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Document 52018AE2156

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Fosso digital entre homens e mulheres» (parecer exploratório a pedido do Parlamento Europeu)

EESC 2018/02156

JO C 440 de 6.12.2018, p. 37–44 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/37


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Fosso digital entre homens e mulheres»

(parecer exploratório a pedido do Parlamento Europeu)

(2018/C 440/06)

Relatora:

Giulia BARBUCCI

Parecer exploratório a pedido do Parlamento Europeu

Carta de 19.4.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

19.7.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

176/2/6

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

As causas do fosso digital entre homens e mulheres são múltiplas e, por conseguinte, as ações devem abordar domínios diversos: o sistema de ensino da infância à idade adulta, o mercado de trabalho, a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, os serviços públicos e o fosso digital em geral. Recomenda-se a utilização de uma abordagem multidisciplinar que reúna os diferentes aspetos da inovação (tecnológica, social, cultural, etc.).

1.2.

O fosso digital entre homens e mulheres não é apenas uma questão tecnológica: é uma questão económica, social e cultural, que deve ser abordada com políticas a vários níveis e abrangentes, a fim de combater as raízes sociais e culturais mais profundas da desigualdade de género.

1.3.

É importante tomar medidas para aumentar o número de mulheres nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM), uma vez que tal também poderá melhorar as condições noutros setores, bem como na economia e na sociedade no seu todo. Ao mesmo tempo, é essencial reconhecer a importância crescente do ensino na área das TIC, bem como das competências transversais, empresariais, digitais e sociais (como a empatia, a criatividade e a resolução de problemas complexos) na era digital em todos os setores. Um ensino interdisciplinar e competências centradas no fator humano serão essenciais, pelo que estes aspetos devem ser contemplados nos sistemas de ensino.

1.4.

É fundamental assegurar a literacia e a educação digitais para todos, com especial atenção para as raparigas, a fim de eliminar o fosso digital entre homens e mulheres na raiz. Para ultrapassar os estereótipos, é da maior importância que haja mais exemplos de referência femininos no setor digital.

1.5.

É necessário incentivar a participação das mulheres em empregos técnicos e de alto nível, derrubando barreiras e estereótipos educativos e profissionais, bem como garantindo a aprendizagem digital ao longo da vida, para prevenir a exclusão das mulheres do mercado de trabalho.

1.6.

Importa disponibilizar aos professores e formadores as ferramentas adequadas para utilizar as TIC no ensino, em todos os níveis, promovendo a democracia e um sistema de educação e formação mais inclusivo e personalizado.

1.7.

Devem ser garantidas condições de trabalho e de acesso à proteção social equitativas (1), a fim de impedir a espiral da feminização da pobreza, situação que se verifica sobretudo na chamada gig economy (economia dos serviços pontuais) (2). O diálogo social e a negociação coletiva desempenham um papel fundamental neste contexto.

1.8.

A presença de mulheres em empregos de desenvolvimento de programas TIC pode ajudar a ultrapassar o preconceito de género suscetível de surgir na conceção de uma determinada tecnologia.

1.9.

O empreendedorismo feminino deve ser apoiado, eliminando obstáculos no acesso das mulheres ao trabalho por conta própria e melhorando o acesso às medidas de proteção social e respetiva qualidade (3).

1.10.

O trabalho inteligente e o teletrabalho devem ser monitorizados, por forma a evitar os riscos de diluição das fronteiras entre a prestação de cuidados, o trabalho e a vida privada.

1.11.

É importante aumentar a participação das mulheres com deficiência no mercado de trabalho, aplicando a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD) (4).

1.12.

A digitalização do setor público representa uma grande oportunidade para facilitar a participação das mulheres no mercado de trabalho e apoiar as mulheres com responsabilidades na prestação de cuidados, bem como para superar os obstáculos relacionados com a burocracia e o acesso aos serviços públicos.

1.13.

É importante combater os estereótipos de género: esta questão deve ser tida em conta em todos os domínios e políticas e ser combatida nas suas raízes sociais e culturais mais profundas.

1.14.

