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Document 52007IE1262

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre As consequências económicas e sociais da evolução dos mercados financeiros

JO C 10 de 15.1.2008, p. 96–105 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

15.1.2008   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 10/96


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «As consequências económicas e sociais da evolução dos mercados financeiros»

(2008/C 10/23)

Em 17 de Janeiro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre: «As consequências económicas e sociais da evolução dos mercados financeiros».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social que emitiu parecer em 4 de Setembro de 2007, sendo relator O. DERRUINE.

Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 115 votos a favor, 25 contra e 13 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Recomendações

Informação, transparência e protecção dos investidores e consumidores

1.1

É importante aperfeiçoar as ferramentas estatísticas que permitem apreender melhor o sector dos fundos especulativos e participações privadas, bem como os indicadores referentes ao governo das sociedades, harmonizando-os pelo menos ao nível europeu.

1.2

A fim de eliminar a suspeita crescente que pesa sobre uma parte do sector financeiro, limitar o risco de choques sistémicos induzidos pela assunção de riscos (como o endividamento) excessivos e fazer respeitar uma concorrência leal entre as modalidades de investimentos, seria conveniente aplicar regras prudenciais aos fundos especulativos e participações privadas (um «Basileia III»).

1.3

«O CESE insta a Comissão a apresentar, o mais rapidamente possível, o seu projecto de legislação para aumentar a informação prestada por investidores institucionais sobre as suas políticas no que diz respeito ao investimento e ao exercício do voto (1)».

1.4

Para reforçar a protecção dos investidores que colocam as suas posses em fundos de participação privada, seria necessário alterar a Directiva OICVM (2) de forma a também abranger estes actores e obrigá-los a maior transparência. Embora as promessas de elevado rendimento sejam um factor de atracção, o investidor final poderá ignorar o risco a que se está a expor.

1.5

A Comissão devia incentivar e levar a cabo com as partes envolvidas (bancos, associações de consumidores, poderes públicos e prestadores de serviços, etc.) iniciativas destinadas a reforçar o nível de informação e, sobretudo, de compreensão dos consumidores de serviços financeiros que, em geral, nem sempre possuem a cultura financeira necessária e, por isso, não têm consciência dos possíveis riscos (3).

1.6

As empresas cotadas em Bolsa alvo de aquisição mas com um volume de negócios ou número de trabalhadores superior a um determinado limiar devem sempre ser obrigadas a publicar um mínimo de informação quando são retiradas da Bolsa, deixando, portanto, de estar sujeitas às obrigações de publicidade inerentes.

Gestão e diversificação dos riscos

1.7

Seria conveniente examinar a possibilidade de impor uma diversificação da carteira de investimentos, em particular no caso da poupança salarial, com base nos modelos existentes (ver também ponto 1.2).

1.8

A crise do crédito hipotecário americano («subprime») propagou-se a outros segmentos do mercado financeiro e à UE. Em caso de crise bancária europeia, aparentemente os custos incorridos seriam substanciais devido à fragmentação da supervisão que tornaria mais lenta uma reacção apropriada. Em virtude do princípio da subsidiariedade, os grandes bancos deviam ser alvo de uma supervisão à escala europeia. O Comité convida os bancos, a Comissão e o Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária (CAESB) a estabelecerem contactos entre si para especificar as modalidades de supervisão e definir os critérios que permitam identificar os bancos relevantes.

1.9

No caso de gestão delegada, que permite diversificar os riscos possíveis, um prolongamento da duração dos mandatos de gestão incentivaria uma estratégia a longo prazo e restringiria a especulação que ultrapassa a arbitragem, a fim de limitar os estratagemas a curto prazo e a corrida às receitas através de atitudes especulativas dos prestadores de serviços de gestão.

1.10

As agências de notação, que são ao mesmo tempo «juiz e parte» no sentido em que ajudam os bancos de investimento a conceber produtos derivados, a valorizá-los e a colocá-los no mercado, deviam ser objecto de uma maior transparência.

Conciliar a estratégia financeira e o modelo social europeu

1.11

A atribuição de benefícios fiscais poderá incentivar os fundos de pensão com uma estratégia a longo prazo mais a integrar a qualidade e responsabilidade social nas suas políticas de investimento financeiro, na medida em que presentemente os investimentos socialmente responsáveis (4) representam apenas uma percentagem limitada (5).

1.12

A Comissão e os Estados-Membros devem garantir que a responsabilidade social das empresas integra plenamente todas as partes envolvidas, incluindo os fundos de investimento que exercem influência nas sociedades em que se inserem e que por vezes dirigem. Nesse contexto, o CESE questiona-se sobre a aplicação da Directiva sobre a informação e consulta dos trabalhadores das sociedades holding  (6) e solicita que essa directiva seja revista caso estes não estejam abrangidos.

1.13

De forma complementar, a Directiva sobre a manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas (7) deve ser actualizada, a fim de abranger a transferência de empresas realizada através de uma operação de transferência dessas acções. Assim, os direitos à informação e à consulta dos trabalhadores serão mais respeitados.

1.14

As estatísticas sobre os salários (e até sobre os rendimentos) deviam ao menos ser divididas em quintos, a fim de avaliar melhor o impacto da política salarial na estabilidade dos preços.

1.15

Os serviços de interesse económico geral são um pilar essencial do modelo social europeu. São igualmente um alvo preferencial para os fundos de participação privada que recorrem ao endividamento com efeito de alavanca, porque geram grandes fluxos financeiros, estão numa posição de (quase) monopólio, estão pouco endividados e as suas despesas de funcionamento são elevadas. A fim de evitar inconvenientes para os consumidores, os cidadãos e a coesão que eles veiculam, «o CESE reitera o pedido de definir a nível comunitário os princípios básicos comuns aplicáveis a todos os SIG, que deverão ser consagrados numa directiva-quadro e, em caso de necessidade, especificados por sector em directivas sectoriais (8)».

