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Document 52011AE0063

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Exercício de monitorização do mercado do comércio e da distribuição “Para um mercado interno do comércio e da distribuição mais eficiente e equitativo até 2020” » [COM(2010) 355 final]

    JO C 84 de 17.3.2011, p. 19–24 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    17.3.2011   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 84/19


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Exercício de monitorização do mercado do comércio e da distribuição “Para um mercado interno do comércio e da distribuição mais eficiente e equitativo até 2020”»

    [COM(2010) 355 final]

    2011/C 84/04

    Relator: Pedro Augusto ALMEIDA FREIRE

    Em 5 de Julho de 2010, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o

    Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Exercício de monitorização do mercado do comércio e da distribuição «Para um mercado interno do comércio e da distribuição mais eficiente e equitativo até 2020»

    COM(2010) 355 final.

    Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 6 de Janeiro de 2011.

    Na 468.a reunião plenária de 19 e 20 de Janeiro de 2011 (sessão de 20 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 192 votos a favor, 4 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

    1.   Conclusões e recomendações

    1.1   O CESE reconhece a importância do comércio retalhista no mercado único e o seu contributo para a economia europeia em geral. Tendo em conta a natureza específica deste sector, o CESE acolhe favoravelmente a abordagem holística desenvolvida pela Comissão Europeia no seu relatório sobre a monitorização do mercado do comércio e da distribuição e aprova a ideia de que é necessário evitar concentrar-se em subsectores específicos.

    1.2   O CESE lamenta que tenha sido dada tão pouca atenção às PME, que desempenham um papel fundamental em termos de emprego e de criação de valor, bem como na vida das zonas rurais e dos centros das cidades. Em conformidade com o Small Business Act (Lei das Pequenas Empresas), deveria ser dada mais prioridade às PME e a medidas para incentivar o seu desenvolvimento e a criação de emprego.

    1.3   Há, na Europa, uma concentração de grandes distribuidores que estão a atrair mais clientes graças à força da sua oferta (os cinco principais retalhistas de produtos alimentares representavam, em 2005, mais de 70 % do mercado). De igual modo, regista-se uma elevada concentração numa série de mercados de produtos, especialmente de produtos imprescindíveis que os distribuidores não podem deixar de disponibilizar nos seus estabelecimentos comerciais.

    1.4   O poder de negociação constitui uma prática generalizada numa economia de mercado, sendo exercida por todas as empresas, incluindo os agricultores, os operadores da recolha e da transformação dos seus produtos, os fornecedores e os distribuidores. O CESE preocupa-se com o facto de as medidas adoptadas por alguns países, que se destinam a controlar os níveis de preços e as margens de lucro, serem contrárias aos princípios da livre concorrência e de um mercado único eficiente.

    1.4.1   Por importantes motivos sociopolíticos, nomeadamente nos domínios social ou ambiental, essa regulamentação pode revelar-se necessária para assegurar a coesão social ou a protecção do ambiente.

    1.5   Foram assinaladas divergências consideráveis nos preços praticados nos vários Estados-Membros para produtos semelhantes no mercado interno. O CESE recomenda que todas as análises de preços tenham em conta a comunicação dos preços e das margens de lucro ao longo de toda a cadeia de abastecimento.

    1.6   O CESE recorda que os mercados retalhistas – e as relações contratuais próprias deste sector – são, por natureza, nacionais, com diferentes características jurídicas, económicas, políticas e culturais. Reconhecendo a importância da cadeia de abastecimento alimentar, o CESE insiste na necessidade de analisar e de tratar, de forma apropriada, as práticas manifestamente desleais que se verificam ao longo de toda esta cadeia.

    1.7   Mais especificamente, o CESE exorta a Comissão a analisar a forma como as «relações contratuais desleais» são tratadas a nível nacional, incluindo a aplicação da respectiva legislação. Além disso, o CESE sublinha a importância, em tempos de crise, de garantir uma correcta aplicação da legislação em vigor e recorda que se trata de uma responsabilidade dos Estados-Membros, salientando onde é necessário actuar e qual o nível mais apropriado para esse efeito, em harmonia com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

    1.8   O emprego no sector do comércio retalhista é importante e constitui frequentemente a porta de entrada no mercado de trabalho para muitos trabalhadores jovens pouco qualificados ou sem qualificações. Este sector também oferece consideráveis oportunidades aos empresários.

