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Document 52019IE0989

Parecer do Comité Económico e Social Europeu «Para uma melhor aplicação do Pilar dos Direitos Sociais, que promova os serviços essenciais»(parecer de iniciativa)

EESC 2019/00989

JO C 282 de 20.8.2019, p. 7–13 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

20.8.2019   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 282/7


Parecer do Comité Económico e Social Europeu «Para uma melhor aplicação do Pilar dos Direitos Sociais, que promova os serviços essenciais»

(parecer de iniciativa)

(2019/C 282/02)

Relator: Raymond HENCKS

Correlator: Krzysztof BALON

Decisão da Plenária

24.1.2019

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

Parecer de iniciativa

Competência

Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

22.5.2019

Adoção em plenária

19.6.2019

Reunião plenária n.o

544

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

128/3/6

1.   Conclusões e recomendações

Conclusões

1.1.

O 20.o princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais introduz na União o conceito de «serviços essenciais» que não existe enquanto tal nos Tratados, mas prevê que «[t]odas as pessoas têm o direito de aceder a serviços essenciais de qualidade, incluindo água, saneamento, energia, transportes, serviços financeiros e comunicações digitais. Devem ser disponibilizados às pessoas necessitadas apoios ao acesso a estes serviços».

1.2.

Tendo em conta os exemplos de serviços classificados como essenciais no 20.o princípio, o CESE considera que o texto se refere aos serviços de interesse económico geral (SIEG) que já são abrangidos pelo direito da União e, mais especificamente, pelo Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao TFUE, cujas disposições interpretativas excedem o âmbito de uma simples garantia de acesso à qualidade, mas que, em parte — e de forma variável consoante os Estados-Membros —, não são adequadamente regulamentados e aplicados.

1.3.

Por conseguinte, o CESE concorda que o 20.o princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais reafirma o direito de acesso aos serviços essenciais/SIEG, que são um elemento essencial de uma justiça social e que se baseiam no princípio da igualdade de tratamento dos utilizadores, proibindo qualquer tipo de discriminação ou exclusão, e no princípio do acesso universal a serviços de elevada qualidade e a preços acessíveis.

Recomendações

Direito de acesso

1.4.

O princípio de que «todas as pessoas têm o direito de aceder a serviços essenciais de qualidade», para poder ser efetivamente aplicado, deve ser acompanhado de medidas concretas no âmbito do desenvolvimento sustentável e da coesão social, sendo necessário que, simultaneamente:

a)

o princípio seja garantido por disposições de natureza legislativa ou regulamentar, que o explicitem e definam as formas de o realizar em cada domínio;

b)

sejam definidas as compensações que as pessoas podem exigir em caso de incumprimento;

c)

o princípio possa ser objeto de reclamações, queixas ou recursos judiciais.

Acesso universal

1.5.

O CESE solicita uma clarificação do conceito de acesso universal aos SIEG e a introdução de medidas legislativas que obriguem os Estados-Membros a definir indicadores para determinar, relativamente a cada SIEG, em que consiste o acesso universal (densidade dos pontos de acesso ao serviço, distância máxima até um ponto de acesso, regularidade do serviço, etc.), a fim de evitar, especialmente em zonas suburbanas, rurais ou de baixa densidade populacional, a supressão ou a negligência de serviços essenciais de interesse geral (por exemplo, serviços de transporte público, postos de correio, filiais bancárias) e, quando tal ocorrer, assegurar uma oferta de soluções alternativas equivalentes.

Serviço universal

1.6.

No que diz respeito aos serviços de eletricidade, de comunicações eletrónicas, postais e bancárias, o serviço universal de que beneficiam não é sinónimo de universalidade, uma vez que apenas garante um acesso limitado a serviços básicos. É o caso, em especial, das comunicações eletrónicas cujos serviços de âmbito universal foram significativamente ultrapassados pela evolução tecnológica, deixaram de ser compatíveis com as ferramentas modernas de comunicação disponibilizadas no mercado e apenas aumentam a clivagem digital nas regiões distantes dos grandes centros urbanos.

1.7.