Fiscalidade equitativa

1.16

Dado que alguns países já o fizeram ou estão prestes a fazê-lo (Dinamarca, Alemanha, Reino Unido), seria conveniente estabelecer, no respeito do princípio da subsidiariedade, regras que limitem as deduções fiscais dos juros sobre a dívida em caso de aquisição de uma empresa.

1.17

No quadro dos trabalhos já realizados no âmbito da OCDE e a fim de prosseguir a luta contra a concorrência desleal dos paraísos fiscais, deve também analisar-se a possibilidade de alterar as regras de tributação de forma que seja a localização do gestor que determine a base tributável dos fundos especulativos, trabalhando geralmente o gestor a partir de grandes cidades de países da OCDE. Além disso, a taxa de tributação aplicável não devia ser a da mais-valia, mas sim a do rendimento normal.

1.18

Dado que um grande número de decisões de investimento a muito curto prazo são tomadas a partir de paraísos fiscais (offshore), o Comité convida o Conselho, a Comissão e o BCE a examinar uma eventual acção fundada no artigo 59.o do Tratado (9).

1.19

O Comité sublinha a importância de reforçar a coordenação das políticas fiscais, fixando limites mínimos, em particular para as diferentes formas de fiscalidade do capital. Esta política é justificada por uma preocupação dupla de equidade e eficácia económica.

2.   Introdução

2.1

Nos últimos 25 anos, a economia mundial alterou-se profundamente. Apesar de, em geral, nos contentarmos em explicar este fenómeno com a globalização, não estamos suficientemente conscientes da sua dimensão financeira e da constituição de um mercado financeiro mundial.

2.2

Assim, embora os meios de comunicação social e os decisores políticos continuem a concentrar-se no indicador do PIB, parece necessária uma perspectivação que tenha bem em conta a realidade. Em 2002, o PIB mundial equivalia a 32 triliões de dólares e, embora este montante parece astronómico, não é nada comparado com o total das transacções financeiras fora do PIB (1 123 triliões) que é trinta e cinco vezes superior!

Economia mundial (em triliões de dólares americanos, 2002)

Comércio e produção

 

Moeda de liquidação

 

Transacções em derivados

699

Estados Unidos (dólares)

405,7

Transacções cambiais

384,4 (10)

Eurossistema (euros)

372,9

Transacções financeiras

39,3

Japão (ienes)

192,8

Transacções de bens e serviços

(PIB mundial)

32,3

Outras zonas monetárias

183,6

Total (transacções interbancárias)

1 155

Total (liquidações interbancárias)

1 155,0

Fonte: François Morin, «Le Nouveau mur de l'argent: Essai sur la finance globalisée», 2006.

2.3

O principal vector identificado da globalização financeira são os investidores institucionais. O seu aparecimento foi acompanhado de uma divulgação das práticas anglo-saxónicas de governo das sociedades (protecção dos accionistas minoritários, obrigações de transparência, activismo institucional nas assembleias gerais e alteração da relação entre accionistas, gestores e trabalhadores) e do aparecimento de instrumentos derivados de crédito, esses novos instrumentos financeiros que dispersam os riscos que considerávamos indissociáveis de alguns títulos. Estas mudanças foram possíveis e aceleradas pelas novas tecnologias de informação e comunicação.

2.4

Cabe sublinhar nesta fase que os investidores institucionais em sentido lato desenvolvem estratégias diferentes em função do seu contexto de investimento. Enquanto alguns se dedicam a arbitragens que tendem a estabilizar os mercados financeiros, outros como os fundos de pensão devem responder a compromissos a muito longo prazo. Sob a mesma designação, encontram-se grandes diferenças, como, por exemplo, nos fundos de participação privada em que alguns são especializados em aquisições por endividamento (leveraged buy-out), investindo numa empresa por um período de 3 a 5 anos, e outros actuam como investidores privados concedendo capital de risco a PME inovadoras e mantendo-se envolvidos até quinze anos (11).

 

Duração da posse de

 

acções

obrigações

Fundos especulativos

1 a 5 meses

1 a 5 meses

Outros fundos de investimento

9 meses a 1 ano

1 a 6 meses

Seguros

1 ano 2/3 a 3 anos 1/3

6 meses a 2 anos e meio

Pessoas singulares

3 a 5 anos

8 meses a 4 anos

Fonte: Natixis, «L'effet de la présence des hedge funds sur l'équilibre des marchés financiers», Recherche économique, N.o 2007-04.

2.4.1

Dito isto, esses actores podem manter relações íntimas entre si. Assim, por exemplo, 24 % do capital utilizado em 2005 por fundos de participação privada proveio do sector de fundos de pensões, 18 % de bancos comerciais e de investimento, 11 % de seguros (12). Uma das funções cada vez mais importantes dos fundos de investimento e outras empresas de gestão de activos é de prestador de serviços de gestão dos fundos de pensão e seguradoras por mandato.

2.5

Os investidores institucionais, já desenvolvidos nos países anglo-saxónicos há vinte anos, foram-se progressivamente interessando pelos países da Europa continental. Existem já diversos fundos em diferentes Estados-Membros. Hoje em dia, metade dos activos em gestão colectiva mantém-se controlada por investidores americanos.

2.6

Calcula-se que hoje em dia os investidores institucionais representam 80 % das transacções em Bolsa. Assim, não parece realista tomar posições de investimento opostas às dos grandes organismos de investimento. São também os principais actores a deter as acções transfronteiras, tendo uma sondagem do Eurobarómetro (Outono de 2005) revelado que apenas 1 % das pessoas singulares possuem acções de uma empresa de outro país e que apenas 3 % pretendem adquirir acções estrangeiras. Além disso, poucos entre eles participam activamente nas assembleias-gerais de accionistas, ao passo que os investidores institucionais estão mais presentes e mais decisivos há alguns anos.