    1.9   O CESE solicita à Comissão que apoie a promoção do trabalho por conta própria, do espírito empresarial e do desenvolvimento das competências como instrumentos para enfrentar a crise e facilitar o acesso ou o regresso dos trabalhadores ao mercado de trabalho.

    1.10   A Comissão identifica, a justo título, os campos de actuação prioritários. O CESE apela igualmente a uma adopção atempada das propostas e exorta a Comissão Europeia a acelerar o processo de decisão num domínio que requer intervenção urgente, prática e tangível. Em particular, o renovado Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar deverá tornar-se o pilar de novas políticas emergentes no sector agroalimentar, tendo em vista, nomeadamente, um maior equilíbrio nas relações ao longo de toda a cadeia de abastecimento.

    1.11   Além disso, o CESE exorta a Comissão a examinar a aplicação da Directiva Serviços e a adoptar medidas apropriadas com os Estados-Membros em causa. O CESE também espera que a Comissão tome medidas contra este tipo de comissões, que funcionam como um imposto oculto imputado aos consumidores.

    2.   Introdução

    2.1   A Comissão Europeia reconhece o papel importante desempenhado pelo comércio de retalho no mercado único. Com efeito, a importância económica deste sector para a União Europeia (4,2 % do PIB da UE, 17,4 milhões de trabalhadores e 20 % das PME europeias, bem como as relações estreitas que mantém com vários mercados) explica por que motivo este sector foi escolhido para o presente exercício de monitorização.

    2.2   O relatório em apreço e o documento de trabalho que o acompanha analisam temas que, do ponto de vista do mercado único, afectam o desempenho económico, social e ambiental do sector do comércio e da distribuição. Tratam essencialmente do desempenho do sector, das recentes tendências e do impacto da sua modernização nos estabelecimentos comerciais concorrentes, identificando os problemas que afectam os resultados dos comerciantes, tendo em conta igualmente o ponto de vista dos seus parceiros nos mercados a montante e a jusante.

    2.3   A análise feita no relatório incide especialmente na interacção entre os comerciantes retalhistas e seus fornecedores (mercados a montante) e os seus consumidores (mercados a jusante). A Comissão reconhece assim a complexidade das interacções desenvolvidas pelos comerciantes para garantirem que os consumidores encontrem o produto certo, no sítio certo, no momento oportuno e ao melhor preço.

    2.4   O relatório anuncia que a Comissão definirá as medidas a tomar para garantir um melhor funcionamento do mercado interno neste sector com base na consulta, no intuito de ajudar os comerciantes a utilizarem da melhor forma o mercado único e a melhorarem o seu desempenho económico, social e ambiental.

    3.   Observações na generalidade

    3.1   Com este relatório, a Comissão Europeia reconhece a importância do sector do comércio de retalho para o mercado único e o seu contributo para as questões que se prendem com o crescimento, o emprego e a sustentabilidade. Uma vez que a percepção do sector é muitas vezes baseada numa visão simplista de comerciantes a comprar produtos aos agricultores para vendê-los aos consumidores, este relatório tem a preocupação de realçar a complexidade da cadeia de abastecimento e das interacções dos comerciantes com os seus parceiros. Ajuda ainda a compreender a forma como os comerciantes assumem a sua missão de fornecer aos consumidores o produto certo, no sítio certo, no momento oportuno e ao melhor preço, bem como os desafios que lhe são inerentes.

    3.2   O relatório dá ênfase ao contributo da modernização do sector retalhista, nos últimos cinquenta anos, para o combate à inflação e o aumento da oferta aos consumidores. Graças ao aumento da concorrência e à consolidação do sector do comércio e da distribuição, os preços baixaram, a oferta de bens de consumo aumentou e houve uma redução relativa das margens de lucro (ao contrário do que aconteceu noutros sectores, por exemplo, na indústria transformadora), o que teve impacto na concorrência, nas autoridades locais, nos agricultores, nos fornecedores, nos trabalhadores, etc.

