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Document 52016AE5280

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (reformulação)» [COM(2016) 411 final — 2016/0190 (CNS)]

JO C 125 de 21.4.2017, p. 46–50 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

21.4.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 125/46


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Conselho relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (reformulação)»

[COM(2016) 411 final — 2016/0190 (CNS)]

(2017/C 125/06)

Relator:

Christian BÄUMLER

Consulta

Conselho da União Europeia, 20.7.2016

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

10.1.2017

Adoção em plenária

26.1.2017

Reunião plenária n.o

522

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

116/0/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1

No entender do CESE, as Orientações Políticas da Comissão Juncker salientam, a justo título, que a cooperação judicial entre os Estados-Membros da UE deve ser progressivamente melhorada, adaptando-se a uma época em que os cidadãos da União cada vez mais se deslocam, se casam e têm filhos noutros países da União.

1.2

O CESE saúda o facto de a proposta da Comissão ter por objetivo levar mais em conta o interesse superior da criança nas decisões em matéria de regresso. O CESE defende os direitos das crianças e sublinha que o seu respeito em todos os domínios políticos atinentes às crianças se reveste da maior importância. O interesse superior da criança deve constituir a grande prioridade.

1.3

O CESE acolhe favoravelmente o facto de a Comissão propor algumas alterações substanciais para melhorar a eficácia do regresso das crianças raptadas. Neste contexto, considera que se poderia igualmente prever a adoção de normas mínimas comuns, incluindo um processo uniforme de execução das decisões judiciais.

1.4

O CESE considera essencial a cooperação entre as autoridades centrais em casos específicos de responsabilidade parental, prevista no artigo 55.o, e aprova a reformulação destas disposições.

1.5

O CESE saúda o facto de se obrigar os Estados-Membros a concentrar a competência jurisdicional num número limitado de tribunais, de forma coerente com a estrutura dos respetivos sistemas jurídicos.

1.6

O CESE aprova o facto de a proposta definir prazos concretos para a emissão de uma ordem de regresso executória, assim como a redução da duração global do procedimento de regresso para 18 semanas.

1.7

O CESE reputa aceitável limitar a um só o número de recursos possíveis de decisões em matéria de procedimentos de regresso.

1.8

O CESE congratula-se com o facto de o tribunal de origem poder declarar a decisão executória a título provisório mesmo que o respetivo direito nacional não preveja tal possibilidade.

1.9

O CESE é de opinião que as normas mínimas em matéria de audição da criança poderiam contribuir para melhorar a aceitação da decisão.

1.10

O CESE é, além disso, a favor da supressão do exequatur, mas reputa necessário manter mecanismos de salvaguarda.

1.11

O CESE concorda que o tribunal do Estado de execução também deve ter a possibilidade de ordenar as medidas urgentes de proteção necessárias se houver sérios riscos de a criança sofrer danos.

1.12

O CESE saúda o facto de a proposta subordinar em todos os casos a colocação da criança numa família de acolhimento ou numa instituição noutro Estado-Membro à aprovação do Estado de acolhimento.

1.13

O CESE entende haver necessidade de clarificar o âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas II-A. Mesmo partindo de uma conceção «nacional» do casamento, os Estados-Membros devem respeitar o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE. O CESE propõe que se enuncie o respeito deste artigo num dos considerandos do regulamento em apreço.

1.14

O CESE considera necessária uma regulamentação para os casos em que um dos progenitores não é cidadão da União Europeia e é favorável à conclusão de acordos bilaterais, em particular com os países que não aderiram à Convenção da Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.

2.   Observações na generalidade

2.1

Em 30 de junho de 2016, a Comissão Europeia apresentou propostas para uma reformulação do Regulamento Bruxelas II-A, que é a pedra angular da cooperação judiciária em matéria de direito de família na União Europeia. Estabelece regras de competência uniformes em matéria de divórcio, separação e anulação do casamento, assim como de responsabilidade parental em situações transnacionais. Facilita a livre circulação das decisões judiciais, atos autênticos e acordos em toda a União, contendo disposições sobre o seu reconhecimento e execução nos outros Estados-Membros. Aplica-se desde 1 de março de 2005 a todos os Estados-Membros, com exceção da Dinamarca.