2.7

O presente parecer refere-se, em primeiro lugar, às empresas cotadas em Bolsa pois são mais activas nos mercados bolsistas. Tratam-se, em geral, de grande empresas. Todavia, como exercem uma influência decisiva no emprego e no comportamento das demais empresas, as «mutações» que as afectam têm impacto em toda a economia e na sociedade:

geram 1 em 3 empregos na Europa e 1 em 2 empregos nos Estados Unidos;

estão presentes sobretudo na indústria de extracção, nos transportes e telecomunicações e nos serviços às empresas, ou seja ramos de importância fundamental;

influenciam também a forma de funcionamento das PME através de relações de subcontratação e aquisição de participações financeiras.

3.   Convergência dos sistemas de governo das sociedades (13)

3.1

Em geral faz-se a distinção entre dois conjuntos de instituições e práticas que afectam a forma como as empresas são dirigidas, administradas ou controladas, relações entre as partes envolvidas e objectivos definidos para a empresa (governo das sociedades).

O modelo anglo-saxónico caracteriza-se por empresas com propriedade muito dispersa e por investidores institucionais muito presentes mesmo sem estarem envolvidos na gestão das empresas. Embora não detenham em geral mais de 3 % de títulos por investidor, exercem a sua influência através da venda anunciada ou realizada das suas acções. Este sistema é típico dos países com um grande número de empresas cotadas.

O modelo da Europa continental e da maioria dos outros países, entre os quais o Japão, caracteriza-se pela presença de accionistas com blocos de acções na ordem dos 10 % a 20 % que lhes conferem um controlo efectivo. Esses investidores são o Estado, bancos ou outras empresas, que estão directamente envolvidos na gestão das empresas. Contrariamente ao modelo anterior, os trabalhadores gozam também de um certo envolvimento nos negócios da empresa, o caso extremo revestindo a forma da co-gestão (Mitbestimmung) alemã.

3.2

Ao longo das últimas duas décadas, constatou-se uma convergência do modelo da Europa continental e do modelo anglo-saxónico. Entre os factores de convergência encontram-se o Acto Único Europeu e a privatização de empresas públicas, as reformas fiscais na Alemanha, designadamente sobre as mais-valias bolsistas que levaram os bancos a vender as suas participações sectoriais, a obrigação do Ministério do Trabalho americano dirigida aos investidores institucionais de exercerem os seus direitos de voto (1988 e 1994), a vitalidade económica dos Estados Unidos nos anos 90 que contrastava com a relativa estagnação dos países da Europa continental, a cotação de grandes empresas em diversos mercados bolsistas, as novas normas contabilísticas internacionais, etc.

3.3

Persiste, porém, uma certa diversidade de formas nacionais e regionais de capitalismo em virtude do seguinte:

diversidade nacional das instituições económicas: direito, política e cultura e dotação em recursos;

interdependência dos mercados de capitais e do trabalho, as regulamentações jurídicas e as normas que orquestram o funcionamento das empresas são interdependentes;

os custos de se passar para outro sistema pois a modificação de um elemento referido anteriormente coloca em risco a coerência do todo.

4.   Impactos económicos

4.1

O desenvolvimento dos investidores institucionais possibilitou a democratização do acesso aos mercados financeiros e a diversificação dos riscos da carteira de títulos, disponibilizando as competências específicas da equipa de gestão. Ao reunir as poupanças das pessoas singulares, os fundos disponíveis aumentam e permitem uma diversificação maior, reduzindo dessa forma o risco individual para os particulares. Os OICVM oferecem acesso a uma rentabilidade de capitais potencialmente elevada a particulares com meios financeiros modestos e com pouco conhecimento do mercado. No que se refere às empresas e administrações públicas, a concentração de capitais nas mãos dos investidores institucionais reduz os custos de negociação graças a um interlocutor único.

4.2

Os investidores institucionais, independentemente da sua natureza (fundos especulativos, fundos de pensão, bancos e seguros, participações privadas, etc.) gerem o património financeiro de cerca de 300 milhões de pessoas singulares essencialmente concentradas nos Estados Unidos, Europa e Japão (14). O seu objectivo consiste em maximizar o rendimento da poupança dos seus representados, tendo em conta o nível de risco que estes estão dispostos a assumir.

4.3

Do lado dos consumidores e a nível particular, o crescente peso das participações em fundos de investimento nos activos financeiros dos particulares implica tautologicamente um aumento da exposição do património financeiro doméstico ao risco de mercado (15).

4.4

Para além dos OICVM e das seguradoras, os fundos de pensão são bem conhecidos do grande público. Surgiram como uma das soluções para aliviar a factura do envelhecimento demográfico. Têm dois tipos: prestações definidas e contribuições definidas. No primeiro caso, o risco é assumido pelos patrocinadores, a entidade empregadora, no segundo caso pelo aforrador final. Embora estes últimos se caracterizem por uma estrutura de activos mais arriscada estão em crescimento pois os patrocinadores procuram minimizar os riscos criados pelos seus compromissos a longo prazo e os trabalhadores são cada vez mais atraídos por formas de poupança com maior rentabilidade e direitos mais fáceis de transferir entre entidades patronais (16).

4.5

A gestão dos seus activos é efectuada pelos próprios fundos, mas sendo muitas vezes delegada (total ou parcialmente) em fundos mútuos ou outras empresas de gestão. Da mesma forma, se os prazos de investimentos são teoricamente longos, os desempenhos da gestão são examinados a curto prazo e em função do rendimento. Tal explica por que motivo a parte das acções do total de activos aumentou exponencialmente e contribuiu para o crescimento do preço dos activos.