O CESE recomenda, portanto, adaptar o serviço universal, garantir prestações adaptadas ao progresso tecnológico e introduzir uma cobertura territorial integral para todas as indústrias de rede, em geral, e para as comunicações eletrónicas, em particular.

Acessibilidade de preços

1.8.

Visto que a garantia de um acesso a preços aceitáveis se baseia cada vez menos numa tarifa social considerada «razoável» e cada vez mais num apoio social exclusivamente destinado às pessoas mais carenciadas, e que não são apenas os mais desfavorecidos que enfrentam grandes dificuldades económicas no acesso aos SIEG, o CESE reitera o seu apelo para que se clarifique a acessibilidade através da definição de um cabaz de serviços considerados essenciais, sendo fixada para cada serviço uma taxa de esforço financeiro de um agregado familiar, em função do que é aceitável face ao salário social ou rendimento mínimo, acima da qual os preços são considerados excessivos e exigem medidas regulamentares ou devem dar direito a auxílios públicos.

Qualidade dos serviços

1.9.

Tendo em conta a qualidade deficiente de vários SIEG em alguns Estados-Membros (atrasos ou cancelamentos nos transportes públicos, cobertura territorial deficiente ou insuficiente dos serviços de comunicações eletrónicas, etc.), o CESE solicita que os Estados-Membros mantenham, a respeito dos SIEG, indicadores relacionados com a perceção da satisfação, nomeadamente a rapidez, a pontualidade, a fiabilidade, o conforto, a disponibilidade, a competência e a qualidade do atendimento dos prestadores dos serviços, bem como outros aspetos, como o ambiente, as condições de trabalho e a defesa dos consumidores.

1.10.

No que diz respeito às compensações previstas na legislação europeia em caso de falta de qualidade (atrasos ou cancelamentos de comboios ou aviões, remessas postais extraviadas ou danificadas), o CESE não consegue dissipar a impressão de que alguns prestadores de serviços preferem pagar compensações (modestas) a investir na qualidade, e, por conseguinte, solicita que se proceda à revisão dos montantes de compensação em vigor e, de modo geral, à fixação de compensações adequadas aplicáveis a todos os SIEG em caso de incumprimento das obrigações de serviço público ou de serviço universal.

Avaliação

1.11.

A fim de garantir um acesso a serviços de qualidade é indispensável desenvolver uma dinâmica de avaliação dos desempenhos desses serviços. Para tanto, o CESE solicita às instituições decisoras que, antes de mais, definam claramente os conceitos, os objetivos e as missões de todos os serviços de interesse geral, sejam eles económicos ou não.

1.12.

O CESE defende, por conseguinte, uma avaliação dos serviços de interesse geral ao nível nacional, regional ou local dos Estados-Membros, que seja independente, pluralista e contraditória, abarque os aspetos económicos, sociais e ambientais e se baseie num conjunto de critérios, em consulta com todas as partes interessadas, adotando, no plano da União, um novo método de avaliação harmonizado à escala europeia assente em indicadores comuns.

Semestre Europeu

1.13.

No painel de indicadores sociais, incluído no Semestre Europeu, que tem por objetivo examinar a situação dos direitos sociais consagrados no Pilar Europeu, faltam indicadores sobre os SIEG essenciais. O CESE solicita, por conseguinte, que os serviços essenciais previstos no 20.o princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais sejam parte integrante do painel de indicadores sociais do Semestre Europeu.

2.   Introdução

2.1.

O Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão comprometeram-se, através da Declaração de Gotemburgo, de 17 de novembro de 2017, sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a cumprir o desígnio, inscrito nos Tratados, de uma economia social de mercado altamente competitiva que tem como meta o pleno emprego e o progresso social.

2.2.

Os 20 princípios fundamentais do Pilar Europeu dos Direitos Sociais visam, em primeiro lugar, colmatar as lacunas dos Tratados e contribuem, dessa forma, para a estruturação do ordenamento jurídico europeu, regem o exercício dos direitos fundamentais e apoiam o processo de convergência dos valores aplicáveis nos ordenamentos nacionais e europeus.

2.3.

