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Document 52007IE1256

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Os direitos do paciente

    JO C 10 de 15.1.2008, p. 67–71 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    15.1.2008   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 10/67


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Os direitos do paciente»

    (2008/C 10/18)

    Em 14 de Julho de 2005, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do seu Regimento, elaborar um parecer sobre «Os direitos do paciente».

    A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 17 de Julho de 2007 (relator: L. BOUIS).

    Na 438.a reunião plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007 (sessão de 26 de Setembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 108 votos a favor, sem votos contra e 2 abstenções, o presente parecer.

    1.   Justificação e recomendações

    1.1

    Há vários anos que os países europeus e a Comunidade Europeia se debruçam sobre a questão dos direitos das pessoas que recorrem aos serviços de saúde, tendo-se dotado de cartas ou de um verdadeiro arsenal legislativo que permitem afirmar estes direitos (1). Trata-se de direitos que dependem evidentemente da qualidade do sistema de saúde e da organização da assistência médica. No entanto, o respeito destes direitos depende igualmente do comportamento e da cooperação dos profissionais de saúde e dos próprios pacientes, pelo que são previsíveis melhorias rápidas neste sector.

    1.1.1

    Em 2002, foi proposta uma Carta Europeia dos Direitos dos Pacientes pela Rede de Cidadania Activa (Active Citizenship Network). Estes direitos, baseados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 35.o), são importantes nas relações que os cidadãos europeus mantêm com os respectivos sistemas de saúde. Não obstante, um inquérito realizado por organizações de cidadãos em 14 países da União Europeia demonstra que o nível de protecção destes direitos é muito diferente de Estado-Membro para Estado-Membro. Esta situação põe em causa o empenho da Comissão Europeia em garantir a todos os cidadãos europeus um acesso efectivo aos serviços de saúde com base no princípio da solidariedade.

    1.1.2

    Assistimos hoje em dia a uma evolução das políticas públicas tendente a estimular cada vez mais a participação dos cidadãos através do desenvolvimento de métodos de participação em vários países da Europa: por exemplo, as conferências de consenso dinamarquesas, os júris cidadãos instituídos em vários Estados-Membros europeus e os estados gerais. O Conselho da Europa e o Parlamento Europeu promovem este tipo de iniciativas de carácter participativo.

    1.1.3

    Tendo em conta a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, a Comunicação da Comissão intitulada «Consulta relativa a uma acção comunitária no domínio dos serviços de saúde», a Declaração do Conselho «Saúde» de 1 de Junho de 2006 sobre «os valores e os princípios comuns dos sistemas de saúde da União Europeia», a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu sobre a mobilidade dos pacientes, o relatório do Parlamento Europeu sobre a mobilidade dos pacientes e a evolução dos cuidados de saúde na União Europeia e a resolução do Parlamento Europeu de 15 de Março de 2007, o CESE convida a Comissão Europeia a adoptar iniciativas que permitam aplicar uma política de saúde respeitadora dos direitos dos pacientes. Para tal, é necessário:

    Fazer uma recolha comparativa das normas regulamentares e deontológicas aplicadas em cada país da União Europeia e proceder à sua análise;

    Formular, sob a forma mais apropriada, a linha de conduta comunitária transponível;

    Proceder à avaliação programada da aplicação dos textos promulgados e das políticas adoptadas;

    Divulgar os resultados destes trabalhos junto dos responsáveis nacionais, dos representantes das várias categorias socioprofissionais e dos utentes interessados;

    Institucionalizar um «Dia Europeu dos Direitos do Paciente».

    1.1.4

    Por conseguinte, o Comité Económico e Social Europeu analisa a questão dos direitos dos pacientes para chamar a atenção das instâncias europeias para a necessidade da sua observância, tendo em conta em particular o direito à mobilidade dos cidadãos nos 27 países da União e a igualdade de oportunidades em matéria de prestações de qualidade, tanto no país de origem como no país anfitrião, sobretudo para encorajar a sua aplicação concreta em todos os Estados-Membros da Comunidade Europeia. Por outro lado, a reafirmação destes direitos implica mudanças nas relações quotidianas mantidas entre o conjunto dos profissionais e das estruturas de saúde e os pacientes.