Um dos principais obstáculos que as mulheres enfrentam na participação em atividades em linha e nas redes sociais é a ciberintimidação. A Convenção de Istambul para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica deve ser ratificada e aplicada.

1.15.

Todas as políticas a nível nacional, europeu e internacional devem ter em conta a discriminação das mulheres no setor digital, que também tem um impacto negativo na economia e na sociedade em geral.

1.16.

As políticas públicas devem ser concebidas com uma perspetiva de género (integração transversal). A orçamentação sensível ao género e a «lente do género» podem constituir instrumentos úteis a este respeito.

1.17.

O CESE incentiva a Comissão Europeia a reforçar o Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital] e a iniciativa Digital4Her. É importante criar e desenvolver redes europeias de mulheres no setor digital para promover a participação de raparigas e mulheres em estudos e carreiras digitais, em toda a UE.

1.18.

A Comissão Europeia deve recomendar aos países da UE que estabeleçam metas e indicadores nacionais para monitorizar a situação (painel de avaliação anual). O Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) deve conduzir um estudo para aferir as melhorias ou os agravamentos. As recomendações específicas por país neste domínio podem ser dirigidas aos Estados-Membros no âmbito do Semestre Europeu.

1.19.

Os parceiros sociais, nos níveis adequados, estão empenhados em reforçar a igualdade de género na educação e no mercado de trabalho, podendo desempenhar um papel importante nesses domínios a fim de combater o fosso digital entre homens e mulheres. A negociação coletiva desempenha, em particular, um papel fundamental na aprendizagem ao longo da vida e no mercado de trabalho, na análise do papel dos géneros, na promoção do papel da mulher na tomada de decisões e em vários organismos, no apoio à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e na correção das disparidades salariais entre homens e mulheres (5).

1.20.

O CESE recomenda que o Parlamento Europeu apoie estas recomendações na sua próxima legislatura, sendo este tema fundamental para o desenvolvimento futuro da Europa.

2.   Introdução

2.1.   Desigualdade de género

2.1.1.

Na sua alocução ao Parlamento Europeu sobre as prioridades políticas da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker afirmou que a discriminação não deve ocorrer na União Europeia, fazendo da área da justiça e dos direitos fundamentais uma das dez prioridades políticas do trabalho da Comissão. A igualdade de género faz parte desta área, embora a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia já desempenhe um papel importante neste domínio, ao prever que «[d]eve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração» (6). Mariya Gabriel, comissária europeia responsável pela Economia e Sociedade Digitais, apresentou recentemente medidas como parte da sua estratégia para facilitar o aumento da participação das mulheres no setor digital. É, pois, necessário assegurar o seguimento da declaração Digital4Her, assinada pelas empresas de TI, que promove uma cultura e um ambiente de trabalho inclusivos e equilibrados em termos de género.

2.1.2.

As mulheres continuam a ser vítimas de discriminação no mercado de trabalho e na sociedade em geral. O Índice de Igualdade de Género — que mede a desigualdade nos domínios do emprego, do tempo, do dinheiro, do conhecimento, do poder, da violência e da saúde — mostra que o progresso nestes domínios é lento: o índice aumentou de 62 pontos em 2005 para 65 pontos em 2012 e 66,2 pontos em 2017 (7). As causas da discriminação são múltiplas. Para superar os desequilíbrios decorrentes desta discriminação, o primeiro capítulo do Pilar Europeu dos Direitos Sociais diz respeito à igualdade de oportunidades e de acesso ao mercado de trabalho, reconhecendo o facto de que a igualdade de género e a igualdade de oportunidades são os domínios em que a discriminação é mais comum.

2.1.3.

O fosso digital entre homens e mulheres é uma forma de desigualdade decorrente da discriminação que afeta as mulheres e que constitui provavelmente um obstáculo intransponível à sua participação a nível europeu e global. Atrasa o crescimento da economia europeia do futuro, caracterizada pela digitalização. Atualmente, 68 % dos homens e 62 % das mulheres utilizam regularmente um computador e a Internet, 33 % dos homens e 18 % das mulheres instalam programas informáticos nos seus dispositivos e 47 % dos homens e 35 % das mulheres utilizam serviços bancários em linha (8). Além disso, apesar de representarem mais de metade dos licenciados, as mulheres continuam a estar sub-representadas nos cursos das áreas da ciência e das TIC (tecnologias da informação e comunicação): as mulheres representam cerca de um terço do total de pessoas empregadas no setor, com diferentes percentagens, dependendo do tipo de trabalho (8 % em programação informática, 54 % nas posições inferiores entre os operadores de TI). O presente parecer visa fornecer recomendações e propostas para corrigir os desequilíbrios no sistema de ensino e no mercado de trabalho.