4.6

A convergência dos modelos de governo das sociedades associado ao desenvolvimento das TIC, ao maior activismo dos investidores institucionais e à sua norma de rentabilidade levaram as grandes empresas a maximizar a todo o custo o rendimento (dividendos e mais-valias) dos seus títulos. As considerações sobre a capacidade de gerar fluxos financeiros futuros ou a natureza de parceria salientada pelo modelo social europeu foram relegados para segundo plano.

4.7

Nasceu assim uma nova dinâmica de governo que visa provocar mudanças nas estratégias a fim de criar permanentemente valor para o accionista em detrimento de uma melhoria da competitividade a médio e longo prazos que pode estar comprometida: a aquisição pela empresa das suas próprias acções (shares buyback) para inflacionar o indicador referente à rentabilidade líquida dos capitais próprios, fusões e aquisições por vezes desligadas de toda a lógica industrial, a redução do âmbito de actividade de uma empresa e da integração das tarefas na actividade do grupo para facilitar a diversificação da carteira de investimentos, as deslocalizações, a redução do número de trabalhadores e a flexibilidade dos contratos de trabalho, a fim de reduzir as despesas fixas ou converter as despesas fixas em custos variáveis (17).

4.8

Em geral, a exigência de uma taxa de rendimento (RCP) elevada, de 10 % a 20 % segundo os sectores, desestabiliza a macroeconomia: uma rentabilidade tão elevada envolve um crescimento dos lucros amplamente superior ao PIB. Isso contribuiu, entre outros factores (migração, deslocalizações, maior penetração das importações, etc.), para aumentar a parte relativa da riqueza distribuída aos detentores do capital. Constata-se efectivamente uma nova partilha da mais-valia nos países europeus. Segundo os dados da Comissão, da OCDE e do BPI, a parte dos salários em % do PIB para a média dos países da UE-15 passou de 71,5 % na década de 1980 para 66,7 % em 2004. Este desvio de quase cinco pontos do PIB traduziu-se num aumento simétrico das receitas do capital (lucros).

4.8.1

O impacto macroeconómico desta mudança na partilha das riquezas é deflacionista. Aumenta a poupança global, mas como o poder de compra dos trabalhadores evolui pouco, a sua procura carece de dinamismo, o que não incentiva as empresas a efectuar investimentos. Por outro lado, como uma grande parte dos lucros é redistribuída aos accionistas (dividendos e aumento do lucro por acção), criam-se reservas excedentárias e o fenómeno alimenta-se a si próprio.

4.8.2

Além disso, como os principais países da OCDE entraram em concorrência para atrair investimentos directos no estrangeiro estimulados por reservas excedentárias mas travados por um abrandamento do dinamismo do próprio mercado nacional, lançaram-se em políticas de redução de impostos que minaram as suas finanças públicas.

4.8.3

Da mesma forma, como em muitos países os juros pagos sobre a dívida estão isentos de impostos, a aquisição por endividamento (leveraged buy-out) equivale a uma forma de subvenção pelos poderes públicos das operações de fundos de participação privada, que se vêem assim privilegiados. Para além das questões que levantam as práticas de concorrência desleal em relação a outros actores económicos que não recorrem a esse tipo de procedimento, as aquisições por endividamento têm impacto nas finanças públicas. Um estudo do Ministério das Questões Fiscais dinamarquês (18) assinala que, mantendo-se esta tendência, essas perdas podem representar naquele país, daqui a dois anos, 25 % do rendimento total dos impostos sobre as sociedades. Situação idêntica é registada na maioria dos países europeus e da zona euro sujeitos aos critérios orçamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

4.8.4

No que se refere ao vencimento dos gestores de fundos, os 20 % de recompensa diferida que costumam cobrar pelos rendimentos que ultrapassam determinados limiares são tributados à taxa mais baixa, a aplicável às mais-valias, e não à taxa mais elevada do imposto sobre o rendimento normal. Nada o justifica, na medida em que eles próprios contribuem apenas com uma parte mínima do capital. Esta situação levanta um problema de equidade do tratamento fiscal entre esses indivíduos e os outros trabalhadores mais tributados.

4.9

Não só a natureza e a estratégia da empresa evoluíram, o papel do presidente do Conselho de Administração também passou pelo mesmo: há dez anos a responsabilidade desse presidente era gerir a empresa e os seus activos em nome das diferentes partes interessadas. Hoje em dia, o maior desafio para os presidentes de Conselhos de Administração é gerar resultados líquidos para os investidores. O nível de abandonos forçados do cargo por resultados considerados insuficientes pelos accionistas atingiu o seu pico em 2005, onde se registaram quatro vezes mais abandonos de presidentes de conselhos de administração por esse motivo do que dez anos antes. Mais de uma empresa em sete registou uma mudança de dirigente, contra uma em onze há apenas dez anos. A duração do seu mandato foi também reduzida. Essa rotação cada vez mais rápida pode colocar um outro problema pois «as transformações necessárias às empresas levam geralmente três a quatro anos a executar».

4.9.1

Consequentemente, como vários Conselhos de Administração se vêem sem candidatos para suceder a um presidente afastado, regista-se um novo aumento da remuneração dos presidentes dos CA, por um lado porque os seus novos empregadores procuram motivá-los a abandonar as suas funções e, por outro lado, porque os seus empregadores actuais procuram mantê-los no lugar. Contudo, a esmagadora maioria dos investidores institucionais lamentam o nível considerado excessivo dos vencimentos dos gestores (90 %) e a ausência de impacto positivo no desempenho da empresa (78 %) (19).

4.9.2

Embora aparentemente as empresas se tenham afastado das opções de compra de acções (stock options) que levaram a conflitos de interesse e a escândalos clamorosos, a prática de atribuir «redes de segurança douradas» e outras retribuições a presidentes do CA que, apesar de tudo, não conseguiram melhorar os desempenhos da sua empresa (em termos de competitividade e emprego) é chocante aos olhos da opinião pública.

