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Documento 62014TJ0827

Acórdão do Tribunal Geral (Nona Secção alargada) de 13 de dezembro de 2018 (Excertos).
Deutsche Telekom AG contra Comissão Europeia.
Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado eslovaco dos serviços de telecomunicação de alto débito — Acesso por empresas terceiras ao “lacete local” do operador histórico neste mercado — Decisão que declara uma infração ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE — Infração única e continuada — Conceito de “abuso” — Recusa de acesso — Compressão das margens — Cálculo da compressão das margens — Critério do concorrente igualmente eficaz — Direitos de defesa — Imputação à sociedade‑mãe da infração cometida pela sua filial — Influência determinante da sociedade‑mãe sobre a política comercial da filial — Exercício efetivo — Ónus da prova — Cálculo do montante da coima — Orientações de 2006 para o cálculo do montante das coimas — Coima distinta aplicada apenas à sociedade‑mãe a título de reincidência e de aplicação de um coeficiente multiplicador com fins dissuasivos.
Processo T-827/14.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:T:2018:930

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

13 de dezembro de 2018 ( *1 )

«Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado eslovaco dos serviços de telecomunicação de alto débito — Acesso por empresas terceiras ao “lacete local” do operador histórico neste mercado — Decisão que declara uma infração ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE — Infração única e continuada — Conceito de “abuso” — Recusa de acesso — Compressão das margens — Cálculo da compressão das margens — Critério do concorrente igualmente eficaz — Direitos de defesa — Imputação à sociedade‑mãe da infração cometida pela sua filial — Influência determinante da sociedade‑mãe sobre a política comercial da filial — Exercício efetivo — Ónus da prova — Cálculo do montante da coima — Orientações de 2006 para o cálculo do montante das coimas — Coima distinta aplicada apenas à sociedade‑mãe a título de reincidência e de aplicação de um coeficiente multiplicador com fins dissuasivos»

No processo T‑827/14,

Deutsche Telekom AG, com sede em Bonn (Alemanha), representada por K. Apel e D. Schroeder, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por M. Kellerbauer, L. Malferrari, C. Vollrath e L. Wildpanner, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Slovanet, a.s., com sede em Bratislava (Eslováquia), representada por P. Tisaj, advogado,

interveniente,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e, destinado a obter, a título principal, a anulação, na íntegra ou na parte que respeita à recorrente, da Decisão C(2014) 7465 final da Comissão, de 15 de outubro de 2014, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (processo AT.39523 — Slovak Telekom), conforme retificada pela Decisão C(2014) 10119 final da Comissão, de 16 de dezembro de 2014, e pela Decisão C(2015) 2484 final da Comissão, de 17 de abril de 2015, e, a título subsidiário, a anulação ou a redução do montante das coimas aplicadas à recorrente pela referida decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por M. van der Woude, exercendo funções de presidente, S. Gervasoni, L. Madise, R. da Silva Passos (relator) e K. Kowalik‑Bańczyk, juízes,

secretário: N. Schall, administradora,

vista a fase escrita do processo e após a audiência de 19 de abril de 2018,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

I. Antecedentes do litígio

1

A recorrente, Deutsche Telekom AG, é o operador histórico de telecomunicações na Alemanha e a sociedade que lidera o grupo Deutsche Telekom. A recorrente deteve, desde 4 de agosto de 2000 e durante todo o período pertinente para o presente processo, uma participação de 51 % no capital da Slovak Telekom, a.s., que é o operador histórico de telecomunicações na Eslováquia. A outra parte do capital da Slovak Telekom era detida, respetivamente, pelo Ministério da Economia da República Eslovaca, em 34 %, e pelo Fundo do Património Nacional da República Eslovaca, em 15 % (a seguir, em conjunto, «Estado eslovaco».

2

Em 15 de outubro de 2014, a Comissão Europeia adotou a Decisão C(2014) 7465 final, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (processo AT.39523 — Slovak Telekom), retificada pela sua Decisão C(2014) 10119 final, de 16 de dezembro de 2014, e pela sua Decisão C(2015) 2484 final, de 17 de abril de 2015, dirigida à recorrente e à Slovak Telekom (a seguir «decisão impugnada»). Em 26 de dezembro de 2014, a Slovak Telekom interpôs um recurso distinto em que pede igualmente a anulação da decisão impugnada (processo T‑851/14).