2.2

A parte do regulamento relativa ao exercício do poder paternal define a competência internacional em matéria de poder paternal na União Europeia e prevê o reconhecimento e a execução de decisões em matéria de poder paternal adotadas noutros Estados-Membros. O regulamento contém igualmente disposições relativas ao regresso de crianças ilicitamente deslocadas ou retidas num outro Estado-Membro, reforçando assim o mecanismo de regresso previsto na Convenção da Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.

2.3

Vários aspetos do regulamento, que já foi objeto de 24 acórdãos do TJUE, deverão agora ser alvo de reforma. A atual proposta da Comissão pretende tornar o regulamento ainda mais eficaz, centrando-se exclusivamente na parte relativa ao poder paternal e em nada alterando as disposições processuais em matéria de divórcio.

2.4

No entender do CESE, as Orientações Políticas da Comissão Juncker salientam, a justo título, que a cooperação judicial entre os Estados-Membros da UE deve ser progressivamente melhorada, adaptando-se a uma época em que os cidadãos da União cada vez mais se deslocam, se casam e têm filhos noutros países da União.

2.5

O CESE já sublinhou em pareceres anteriores (1) que nos Tratados e na Carta dos Direitos Fundamentais da UE se garante o acesso aos tribunais e o respeito dos direitos fundamentais, nomeadamente: direito de propriedade, igualdade perante a lei, proibição da discriminação, direito ao respeito da vida privada e familiar, direito de contrair casamento e de constituir família e direito a um tribunal imparcial.

2.6

A Comissão examinou o funcionamento do regulamento na prática, tendo concluído, no relatório sobre a sua aplicação, adotado em abril de 2014 [COM(2014) 225] (2), que seria necessário introduzir-lhe alterações. Este exame inseriu-se no âmbito do programa para a adequação e a eficácia da atual regulamentação da UE (REFIT).

2.7

O objetivo da reformulação é continuar a desenvolver o espaço europeu de justiça e de direitos fundamentais com base no reforço da confiança mútua, mediante a supressão dos obstáculos ainda existentes à livre circulação das decisões judiciais, em consonância com o princípio do reconhecimento mútuo, e proteger o interesse superior da criança, mediante a simplificação processual e o aumento da sua eficácia.

2.8

O CESE saúda o facto de a proposta da Comissão ter por objetivo levar mais em conta o interesse superior da criança nas decisões em matéria de regresso. Face ao aumento da migração, há que multiplicar canais e estruturas de cooperação de modo a garantir a proteção das crianças além-fronteiras.

2.9

O CESE acolhe favoravelmente o facto de a Comissão propor algumas alterações substanciais para melhorar a eficácia do regresso das crianças raptadas. Nos casos de rapto parental de crianças, o tempo é um elemento determinante para o êxito do procedimento de regresso da criança previsto no regulamento.

2.10

O CESE considera que a cooperação entre as autoridades centrais em casos específicos de responsabilidade parental, prevista no artigo 55.o, é essencial para apoiar eficazmente os progenitores e as crianças envolvidas em processos judiciais transnacionais relativos a crianças.

2.11

No entender do CESE, a falta de clareza do artigo que determina a assistência que deve ser prestada pelas autoridades centrais em casos específicos de responsabilidade parental é um problema decisivo. Para as autoridades nacionais de alguns Estados-Membros, este artigo não constitui uma base jurídica suficiente para poderem intervir.

2.12

O CESE congratula-se com o facto de a proposta clarificar quem pode solicitar que tipo de assistência e que informações a quem e em que condições. Além disso, esclarece-se que os tribunais e as autoridades responsáveis pelo bem-estar das crianças também podem solicitar a assistência das autoridades centrais. A reformulação cria uma base jurídica para as autoridades responsáveis pelo bem-estar das crianças poderem obter as informações necessárias junto de outros Estados-Membros através das respetivas autoridades centrais.