5.   Coesão e desigualdades sociais

5.1

Por um lado, embora tenhamos já frequentemente justificado os pagamentos elevados aos accionistas pelo risco das operações em que empenharam o seu capital, a base desse argumento é duramente atingida pelos desenvolvimentos dos últimos anos.

5.1.1

Efectivamente, a responsabilidade é limitada apenas às suas contribuições, e a capacidade de negociação do seu activo associada a uma liquidez crescente dos mercados financeiros e bolsistas graças às novas tecnologias e à sua globalização reduzem consideravelmente a intensidade do risco que correm, dando-lhes uma capacidade de saída e diversificação sem igual.

5.2

Por outro lado, os economistas observaram uma sazonalidade dos despedimentos económicos, que culminam em Janeiro e Junho, ou seja quando da definição e revisão dos orçamentos anuais das empresas. Concluíram que esses despedimentos se destinavam mais a melhorar os resultados financeiros do que por necessidades industriais (20).

5.2.1

Além disso, a individualização dos contratos de trabalho e das remunerações está muito em voga, assim como uma profusão de contratos atípicos como os contratos a termo certo e a tempo parcial a fim de converter uma parte das despesas fixas associadas às remunerações em custos variáveis e, por último, aumentar os benefícios e, consequentemente, o rendimento por acção (return on equity). Em 1992, 25,4 % dos trabalhadores estavam abrangidos por um contrato a termo ou a tempo parcial. Em 2005, a percentagem subira para 33 %. A profusão deste tipo de contratos precários alargou-se a um ritmo mais rápido do que a criação de emprego em todo o período (excepto em 2005) e, no tocante aos contratos a termo, apenas 33 % conduziram a um contrato sem termo (contra 22 % a não emprego e 39 % a um outro contrato do mesmo tipo) (21).

5.2.2

Essa situação levanta novos riscos para os trabalhadores e as empresas:

as empresas não investem nesses trabalhadores móveis e estes não se esforçam, não se sentindo envolvidos na empresa e receando que os benefícios líquidos actualizados da formação não se revelem positivos (22)  (23);

o capital humano que é cada vez mais específico das empresas na sociedade do conhecimento é pouco móvel (ou seja, não é verdadeiramente transferível de uma empresa para outra) (24);

os representantes dos trabalhadores deixaram de conseguir identificar quem são os interlocutores a quem se devem dirigir no quadro do diálogo social, resumindo-se o «seu dirigente» a uma atomização de accionistas flutuantes a quem não conseguem «atribuir um rosto»;

os trabalhadores entram em competição:

ao nível mundial, devido à forte mobilidade do capital produtivo e do capital financeiro e à duplicação do número de trabalhadores que participam na economia no seguimento da dissolução do bloco soviético e da entrada na cena internacional da China e da Índia, por exemplo;

ao nível nacional, devido à taxa de desemprego, à proliferação de empregos de fraca qualidade que reforça o valor dos empregos de qualidade e ao paradoxo da formação: por um lado é de bom tom recordar a necessidade de formação e a inadequação das competências, por outro lado cerca de um trabalhador em três considera-se demasiado qualificado para as competências exigidas pela sua actividade profissional, os menos qualificados e os trabalhadores temporários não têm possibilidades suficientes de formação;

essa competição é ainda mais viva na medida em que a mobilidade dos trabalhadores é relativamente limitada devido à conservação de períodos transitórios nas legislações em matéria de migração económica segundo as quais o acesso de um estrangeiro a um mercado de trabalho está condicionado à existência de carências em certos grupos profissionais (restrições políticas), ou à ausência de progresso real em matéria de transferência de pensões, ou a um sobreaquecimento do mercado imobiliário (restrições socioeconómicas) ou a conhecimentos linguísticos insuficientes (restrições culturais).

5.2.3

Há que encontrar um novo equilíbrio entre os accionistas e os trabalhadores. Para além da deformação da partilha do PIB entre «capital» e «trabalho» e os elementos mencionados supra, o desequilíbrio reflecte-se igualmente numa evolução exponencial dos mercados financeiros e bolsistas ao longo dos últimos anos que contrasta com um direito do trabalho que evoluiu no sentido contrário, não fornecendo, portanto, aos trabalhadores protecção suficiente (tanto em termos contratuais como em matéria de formação contínua (25), por exemplo). Isto indica que a flexibilidade (e maior precariedade) do trabalho se torna uma variável de ajustamento para as empresas.

Evolução por «submodelo» social

 

 

Capitalização bolsista/PIB

Protecção dos trabalhadores

Média

País

1990

2003

1990

2003

Modelo anglo-saxónico

UK, EUA, Canadá, Austrália

54

119

0,63

0,73

Modelo escandinavo

FI/DK/SE

28

85

2,71

1,89

Modelo continental

FR/DE/AT/BE/NL

30

59

2,79

2,30

Modelo mediterrânico

IT/ES/EL

16

57

3,67

2,61

Japão

 

98

70

2,10

1,84

N.B.: Não há dados disponíveis para os novos Estados-Membros.

A protecção dos trabalhadores é medida pelo indicador «EPL versão 1» calculado (para os anos 1990, 1998 e 2003) pela OCDE, que abrange a regulamentação da protecção do trabalho regular e temporário. Quanto mais próximo do 0 mais fraca a regulamentação de protecção dos trabalhadores. (O EPL versão 2 inclui informações sobre os despedimentos colectivos mas não permite recuar até 1990.)

5.2.4

Apesar de o accionista assalariado se ter desenvolvido, este fenómeno não pode corrigir a situação na medida em que se refere essencialmente e de forma desproporcionada (tendo em conta a sua representatividade no conjunto dos trabalhadores) aos trabalhadores que recebem os rendimentos mais elevados (em geral os quadros superiores).