2.1.4.

As mulheres também enfrentam maiores dificuldades em linha devido à ciberintimidação: o assédio em linha atinge muito mais as raparigas (de acordo com os dados do EIGE, 51 % das mulheres são vítimas de assédio em linha, enquanto a percentagem de homens é de 42 %) (9). A Convenção de Istambul para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica deve ser ratificada e aplicada.

2.2.   Digitalização e fosso digital

2.2.1.

A digitalização não é apenas um processo tecnológico, mas também um processo económico, social, societal e cultural.

2.2.2.

De acordo com um estudo da Comissão Europeia (10), a digitalização pode adicionar anualmente ao PIB da UE 415 mil milhões de euros e uma maior presença feminina em empregos do setor digital poderá aumentar o PIB da UE em 16 mil milhões de euros por ano. Paralelamente, as empresas enfrentam dificuldades em recrutar especialistas em TIC, pelo que há espaço para mais emprego e melhor ensino no domínio digital.

2.2.3.

O fosso digital inclui não só o acesso limitado a uma ligação à Internet, mas também a falta de competências básicas necessárias para utilizar as ferramentas TIC. Um dos aspetos do fosso digital é o fosso digital entre homens e mulheres. Segundo os dados desagregados por género, recolhidos pela União Internacional das Telecomunicações, relativos a 91 economias, em 2017, a penetração global da Internet foi de 44,9 % no caso das mulheres, contra 50,9 % no caso dos homens; segundo dados do Eurostat, em 2017, 71 % das mulheres tinham acesso diário à Internet, em comparação com 74 % dos homens, e 49 % das mulheres utilizavam a banca eletrónica, contra 54 % dos homens (11). É importante enquadrar esta questão tanto do ponto de vista do mercado de trabalho, já que a digitalização diz respeito a todos os trabalhadores, como do ponto de vista do utilizador, visto que todos são utilizadores de tecnologia.

2.2.4.

Muitas vezes, o fosso digital cruza-se com outros tipos de discriminação: fazer parte de uma minoria étnica, viver numa zona rural, ser imigrante, ser portador de deficiência, ser pobre, etc.. A tecnologia pode ajudar a superar estas barreiras, tornando o mundo mais inclusivo para todos, mas, se o processo não for conduzido por atores sociais, também pode exacerbá-las.

2.2.5.

O fosso digital entre homens e mulheres é uma questão económica, social, societal e cultural, que deve ser combatido a vários níveis e com políticas abrangentes, uma vez que conduz a um aumento da desigualdade de género. Além disso, a questão da desigualdade de género deve ser tida em conta em todos domínios e políticas e ser combatida nas suas raízes sociais e culturais mais profundas.

2.2.6.

O impacto qualitativo da digitalização nas necessidades de competências também é interessante do ponto de vista do género, pois as mulheres estão mais representadas em alguns tipos de trabalho e sub-representadas noutros, nomeadamente nas áreas das CTEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). São necessárias medidas para aumentar o número de mulheres nas áreas das CTEM.

2.2.7.

Contudo, é igualmente fundamental reconhecer a importância crescente das competências sociais na era digital, em todos os setores: a principal característica da inteligência artificial (IA) e da Internet das Coisas (IdC) é que as máquinas estão a tornar-se cada vez mais sensíveis e inteligentes, pelo que a mão de obra humana apenas se torna insubstituível se competir com base em competências realmente humanas, como a capacidade de adaptação à mudança e de cooperação. Na sociedade atual, a empatia, a criatividade e a resolução de problemas complexos são competências ensinadas com mais frequência às raparigas do que aos rapazes e que as raparigas tendem a desenvolver mais (12). Recomenda-se uma abordagem multidisciplinar, que reúna aspetos diferentes da inovação (tecnológica, social, cultural, etc.) numa tentativa não só de combater os riscos, mas também de aproveitar as oportunidades da digitalização para as mulheres.