O Pilar Europeu dos Direitos Sociais reafirma alguns dos direitos já presentes no acervo da União e acrescenta novos princípios para enfrentar os desafios decorrentes da evolução social, tecnológica e económica (1). Tal resulta do reconhecimento de que, atualmente, os direitos sociais, ou pelo menos alguns deles, são — de forma variável consoante os Estados-Membros — insuficientemente regulamentados e aplicados.

2.4.

Tendo em conta que pode haver responsabilidade de um Estado-Membro por desrespeito dos princípios gerais do direito europeu, «para serem juridicamente aplicáveis, os princípios e direitos exigem primeiro medidas específicas ou a adoção de legislação ao nível adequado» (2).

3.   Os serviços essenciais

3.1.

O 20.o princípio fundamental do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, intitulado «Acesso aos serviços essenciais», estabelece que «[t]odas as pessoas têm o direito de aceder a serviços essenciais de qualidade, incluindo água, saneamento, energia, transportes, serviços financeiros e comunicações digitais. Devem ser disponibilizados às pessoas necessitadas apoios ao acesso a estes serviços».

3.2.

O conceito de «serviços essenciais» não existe nos Tratados, que abordam apenas os serviços públicos (transportes) e os serviços de interesse geral (económicos, não económicos). O referido 20.o princípio não apresenta uma definição do que deve ser entendido por «serviços essenciais». Menciona apenas alguns exemplos, sem a pretensão de ser exaustivo. Em contrapartida, o conceito de «serviços essenciais» é amplamente utilizado no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, abrangendo, neste caso, determinados serviços que também figuram noutros princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

3.3.

O direito a serviços essenciais não se esgota, portanto, nos serviços enumerados no 20.o princípio, aplicando-se a outros princípios relativos, nomeadamente, aos domínios do acolhimento e apoio a crianças, dos cuidados de saúde, da inclusão das pessoas com deficiência, dos cuidados de longa duração e da habitação e assistência destinadas aos sem-abrigo. Consequentemente, a aplicação do direito de acesso a serviços essenciais de qualidade deve ser acompanhada de medidas concretas quer para os SIEG, quer para os domínios atrás referidos. O CESE recorda, neste contexto, a responsabilidade e o amplo poder discricionário dos Estados-Membros na definição, na organização e no financiamento dos serviços de interesse geral que respondem às necessidades dos cidadãos.

3.4.

Dado que não existe uma definição, e tendo em conta os exemplos de serviços enumerados no 20.o princípio, parece evidente que o texto se refere aos «serviços de interesse económico geral», sujeitos às obrigações de serviço universal ou de serviço público abrangidas pelo artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e pelo artigo 14.o do TFUE, assim como pelo Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral.

3.5.

O 20.o princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais limita-se, portanto, a reafirmar os direitos previstos no Tratado. As disposições interpretativas do Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao TFUE, excedem o âmbito de uma simples garantia de acesso à qualidade e preveem «um elevado nível de qualidade, de segurança e de acessibilidade de preços, a igualdade de tratamento e a promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores». O CESE, por considerar que os SIEG representam componentes indispensáveis de uma estrutura de justiça social, saúda o facto de o 20.o princípio os classificar como «serviços essenciais».

3.6.

O princípio de que «todas as pessoas têm o direito de aceder a serviços essenciais de qualidade», para poder ser efetivamente aplicado, deve ser acompanhado de medidas concretas no âmbito do desenvolvimento sustentável e da coesão social, sendo necessário que, simultaneamente:

a)

o princípio seja garantido por disposições de natureza legislativa ou regulamentar, que o explicitem e definam as formas de o realizar em cada domínio;

b)

sejam definidas as compensações que as pessoas podem exigir em caso de incumprimento;

c)

o princípio possa ser objeto de reclamações, queixas ou recursos judiciais.

3.7.

Os serviços de interesse económico geral, como a eletricidade, o transporte ferroviário e rodoviário de passageiros, as comunicações eletrónicas e postais ou as chamadas «indústrias de redes», seguiram a partir do final da década de 1980 um processo específico de europeização e de liberalização progressiva na perspetiva da realização do mercado único.

3.8.