5.2.5

Se recordarmos que um sistema económico é um produto da história (ver ponto 3.3), é facilmente compreensível que a convergência dos modelos de governo das sociedades (ver pontos 3.1, 3.2) não produziu na Europa continental efeitos especialmente visíveis em termos de luta contra o desemprego, ao passo que o modelo social europeu repousa, por exemplo, numa economia social de mercado que pressupõe uma estratégia de parceiros em sentido lato que ultrapassa os interesses dos únicos accionistas.

5.3

Há já vários anos que entrámos numa fase de forte moderação salarial (26) sob a pressão da concorrência internacional que se intensifica e sob a pressão das normas da rentabilidade. Todavia, nem todas as classes socioprofissionais são afectadas por este fenómeno.

5.3.1

Assim, e como se faz nos Estados Unidos (27), a Comissão Europeia, o Eurostat e o BCE devem afinar os seus dados estatísticos dividindo-os (no mínimo) em quintos (28) para identificarem melhor quais as categorias de pessoas (salários muito elevados, salários muito baixos, grupos intermédios) que estão na origem do crescimento da massa salarial global e dos rendimentos em geral, de forma a avaliar melhor os riscos sobre a estabilidade dos preços, tendo em conta que as populações que pertencem a esses diferentes grupos não têm a mesma propensão para o consumo (29). (Ver também ponto 4.8.4).

6.   Investigação e desenvolvimento (I&D) e inovação

6.1

Como os investidores institucionais têm tendência para o mimetismo nas suas decisões de investimento, é possível que tal dê lugar a investimentos excessivos em certos sectores e simultaneamente à falta de investimento noutros sectores, tal como a crise bolsista de 2000-2001 demonstrou.

6.2

O exemplo dos países escandinavos prova que é possível combinar desempenhos sociais e tecnológicos elevados com um sistema financeiro predominantemente bancário em vez de bolsista.

6.3

No que se refere às participações privadas, embora forneçam capital de risco indispensável ao lançamento de novas actividades por empresas de pequena dimensão (start-up), esse mercado está em declínio nos últimos anos (em 2003: menos de 10 % dos seus investimentos) (30). Por outro lado, a actividade das participações privadas centra-se cada vez mais na aquisição de empresas (buy-outs) (em 2003: mais de 60 %) (ver capítulo «Efeito de alavanca e riscos sistémicos»). Esta tendência também não estimula o investimento na medida em que, devido ao risco desta actividade, a participação privada terá por prioridade o reembolso e a remuneração dos accionistas, em detrimento do investimento a longo prazo.

6.4

Para além da I&D, as interacções consideradas «tácitas» (31) são um factor de competitividade cada vez mais importante para todas as empresas. Essas interacções tácitas envolvem o intercâmbio de informação, a elaboração de pareceres, a coordenação e o seguimento de outras actividades e associam diferentes formas de conhecimento nas trocas (bens, serviços e informação) com os demais trabalhadores, os clientes e os fornecedores. Os empregados que mobilizam este tipo de aptidão representam hoje em dia entre 25 % e 50 % da mão-de-obra.

6.4.1

Para aumentarem a sua competitividade, as empresas não podem continuar a concentrar-se na normalização do trabalho dos seus trabalhadores ou na sua substituição por máquinas. Pelo contrário, devem eliminar as barreiras de organização, criar um clima de confiança entre o seu pessoal e também entre eles próprios e dar-lhes a possibilidade de tomar decisões e comunicar de forma rápida e fácil. Desta forma, a sua força reside nos conhecimentos colectivos específicos da empresa e que surgem ao longo do tempo.

6.4.2

Hoje em dia, as empresas dispõem de margem de manobra para melhorar a produtividade dos trabalhadores envolvidos em interacções tácitas, o que não se verifica noutros casos. Isso reflecte-se na grande disparidade de desempenhos nos sectores onde este tipo de emprego é importante. O diálogo social sectorial desempenha um papel importante nas trocas de experiências entre empresas no quadro de seminários e estudos, por exemplo.

6.4.3

Esta tónica nas competências específicas das empresas levanta questões quanto à flexigurança, que pressupõe uma formação genérica para encontrar um trabalho numa outra empresa que seria eventualmente activa num sector diferente daquele que o trabalhador abandona.

7.   Efeito de alavanca e riscos sistémicos

7.1

As aquisições de empresas efectuadas por alguns tipos de participações privadas são uma actividade de natureza especulativa que se baseia no endividamento e numa aposta na possibilidade de utilizar rendimentos gerados pela empresa-alvo para reembolsar o empréstimo e para gerar mais-valias consideráveis no prazo de cinco anos.

7.2

Em 1995, essas operações representavam nos países da Europa continental 0,6 % do PIB e, em 2005, já 3 % (32). (Para o Reino Unido, estes números são, respectivamente, 1 % e 7 %.) As aquisições de empresas constituem o essencial (70 %) das actividades das participações privadas, estando a concessão de capital de risco em declínio (5 % em 2005).

7.2.1

No segundo semestre de 2006, multiplicaram-se os sinais de alarme dos bancos centrais (BCE, Bank of England) e das agências de notação (Standard and Poor's) em resposta à ebulição registada nesse sector (500 mil milhões de dólares) que, em 2005, utilizou mais 70 mil milhões de dólares do que no ano anterior. Os bancos apontam tanto um risco sistémico após um forte aumento da dívida das empresas, como uma multiplicação de obrigações de alto rendimento (junk bonds) que atinge níveis delicados.

7.2.2

É um dilema para as autoridades monetárias pois qualquer aumento das taxas que entrave esta actividade condenará paralelamente as empresas que sobrevivem graças ao excesso de liquidez geral.

7.2.3

As aquisições de empresas colocam duas outras questões de natureza bem diferente, mas não menos importantes:

na medida em que a operação é realizada mediante a constituição de uma empresa, a directiva sobre a informação e consulta dos trabalhadores não é de aplicação. O resultado é uma menor participação desses trabalhadores, que são várias centenas de milhar na Europa.