2.2.8.

Deve ser prestada especial atenção às pessoas com deficiência — e às mulheres em particular –, cuja situação é «pior do que a das mulheres sem deficiência» (13). Por isso, «[c]umpre assegurar a igualdade de acesso das mulheres e raparigas com deficiência aos diversos equipamentos informáticos e à sociedade da informação» (14).

3.   O fosso digital entre homens e mulheres no sistema de ensino

3.1.

O sistema de ensino é o principal domínio de intervenção a ser abordado. Em comparação com 2011, houve um declínio no número de mulheres que seguem estudos superiores na área das TIC (15). Melhorar a literacia e as competências digitais das mulheres a todos os níveis é, por conseguinte, essencial para lhes permitir uma participação ativa no desenvolvimento da sociedade e para que beneficiem das oportunidades resultantes da digitalização, evitando que fiquem para trás. As mulheres com deficiência devem ter o direito a uma educação inclusiva e de alta qualidade. Os estereótipos culturais e linguísticos têm de ser combatidos, fornecendo exemplos de referência diferentes às raparigas, especialmente no setor dos meios de comunicação social. Além disso, as ferramentas das TIC podem ser utilizadas no ensino e nas atividades na sala de aula.

3.2.

No ensino básico, é fundamental assegurar a literacia e a educação digitais para todos, a fim de garantir a capacidade de adaptação dos futuros homens e mulheres às tecnologias em constante evolução. Segundo o Programa de Avaliação Internacional dos Estudantes (PISA), que mede o progresso educativo dos alunos de 15 anos em todos os países da OCDE, há quase quatro vezes mais rapazes do que raparigas que pretendem seguir uma carreira nas áreas das CTEM (16). De acordo com um estudo do EIGE, na UE, 3 % a 15 % dos rapazes adolescentes desejam trabalhar como profissionais no setor das TIC, enquanto, no caso das raparigas adolescentes, apenas em quatro países da UE entre 1 % e 3 % destas aspiram a uma carreira profissional neste setor. Além disso, embora as competências digitais dos jovens na UE sejam iguais entre rapazes e raparigas, os rapazes continuam a sentir-se mais confiantes relativamente às suas competências digitais: mais uma vez, trata-se de um problema de perceção errada e de estereótipos de género (17). «O CESE recorda aos Estados-Membros a necessidade de investir em sistemas de ensino não discriminatórios e inclusivos» (18).

3.3.

É importante formar os formadores para a utilização das TIC como ferramenta de ensino. Para eliminar o fosso digital entre homens e mulheres na raiz e promover sistemas de educação e formação mais inclusivos e personalizados, é essencial prestar especial atenção às raparigas. As ferramentas digitais podem ainda ser úteis para reduzir os encargos burocráticos que recaem sobre os professores e formadores (19).

3.4.

No ensino secundário e superior interdisciplinar, o número de raparigas que frequentam cursos nas áreas das CTEM continua a ser inferior ao dos rapazes, sendo que menos de um em cada cinco licenciados são mulheres (20). O ensino interdisciplinar e as competências sociais centradas no fator humano também serão essenciais.

3.5.

É necessário reforçar a formação em alternância e o EFP (ensino e formação profissionais) e ter em conta o acesso das raparigas à formação técnica e à formação em contexto laboral (21).

4.   Fosso digital entre homens e mulheres no mercado de trabalho

4.1.

É necessário incentivar a participação das mulheres em empregos técnicos e de alto nível, derrubando barreiras e estereótipos educativos e profissionais. O aumento da presença feminina na área das TIC pode beneficiar este setor, assim como toda a economia e a sociedade.

4.2.

Os parceiros sociais a nível empresarial, nacional e europeu são fundamentais para ultrapassar o fosso digital entre homens e mulheres no mercado de trabalho. O diálogo social e a negociação coletiva podem propor soluções aceitáveis, tendo em conta as necessidades dos empregadores e dos trabalhadores (22). O aumento da presença feminina em empregos nas áreas das CTEM e de alto nível também pode contribuir para reduzir a disparidade salarial entre homens e mulheres.