    3.3   O CESE lamenta que o relatório esteja provavelmente demasiado concentrado no sector da venda a retalho de géneros alimentícios, não logrando, por isso, apreender a importância das PME (mais de 95 % das empresas de comércio retalhista e 11 milhões de trabalhadores), as suas necessidades e dificuldades específicas, incluindo os serviços de pós-venda, o seu papel na dinamização dos centros das cidades, das zonas rurais e das áreas suburbanas, a sua dependência dos grandes produtores, nem a concorrência com os fornecedores que criam redes de distribuição próprias.

    3.4   O relatório também não reconhece a importância do modelo de empresa cooperativa, em particular no sector do comércio retalhista de géneros alimentícios através de cooperativas de consumidores.

    3.5   O relatório analisa o desempenho do sector do comércio e da distribuição relativamente aos objectivos de interesse público – acessibilidade e viabilidade dos preços. Contudo, na prática, os comerciantes operam num ambiente altamente competitivo em que as empresas tudo fazem para atrair clientes e para lhes oferecerem uma boa relação qualidade-preço. As decisões dos comerciantes a respeito da sua implantação e dos seus serviços são, portanto, mais determinadas pela dinâmica do mercado do que pelos objectivos de política pública. Ao aferir o desempenho dos comerciantes em relação a estes objectivos, está-se a descurar o facto de o sector retalhista ser uma actividade comercial que, para sobreviver numa economia de mercado, tem de continuar a ser lucrativa. Estas mesmas conclusões são válidas para qualquer outra actividade de mercado.

    3.6   Com o tempo, a procura dos consumidores tem-se tornado mais sofisticada e não pode ser considerada homogénea. Este aspecto, conjugado com a importância da concorrência no comércio, explica a complexidade das forças do mercado e o motivo por que é possível coexistirem na realidade vários modelos de comércio de retalho, com diferentes serviços de pós-venda. Tal significa que os modelos de menores dimensões poderão ser bem sucedidos se fornecerem um serviço específico a um grupo específico de consumidores. Mais de 11 milhões de cidadãos europeus trabalham numa PME na área do comércio de retalho. É, por conseguinte, fundamental continuar a encorajar o desenvolvimento das PME, sobretudo através de um melhor quadro normativo e da redução dos encargos administrativos.

    4.   Observações na especialidade

    4.1   Um mercado interno do comércio e da distribuição mais eficiente e equitativo para os consumidores

    4.1.1   A principal actividade dos comerciantes é fornecer aos consumidores uma vasta gama de produtos que satisfaçam os requisitos de qualidade e de segurança ao melhor preço. A modernização do sector do comércio e da distribuição nos últimos vinte anos caracterizou-se por um processo rápido de concentração em grandes cadeias comerciais multinacionais que operam em diferentes países da UE e em países terceiros, produzindo uma saturação dos mercados na UE, a integração das tecnologias da informação e comunicação e a globalização, incluindo a expansão para outros mercados e o acesso dos consumidores a uma maior oferta de bens de consumo a preços mais baixos (viabilidade dos preços).

    4.1.2   O CESE e a Comissão são unânimes em reconhecer a relevância de abordar os desequilíbrios em termos de acessibilidade aos estabelecimentos comerciais e a necessidade de manter o dinamismo das zonas rurais. Dada a tendência de os retalhistas se estabelecerem no centro das cidades ou em centros comerciais suburbanos, é indispensável manter o centro das cidades acessível ao abastecimento. Cada vez mais as pessoas que vivem nas zonas rurais dependem do automóvel para fazer as suas compras diárias, o que, por um lado, tem um impacto no ambiente e, por outro, significa que quem não tem meios para comprar um automóvel ou não possui carta de condução tem um acesso limitado aos serviços de retalho.