Contudo, rapidamente se concluiu que estes serviços não podem funcionar exclusivamente segundo as regras comuns da concorrência e do mercado, sendo indispensáveis regras específicas para garantir a cada cidadão um acesso a preços aceitáveis a estes serviços considerados essenciais e reconhecidos como valores comuns da União.

3.9.

O seu reconhecimento no direito primário foi atualizado através do Tratado de Lisboa. O Protocolo n.o 26 anexo ao TFUE especifica os valores comuns da União e, mais concretamente, os seis valores que devem aplicar-se a todos os SIEG em toda a União Europeia: «um elevado nível de qualidade, de segurança e de acessibilidade de preços, a igualdade de tratamento e a promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores».

4.   Avaliação da aplicação do Protocolo n.o 26

4.1.

Não existe uma análise de avaliação de todos os efeitos positivos (diminuição de preços, diversificação da oferta) e negativos (aumento dos preços, criação de oligopólios, «triagem» do mercado, precarização do emprego, dumping social) da política de liberalização dos SIEG. Alguns serviços essenciais previstos no Pilar Europeu dos Direitos Sociais contribuem eficazmente para o progresso económico e social e para o vínculo social. No caso de outros serviços, a introdução da concorrência conduziu a um aumento das tarifas e/ou a um enfraquecimento das missões de serviço público (3).

4.2.

A UE e os Estados-Membros têm uma obrigação reforçada de zelar pelo bom funcionamento dos SIEG, o que pressupõe, em particular, uma dinâmica gradual de avaliação dos desempenhos desses serviços, mas é também necessário que as instituições decisoras definam claramente os conceitos, os objetivos e as missões. Enquanto tal não for conseguido, as avaliações de desempenho não podem ajudar a garantir aos cidadãos os SIEG que têm o direito de esperar das suas instituições, sejam elas nacionais ou europeias.

4.3.

No início dos anos 2000, a Comissão começou a elaborar anualmente uma avaliação horizontal do desempenho das indústrias de redes com base na nota metodológica relativa à avaliação horizontal dos SIEG (4). Estes relatórios eram periodicamente objeto de apresentação e debate contraditório no CESE no âmbito de uma audição pública. Em 2007, a Comissão tinha já coorganizado no CESE um ateliê sobre uma nova metodologia de avaliação com base num estudo de um consultor externo, para evitar que a instituição de uma avaliação dos referidos SIG fosse votada ao esquecimento.

4.4.

O CESE reitera a sua reivindicação, formulada no Parecer de iniciativa — Avaliação independente dos serviços de interesse geral (5), de uma avaliação dos SIG ao nível nacional, regional ou local dos Estados-Membros, que seja independente, pluralista e contraditória, abarque os aspetos económicos, sociais e ambientais e se baseie num conjunto de critérios, em consulta com todas as partes interessadas, adotando, no plano da União, um novo método de avaliação harmonizado à escala europeia assente em indicadores comuns.

5.   Direito de acesso a serviços essenciais

5.1.

Nos termos da Carta dos Direitos Fundamentais (artigo 36.o), a UE deve reconhecer e respeitar «o acesso a serviços de interesse económico geral tal como previsto nas legislações e práticas nacionais, de acordo com o Tratado», e tratar esses serviços como direitos fundamentais «a fim de promover a coesão social e territorial da União».

5.2.

Por conseguinte, o 20.o princípio fundamental do pilar apenas reafirma o direito de todos ao acesso a SIG de qualidade enquanto parte integrante dos valores comuns da UE. À semelhança do Protocolo n.o 26, o pilar não define as condições de acesso, o nível de garantia ou os procedimentos de recurso.

5.3.

O CESE entende que o conceito de acesso garantido a todos se baseia nos princípios de igualdade de tratamento, solidariedade, universalidade, continuidade, proximidade em relação ao utilizador e acessibilidade de preços.

6.   Igualdade de tratamento

6.1.

A igualdade de tratamento assenta, em matéria de SIG, na igualdade de acesso (universal) dos utilizadores, em situações comparáveis, aos serviços nacionais e transfronteiras, com a proibição de qualquer tipo de discriminação ou exclusão social (em razão da nacionalidade, do género, do local de residência, da deficiência, da idade, etc.).

6.2.