    1.1.5

    As questões abordadas carecem muitas vezes de uma reflexão ética e as respostas que lhes são dadas dependem do sistema político e social do país interessado. Todavia, não obstante as disparidades associadas à organização dos sistemas de saúde e mau grado a variedade dos debates sobre este tema, verifica-se uma evolução das problemáticas de saúde bastante semelhante em todos os países da Europa e uma tendência geral e inelutável para a afirmação dos direitos da pessoa que recorre a assistência médica.

    1.2

    Com efeito, verifica-se uma evolução das necessidades de saúde e das expectativas das populações neste domínio e, para além do sistema de saúde propriamente dito, uma evolução política que aspira a conceder um lugar cada vez mais importante à voz da pessoa.

    1.3

    Os progressos da medicina e a criação dos sistemas de protecção social induziram, no plano mundial, uma transição epidemiológica que se traduziu por menos necessidades de assistência médica de curta duração e, sobretudo, por mais doenças crónicas, fenómeno este que se acentua graças ao envelhecimento da população. A assistência médica às pessoas com doenças crónicas comporta tratamentos de longa duração; estes doentes adquirem assim conhecimentos através da sua experiência do recurso ao sistema de assistência médica e através da sua experiência da doença.

    1.4

    O advento das novas tecnologias da informação, nomeadamente o desenvolvimento da Internet, reforçou este movimento de aumento dos conhecimentos dos doentes, desenvolvendo a sua capacidade de intercâmbio de informações e de diálogo com os profissionais de saúde. Em certas patologias, as pessoas têm por vezes um conhecimento aprofundado das suas doenças que deve ser considerado pelos profissionais de saúde.

    1.5

    De maneira geral, as expectativas dos pacientes em relação aos profissionais de saúde não se limitam unicamente às dimensões técnicas da assistência, implicando também as dimensões relacionais e humanas.

    1.6

    Por último, a convivência com uma doença de longa duração e/ou uma deficiência induz novas necessidades e novas expectativas por parte das pessoas. O repto da assistência médica mudou: já não estamos confrontados com a cura a qualquer preço, mas antes com a «convivência», com a preocupação permanente da luta contra a dor.

    O que leva as pessoas doentes a serem cada vez mais intervenientes activos na assistência médica que lhes é prestada, surgindo novas expectativas e necessidades.

    1.7

    Esta evolução das necessidades e das expectativas das pessoas perante a assistência médica inscreve-se numa evolução mais profunda da sociedade, que tende a promover o modelo da autonomia da pessoa e a afirmação dos seus direitos.

    1.8

    O conjunto destes factores permite concluir que se tornou obsoleto o modelo paternalista das interacções entre o médico e o paciente, o que impõe outra maneira de encarar o lugar do paciente na sua interacção com o sistema e implica a afirmação e a aplicação de novos direitos e deveres.

    1.9

    O presente parecer centra-se nos direitos dos pacientes, isto é, das pessoas que recorrem ao sistema de assistência médica, quer sejam saudáveis quer sejam doentes, na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS).

    2.   Contexto

    2.1

    A evolução da medicina, a evolução das necessidades de saúde e das expectativas das pessoas levam a considerar a pessoa no seu contexto de vida, o que implica não só interessar-se pelo próprio indivíduo, mas também pelo seu meio familiar ou até pelo seu meio profissional e pelo seu círculo de amigos. A «convivência» do doente com a sua enfermidade significa ter em conta as várias dimensões que contribuem para a qualidade de vida, o que se torna possível graças à intervenção de uma multiplicidade de profissionais que vai além do corpo médico propriamente dito.

    2.2

    Embora o médico mantenha um papel preponderante na assistência médica prestada às pessoas, é oportuno integrar a noção de colóquio singular no funcionamento do sistema, isto é, articulando-a com o conjunto dos profissionais do sector da saúde e do sector médico-social.

    2.2.1

    Na medida em que o paciente confia nos profissionais de saúde, o médico e os outros profissionais de saúde devem estar atentos aos seus comportamentos, o que lhes permite adaptar os seus discursos, tratamentos e esclarecimentos. O intercâmbio passa simultaneamente pela escuta, pelas palavras e pelos cuidados médicos, permitindo a construção de uma relação sólida necessária para travar o combate contra a doença.

    2.2.2

    Neste sentido, ao abordar estas questões, a medicina deve elaborar uma verdadeira prática social e, ultrapassando o acto técnico indispensável efectuado com o devido rigor, deve satisfazer a procura da população, que ambiciona uma assistência médica global adaptada a cada um.