    4.1.3   A decisão de implantar um estabelecimento comercial é determinada por uma série de factores, dos quais um dos mais importantes é a necessidade de maximizar o número de clientes. Este critério por si só explica por que motivo as zonas escassamente povoadas se prestam menos à implantação de estabelecimentos comerciais inversamente ao que acontece no centro das cidades ou nos espaços comerciais criados de raiz para o efeito em zonas suburbanas. Para abordar a questão da acessibilidade é, por conseguinte, essencial conhecer a fundo as condições em que os comerciantes exercem as suas actividades.

    4.1.4   A dificuldade de acesso dos consumidores a uma maior variedade de estabelecimentos comerciais depende de factores económicos e não económicos, por exemplo, o quadro regulamentar e, nomeadamente, o planeamento urbano e o acesso dos comerciantes aos mercados imobiliários. Estes factores podem estar associados a uma regulamentação local que coloca obstáculos à entrada de certos tipos de actividades ou certos tipos de estabelecimentos comerciais, a procedimentos de autorização excessivamente complexos e que continuam a ter um carácter discricionário, não obstante a existência da Directiva Serviços. Além disso, as disposições que reservam o comércio de produtos de saúde de venda livre a certos monopólios limitam a concorrência e, portanto, o acesso dos consumidores a produtos farmacêuticos a preços razoáveis.

    4.1.5   Nos últimos vinte anos, as pessoas com baixos rendimentos beneficiaram largamente do acesso a uma gama mais vasta de produtos a preços mais acessíveis em consequência da modernização, de uma maior concorrência e da globalização. O desenvolvimento de produtos de marca branca, em média 30 % mais baratos do que as marcas conhecidas, teve um papel decisivo neste processo.

    4.1.6   Devido ao modelo comercial de venda a retalho, os preços de retalho reflectem os custos operacionais com uma margem de lucro relativamente pequena comparada com outros sectores que operam com margens superiores. O CESE está apreensivo com as medidas que certos países adoptaram para controlar os níveis de preços e as margens de lucro. Por motivos sociopolíticos, essa regulamentação pode revelar-se necessária para assegurar a coesão social e prevenir a pobreza.

    4.1.7   No âmbito do mercado interno, foram assinaladas divergências consideráveis nos preços praticados nos vários Estados-Membros para produtos semelhantes. O CESE recomenda que todas as análises de preços tenham em conta a comunicação dos preços e das margens de lucro ao longo de toda a cadeia de abastecimento alimentar. O CESE concorda ainda com a Comissão que há vários factores com influência na formação dos preços. Para além dos custos de funcionamento, são de mencionar o rendimento médio das famílias, o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), os custos de transporte, as rendas, os custos salariais, o quadro regulamentar, o nível de concorrência ou as práticas comerciais como as restrições territoriais de abastecimento e as práticas abusivas que se verificam ao longo de toda a cadeia de abastecimento. O CESE solicita à Comissão que analise o impacto destas práticas e adopte medidas que permitam o abastecimento noutros Estados-Membros, de modo que os consumidores possam beneficiar de preços mais baixos, maior escolha, maior qualidade, produtos alternativos, etc.

    4.1.8   O CESE observa que os inquéritos aos consumidores identificaram a necessidade de desenvolver fontes de informação comparativa independentes sobre a oferta comercial.

    4.1.9   O CESE é de opinião que o comércio electrónico poderá contribuir para reforçar a concorrência em certas zonas, o que ajudará a baixar os preços. Manifesta-se, por isso, preocupado com a lentidão da sua adopção, especialmente nas transacções transfronteiriças. O CESE observa que um dos obstáculos ao desenvolvimento de transacções comerciais electrónicas transfronteiriças, sobretudo no caso das PME, é a falta de regras comuns de defesa dos consumidores em toda a Europa. Apela, portanto, às instituições europeias para que adoptem com toda a brevidade uma directiva relativa aos direitos dos consumidores no comércio electrónico assente numa «harmonização total orientada» da forma mais avançada possível. Essa directiva não deve impedir que os Estados-Membros mantenham ou introduzam medidas de protecção dos consumidores ainda mais severas, nos termos do artigo 169, n.o 4, do TFUE.