A. Contexto tecnológico, factual e regulamentar da decisão impugnada

3

A Slovak Telekom, que sucedeu indiretamente à empresa pública dos correios e telecomunicações extinta em 1992, é o maior operador de telecomunicações e fornecedor de acesso em banda larga na Eslováquia. O monopólio legal de que beneficiava no mercado eslovaco das telecomunicações cessou em 2000. A Slovak Telekom oferece um leque completo de serviços de dados e de serviços vocais, e possui e explora redes fixas de cobre e de fibra ótica e uma rede móvel de telecomunicações. A rede de cobre e a rede móvel cobrem quase todo o território da Eslováquia.

4

A decisão impugnada diz respeito às práticas anticoncorrenciais no mercado eslovaco dos serviços de Internet de alto débito. Visa, em substância, as condições estabelecidas pela Slovak Telekom para o acesso desagregado de outros operadores ao lacete local de cobre, na Eslováquia, entre 2005 e 2010.

5

O lacete local é o circuito físico em pares de condutores metálicos entrançados (também designado «linha») que liga o ponto terminal da rede nas instalações do assinante ao repartidor principal ou a uma instalação equivalente da rede telefónica pública fixa.

6

O acesso desagregado ao lacete local permite aos novos operadores — designados habitualmente «operadores alternativos», por oposição aos operadores históricos das redes de telecomunicações — utilizarem a infraestrutura de telecomunicações já existente e pertencente a esses operadores históricos, para a oferta de vários serviços aos utilizadores finais, em concorrência com os operadores históricos. Entre os diferentes serviços de telecomunicações que podem ser prestados aos utilizadores finais através do lacete local, está incluída a transmissão de dados de alto débito para o acesso fixo à Internet e para aplicações multimédia a partir da tecnologia da linha de assinante digital (Digital Subscriber Line ou DSL).

7

A desagregação do lacete local foi regulada na União Europeia, designadamente, pelo Regulamento (CE) n.o 2887/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à oferta de acesso desagregado ao lacete local (JO 2000, L 336, p. 4), e pela Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2002, L 108, p. 33). O Regulamento n.o 2887/2000 exigia aos operadores com «poder de mercado significativo» que concedessem um acesso aos lacetes locais com acesso desagregado (unbundled local loop ou ULL) e publicassem uma oferta de referência em matéria de desagregação. Estas disposições foram implementadas na Eslováquia pela Zákon z 3. decembra 2003 č. 610/2003 Z.z. o elektronických komunikáciách, v znení neskorších predpisov (Lei n.o 610/2003, de 3 de dezembro de 2003, relativa às comunicações eletrónicas), conforme alterada, que entrou em vigor, salvo algumas exceções, em 1 de janeiro de 2004.

8

Em substância, este quadro regulamentar obrigava o operador designado pela autoridade reguladora nacional como operador de mercado dotado de um poder significativo (em geral, o operador histórico) a conceder aos operadores alternativos o acesso desagregado ao seu lacete local e aos serviços conexos em condições transparentes, equitativas e não discriminatórias e a manter atualizada uma oferta de referência para este acesso desagregado. A autoridade reguladora nacional era obrigada a assegurar que a tarifação do acesso desagregado ao lacete local, orientada em função dos custos, favorecesse o estabelecimento de uma concorrência leal e sustentável. Para o efeito, a autoridade reguladora nacional podia, nomeadamente, impor alterações à oferta de referência.

9

Ao termo de uma análise do mercado, a autoridade reguladora nacional eslovaca em matéria de telecomunicações (a seguir «TUSR») adotou, em 8 de março de 2005, a decisão de primeira instância n.o 205/14/2005, na qual designou a Slovak Telekom como o operador com um poder significativo de mercado no mercado grossista para o acesso desagregado ao lacete local, na aceção do Regulamento n.o 2887/2000. Consequentemente, a TUSR impôs à Slovak Telekom várias obrigações, entre as quais que lhe fosse apresentada uma oferta de referência no prazo de 60 dias. Esta decisão, contestada pela Slovak Telekom, foi confirmada pelo Presidente da TUSR em 14 de junho de 2005. Em aplicação desta decisão confirmativa, a Slovak Telekom era obrigada a conceder todos os pedidos de desagregação do seu lacete local considerados razoáveis e justificados, para permitir aos operadores alternativos a utilização deste lacete com vista à oferta dos seus próprios serviços no «mercado retalhista de massa (ou grande público)» dos serviços de banda larga em local fixo na Eslováquia. A decisão de 14 de junho de 2005 ordenou igualmente que a Slovak Telekom publicasse, com pelo menos 45 dias de antecedência, todas as alterações previstas para a oferta de referência em matéria de desagregação e as apresentasse à TUSR.