    2.2.2.1

    A equipa médico-social deve ter uma função de conselheiro para o paciente, sem que isso a iliba da sua responsabilidade. Por conseguinte, esta equipa existe para lhe prestar assistência, para o informar e para o apoiar, elaborando uma estratégia terapêutica baseada no diagnóstico que os sintomas e a relação com o paciente lhe tiverem sugerido. Assim, é legítimo solicitar que os profissionais de saúde escutem de modo individualizado o paciente, o que deverá permitir propor o tratamento mais adaptado, tanto do ponto de vista técnico como psicológico.

    2.2.3

    O desfecho da batalha contra a doença e pelo melhor tratamento depende, para muitas pessoas, das relações estabelecidas entre o paciente e os profissionais de saúde, representando um desafio tão importante para o pessoal médico como para os doentes. Isto comporta igualmente espaços de mediação, de modo a ter em conta as obrigações sociais (nomeadamente a vida profissional, as condições financeiras e o reconhecimento dos direitos) e as problemáticas da vida afectiva e familiar. Neste contexto, é fundamental o lugar que ocupam os familiares e as associações de pacientes.

    2.3

    Assim, podemos chegar ao ponto de considerar importante o encontro entre um colectivo de pacientes e um colectivo de profissionais de saúde.

    2.3.1

    Algumas pessoas denunciam a perda de confiança que se instala com o fim do colóquio singular considerado na sua acepção tradicional. Ora, esta evolução marca sobretudo a transição de uma confiança cega para uma confiança construída com base num processo de encontro e de intercâmbio entre a pessoa, o seu meio familiar e os profissionais de saúde.

    3.   Direitos imprescritíveis

    3.1

    A afirmação dos direitos dos pacientes inscreve-se nos Direitos do Homem e tem como objectivo promover, a prazo, a autonomia daqueles. Consequentemente, estes direitos estão frequentemente imbricados uns nos outros. A Carta Europeia dos Direitos do Paciente, redigida em 2002, por Active Citizenship Network, proclama 14 direitos, que o CESE aprecia, e reconhece. Três deles têm carácter transversal ou preliminar em relação a outros direitos.

    3.2   O direito à informação

    3.2.1

    A informação prende-se em primeiro lugar com o paciente em tratamento. A informação deve abranger a doença, a sua evolução possível, os tratamentos eventuais com os seus interesses e os seus riscos, as características das estruturas ou dos profissionais que prestam estes cuidados e os impactos da doença e dos tratamentos na vida do doente. Isto é mais essencial ainda nas situações de doença crónica, de dependência, de deficiência e de tratamento de longa duração, que comportam uma reorganização da vida quotidiana da pessoa e do seu meio familiar.

    3.2.1.1

    Por uma questão de melhorar o estado de saúde das populações, a prevenção constitui um elemento de primeira necessidade. Assim, devem ser realizadas campanhas de informação e sensibilização em paralelo com a criação de estruturas que permitam realizar as análises necessárias e de estruturas adequadas de assistência médica.

    3.2.2

    A informação não é um fim em si mesmo, mas um meio de permitir que a pessoa faça as suas escolhas livres e esclarecidas. Por este motivo, as modalidades de transmissão da informação são tão importantes como a própria informação. Estas inscrevem-se num processo que vai mobilizar diferentes fontes de informação, designadamente a Internet e as linhas telefónicas associativas e no âmbito das quais o paciente vai interagir com múltiplos profissionais, cada um desempenhando o seu papel próprio. É fundamental a transmissão oral da informação. O médico deve assegurar-se periodicamente da compreensão e da satisfação do seu interlocutor.

    3.2.3

    Por outro lado, independentemente da pessoa interessada, o processo de informação também deve ter em conta o meio familiar do paciente, sobretudo no caso de uma criança ou de uma pessoa idosa. É óbvio que o nível de informação do meio familiar depende do estado de saúde e das capacidades do paciente de tomar decisões com autonomia.

    3.2.3.1

    O paciente deve ser informado na sua própria língua, e havendo que ter em conta as incapacidades específicas.

    3.2.4

    Impõem-se um assentimento esclarecido e uma aceitação de correr riscos fundamentada. A informação continua a ser o resultado do colóquio singular entre o médico e o paciente, no qual apenas devem ser considerados os interesses e o bem-estar deste último.

    3.2.5

    Este acesso à informação individualizada é a etapa indispensável para progredir na via da redução das desigualdades perante os distúrbios, a doença, a assistência médica e a melhoria do acesso ao sistema de saúde por parte de todos os cidadãos.