    4.2   Um mercado interno do comércio e da distribuição mais eficiente e equitativo para os comerciantes

    4.2.1   O CESE subscreve a asserção de que «um mercado interno do comércio e da distribuição […] deverá permitir que os comerciantes competitivos, independentemente da sua dimensão, coexistam no mercado e desenvolvam a sua actividade».

    4.2.2   A localização é um factor determinante quando se pretende abrir um novo espaço comercial e pode acontecer que um comerciante tenha de esperar vários anos até conseguir fazê-lo numa determinada zona e poder criar emprego. Convém analisar minuciosamente as dificuldades de entrada no mercado e de acesso ao mercado imobiliário que são identificadas como obstáculos potenciais ao desenvolvimento de pequenos estabelecimentos comerciais. Esta análise poderia ser realizada com base em informações facilmente disponíveis que tenham em conta a perspectiva do consumidor (a escolha da localização do espaço comercial), os aspectos que se prendem com a política da concorrência e os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

    4.2.3   A Directiva Serviços, que deveria ter entrado em vigor em todos os Estados-Membros em 31 de Dezembro de 2009, visa erradicar uma série de práticas discriminatórias associadas à concessão de autorizações de estabelecimento. Na prática, contudo, foram criados vários novos obstáculos, constatando-se, por vezes, a utilização abusiva da legislação sobre o planeamento urbano para controlar a concorrência e favorecer certos tipos de comércio ou de empresas. O CESE exorta a Comissão a examinar a aplicação da Directiva Serviços e a adoptar medidas apropriadas com os Estados-Membros em causa.

    4.2.4   Outro problema enfrentado pelos retalhistas é a ausência de um mercado interno de pagamentos transparente e competitivo. Os actuais sistemas de cartões de pagamento são anticoncorrenciais e atentam contra um princípio fundamental do mercado interno. As comissões interbancárias funcionam como um imposto oculto para os comerciantes, sobretudo os mais pequenos. O SEPA (espaço único de pagamentos em euros), cuja essência são as comissões interbancárias, levará à extinção dos sistemas nacionais de cartões de débito económicos e eficientes. O mercado de cartões de pagamento ficará, em consequência disso, reduzido a um duopólio que fará aumentar as comissões interbancárias em detrimento dos consumidores. O CESE espera que a Comissão tome medidas contra este tipo de comissões, que funcionam como um imposto oculto imputado aos consumidores.

    4.3   Um mercado interno do comércio e da distribuição mais eficiente e equitativo para os fornecedores

    4.3.1   Enquanto prestadores de serviços, os retalhistas proporcionam aos seus fornecedores o acesso à sua rede de distribuição, tanto para um único ponto de venda como para todo o território da UE. Esses serviços incluem, por exemplo, uma colocação específica dos produtos nos escaparates, marketing e actividades logísticas. Cada uma destas actividades comporta um preço que assume muitas vezes a forma de um emolumento.

    4.3.2   O comércio de retalho é apenas um dos muitos canais de distribuição à disposição dos fornecedores. Sem os retalhistas, só um número muito reduzido de fornecedores seria capaz de constituir grandes redes de distribuição e os consumidores sofreriam as consequências de uma oferta menos variada e de preços mais elevados. Contudo, todos os elos da cadeia de abastecimento são importantes, uma vez que sem matéria-prima não haveria transformação de produtos e sem transformação não haveria comercialização. Como tal, o CESE apela a que, a nível da UE, se articulem os mecanismos necessários para que exista um verdadeiro equilíbrio na cadeia de comércio e distribuição de produtos.

