5.

    Promover o empreendedorismo e a inovação. Com o seu modo de funcionamento colaborativo e consensual, estão a surgir soluções inovadoras e novas empresas que assentam na sustentabilidade económica, ambiental e social. A integração, permitida pela cadeia de blocos, oferece uma base para a economia de plataformas e outros modelos de negócios e, como já foi analisado pelo CESE, para a economia social.

    3.6.

    Melhorar a mobilidade e as oportunidades transfronteiras para as empresas, protegendo simultaneamente os consumidores. Minimizam-se as barreiras ao comércio na UE e a nível mundial, garantindo, em simultâneo, a segurança intrínseca e extrínseca em relação a pagamentos e transações no processo de troca. Desta forma, as condições de mercado e o acesso a bens e serviços na UE serão melhorados, protegendo simultaneamente a privacidade dos consumidores, a confidencialidade e a partilha de informações (11).

    3.7.

    Apoiar o Portal Digital Único. O Portal Digital Único introduz o princípio «uma única vez», que significa que qualquer dado só pode ser introduzido uma vez na plataforma. O desenvolvimento da Infraestrutura Europeia de Cadeia de Blocos no Setor dos Serviços, condicionado pela aplicação do princípio «uma única vez», pode portanto servir de instrumento e facilitador de um mercado único eficiente, resistente e sustentável.

    3.8.

    Desenvolver os serviços públicos e privados com base na cadeia de blocos possibilita efeitos positivos enormes decorrentes da transformação digital da economia e da sociedade da UE no seu conjunto. Estão agora a ser desenvolvidos quatro casos de utilização (12) no âmbito da Infraestrutura Europeia de Cadeia de Blocos no Setor dos Serviços, a saber: registo notarial e autenticação, diplomas, identidade autossoberana europeia, fiscalidade e partilha de dados de confiança. Ao nível dos Estados-Membros, os benefícios económicos obtêm-se através do acesso direto aos mercados, com custos nulos ou mínimos de intermediação, transferindo valor verdadeiro para os consumidores. Tal pode ser reforçado graças aos níveis elevados de segurança intrínseca e extrínseca para os consumidores, através da rastreabilidade na cadeia de blocos e da cocriação participativa de bens e serviços. Além disso, os sistemas de votação com base na cadeia de blocos podem tornar seguro o processo de registo e identificação de eleitores e proporcionar um sistema de votação robusto e verificável.

    3.9.

    Criar e verificar identidades digitais para pessoas e organizações. Através da conjugação dos princípios descentralizados da cadeia de blocos com a verificação de identidades e a criptografia, é possível criar uma identidade digital e atribuí-la a cada transação em linha de um ativo. Esta possibilidade traz várias vantagens potenciais tanto para os consumidores e as empresas como para as entidades reguladoras. A identidade digital na cadeia de blocos proporciona a possibilidade de reconhecimento mútuo e execução de operações utilizando um código de contrato inteligente, que também simplifica a realização de negócios. Estas identidades digitais e assinaturas eletrónicas devem seguir o percurso definido pelo eIDAS, devendo também assegurar a interoperabilidade e a compatibilidade.

    3.10.

    Reduzir as violações de dados pessoais. Os riscos de violação de dados podem ser reduzidos ou evitados através da implantação responsável de estruturas de dados da cadeia de blocos. Tal ajudará a proteger dados sensíveis, garantindo simultaneamente a transmissão segura de dados para salvaguardar o direito das pessoas à confidencialidade e à privacidade. Uma forma de o conseguir é evitando o armazenamento aberto de dados privados na cadeia de blocos. Em vez disso, os dados privados podem ser armazenados fora da cadeia de blocos, só sendo trocados quando necessário e em comunicações posto-a-posto.

    3.11.

    Os processos de normalização constituem uma condição para a interoperabilidade transfronteiras e a implantação da cadeia de blocos. Alguns foram já testados e analisados pelos reguladores, mas, à semelhança de qualquer inovação, as iniciativas de normalização devem ser equilibradas pela criação de um ambiente propício à exploração plena das oportunidades oferecidas por esta tecnologia.

    3.12.

    Devem ser empreendidos esforços também para harmonizar as normas criptográficas entre a cadeia de blocos e outras tecnologias associadas ao eIDAS (13), a fim de criar novos níveis de interoperabilidade entre os modelos tecnológicos atuais e futuros. Tal serviria para fazer face ao risco de fragmentação da cadeia de blocos. Com efeito, a Organização Internacional de Normalização (ISO) apresentou um roteiro de normalização para o período até 2020, no qual se pondera também a normalização de domínios como a terminologia, a taxonomia, a verificação de identidades, a interoperabilidade, a governação, a segurança e a privacidade, os casos de utilização e os contratos inteligentes.