2.13

O CESE saúda o facto de se obrigar os Estados-Membros a concentrar a competência jurisdicional num número limitado de tribunais, de forma coerente com a estrutura dos respetivos sistemas jurídicos. Os atrasos verificados no tratamento dos pedidos são causados pela falta de especialização dos tribunais que apreciam os pedidos de regresso em vários Estados-Membros. Por essa razão, os juízes estão menos familiarizados com os procedimentos e as disposições envolvidas e têm menos oportunidades de manter contactos regulares com outras jurisdições da UE e de favorecer o estabelecimento de confiança mútua.

2.14

O CESE aprova o facto de a proposta definir prazos concretos para a emissão de uma ordem de regresso executória, assim como a redução da duração global do procedimento de regresso para 18 semanas.

2.15

A proposta obriga as autoridades centrais a trabalhar dentro de um prazo de seis semanas para receber e tramitar o pedido, localizar o requerido e a criança, promover a mediação, assegurando que esta não atrasa o processo. Atualmente, não existe qualquer prazo para a intervenção das autoridades centrais.

2.16

Está previsto um prazo de seis semanas para os processos perante o tribunal de primeira instância e os processos perante o tribunal de recurso. No entender do CESE, tal torna mais realistas os prazos judiciais, tendo em vista a proteção do direito do demandado a um processo equitativo. O CESE insiste na necessidade de garantir o cumprimento destes prazos em cada sistema jurídico.

2.17

O CESE reputa aceitável limitar a um só o número de recursos possíveis de decisões em matéria de procedimentos de regresso. A maior parte das constituições dos Estados-Membros garantem apenas uma possibilidade de recurso contra decisões soberanas.

2.18

O CESE congratula-se com o facto de o tribunal de origem poder declarar a decisão executória a título provisório mesmo que o respetivo direito nacional não preveja tal possibilidade. Tal pode ser muito útil nos sistemas em que a decisão não seja executória enquanto for passível de recurso. Deste modo, o progenitor poderia visitar a criança com base numa decisão declarada executória a título provisório, enquanto prossegue paralelamente o processo de impugnação da decisão iniciado pelo outro progenitor.

2.19

O CESE concorda com a proposta de convidar explicitamente o juiz a apreciar se a decisão que ordena o regresso deve ter força executória a título provisório. Os atrasos na execução de tais decisões têm um impacto negativo para as relações entre pais e filhos, assim como para o superior interesse da criança. O CESE saúda o facto de a proposta efetuar uma série de clarificações para aplicar melhor as normas atualmente em vigor. Obriga, nomeadamente, o Estado-Membro em que a criança tinha a residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas a efetuar uma análise aprofundada do interesse superior da criança antes de tomar uma decisão final quanto à guarda da criança que possa implicar o regresso da mesma. Neste contexto, para se apreciar o seu interesse superior, qualquer criança que seja capaz de formular a sua própria opinião deve ter o direito de ser ouvida, mesmo que não esteja fisicamente presente, mediante o recurso a meios alternativos como a videoconferência.

2.20

A adoção de normas mínimas em matéria de audição da criança pode contribuir, entende o CESE, para evitar a recusa do reconhecimento e da execução ou do exequatur de uma decisão de um outro Estado-Membro da UE e, desse modo, melhorar a aceitação (da decisão) por parte dos cidadãos da UE. As normas poderiam, por exemplo, definir a idade mínima de participação numa audição sem, todavia, avançar para outras questões processuais como a de decidir a quem compete interrogar a criança — algo que deve (e tem de) continuar a ficar ao critério dos Estados-Membros. O CESE recomenda que os juízes encarregados de ouvir as crianças beneficiem de uma formação sociopedagógica suplementar.

2.21

O CESE defende, além disso, a supressão do exequatur para todas as decisões proferidas num Estado-Membro (incluindo atos autênticos e acordos) em matéria de responsabilidade parental. No atinente à execução das decisões — uma questão da esfera de competência dos Estados-Membros —, é de aplicação o princípio enunciado na jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu, segundo o qual a aplicação das disposições nacionais em matéria de execução de decisões judiciais não deve prejudicar o efeito útil do regulamento.

2.22

Além disso, a exigência de exequatur provocou atrasos médios por processo de vários meses e custos para os cidadãos que ascenderam a quatro mil euros (3).