    4.3.3   Há, na Europa, uma concentração de grandes distribuidores que estão a atrair mais clientes graças à força da sua oferta (os cinco principais retalhistas de produtos alimentares representavam, em 2005, mais de 70 % do mercado). De igual modo, regista-se uma elevada concentração numa série de mercados de produtos, especialmente de produtos imprescindíveis que os distribuidores não podem deixar de disponibilizar nos seus estabelecimentos comerciais. A forte concorrência entre retalhistas pressiona a cadeia de abastecimento a reduzir os preços e as margens de lucro. Numa economia de mercado aberta, o poder de negociação constitui uma prática corrente que é exercida por todas as empresas. E isso vale tanto para os comerciantes como para os seus fornecedores, mas quando essa prática é abusiva, deve ser proibida. Os comerciantes, incluindo os mais importantes, não têm qualquer poder de negociação em relação aos fabricantes de produtos «imprescindíveis», sejam eles grandes ou pequenos fornecedores. De igual modo, os pequenos e médios fornecedores não têm qualquer poder de negociação em relação aos grandes comerciantes sobre certas categorias de produtos. Verifica-se que os operadores da cadeia de abastecimento não conseguem apresentar queixas por recearem represálias. O CESE encoraja os pequenos comerciantes a associarem-se em alianças de compras, de modo a aumentar o seu poder de negociação perante os seus fornecedores, a obter condições mais favoráveis e a prestar um melhor serviço aos consumidores. Deve-se condenar todos os casos de abuso do poder de negociação. O CESE preconiza, por isso, a aplicação correcta das regras da concorrência a todos os intervenientes na cadeia de abastecimento.

    4.3.4   O Comité Económico e Social Europeu adoptou dois pareceres que abordam o funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar (1) e que recomendam um Código de Boas Práticas ao nível dos Estados-Membros e a nomeação de um mediador para intervir em caso de necessidade. Também o Parlamento Europeu, a Presidência espanhola da União Europeia e a Comissão Europeia adoptaram uma série de recomendações para um melhor funcionamento desta cadeia (2). O CESE também se congratula com o lançamento do Fórum de Alto Nível (3) sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar, que estabelece uma plataforma consultiva de partes interessadas especializada em práticas contratuais entre empresas ao longo de toda a cadeia de abastecimento alimentar.

    4.3.5   O CESE recorda que os mercados do comércio e da distribuição (e as relações contratuais do comércio de retalho) são, por natureza, nacionais, com diferentes características jurídicas, económicas, políticas e culturais. As relações comerciais são geralmente regidas por regulamentos, pela jurisprudência e/ou por códigos de boas práticas a nível nacional. Muitos Estados-Membros tentaram regular determinadas práticas. Porém, em muitos casos, essas tentativas redundaram na criação de novos obstáculos que limitaram a capacidade de estabelecimento de empresas estrangeiras num dado país, atentando contra os princípios do mercado interno. O CESE insiste na necessidade de analisar e de tratar de forma apropriada as praticas manifestamente desleais que se verificam em toda a cadeia de abastecimento. Mais especificamente, o CESE exorta a Comissão a realizar um estudo sobre o modo como são tratadas as «relações contratuais desleais» ao nível nacional, incluindo a aplicação da respectiva legislação. Este estudo serviria para evidenciar a eficácia das práticas nacionais, decidir sobre a necessidade de adoptar medidas e sobre o nível mais indicado, em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. O CESE recorda ainda a importância de, em tempo de crise, velar pelo cumprimento correcto da legislação em vigor, salientando que esta é uma responsabilidade que incumbe aos Estados-Membros.

    4.3.6   Para assegurarem aos consumidores uma oferta variada, conservarem a sua individualidade e reforçarem a sua imagem local, os retalhistas desenvolveram produtos de marca branca, cuja responsabilidade enquanto produtores é por eles assumida. O êxito destes produtos assenta na sua ampla aceitação pelos consumidores, dado que praticamente 80 % dos consumidores europeus (4) considera esses produtos de marca branca dos supermercados como uma boa alternativa a outras marcas.

    4.3.7   As gamas de produtos de marca branca são desenvolvidas em parceria com os seus fornecedores que são, na sua maioria, PME. A Comissão Europeia reconhece que estas parcerias, assentes numa subcontratação, provaram já por várias vezes ser o tipo de relação mais estável e duradoura. Os fornecedores dispõem, deste modo, de dados sobre os consumidores e de incentivos para continuar a inovar e aceder a um mercado mais vasto. Contudo, há dúvidas quanto ao seu impacto na inovação, na concorrência, no desenvolvimento das PME e na oferta aos consumidores. O CESE convida a Comissão a analisar o impacto dos produtos de marca branca nos fornecedores, na concorrência, na inovação e na oferta aos consumidores.