Todavia, a igualdade de tratamento ou a obrigação de não discriminação não impedem a adoção de medidas que contemplem vantagens específicas para determinadas categorias de utilizadores (idosos, pessoas com deficiência, pessoas com mobilidade reduzida, etc.).

6.3.

Em determinados serviços, o direito de acesso universal deve ser garantido por um serviço universal ou por obrigações de serviço público impostas aos prestadores de serviços.

7.   Serviço universal

7.1.

O serviço universal justifica-se no contexto da liberalização de alguns SIEG cujo mercado, por si só, não pode garantir uma cobertura territorial completa, nem um acesso a preços aceitáveis nem uma qualidade de serviço adequada. O serviço universal engloba um conjunto de requisitos de interesse geral que garantem que certos serviços predeterminados são disponibilizados, com a qualidade especificada, a todos os consumidores e utilizadores no território de um Estado-Membro, independentemente da sua localização geográfica, e a um preço acessível, em função das condições nacionais específicas (6). Até ao momento, o serviço universal só está definido a nível da União nos setores das comunicações eletrónicas, dos correios, da eletricidade e dos serviços bancários.

7.2.

A definição de serviço universal refere-se apenas a «certos serviços», ou seja, aos serviços taxativamente enumerados. Por conseguinte, o serviço universal não é sinónimo de universalidade, uma vez que não garante acesso a todos os serviços disponibilizados no mercado.

7.3.

É o caso, em especial, das comunicações eletrónicas (7), cujos serviços de âmbito universal foram amplamente ultrapassados pela evolução tecnológica, e que deixaram de ser compatíveis com as ferramentas modernas de comunicação disponibilizadas no mercado.

7.4.

Muitos Estados-Membros, territórios ou aglomerações apresentam atrasos significativos em matéria de comunicações eletrónicas de alta velocidade e/ou de cobertura territorial total nas comunicações móveis (zonas cinzentas ou brancas), que representam atualmente um fator essencial de melhoria das condições de vida, nomeadamente facilitando o acesso aos cuidados de saúde, à educação e a outros serviços públicos. Como tal, as atuais falhas do «serviço universal de comunicações eletrónicas» apenas agravam a clivagem digital.

7.5.

Esta situação contraria a referida diretiva, segundo a qual «[o] conceito de serviço universal deve evoluir de modo que reflita os progressos tecnológicos, o desenvolvimento do mercado e as alterações na procura por parte dos utilizadores» (8). Para que tal aconteça, a Comissão deve, ainda segundo a diretiva, rever de três em três anos o âmbito do serviço universal, nomeadamente tendo em vista propor ao Parlamento Europeu e ao Conselho a sua alteração ou redefinição.

7.6.

O CESE recomenda, portanto, que as condições de acesso às comunicações eletrónicas sejam adaptadas à evolução tecnológica e, nomeadamente, que se introduza a obrigatoriedade de uma cobertura territorial integral da rede móvel e de alta velocidade.

8.   Obrigações de serviço público

8.1.

Para determinados SIEG que não beneficiam de um serviço universal, o direito de acesso universal é abrangido pelas obrigações de serviço público impostas aos prestadores desses serviços.

8.2.

Os transportes públicos rodoviários e ferroviários de passageiros, por exemplo, não têm o estatuto de serviço universal, mas estão sujeitos a obrigações de serviço público, definidas isoladamente como a «imposição definida ou determinada por uma autoridade competente com vista a assegurar serviços públicos de transporte de passageiros de interesse geral que um operador, caso considerasse o seu próprio interesse comercial, não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições sem contrapartidas» (9). Consequentemente, um serviço de transporte público que responde a uma necessidade dos utentes não deve reger-se necessariamente pelas regras do mercado. Contudo, num número significativo de Estados-Membros, várias linhas ferroviárias e rodoviárias de transporte público de passageiros são suprimidas ou negligenciadas em zonas suburbanas, rurais ou pouco povoadas, por motivos de rentabilidade. O mesmo se aplica a outros serviços, como os serviços postais (encerramento de postos de correios) ou bancários (encerramento de filiais).

8.3.