4.3.

A aprendizagem ao longo da vida é essencial para evitar a exclusão do mercado de trabalho, sendo ainda mais importante no caso das mulheres. Os parceiros sociais têm um papel essencial a desempenhar neste aspeto.

4.4.

A polarização do mercado de trabalho e a economia dos serviços pontuais: ainda que as máquinas possam tecnicamente substituir os trabalhos pouco qualificados (quer os manuais quer os intelectuais, devido à IdC, aos sensores e às tecnologias de IA), se estes trabalhos forem precários e não forem garantidos quaisquer direitos, poderá ser mais fácil às empresas contratarem pessoas a baixo custo do que investir em novas máquinas. Tal já se verifica na chamada «economia dos serviços pontuais». Nestes contextos, não é garantida qualquer proteção social segundo os modelos normais de trabalho (23): devido à natureza informal deste tipo de trabalho, as mulheres correm o risco de se afastarem do emprego tradicional com prestações da segurança social para passarem a dedicar-se a trabalhos pontuais, que se encontram mais acessíveis e que são, por vezes, mais facilmente geridos em termos de horário de trabalho. A fim de prevenir esta espiral da feminização da pobreza (24), há que garantir condições de trabalho equitativas, devendo todas as partes interessadas promover um modelo de desenvolvimento baseado na qualidade. O papel dos parceiros sociais e da negociação coletiva afigura-se, neste contexto, fundamental (25).

4.5.

A tecnologia não é neutra: embora um programa informático ou um algoritmo deva reduzir a subjetividade característica de uma decisão ou processo humano, se no programa for introduzido um preconceito cultural (como o preconceito de género), este tipo de discriminação será então reproduzido de modo estrutural (e não casual). Por este motivo, as pessoas que trabalham na conceção destes sistemas devem ser tão diversas quanto possível. No mundo atual, apenas 17 % dos 8 milhões de pessoas que trabalham no setor das TIC são mulheres (26). Além disso, na UE, apenas 20 % das mulheres com idade igual ou superior a 30 anos e detentoras de um diploma na área das TIC decidem permanecer no setor das tecnologias (27). Aumentar a participação das mulheres nestes empregos, e, consequentemente, a diversidade, pode ajudar a combater o preconceito suscetível de ser introduzido na conceção de uma determinada tecnologia.

4.6.

Quebrar o «teto de vidro» para um sistema económico mais digital: apenas 32 % dos líderes económicos são mulheres (28), embora esteja demonstrado que as empresas com mulheres em posições de tomada de decisão têm melhores estilos de governação, que são normalmente mais «horizontais» e encorajam a diversidade e o pensamento criativo e inovador. Deste modo, se as empresas desenvolverem políticas de género para promover as mulheres aos mais elevados níveis da organização, a empresa beneficia em termos de capacidade de inovação. Esta abordagem, se aplicada em larga escala, beneficiará todo o sistema económico.

4.7.

O sistema produtivo europeu é composto, em grande medida, por PME que enfrentam mais dificuldades no investimento em novas tecnologias. Simultaneamente, as tecnologias digitais facilitam o microempreendedorismo: através de algumas ferramentas digitais (como o comércio eletrónico) é possível às microempresas e PME chegar aos mercados mundiais e, em termos gerais, eliminar as barreiras no acesso ao trabalho por conta própria. De acordo com o segundo estudo «European Startup Monitor», apenas 14,8 % dos criadores de empresas em fase de arranque são mulheres (29). Este problema prende-se com redes empresariais mais fracas, estereótipos e apoio financeiro insuficiente. A digitalização pode criar o ambiente adequado para o empreendedorismo feminino. Há que garantir serviços de educação e de apoio para permitir às mulheres criarem a sua própria empresa utilizando as tecnologias digitais disponíveis.

5.   Digitalização e equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar

5.1.