    4.4   Um mercado interno do comércio e da distribuição mais eficiente e equitativo para os trabalhadores

    4.4.1   O sector do comércio e da distribuição é frequentemente a porta de acesso ao mercado de trabalho para muitos jovens pouco qualificados ou sem qualificações. Este sector depende, além disso, essencialmente de padrões de trabalho flexíveis para se adaptar às exigências dos consumidores ao longo de um dia, de uma semana ou de uma estação. A forte concorrência em matéria de preços obriga os trabalhadores a uma flexibilidade de horários que, em muitos casos, se tornou incompatível com a organização da sua vida pessoal. Por esse motivo, a legislação e a negociação colectiva deveriam definir modelos de flexibilidade que sejam compatíveis, tanto com as necessidades organizacionais das empresas, como com as necessidades dos trabalhadores, permitindo um equilíbrio efectivo entre a vida profissional e a vida privada. Neste sentido, a participação das mulheres no sector do comércio e da distribuição é mais elevada do que em qualquer outro sector e o trabalho a tempo parcial também assume a sua importância. O comércio de retalho proporciona igualmente oportunidades consideráveis aos empresários.

    4.4.2   O CESE convida a Comissão a apoiar a promoção do trabalho por conta própria, o espírito empresarial e do desenvolvimento das competências como meios para combater a crise e facilitar o acesso ou o regresso ao mercado de trabalho. O CESE exorta as empresas do sector a aplicarem as normas nacionais e comunitárias em matéria de igualdade de oportunidades e de género, a fim de promover o desenvolvimento qualitativo e quantitativo do emprego feminino neste sector.

    4.4.3   A actual crise financeira e a diminuição do consumo levaram em toda a Europa a encerramentos, reestruturações, fusões e aquisições de actividades comerciais. O risco de desemprego de longa duração permanece, por isso, elevado. O CESE convida a Comissão a apoiar a promoção do trabalho por conta própria, do espírito empresarial e do desenvolvimento das competências profissionais dos trabalhadores como meios para combater a crise e permitir a sua reintegração no mercado de trabalho.

    4.4.4   Há uma longa tradição de negociação colectiva no sector do comércio, tanto a nível europeu como nacional. As diferenças entre os países são o resultado de diferentes culturas e tradições nas relações industriais, pelo que qualquer medida proposta neste âmbito deve ser sempre consentânea com o princípio da subsidiariedade. O CESE convida os Estados-Membros e os países candidatos a reforçarem o diálogo social entre os parceiros e um sistema de relações industriais no sector.

    4.4.5   O trabalho não declarado e a economia informal são um tema fundamental e devem ser, por isso, tratados com toda a urgência, uma vez que geram concorrência desleal entre empresas devido à evasão fiscal e tributária, e se repercutem negativamente nas condições de trabalho dos trabalhadores, em particular em matéria de saúde e de segurança no trabalho. O CESE exorta a Comissão e os Estados-Membros a adoptarem medidas para simplificar e reduzir a carga administrativa, em particular para as pequenas e as microempresas, e a sensibilizarem mais a opinião pública para as vantagens do trabalho regular.

    4.4.6   O CESE solicita a realização de um debate aberto com os parceiros sociais sobre o sistema de franchising e exorta os Estados-Membros a reforçarem as medidas de combate à economia informal, na medida em que esta cria mais discriminação e concorrência desleal em detrimento das PME.

    4.4.7   A modernização, o desenvolvimento tecnológico e a utilização crescente das TIC no comércio de retalho estão na origem de um desfasamento cada vez maior entre as competências requeridas pelas empresas e as qualificações do pessoal do sector do comércio e da distribuição. O CESE chama a atenção da Comissão para a necessidade de melhorar as competências dos trabalhadores ao longo de toda a sua carreira/vida profissional. Neste sentido, o CESE também apela aos parceiros sociais do sector do comércio e da distribuição, para que aprofundem a sua cooperação actual para resolver o desfasamento entre as competências exigidas pelas empresas e as que são oferecidas pelos trabalhadores, através de soluções e de meios sectoriais que permitam prever e gerir o impacto das novas tecnologias nas competências e no emprego.