Através das aquisições de empresas mediante empréstimo financeiro (LBO), os fundos de investimento podem estar em nome da empresa que os detém no âmbito de um Conselho de Administração de um grande grupo europeu activo num sector crucial, tal como o aeroespacial. Dado que certos fundos de origem americana mantêm ligações especialmente estreitas com o poder político e os serviços de informações americanos, a independência tecnológica, militar e política da UE é ameaçada na medida em que a participação no Conselho de Administração dá acesso a informações confidenciais (33).

7.3

Em geral, vários estratagemas vêm aumentar artificialmente o rendimento médio anunciado pelos fundos de participação privada. Como não estão sujeitos a nenhuma obrigação de comunicação e informação, apenas as participações privadas com mais rendimento apresentam os seus resultados, e os fundos que desaparecem por maus resultados são retirados das bases de dados. Um estudo do Citygroup assinala que, se se tiver em conta esses elementos, o rendimento calculado para um período de dez anos é inferior a um cabaz de acções de média capitalização. A consideração das despesas de gestão e de investimento nesses activos ilíquidos contribui igualmente para a redução dos rendimentos publicitados (34).

7.4

Os fundos especulativos constituem uma indústria de mais de 1,5 triliões de dólares. Estes fundos não são novos, mas adquiriram uma importância especialmente significativa nos últimos vinte anos. O sector enfrenta pressões de investidores como os fundos de pensão no sentido de reforçarem a sua transparência. Essa exigência levou recentemente ao desenvolvimento da notação de créditos e do risco por diferentes agências de notação.

7.4.1

Por seu turno e em virtude do seu peso financeiro colossal, exercem uma forte influência nos mercados financeiros, bolsistas e monetários que pode conduzir a reflexões aprofundadas:

As autoridades de regulamentação americana, inglesa e europeia reiteraram recentemente a sua preocupação com o facto de os bancos de investimento poderem permitir que os fundos especulativos aumentem a sua capacidade de empréstimo, utilizando garantias colaterais relativamente ilíquidas e cujo valor pode, em resultado, descer rapidamente em caso de crise financeira. Questionam-se também sobre os mecanismos «off-shore» que jogam com o efeito de alavanca que permite aos bancos americanos tornar os créditos extensíveis aos fundos especulativos para além dos limites legais.

Os fundos especulativos são igualmente activos no segmento de carry trade, ou seja, nas operações em que os investidores adquirem empréstimos em moedas com taxas de juro baixas (tais como o iene e o franco suíço) para investir em divisas que pagam taxas de juro superiores (dólar australiano). Cada vez mais bancos, entre os quais o BRI, e economistas estão convencidos de que esta actividade muito recompensadora para os fundos especulativos é uma das explicações para a debilidade do iene, que no fim de Janeiro atingiu um novo nível mínimo (desde há quatro anos) face ao dólar americano. Uma mudança brusca no interesse pela divisa japonesa (no seguimento de um aumento das taxas japonesas em resposta ao vigor da economia nipónica) pode degenerar numa crise financeira. O Barclays Capital considera que o carry trade de natureza especulativa atingiu o seu nível mais elevado desde a crise russa de 1998.

7.5

Os produtos derivados permitem aos bancos diluir os riscos do seu balanço, convertendo-os em produtos financeiros complexos objecto de transacções. Desta forma, o risco é reduzido ao mínimo mas repartido pela economia, para agentes que podem não ser submetidos a regras de supervisão.

7.5.1

Embora a probabilidade estatística de choque financeiro grave com repercussões sistémicas tenha diminuído ao longo dos tempos ainda se mantém, e os danos seriam mais importantes do que anteriormente devido nomeadamente aos laços mais estreitos entre as instituições e os mercados por causa das inovações financeiras que permitiram uma melhor integração dos mercados e das operações de fusões e aquisições nos sectores da banca e de seguros (35).

7.5.2

Devido a um efeito de alavanca que aumentou nos últimos anos e que por definição não surge no balanço, é impossível calcular quais os verdadeiros montantes em jogo e o risco a que o sistema económico está exposto.

Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Dimitris DIMITRIADIS


(1)  “Nova análise do mercado único”, CESE — INT/332.

(2)  Directiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OICVM) — JO L 375 de 31.12.1985, pp. 3-18.

(3)  Como referido na conferência «Increasing financial capability» organizada pela Comissão Europeia, em Março de 2007, o relatório Sandler, apresentado a Gordon Brown, Chanceler do Tesouro britânico, contém pistas de reflexão interessantes.

(4)  Ver nomeadamente os trabalhos realizados no âmbito da Iniciativa de Financiamento do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP FI), em particular o relatório «A legal framework for the integration of environmental, social and governance issues into institutionnal investment» (2005).

(5)  Ver nomeadamente os trabalhos realizados no âmbito da Iniciativa de Financiamento do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP FI), em particular o relatório «A legal framework for the integration of environmental, social and governance issues into institutionnal investment» (2005).

(6)  Directiva 2002/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, que estabelece um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade Europeia — Declaração Conjunta do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão sobre representação dos trabalhadores — JO L 80 de 23.3.2002, pp. 29-34.

(7)  Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos ou de partes de empresas ou de estabelecimentos — JO L 82 de 22.3.2001, pp. 16-20.

(8)  Cf. nomeadamente o JO C 309 de 16 de Dezembro de 2006“O futuro dos serviços de interesse geral”.

(9)  «Sempre que, em circunstâncias excepcionais, os movimentos de capitais provenientes ou com destino a países terceiros causem ou ameacem causar graves dificuldades ao funcionamento da União Económica e Monetária, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após consulta de BCE, pode tomar medidas de salvaguarda em relação a países terceiros, por um período não superior a seis meses, se essas medidas forem estritamente necessárias».