Segundo um estudo do EIGE, no setor das TIC, os horários de trabalho são mais longos do que noutros setores (30). Por conseguinte, a primeira questão a abordar é a partilha das responsabilidades de prestação de cuidados entre homens e mulheres: é importante tomar medidas no sentido de uma partilha mais equitativa entre homens e mulheres das tarefas relacionadas com a prestação de cuidados, também mediante a adoção da proposta de diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores (31).

5.2.

O trabalho inteligente e o teletrabalho são muitas vezes considerados instrumentos para conciliar a vida profissional e a vida familiar, tendo em conta tanto os riscos como as oportunidades. Se, por um lado, o trabalho inteligente pode ajudar os trabalhadores a gerir as suas vidas privadas (especialmente ao eliminar os «tempos mortos» gastos nas viagens de e para o trabalho), também é verdade que, se não for bem gerido, pode conduzir à diluição das fronteiras entre o tempo gasto com a família, o trabalho e o lazer. O trabalho inteligente deve ser gerido por acordos coletivos específicos às empresas, a fim de ser adaptado ao contexto cultural, aos meios de produção e à organização do trabalho. A longo prazo, o trabalho inteligente pode ainda mudar a forma como as pessoas vivem nas cidades (e nas zonas rurais) e nos espaços sociais.

5.3.

As ferramentas digitais podem igualmente representar uma oportunidade para as pessoas excluídas do mercado de trabalho, podendo igualmente facilitar a participação das mulheres no mesmo. No entanto, a exclusão do mercado de trabalho afeta mais as mulheres com deficiência (32). Por conseguinte, é muito importante aplicar a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD) (33).

6.   Digitalização do setor público

6.1.

Devido ao aumento da esperança de vida e às baixas taxas de natalidade, a população europeia está a envelhecer, estando o ónus das tarefas de prestação de cuidados a aumentar para as mulheres de meia idade. Embora seja essencial alcançar uma partilha equitativa da prestação de cuidados entre homens a mulheres, também é importante reconhecer que a digitalização, e especialmente a robótica, no setor público representa uma grande oportunidade para facilitar a participação das mulheres no mercado de trabalho e apoiar as mulheres com eventuais responsabilidades de prestação de cuidados.

6.2.

A robótica pode automatizar e, acima de tudo, facilitar algumas das tarefas mais pesadas que a prestação de cuidados acarreta (por exemplo, mover uma pessoa inválida), contribuindo para a reabilitação de pessoas feridas, a prevenção de doenças, etc.. Estas tecnologias podem melhorar a qualidade de vida de toda a sociedade, em particular das mulheres, bem como a sua participação no mercado de trabalho, de duas formas: facilitando o trabalho no setor da prestação de cuidados pessoais, em que as mulheres estão fortemente representadas, e beneficiando as mulheres que prestem cuidados não remunerados, mas apenas na condição de estas tecnologias serem acessíveis e garantidas a todos os que delas necessitam.

6.3.

As tecnologias digitais podem ainda ter um impacto profundo em todos os procedimentos burocráticos relacionados com serviços públicos. Alguns países já aplicam este tipo de tecnologia em larga escala, criando uma identidade digital única para todos os procedimentos relativos ao setor público (impostos, cuidados de saúde, educação, etc.). O alargamento deste processo poderá melhorar a qualidade de vida, embora também seja importante ter em atenção (e prevenir) os riscos relacionados com o controlo dos dados gerido por um único interveniente (ainda que este seja uma autoridade pública), assim como com a privacidade, a cibersegurança, a transparência e a ética (34).

6.4.

As administrações públicas devem preparar orçamentos com perspetiva de género para todos os serviços e atividades, promover a igualdade e levar em conta o impacto das políticas sobre as mulheres. Cada decisão de investimento deve ser tomada utilizando a «lente do género» em três domínios: igualdade de género no local de trabalho, acesso das mulheres ao capital e produtos e serviços que beneficiam as mulheres.

6.5.

Ainda que em alguns países a digitalização do setor público já esteja avançada, noutros o processo está apenas a começar, pelo que esta pode ser uma oportunidade para formar e empregar mais mulheres no setor público, numa perspetiva de género.

6.6.