    3.13.

    Aumentar a transparência através de contratos inteligentes. As soluções com base na cadeia de blocos proporcionam transparência através da descentralização, permitindo às partes envolvidas ver e verificar os dados. Os «contratos inteligentes» (14) são exemplo disso.

    3.14.

    Reduzir a evasão e a elisão fiscais. O mercado único da UE tem potencial para reforçar o comércio eletrónico, assegurando a redução ao mínimo das externalidades negativas associadas ao comércio internacional atual. Os sistemas de processamento de impostos com base na cadeia de blocos podem assegurar uma maior transparência, tanto para o contribuinte como para o Estado. A cadeia de blocos pode limitar a evasão fiscal e o branqueamento de capitais ao aumentar a prestação de contas nas transações e a responsabilidade nas operações, dessa forma aumentando a competitividade do mercado único da UE. A Comissão Europeia poderia lançar um estudo sobre a forma como a cadeia de blocos pode ajudar neste domínio.

    3.15.

    Criar novos modelos de financiamento, como o financiamento colaborativo (crowdfunding), as ofertas iniciais de moeda virtual ou de tokens, que são conceitos de angariação de fundos a nível universal (do ponto de vista geográfico e demográfico) através da emissão de uma moeda específica para determinado projeto com um mecanismo especial de valorização. Este é o culminar da tendência do financiamento colaborativo.

    3.16.

    Reinventar modelos socioeconómicos. A reconquista do poder pelas pessoas pode reinventar a sociedade. Se a principal vantagem da cadeia de blocos consiste em resolver o problema da confiança entre pessoas sem recorrer a um terceiro, permite igualmente a criação de novos tipos de governação e de relações assentes na transparência das interações. À semelhança de qualquer mudança na sociedade, é necessário ter cuidado para proteger contra o surgimento de estruturas que conduzam a abusos, dando simultaneamente margem de manobra para a experimentação, que pode trazer vantagens significativas para a humanidade. Além disso, as tecnologias e as redes de cadeias de blocos devem evitar a criação de um fosso entre os que detêm o controlo ou que têm capacidade financeira para as utilizar e aqueles que só lhes conseguem ter acesso através de modelos controlados por grandes empresas. Apoiar e promover organizações como as cooperativas, com modelos de governação abertos e democráticos, para que desenvolvam negócios na cadeia de blocos, é fundamental para que a cadeia de blocos tenha êxito entre as PME e as organizações de menores dimensões.

    4.   Cadeia de blocos — alguns desafios a abordar

    4.1.

    Com vista a desbloquear o potencial da cadeia de blocos no mercado único da UE e para as sociedades europeias, é necessário abordar várias questões, sendo prioridade a atual insegurança jurídica. Já existem algumas soluções regulamentares para as criptomoedas e as ofertas iniciais de moeda virtual; no entanto, o quadro legislativo continua pouco claro no que diz respeito à conceção do sistema e nos domínios em que a tecnologia de cadeia de blocos é aplicada, o que conduz a uma abordagem fragmentada ao nível dos Estados-Membros. Sem uma iniciativa conjunta da UE, em prol da segurança jurídica e da clareza em toda a UE, as oportunidades transfronteiras serão limitadas. Os casos de utilização e os ambientes de teste da regulamentação para determinados tipos de serviços e utilizações podem constituir uma primeira fase na compreensão dos requisitos jurídicos futuros. A experiência da UE no desenvolvimento de regulamentações e políticas transfronteiras complexas pode ser uma vantagem relativamente à futura regulamentação da cadeia de blocos.

    4.2.

    A proteção da privacidade é fundamental. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) (15) foi elaborado para lidar com as questões mais urgentes em matéria de dados. Contudo, à data da redação do RGPD, a tecnologia de cadeia de blocos era desconhecida em grande parte, pelo que se impõe uma revisão dos conflitos potenciais entre o RGPD e a cadeia de blocos. O CESE solicita à Comissão Europeia que examine o RGPD e proponha revisões e orientações adicionais sobre a relação entre o RGPD e a cadeia de blocos.

    4.3.

    A distinção jurídica entre dados anonimizados e dados pseudonimizados assenta na categorização dos dados pessoais. Os dados sob pseudónimo permitem ainda alguma forma de reidentificação (até indireta e remota), ao passo que os dados anónimos não podem ser reidentificados. Embora nas cadeias de blocos com autorizações a pseudonimização seja considerada uma solução para as relações facilitadas pela tecnologia de cadeia de blocos, a anonimização é ainda uma barreira regulamentar à utilização mais generalizada das cadeias de blocos sem autorizações, que pode ser superada através da incorporação de soluções de identidade digital nas restrições regulamentares.

    4.4.