    É desejável que os dados referentes ao estado de saúde da pessoa, aos diagnósticos, às terapêuticas realizadas e aos seus resultados possam ficar registados numa «pasta médica». O acesso do paciente a esta pasta, directamente ou por intermédio de um médico da sua escolha, segundo a opção que fizer, também faz parte do processo de informação e de autonomia. Todavia, os esforços envidados no sentido de mais informação e transparência devem reger-se por um correspondente enquadramento jurídico que garanta que os dados médicos obtidos não são utilizados para fins desconhecidos. Importa garantir, sobretudo no caso dos dados registados electronicamente e porventura comunicados ao estrangeiro, extrema vigilância quanto à sua utilização.

    3.2.6

    É essencial desenvolver a informação sobre o sistema de saúde para o tornar mais compreensível e transparente. Com efeito, os pacientes confrontados com uma multiplicidade de intervenientes podem sentir que a sua autonomia é reforçada ou, pelo contrário, podem tornar-se totalmente dependentes do médico, em função do seu nível de conhecimento e de compreensão do sistema. Neste caso, corre-se o risco de que surjam reivindicações inadequadas por parte dos utentes.

    3.3   Direito ao consentimento livre e esclarecido

    3.3.1

    Trata-se de afirmar o direito à participação dos pacientes nas decisões que lhes dizem respeito. Isto não significa que a responsabilidade do médico é transferida para o paciente, significa antes que deve ser considerada a interacção entre ambos numa perspectiva de aliança terapêutica, mantendo cada um o seu papel, com os seus direitos e o seu perímetro de responsabilidade.

    3.3.1.1

    O consentimento do paciente não se aplica sistematicamente a todos os actos médicos futuros, pelo que deve ser renovado antes de qualquer acto médico ou cirúrgico importante.

    O acordo do paciente, assim informado, deve ser explícito, ou seja, exprimido objectivamente. Depois de ter sido informado, o paciente pode aceitar ou recusar o procedimento que lhe for proposto.

    Em relação às doações de órgãos, quando o dador está vivo há que dar uma atenção especial à informação sobre os riscos.

    3.3.1.2

    Quando se experimenta uma nova terapêutica, aplicam-se os princípios inerentes à obtenção do consentimento do doente para a assistência médica. Trata-se de respeitar a liberdade do paciente e dos princípios que convergem para o mesmo objectivo: a responsabilidade e a confiança partilhadas.

    3.3.1.3

    Quanto à experimentação clínica, tanto no caso de pessoas saudáveis como noutros casos, convém adoptar uma pedagogia particular. Estas iniciativas devem obedecer a critérios bem definidos e apenas podem ser consideradas se houver um desejo manifesto de cooperação e se forem evidentemente acompanhadas de um consentimento absoluto.

    3.3.1.4

    Em situações de emergência, podem ser consideradas certas derrogações a esta regra: o consentimento pode ser presumido e confirmado quando o paciente tiver recuperado as suas capacidades de discernimento.

    3.3.1.5

    O paciente deve ter a possibilidade de designar uma pessoa que o represente na eventualidade de estar, mais tarde, incapaz de exprimir as suas preferências.

    3.3.1.6

    A partir do momento em que uma criança ou um doente de menor idade tenha adquirido uma certa autonomia pessoal ou uma capacidade razoável de discernimento, deve ser consultado antes de ser submetido a pequenas intervenções médicas. Esta abordagem contribui para a educação sanitária desde a mais tenra idade, e tende a desdramatizar certas situações e a melhorar a cooperação do jovem paciente.

    3.4   Direito à dignidade

    3.4.1

    Nesta designação está incluído o direito à confidencialidade, o direito a tratamentos que aliviam a dor, o direito a uma morte digna e à protecção da integridade física, o princípio da não discriminação com base no estado de saúde, numa deficiência ou no património genético, bem como o respeito da vida privada.

    3.4.1.1

    Cada cidadão tem direito à confidencialidade das informações relativas ao seu estado de saúde, ao diagnóstico formulado e às modalidades de tratamento, mas também ao respeito da sua privacidade durante a realização de análises, consultas, tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas. Este direito fundamental impõe que o paciente seja tratado com deferência e não seja sujeito a comentários nem a atitudes de desprezo por parte do pessoal de saúde.