O CESE solicita, pois, uma clarificação do conceito de acesso universal aos SIEG e a introdução de medidas legislativas que obriguem os Estados-Membros a definir indicadores para determinar, relativamente a cada SIEG, em que consiste o acesso universal (densidade dos pontos de acesso ao serviço, distância máxima até um ponto de acesso, regularidade do serviço, número de balcões de atendimento, etc.).

9.   Acessibilidade de preços

9.1.

O melhor que o mercado pode oferecer é um preço fixado em função dos custos, que pode não garantir o acesso de todos a um SIEG de qualidade a preços aceitáveis. Por conseguinte, um dos riscos da livre concorrência é a tentação dos prestadores de um SIEG de servir apenas os clientes a priori considerados «solventes».

9.2.

Para contrariar este risco, o Protocolo n.o 26 prevê que os Estados-Membros garantam um elevado nível de acessibilidade de preços em cada SIEG.

9.3.

A acessibilidade de preços é definida com base no preço dos serviços para os consumidores de baixos ou médios rendimentos em relação ao preço dos serviços para consumidores com diferentes níveis de rendimento (10).

9.4.

A obrigatoriedade de um serviço financeiramente comportável representa, portanto, um fator importante da luta contra a exclusão social, já que pode permitir o acesso de todos aos SIEG independentemente do nível de rendimentos. Contudo, o 20.o princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais afigura-se mais restritivo, estipulando que (apenas) as pessoas necessitadas devem beneficiar de apoio para aceder a estes serviços.

9.5.

É necessário reconhecer que a garantia de um acesso a preços aceitáveis se baseia cada vez menos numa tarifa social considerada «razoável» e cada vez mais num apoio social exclusivamente destinado às pessoas mais carenciadas. No entanto, não são apenas os mais desfavorecidos que enfrentam grandes dificuldades económicas no acesso aos SIEG.

9.6.

Por vezes, quando o objetivo de um acesso a preços aceitáveis para todos não é cumprido, as autoridades regulamentares aplicam medidas de regulamentação dos preços. Assim, a Comissão e o legislador europeu recorreram a um regulamento para fazer baixar, e posteriormente suprimir, a faturação das comunicações móveis intra-União (tarifas no estrangeiro) se o utilizador se deslocar no território da UE, mas não se efetuar uma chamada para um destinatário situado na UE a partir do seu país. Na proposta de regulamento relativo aos serviços transfronteiriços de entrega de encomendas, a Comissão anunciou medidas restritivas a adotar se a situação dos preços excessivos aplicados pelas empresas de entrega de encomendas não fosse corrigida antes do final de 2018 (11).

9.7.

No que diz respeito à avaliação da acessibilidade dos preços, há vários anos que o CESE solicita um esclarecimento do conceito de acessibilidade dos SIEG e a introdução de medidas legislativas que obriguem os Estados-Membros a definir indicadores para determinar a referida acessibilidade.

9.8.

O CESE reitera o seu apelo à clarificação da acessibilidade através da definição de um cabaz de serviços considerados essenciais, sendo fixada para cada serviço uma taxa de esforço financeiro de um agregado familiar, em função do que é aceitável face ao salário social ou rendimento mínimo, acima da qual os preços são considerados excessivos e exigem medidas regulamentares ou devem dar direito a auxílios públicos.

10.   Serviços essenciais de qualidade

10.1.

O Protocolo n.o 26 insta os Estados-Membros a assegurarem um elevado nível de qualidade dos SIEG, enquanto o pilar refere apenas serviços essenciais «de qualidade».

10.2.

Em qualquer caso, um serviço de qualidade é um serviço que satisfaz os utilizadores. Por conseguinte, a realização deste objetivo implica identificar os utilizadores, as suas necessidades e as suas expectativas. No entanto, a expressão das expectativas ocorre a posteriori, quando o utilizador se queixa de uma falha.

10.3.