    O mecanismo de consenso «prova de trabalho»consome muita energia. Com o desenvolvimento do mecanismo de consenso alternativo «prova de participação», é possível resolver esta questão importante em matéria de sustentabilidade ambiental. Já existem soluções, que devem ser partilhadas e plenamente aplicadas (16).

    4.5.

    Outro desafio técnico é a interoperabilidade com diferentes plataformas de cadeias de blocos. Cadeias de blocos diferentes podem não ser compatíveis devido ao risco imposto às partes que têm de trocar dados. Outra preocupação incide sobre a compatibilidade entre plataformas de cadeias de blocos e sistemas governamentais existentes, impedindo os governos de passarem das suas plataformas atuais para uma interoperabilidade baseada na cadeia de blocos. Garantir a interoperabilidade deverá ser uma prioridade no futuro próximo para os programadores da cadeia de blocos, a fim de permitir a sua adoção em massa.

    4.6.

    A taxa de aceitação da cadeia de blocos depende da sua adoção por diversas formas de empresas, sendo a maioria na UE constituída por PME. Hoje em dia, os custos de transação, em muitos casos, são proibitivos, colocando os serviços técnicos e de consultoria fora do alcance das PME. Apoiar a criação de novas redes de cadeias de blocos, nomeadamente cooperativas, é fundamental para garantir um acesso equitativo às PME e outras entidades de menores dimensões, permitindo uma melhor governação democrática.

    4.7.

    Tal como acontece com qualquer tecnologia de rutura, há desafios sociais a enfrentar. Existe uma necessidade premente de informar corretamente o público em geral sobre as tecnologias de rutura. Estas têm um impacto real na vida quotidiana das pessoas, o que tem de ser abordado cuidadosamente, tornando o diálogo civil e social um elemento crucial. O CESE continuará a reunir conhecimentos e a divulgar as perspetivas da sociedade civil organizada sobre as próximas etapas do desenvolvimento da cadeia de blocos.

    4.8.

    É fundamental entender plenamente e avaliar de que forma a tecnologia de cadeia de blocos tem impacto na defesa dos consumidores e nos seus direitos. É necessária clareza quanto às relações entre, por exemplo, a confidencialidade e a privacidade impostas pela legislação (por exemplo, legislação da UE em matéria de proteção de dados), pela regulamentação (confidencialidade dos clientes) ou por contratos (confidencialidade comercial).

    4.9.

    Tal como acontece com qualquer nova tecnologia e com todos os modelos de negócio baseados na tecnologia, seria adequado e pertinente analisar os efeitos e os potenciais impactos no emprego, nas condições de trabalho, nos direitos e na proteção dos trabalhadores, bem como no diálogo social. A análise deve também avaliar os efeitos nas organizações intermediárias. É provável que as competências nas áreas da ciência, da tecnologia, da engenharia e da matemática (CTEM) se tornem cada vez mais importantes para as indústrias que utilizam a cadeia de blocos. Face à ausência de uma compreensão generalizada sobre o funcionamento e as potenciais limitações da cadeia de blocos, o CESE apela para uma aprendizagem ao longo da vida, permitindo que as pessoas adquiram competências, se requalifiquem e melhorem as suas qualificações, a fim de explorarem melhor as oportunidades e os desafios associados à cadeia de blocos.

    5.   O caminho a seguir

    5.1.

    Embora as instituições da UE tenham analisado a cadeia de blocos até certo ponto, falta ainda uma abordagem abrangente e comum a nível da UE. Com todo o seu historial, a UE tem uma oportunidade única para manter a sua posição de liderança do mercado mundial, mas apenas se agir.

    5.2.

    O desenvolvimento da cadeia de blocos é ainda muito fragmentado nos Estados-Membros. Por conseguinte, o CESE insta as instituições da UE a proporcionarem clareza e uma base comum para desbloquear todo o potencial da cadeia de blocos para a Europa. Uma primeira medida consiste no lançamento, pela Comissão Europeia, de uma comunicação sobre o desenvolvimento da cadeia de blocos e da tecnologia do livro-razão distribuído na UE assente nos princípios da cadeia de blocos (17), com vista a manifestar vontade política e apropriação e a definir uma visão e um plano de ação no sentido de criar um ambiente facilitador. Esta iniciativa deve ser complementada pela reconstituição do Intergrupo sobre a Digitalização, do Parlamento Europeu, que deverá debruçar-se sobre a questão da cadeia de blocos e da tecnologia do livro-razão distribuído.

    5.3.

    A visão comum da UE poderia ter como objetivo que a Europa se torne um continente-piloto no plano mundial, baseado na cadeia de blocos, garantindo assim que a UE se mantém competitiva ao mesmo tempo que desenvolve a sua própria abordagem em matéria de digitalização centrada nos ODS, apoiada por iniciativas e programas públicos experimentais a nível dos Estados-Membros e da UE.