Para desenvolver a digitalização, é necessário disponibilizar, sem discriminação geográfica, as infraestruturas necessárias, como a banda larga, a rede 5G, etc..

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  SOC/581 — Parecer do CESE sobre o «Acesso à proteção social» (ver página 135 do presente Jornal Oficial).

(2)  «The Social Protection of Workers in the Platform Economy» [A Proteção Social dos Trabalhadores na Economia das Plataformas], Parlamento Europeu, 7.12.2017.

(3)  JO C 173 de 31.5.2017, p. 45.

(4)  Parecer do CESE — A situação das mulheres com deficiência (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20).

(5)  «A Toolkit for Gender Equality in Practice» [Guia para a Igualdade de Género na Prática] dos parceiros sociais europeus Confederação Europeia de Sindicatos, BusinessEurope, CEEP e UEAPME.

(6)  Capítulo III, artigo 23.o.

(7)  EIGE, Índice de Igualdade de Género — Relatório de 2017.

(8)  Ver resolução do PE de 17 de abril de 2018.

(9)  EIGE, «Youth, digitalisation and gender equality: opportunities and risks of digital technologies for girls and boys» [Juventude, digitalização e igualdade de género: oportunidades e riscos das tecnologias digitais para as raparigas e os rapazes], 2018 (a publicar brevemente).

(10)  Vessela Karloukovska, DG-CNECT, Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital], Comissão Europeia.

(11)  Dados do Eurostat.

(12)  Martha Ochoa (UNi Global Union), «The path to genderless digitalisation» [O caminho para uma digitalização sem género].

(13)  Parecer do CESE — A situação das mulheres com deficiência, (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20), ponto 2.1.

(14)  Idem, ponto 5.3.6.

(15)  «Women in the digital age» [Mulheres na era digital], Comissão Europeia, 2018.

(16)  Konstantina Davak, autora do estudo «The underlying causes of the digital gender gap and possible solutions for enhanced digital inclusion of women and girls» [As causas subjacentes ao fosso digital entre homens e mulheres e soluções possíveis para aumentar a inclusão digital das mulheres e raparigas].

(17)  Lina Salanauskaite, Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE).

(18)  Parecer do CESE — Plano de ação da UE para 2017-2019 — Colmatar as disparidades salariais entre homens e mulheres, ponto 4.4, (JO C 262, 25.7.2018, p. 101).

(19)  Ekaterina Efimenko, Comité Sindical Europeu da Educação (CSEE).

(20)  Vessela Karloukovska, DG-CNECT, Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital], Comissão Europeia.

(21)  JO C 13 de 15.1.2016, p. 161; JO C 434 de 15.12.2017, p. 36.

(22)  Parecer do CESE — Os conceitos da UE para a gestão da transição num mundo do trabalho digitalizado (JO C 367, 10.10.2018, p. 15).

(23)  Parecer do CESE — Para uma diretiva-quadro europeia sobre um rendimento mínimo (a ser adotado na reunião plenária de dezembro) e parecer — Acesso à proteção social (ver página 135 do presente Jornal Oficial).

(24)  Mary Collins, Lóbi Europeu de Mulheres (LEM) (JO C 129 de 11.4.2018, p. 7).

(25)  Ver, por exemplo, os acordos dos parceiros sociais europeus, bem como a proposta de diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

(26)  Vessela Karloukovska, DG-CNECT, Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital], Comissão Europeia.

(27)  Mary Collins, Lóbi Europeu das Mulheres (LEM).

(28)  Vessela Karloukovska, DG-CNECT, Grupo de Missão «Women in Digital» [Mulheres no Digital], Comissão Europeia.

(29)  «Women in the digital age» [Mulheres na era digital], estudo para o PE.

(30)  Lina Salanauskaite, Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE).

(31)  COM(2017) 253.

(32)  Parecer do CESE — A situação das mulheres com deficiência (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20), ponto 5.4.1.

(33)  Parecer do CESE — A situação das mulheres com deficiência (JO C 367 de 10.10.2018, p. 20), 1.2, Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

(34)  «Digital Public Services (e-Government and e-Health)» [Serviços públicos digitais (administração pública em linha e saúde em linha)].


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