    4.4.8   É longa a tradição de responsabilidade social das empresas no sector retalhista. Com efeito, já há muitos anos que as empresas vêm introduzindo e implementando um largo número de práticas responsáveis. Estas práticas abarcam não só questões sociais e ambientais, como também domínios como a saúde e a segurança dos produtos, e ainda questões relacionadas com a cadeia de abastecimento e o empenhamento ao nível local.

    4.4.9   O CESE concorda com a Comissão que é indispensável enfrentar a questão da forte pressão exercida pela concorrência em matéria de preços ao nível dos custos salariais e dos horários de trabalho. Para tal, o CESE propõe à Comissão que realize um estudo específico sobre o impacto dos horários de abertura dos espaços comerciais, incluindo os que abrem ao domingo, sobre o desenvolvimento económico e social local, o nível de serviços prestados aos consumidores e a qualidade de vida dos trabalhadores.

    4.4.10   Continuam a ocorrer no sector fenómenos importantes de concorrência desleal e de dumping social entre empresas comerciais, independentemente da sua dimensão, num contexto em que o direito do trabalho e a negociação colectiva, que variam de país para país, resultam em políticas de investimento distintas e em modelos económicos e de desenvolvimento diferentes. O CESE convida os parceiros sociais, no âmbito do diálogo social europeu, a encetarem um debate para definir as melhores políticas que possam contribuir para a coesão económica, social e territorial e eliminar os entraves ao desenvolvimento harmonioso e à concorrência leal do sector na Europa. A Comissão deveria apoiar esta iniciativa e tomar medidas adequadas para a eliminação de comportamentos que impedem a realização e o bom funcionamento de um mercado interno equitativo, eficiente e promotor de desenvolvimento.

    4.4.11   A participação financeira dos trabalhadores desempenha um papel cada vez mais importante no sector do comércio e distribuição, principalmente ao nível dos principais retalhistas europeus, permitindo que os trabalhadores tenham maior expressão no que toca à qualidade do emprego, à motivação e às condições de trabalho. A Comissão deve reavaliar esta ferramenta como parte da sua monitorização do sector.

    4.5   Um mercado interno do comércio e da distribuição mais eficiente e equitativo para as gerações futuras

    4.5.1   O CESE reconhece a importância do sector retalhista para encorajar padrões de consumo e de produção mais sustentáveis na UE. Recorda que o impacto directo de operações de retalho propriamente ditas tem sido sobreavaliado, mas que indirectamente, em virtude de estabelecer o elo mais estreito entre consumidores e produtores, o comércio retalhista pode dar um contributo importante. O CESE congratula-se com a criação do Fórum dos Retalhistas, cuja missão consiste em promover a partilha de boas práticas sobre questões específicas não só entre os comerciantes, mas também entre o sector retalhista e as partes interessadas. O CESE também reconhece o trabalho realizado pela Mesa-Redonda para um Consumo e Produção Sustentáveis.

    4.5.2   O CESE chama a atenção da Comissão Europeia para a necessidade de assegurar coerência entre os objectivos ambientais e outros objectivos políticos, como o mercado interno, ao nível das decisões políticas. Ao longo dos últimos anos têm surgido conflitos, tendo-se tornado cada vez mais usual a violação dos princípios básicos do mercado interno por razões de protecção ambiental. Além disso, o CESE adverte contra uma possível transferência da responsabilidade do produtor para o retalhista.

    Bruxelas, 20 de Janeiro de 2011

    O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

    Staffan NILSSON


    (1)  NAT/460: Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa, relator: Pedro Narro, co-relator: József Kapuvári e CCMI/050: Grande distribuição: Evolução e impacto, relatora: Madi Sharma.

    (2)  COM(2009) 591 final – Comunicação da Comissão sobre «Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa».

    (3)  Decisão da Comissão de 30 de Julho de 2010 que institui o Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar (2010/C 210/03).

    (4)  Estudo de AC Nielsen Consumer attitudes towards private labels [Atitude dos consumidores face aos produtos de marca branca], 2005.


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