    5.4.

    Com a atual Parceria Europeia de Cadeia de Blocos e o Observatório e Fórum para a Tecnologia de Cadeia de Blocos, é chegado o momento de ampliar esta iniciativa, criando uma plataforma de partes interessadas da cadeia de blocos da UE que reúna representantes das instituições da UE, nomeadamente do CESE e do Comité das Regiões, da indústria, dos consumidores, da sociedade civil, dos Estados-Membros e do meio académico, entre outros. Além disso, esta plataforma deverá ser aberta a todos os cidadãos da UE para que possam cooperar e fazer parte do projeto da cadeia de blocos.

    5.5.

    Esta plataforma constituiria um espaço de aprendizagem conjunta e reforço de capacidades, mas também serviria para reunir as partes interessadas, funcionando como uma rede de redes e proporcionando locais de encontro e a partilha de boas práticas. O CESE está bem posicionado e possui a experiência necessária para desempenhar um papel ativo e acolher esta «plataforma», garantindo a transparência, a integração, a colaboração e a participação da sociedade civil organizada, com base em iniciativas semelhantes existentes (18).

    Bruxelas, 30 de outubro de 2019.

    O Presidente

    do Comité Económico e Social Europeu

    Luca JAHIER


    (1)  JO C 353 de 18.10.2019, p. 1.

    (2)  https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/blockchain-technologies

    (3)  http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/IDAN/2017/581948/EPRS_IDA(2017)581948_PT.pdf

    (4)  https://www.eublockchainforum.eu/

    (5)  https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/european-countries-join-blockchain-partnership

    (6)  http://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-8-2018-0373_PT.html?redirect

    (7)  Um dos indicadores é o facto de, só em 2018, a angariação de fundos através de ofertas iniciais de moeda virtual (ICO) na Europa ter rondado os 4,1 mil milhões de dólares americanos, praticamente o dobro dos 2,3 mil milhões de dólares angariados na Ásia até ao momento e significativamente mais do que os 2,6 mil milhões de dólares angariados nos EUA. https://www.newsbtc.com/2018/10/16/europe-surpasses-us-and-asia-in-cryptocurrency-token-sales

    (8)  A proposta de valor social da cadeia de blocos diz respeito à identidade autossoberana (autenticação, autorização), à confiança e transparência, à democracia, à imutabilidade e ao conceito de ausência de intermediário.

    (9)  https://blockchain4sdg.com/how-blockchains-can-tackle-the-un-sustainable-development-goals/

    (10)  Documento da Comissão Económica para a Europa, das Nações Unidas, ECE/TRADE/C/CEFACT/2019/INF.3: «Blockchain in trade facilitation: sectoral challenges and examples» [Cadeia de blocos na facilitação do comércio: desafios setoriais e exemplos], http://www.unece.org/fileadmin/DAM/cefact/cf_plenary/2019_plenary/CEFACT_2019_INF03.pdf.

    (11)  A confidencialidade diz respeito à proteção dos dados partilhados entre uma entidade (ou seja, uma pessoa ou organização) e um elemento autorizado contra terceiros não autorizados. A privacidade diz respeito à proteção contra o acesso ilícito à identidade pessoal e às transações pessoais.

    (12)  https://ec.europa.eu/cefdigital/wiki/display/CEFDIGITAL/EBSI

    (13)  Como é o caso das assinaturas e marcações horárias eletrónicas, que utilizam os algoritmos criptográficos atuais compatíveis com vários sistemas.

    (14)  São estados contratuais autoexecutórios armazenados na cadeia de blocos, que ninguém controla e em que, por conseguinte, todos podem confiar. São disso exemplo a compensação e liquidação de transações comerciais, os vales-presente ou vales de programas de fidelização, o registo eletrónico de cuidados de saúde, a distribuição de royalties, a proveniência de produtos, as transações posto-a-posto, os empréstimos, os seguros, os créditos energéticos e as votações.

    (15)  Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO L 119 de 4.5.2016, p. 1). https://gdpr-info.eu/

    (16)  www.tolar.io, um caso de cadeia de blocos com baixo consumo de energia.

    (17)  Os princípios da cadeia de blocos são os seguintes: identidade autossoberana — autenticação, autorização; rastreabilidade; confiança; imutabilidade; democracia; ausência de intermediação.

    (18)  A Plataforma Europeia para a Economia Circular, por exemplo, é uma iniciativa conjunta com a Comissão, e o CESE participa também ativamente no Grupo de Peritos de Alto Nível sobre a Inteligência Artificial e no Grupo de Peritos da Comissão sobre o Empreendedorismo Social.


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