10

A Slovak Telekom publicou a sua oferta de referência em matéria de desagregação em 12 de agosto de 2005 (a seguir «oferta de referência»). Esta oferta, que foi alterada nove vezes entre esta data e o final do ano de 2010, define as condições contratuais e técnicas para o acesso ao lacete local da Slovak Telekom. No mercado grossista, a Slovak Telekom oferece um acesso aos lacetes locais com acesso desagregado num repartidor principal ou junto a um repartidor principal, em que o operador alternativo, que pretende um acesso, desenvolve a sua própria rede central.

11

Nos termos da decisão impugnada, a rede do lacete local da Slovak Telekom, suscetível de ser utilizada para a oferta de serviços de alto débito após a desagregação das linhas em causa deste operador, cobria 75,7 % do conjunto dos agregados familiares eslovacos no período compreendido entre os anos 2005 e 2010. Esta cobertura estendia‑se a todos os lacetes locais situados na rede de acesso metálica da Slovak Telekom que podia ser utilizada para transmitir um sinal de alto débito. Todavia, durante este mesmo período, apenas alguns raros lacetes locais da Slovak Telekom viram o seu acesso desagregado, a partir de 18 de dezembro de 2009, e foram utilizados apenas por um único operador alternativo para a prestação de serviços de retalho de muito alto débito a empresas.

B. Processo na Comissão

12

A Comissão abriu oficiosamente um inquérito que teve por objeto, nomeadamente, as condições de acesso desagregado ao lacete local da Slovak Telekom. Na sequência de pedidos de informações dirigidos, em 13 de junho de 2008, aos operadores alternativos e de uma inspeção inopinada nas instalações da Slovak Telekom entre 13 e 15 de janeiro de 2009, a Comissão decidiu, em 8 de abril de 2009, instaurar contra este operador um processo na aceção do artigo 2.o do seu Regulamento (CE) n.o 773/2004, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o TFUE] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18).

13

O inquérito prosseguiu com pedidos de informações complementares dirigidos aos operadores alternativos e à TUSR e com uma inspeção anunciada nas instalações da Slovak Telekom em 13 e 14 de julho de 2009.

14

Nos vários documentos de reflexão dirigidos à Comissão entre 11 de agosto de 2009 e 31 de agosto de 2010, a Slovak Telekom referiu que não existia, em seu entender, nenhum fundamento para considerar que tinha violado o artigo 102.o TFUE no caso vertente.

15

No âmbito do inquérito, a Slovak Telekom opôs‑se a facultar informações com data anterior a 1 de maio de 2004, data de adesão da República Eslovaca à União. Interpôs um recurso de anulação, por um lado, contra a Decisão C(2009) 6840 da Comissão, de 3 de setembro de 2009, relativa a um processo nos termos dos artigos 18.o, n.o 3, e 24.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o TFUE e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), e, por outro, contra a Decisão C(2010) 902 da Comissão, de 8 de fevereiro de 2010, relativa a um processo nos termos dos artigos 18.o, n.o 3, e 24.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003. Por Acórdão de 22 de março de 2012, Slovak Telekom/Comissão (T‑458/09 e T‑171/10, EU:T:2012:145), o Tribunal Geral negou provimento aos recursos interpostos contra estas decisões.

16

Em 13 de dezembro de 2010, a Comissão, na sequência de pedidos de informação dirigidos à recorrente, decidiu instaurar contra esta um processo na aceção do artigo 2.o do Regulamento n.o 773/2004.

17

Em 7 de maio de 2012, a Comissão dirigiu à Slovak Telekom uma comunicação de acusações. Esta comunicação de acusações foi enviada no dia seguinte à recorrente. Nesta comunicação de acusações, a Comissão concluía, a título preliminar, que a Slovak Telekom podia ter potencialmente violado o artigo 102.o TFUE, devido a uma prática que conduziu à compressão das margens no que se refere ao acesso desagregado aos lacetes locais da sua rede e ao acesso grossista de alto débito nacional e regional aos seus concorrentes, e a uma recusa de acesso aos operadores alternativos a determinados produtos grossistas. Concluía igualmente, a título preliminar, que a recorrente era potencialmente responsável por este comportamento infrator, na sua qualidade de sociedade‑mãe da Slovak Telekom durante o período da infração.