(10)  Dos quais oito para as transacções comerciais internacionais.

Fonte: François Morin, «Le Nouveau mur de l'argent: Essai sur la finance globalisée», 2006.

(11)  De forma simplista, seguem-se algumas características que ajudam a distinguir melhor entre os fundos especulativos e as participações privadas. Quando investem numa empresa, contentam-se com uma baixa percentagem de acções, mas são activos tendo em vista influenciar as escolhas da empresa. As participações privadas visam a extracção de valor e interessam-se principalmente pela aquisição de empresas recorrendo ao endividamento. A empresa em queda deixa de estar sujeita às obrigações de informação. O desinvestimento na empresa faz-se depois de uma reestruturação total ao fim de alguns anos.

(12)  Aglieta «The surge in private equity», 2007.

(13)  James Shinn, «Private profit or public purpose? Shallow convergence on the shareholder model», Universidade de Princeton, 2001. Os estudos abrangeram catorze países: Estados Unidos, Reino Unido, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Países Baixos e Espanha, China, Japão, Coreia do Sul, Malásia, Singapura e Formosa. Roger M.Baker, «Insiders, outsiders, and change in European corporate gouvernance», Universidade de Oxford, 2006.

(14)  J. Peyrelevade, «Le capitalisme total», 2005, pp.39-42.

(15)  BIPE, op cit. A percentagem do património financeiro particular investido em acções, fundos mútuos, seguros de vida e pensões mais que duplicou na Alemanha, Itália e França entre 1980 e 1998 para atingir cerca de 50 % nos dois primeiros países e 66 % no terceiro. No Reino Unido, embora partindo de um nível mais elevado, estes produtos evoluíram de 52 % para 76 %.

(16)  BIPE, «La montée en puissance des investisseurs institutionnels: implications réglementaires. Etude réalisée pour le Sénat français», Janeiro de 2003.

(17)  Ver nomeadamente S. M. Bilger e K. F. Hallock «Mass layoffs and CEO turnover», 2005 e Chicago Fed Letter «Assessing the impact of job loss on workers and firms», Abril de 2006.

(18)  Ministério das Questões Fiscais, Dinamarca, «Status pa SKATs kontrolindsats verdrrorende kapitalfondes overtagelse af 7 danske koncerner», Março de 2007.

(19)  Watson Wyatt, «Corporate directors give executive pay model mixed reviews», Junho de 2006.

(20)  D. Plihon, «Précarité et flexibilité du travail, avatars de la mondialisation du capital», 2006.

(21)  COM(2003) 728 final, «Melhorar a qualidade do emprego: análise dos progressos recentes».

(22)  Sendo o capital humano cada vez mais apontado como factor de competitividade numa economia do conhecimento, é espantoso que não surja no activo dos balanços das empresas.

(23)  Observatório Europeu das Condições de Trabalho, «Fourth European Working Conditions Survey», 2007, p. 49.

(24)  Cf. ponto 6.4 e seguintes.

(25)  Observatório Europeu das Condições de Trabalho, «Fourth European Working Conditions Survey», 2007, p. 49.

(26)  Comissão Europeia, «The contribution of labour cost developments to price stability and competitiveness adjustment in the Euro Area»in Relatório trimestral sobre a Zona Euro, volume 6, n.o 1, 2007.

(27)  Cf. Inquéritos trienais «US Survey of Consumer Finances».

(28)  Distribuição dos rendimentos por ordem crescente dividida em cinco partes com um mesmo número de observações.

(29)  Obras recentes apontaram nesta direcção. Citemos nomeadamente T. Piketty, E. Saez: «The evolution of top incomes: a historical and international Perspective», American Economic Review, 2006.

(30)  Deutsche Bank Research, «Private equity in Europe», Janeiro de 2005.

(31)  The McKinsey Quarterly, «Competitive advantage from better interactions», 2006, número 2.

(32)  Adrian Blundell-Wignall, «Private Equity Trends and Issues», OCDE, 2007.

(33)  B. Carayon, «Patriotisme économique: de la guerre à la paix économique», 2006, p. 119.

(34)  House of Commons, Treasury Committee: «Private equity: tenth report of session 2006-07».

(35)  Financial Times, 30 de Janeiro de 2007.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

Alterações rejeitadas

As seguintes alterações, que obtiveram, pelo menos, um quarto dos votos expressos, foram rejeitadas durante o debate. Artigo 54.o, n.o 3, do Regimento.

Pontos 5.1 e 5.1.1

Substituir os pontos 5.1. e 5.1.1. pelo ponto 5.1. seguinte:

«5.1

Por um lado, embora tenhamos já frequentemente justificado os pagamentos elevados aos accionistas pelo risco das operações em que empenharam o seu capital, a base desse argumento é duramente atingida pelos desenvolvimentos dos últimos anos.

5.1.1

Efectivamente, a responsabilidade é limitada apenas às suas contribuições, e a capacidade de negociação do seu activo associada a uma liquidez crescente dos mercados financeiros e bolsistas graças às novas tecnologias e à sua globalização reduzem consideravelmente a intensidade do risco que correm, dando-lhes uma capacidade de saída e diversificação sem igual.

5.1

Os pagamentos aos accionistas devem estar em sintonia com os resultados das empresas.».

Justificação

Os dois pontos são demasiado críticos em relação à função dos accionistas como parte essencial do desenvolvimento das empresas. Ao afirmar que «a responsabilidade é limitada apenas às suas contribuições» parece que se está a retirar importância ao risco que implica investir nos mercados financeiros e bolsistas. A última crise destes mercados desmente também a afirmação de que «graças às novas tecnologias e à sua globalização reduzem consideravelmente a intensidade do risco que correm». A limitação dos pagamentos aos accionistas poderia ser negativa para a evolução dos mercados bolsistas

Resultado da votação

Votos a favor: 65

Votos contra: 70

Abstenções: 13


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