    3.4.1.2

    A doença, a deficiência e a dependência enfraquecem os indivíduos. Quanto mais as pessoas se sentem diminuídas, menos capazes são de exigir um mínimo de respeito para com elas próprias. Compete pois aos profissionais de saúde terem o redobrado cuidado de respeitar as pessoas particularmente fragilizadas pela doença ou pela deficiência.

    3.4.1.3

    O reconhecimento do tempo dedicado à consulta, à escuta da pessoa e à explicação do diagnóstico e do tratamento, tanto no quadro da medicina praticada fora como dentro dos hospitais, faz parte do respeito das pessoas. Este investimento em tempo permite reforçar a aliança terapêutica e ganhar tempo para outros fins. Prestar cuidados também é dedicar tempo.

    3.4.1.4

    Isto aplica-se ainda mais no caso de pessoas que já sofrem de falta de reconhecimento social: as pessoas idosas, as pessoas em situação de precaridade social e as pessoas portadoras de deficiência física, psíquica ou mental.

    3.4.1.5

    Nas situações de fim de vida ou no caso de tratamentos especialmente penosos, a vigilância torna-se ainda mais necessária. O respeito da pessoa e o seu direito a uma morte digna passam pelo acesso de todos a tratamentos que aliviam a dor e que salvaguardam uma certa qualidade de vida, e pela garantia do direito do paciente a que as suas escolhas sejam respeitadas até ao fim. Isto implica, nomeadamente, que sejam adoptadas certas disposições, por exemplo relativas à pessoa de confiança, que garantam a expressão dessa vontade.

    3.4.1.6

    É necessário acorrer à dor através de instrumentos eficazes e de estruturas especializadas, o que inclui tanto a informação e a formação dos profissionais de saúde, como a informação dos pacientes e dos seus familiares, pois o que está em causa é o respeito do direito de qualquer pessoa a receber tratamentos que aliviam a dor.

    3.4.1.7

    O respeito devido à pessoa não deixa de se impor depois da morte. Isto significa que o falecimento de um doente hospitalizado impõe um acompanhamento psíquico dos seus familiares e dos profissionais de saúde que o trataram na sua fase terminal, bem como o rigoroso respeito das vontades e das convicções do defunto.

    3.5

    Devem ser aplicados outros direitos individuais no quadro de uma iniciativa de saúde pública, direitos estes que requerem uma resposta do sistema tal como está organizado.

    3.5.1

    O direito ao acesso generalizado à assistência médica não significa apenas o acesso aos direitos e à protecção social, mas também o acesso directo ao conjunto dos serviços e dos profissionais de saúde, sem discriminações em razão da situação social ou económica pessoal. Não nos inscrevemos numa abertura do mercado da saúde, mas numa política de saúde pública voluntarista, partindo do princípio de que a concretização deste direito é muito diferente de país para país em função das responsabilidades assumidas e dos modos de financiamento desenvolvidos em cada país.

    3.5.2

    Em relação ao direito à qualidade da assistência médica, qualquer pessoa tem o direito, em função do seu estado de saúde, de beneficiar dos tratamentos mais apropriados, de se submeter às terapias mais eficazes e de obter os medicamentos que ofereçam a melhor relação qualidade/preço (promoção dos medicamentos genéricos). O direito à qualidade da assistência médica implica igualmente o direito a exames médicos preventivos e à educação terapêutica, o que exige investimentos em meios e em recursos financeiros, e pressupõe a existência de um número suficiente de profissionais de saúde com formação adequada.

    3.5.3

    Quanto ao direito à prevenção e à segurança da assistência médica, os cidadãos pretendem que o sistema de saúde seja organizado em função das pessoas e esteja ao seu serviço. As pessoas querem compreender melhor as estratégias terapêuticas que lhes são propostas, participar num esforço de prevenção tanto pessoal como colectivo e ter a garantia de que os modelos de sociedade, os comportamentos e os consumos não são prejudiciais para a saúde.

    4.   Recomendações para a aplicação dos direitos dos pacientes

    4.1

    Muitos profissionais, pacientes, responsáveis por políticas de saúde e associações de utentes interrogam-se sobre a afirmação e a aplicação destes direitos. É urgente ultrapassar o antagonismo entre os direitos de uns e os deveres de outros. O respeito dos direitos dos pacientes participa igualmente dos deveres dos profissionais de saúde e das suas responsabilidades, reequilibrando-os.

    4.1.1

    A partir do momento em que o corpo médico deixa de ter o monopólio da adopção das decisões que põem em jogo o futuro das pessoas, já não tem necessidade de assumi-las sozinho.