São estabelecidas normas de qualidade a nível da União para vários SIG, como os serviços postais, as comunicações eletrónicas, o abastecimento de água, a recolha de resíduos, o transporte de passageiros, os serviços sociais de interesse geral, etc., mas tais normas têm amplitudes diferentes e são, por vezes, muito modestas. A título de exemplo, ainda que a maior parte dos europeus tenha acesso a água potável de qualidade, em alguns Estados-Membros muitos cidadãos preferem o consumo de água engarrafada devido ao sabor, considerado desagradável, da água da torneira. Impõe-se uma atualização regular das normas em vigor para aumentar a confiança do consumidor e melhorar a qualidade da água da torneira e, dessa forma, produzir um impacto positivo no ambiente, reduzindo simultaneamente os resíduos de plásticos.

10.4.

A qualidade do serviço constitui um fator essencial de uma avaliação como a acima proposta pelo CESE. Por conseguinte, os Estados-Membros devem adotar, a respeito dos SIEG, indicadores relacionados com a perceção da satisfação, nomeadamente a rapidez, a pontualidade, a fiabilidade, o conforto, a disponibilidade, a competência e a qualidade do atendimento dos prestadores dos serviços, etc. A qualidade também inclui aspetos como o ambiente, as condições de trabalho e a defesa dos consumidores.

10.5.

A qualidade dos serviços está diretamente relacionada com os direitos dos consumidores. No âmbito de alguns SIEG (transporte ferroviário, correios), a legislação europeia prevê compensações em caso de falta de qualidade (atrasos ou cancelamentos de comboios ou aviões, remessas postais extraviadas ou danificadas). Tendo em conta as inúmeras falhas do transporte ferroviário de passageiros em alguns Estados-Membros, o CESE não consegue dissipar a impressão de que alguns prestadores de serviços preferem pagar compensações (modestas) a investir na qualidade. Acresce que os direitos de indemnização por atrasos se limitam, em vários Estados-Membros, às grandes linhas, enquanto os serviços ferroviários urbanos, suburbanos e regionais de transporte de passageiros ficam isentos de qualquer compensação, em conformidade com as derrogações permitidas pela legislação europeia (12).

10.6.

O CESE solicita a aplicação do sistema de compensações por atrasos a todas as viagens de comboio, independentemente da distância percorrida, e a fixação de um direito a compensação por cada período de 30 minutos de atraso à chegada em relação ao horário oficial ou por períodos de 15 minutos de atraso à partida.

10.7.

No que diz respeito aos direitos dos consumidores, o CESE solicita, de modo geral, a fixação de compensações aplicáveis a todos os SIG em caso de incumprimento das obrigações de serviço público.

11.   Painel de indicadores sociais do Semestre Europeu

11.1.

O painel de indicadores sociais integrado no Semestre Europeu tem por objetivo identificar os desafios de âmbito social que os Estados-Membros enfrentam na aplicação dos princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

11.2.

Este instrumento de primeira análise, que se articula com uma análise aprofundada a nível nacional, é utilizado para examinar a situação dos direitos sociais consagrados no Pilar Europeu dos Direitos Sociais do ponto de vista dos indicadores-chave do painel. Todavia, nenhum dos indicadores principais e secundários do painel de indicadores sociais, que figuram no anexo de estatísticas dos relatórios por país, contempla os serviços essenciais previstos no 20.o princípio fundamental do pilar.

11.3.

O CESE solicita, por conseguinte, que os serviços essenciais previstos no 20.o princípio do Pilar Europeu dos Direitos Sociais sejam parte integrante do painel de indicadores sociais do Semestre Europeu.

Bruxelas, 19 de junho de 2019.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Ponto 14 do preâmbulo do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

(2)  Ponto 14 do preâmbulo do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

(3)  Ver os inquéritos Eurobarómetro sobre os serviços de interesse geral.

(4)  COM(2002) 331 final.

(5)  267/2008.

(6)  Livro Verde sobre serviços de interesse geral, de 21 de maio de 2003.

(7)  Diretiva 2002/22/CE, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas.

(8)  Considerando 1 da Diretiva 2002/22/CE, de 7 de março de 2002.

(9)  Regulamento (CE) n.o 1370/2007, de 23 de outubro de 2007.

(10)  COM(2002) 331 final.

(11)  Proposta de regulamento COM(2016) 285 final.

(12)  Regulamento (CE) n.o 1370/2007, de 23 de outubro de 2007.


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