2.23

No entender do CESE, conviria, no entanto, manter mecanismos de salvaguarda, com destaque para a citação ou a notificação adequadas dos atos, o direito das partes e da criança a serem ouvidas, em particular no caso de decisões contraditórias, bem como o cumprimento de determinadas disposições de caráter processual relativas à colocação da criança num outro Estado-Membro da UE, com base no artigo 56.o do Regulamento Bruxelas II-A em vigor.

2.24

O CESE concorda que o tribunal do Estado de execução também deve ter a possibilidade de ordenar as medidas urgentes de proteção necessárias se houver sérios riscos de a criança sofrer danos ou ficar numa situação intolerável. Por exemplo, o tribunal junto do qual o processo de regresso se encontra pendente poderá reconhecer o direito de visita a um dos progenitores, direito esse que pode ser igualmente exercido no Estado-Membro da residência habitual da criança até que o tribunal deste país profira uma decisão definitiva quanto ao direito de visita.

2.25

O CESE saúda o facto de a proposta da Comissão subordinar em todos os casos a colocação da criança numa família de acolhimento ou numa instituição noutro Estado-Membro à aprovação do país de acolhimento. A exigência de consentimento assegura que a criança é assistida de modo orientado no país de acolhimento. O CESE recomenda igualmente que se dê prioridade à colocação da criança na própria família. Se tal não for possível ou do superior interesse da criança, ela deverá ser colocada, em alternativa, numa família de acolhimento ou num centro de cuidados de proximidade.

2.26

O CESE toma nota de que, segundo o relatório sobre a aplicação do regulamento, são por vezes necessários vários meses até que se apure se é ou não necessário o consentimento num caso concreto. Quando esse consentimento é exigido, é necessário lançar um procedimento de consulta, o qual é igualmente moroso, dado que não foi fixado qualquer prazo para a resposta das autoridades requeridas. Consequentemente, na prática, muitas autoridades requerentes ordenam a colocação e enviam a criança para o Estado de acolhimento quando o processo de consulta ainda se encontra em curso ou mesmo quando este tem início, pois consideram a colocação urgente e têm consciência da morosidade do processo, o que deixa a criança numa situação de incerteza jurídica.

2.27

O CESE concorda que a proposta preveja a introdução de um prazo de oito semanas para adoção por parte do Estado-Membro requerido de uma decisão sobre o requerimento que lhe foi apresentado. A aceleração do processo serve o interesse superior da criança.

2.28

O CESE aceita que, nos termos da Convenção da Haia, a decisão caiba ao tribunal do país onde se encontra a criança. Alerta para o facto de, na maioria dos casos, o foro competente para julgar o rapto de uma criança ser o tribunal do Estado de residência do autor do rapto. O CESE faz notar que o Regulamento Bruxelas II-A já prevê serviços de aconselhamento gratuitos para os pais que chegam de um outro país que não o da residência habitual da criança.

2.29

A fim de acelerar o procedimento de regresso da criança, o CESE entende que seria útil a adoção de normas mínimas comuns, incluindo um processo de execução uniforme.

3.   Observações na especialidade

3.1

O CESE constata que existe uma falta de regulamentação dos casos em que um dos progenitores não é cidadão da União Europeia. A migração e as trocas de bens e serviços à escala global conduzem a um aumento do número de casos desta categoria. O CESE reputa necessário concluir acordos bilaterais, em particular com os países que não aderiram à Convenção da Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.

3.2

O CESE entende haver necessidade de clarificar o âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas II-A. Da proposta da Comissão nada se conclui quanto à questão de o regulamento contemplar novas formas de casamento ou de divórcio. Não se define, mas presume-se, o que se deve entender por casamento. Mesmo partindo de uma conceção «nacional» do casamento, os Estados-Membros devem respeitar o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, que proíbe quaisquer formas de discriminação por motivos de orientação sexual. O CESE propõe que se enuncie o respeito deste artigo num dos considerandos do regulamento em apreço.

Bruxelas, 26 de janeiro de 2017.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 376 de 22.12.2011, p. 87.

(2)  COM(2014) 225 final.

(3)  COM(2016) 411/2, p. 8.


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