    4.2

    Para o bem de todos, é da responsabilidade colectiva ajudar os profissionais de saúde a darem resposta a estas expectativas:

    Integrando na sua formação as dimensões de ética, de respeito da pessoa e dos seus direitos, para que compreendam a respectiva dinâmica e todas as suas implicações, e não interpretem o respeito dos direitos dos pacientes como uma obrigação suplementar;

    Criando foros de debate e de encontro entre os profissionais de saúde, e entre estes e os utentes do sistema;

    Estabelecendo novas modalidades de informação dos doentes através da mobilização de todos os intervenientes do sistema de saúde;

    Elaborando novas modalidades pedagógicas de consentimento que conduzam a uma aliança terapêutica;

    Criando e divulgando novas soluções organizativas e pedagógicas para minimizar o stress das crianças relacionado com o seu tratamento médico, em particular com a estadia no hospital;

    Instituindo, no interior dos estabelecimentos de saúde, comités de ética clínica que permitam apoiar os profissionais de saúde e respeitar os direitos dos doentes;

    Incluindo a protecção e a promoção dos direitos dos pacientes nos códigos éticos e de conduta dos profissionais de saúde;

    Reforçando a compreensão do sistema por parte dos utentes através da valorização da posição e do papel do conjunto dos profissionais de saúde;

    Imaginando novas formas colectivas de exercício da profissão que envolvam os médicos e os outros profissionais de saúde:

    Exercício de grupo, centro médico de saúde;

    Articulação entre os profissionais dos sectores médico, médico-social e social;

    Repensando o lugar das associações de doentes, de utentes, de consumidores, de famílias e de cidadãos, com a finalidade de:

    Integrar os representantes dos utentes nas instâncias de representação;

    Reconhecer o papel de certas associações na educação terapêutica, na prevenção e na informação dos doentes;

    Construir a articulação entre os dispositivos associativos e os dispositivos profissionais;

    Dotar as associações de meios de acção e de expressão (por exemplo, formação e missões de representação);

    Criar nas estruturas hospitalares espaços neutros e conviviais que permitam aos doentes exprimir as suas dúvidas e preparar, com o apoio das associações de utentes, os seus intercâmbios com os profissionais de saúde;

    Envolver tanto as associações do sector como os profissionais de saúde na análise das reclamações e na definição das medidas tendentes a melhorar a qualidade da assistência médica.

    5.   Conclusão: Para uma afirmação dos direitos colectivos

    5.1

    A aplicação efectiva dos direitos individuais vai depender, em grande medida, das respostas colectivas que serão apresentadas para apoiar esta iniciativa, motivo pelo qual é necessário empenhar-se na realização de uma democracia sanitária que comporte a mobilização colectiva dos utentes e a sua representação em várias partes do sistema.

    5.2

    Os direitos do paciente são uma expressão entre muitas dos direitos da pessoa humana, mas de modo algum constituem uma categoria à parte: estes direitos são uma manifestação da vontade do doente de não ser considerado como um ser à parte e, sobretudo, de não ser considerado como um ser à margem da sociedade.

    5.2.1

    Há que admitir que os utentes do sistema de saúde exprimem de maneira cada vez mais vigorosa, com base na sua própria experiência e também porque recebem cada vez mais informações, as suas sensibilidades face às condições da assistência médica.

    5.3

    Por conseguinte, é oportuno interrogar-se sobre o lugar que o paciente ocupa num sistema de decisões que lhe diz respeito, por uma questão de transparência dos procedimentos e de respeito pelas individualidades.

    5.4

    Não se trata de resvalar para um comportamento jurídico-consumista, mas de reconhecer que o paciente tem maturidade suficiente para participar nas decisões que lhe interessam, com base no respeito dos seus direitos.

    5.5

    Dar a palavra aos utentes e aos seus representantes é tanto mais necessário quanto as problemáticas de saúde interagem com outros domínios, nomeadamente com os modos de produção, as formas de vida, as condições de trabalho e a protecção do ambiente. Tal implica portanto opções sociais, económicas e éticas que ultrapassam a responsabilidade exclusiva dos profissionais de saúde.

    Bruxelas, 26 de Setembro de 2007.

    O Presidente

    do Comité Económico e Social Europeu

    Dimitris DIMITRIADIS


    (1)  Carta dos Direitos Fundamentais da UE, textos adoptados pelo Conselho da Europa, lei francesa n.o 2002-303 de 4 de Março de 2002.


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