18

Após ter obtido acesso ao dossiê do inquérito, a Slovak Telekom e a recorrente responderam, cada uma, à comunicação de acusações, em 5 de setembro de 2012. Seguidamente, foi organizada uma audição em 6 e 7 de novembro desse mesmo ano.

19

Em 21 de junho de 2013, a Slovak Telekom apresentou à Comissão uma proposta de compromissos destinados a responder às suas objeções do ponto de vista do direito da concorrência e pediu que esta adotasse uma decisão de aceitação de compromissos na aceção do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, em vez de uma decisão de proibição. Porém, a Comissão considerou esses compromissos insuficientes e, consequentemente, decidiu prosseguir a tramitação.

20

A Comissão dirigiu à Slovak Telekom e à recorrente, respetivamente, em 6 de dezembro de 2013 e em 10 de janeiro de 2014, uma carta de exposição dos factos destinada a permitir‑lhes apresentar observações sobre os elementos de prova adicionais recolhidos na sequência do envio da comunicação de acusações. A Comissão referiu que esses elementos de prova, a que a Slovak Telekom e a recorrente tiveram acesso, poderiam ser utilizados numa eventual decisão final.

21

A Slovak Telekom e a recorrente responderam, respetivamente, em 21 de fevereiro e em 6 de março de 2014, à carta de exposição dos factos.

22

A Comissão, nas reuniões realizadas com a Slovak Telekom, em 16 de setembro de 2014, e com a recorrente, em 29 de setembro de 2014, forneceu a estas últimas informações sobre a decisão que tencionava adotar com fundamento no artigo 7.o do Regulamento n.o 1/2003.

C. Decisão impugnada

23

Na decisão impugnada, a Comissão considera que a empresa formada pela Slovak Telekom e pela recorrente cometeu uma infração única e continuada ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE, no que respeita aos serviços de alto débito na Eslováquia, durante o período compreendido entre 12 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2010 (a seguir «período em causa»).

1.   Definição dos mercados relevantes e posição dominante da Slovak Telekom nestes

24

Na decisão impugnada, a Comissão identifica dois mercados de produtos em causa, a saber:

o mercado de massa retalhista (ou grande público) para os serviços de alto débito em posição fixa;

o mercado grossista de acesso aos lacetes locais cujo acesso é desagregado.

25

O mercado geográfico em causa abrange, segundo a decisão impugnada, a totalidade do território da Eslováquia.

26

A Comissão refere que, no período em causa, a Slovak Telekom ocupou uma posição de monopólio no mercado grossista para o acesso desagregado aos lacetes locais e que não existiam pressões diretas sob a forma de uma concorrência real ou potencial ou um poder de compra compensatório que limitassem o poder desta sociedade no mercado. A Slovak Telekom beneficiava, assim, de uma posição dominante neste mercado ao longo do período em causa. A Comissão refere, igualmente, que a Slovak Telekom beneficiava, neste período, de uma posição dominante no mercado de massa retalhista (ou grande público) para os serviços de alto débito em posição fixa.

2.   Comportamento da Slovak Telekom

a)   Recusa de fornecimento de um acesso desagregado aos lacetes locais da Slovak Telekom

27

A Comissão salienta, numa primeira parte da sua análise intitulada «Recusa de fornecimento», que, apesar de vários operadores alternativos terem tido um grande interesse em que lhes fosse concedido um acesso aos lacetes locais da Slovak Telekom para concorrer com esta no mercado retalhista dos serviços de alto débito, este operador fixou, na oferta de referência, modalidades e condições abusivas a fim de tornar esse acesso inaceitável. A Slovak Telekom atrasou, dificultou ou impediu assim a entrada neste mercado retalhista dos serviços de alto débito.

28

A este respeito, a Comissão sublinha que, em primeiro lugar, o acesso desagregado ao lacete local por um operador alternativo pressupõe que este obtenha previamente informações suficientes e adequadas sobre a rede do operador histórico. Estas informações devem permitir ao operador alternativo em causa avaliar as suas oportunidades comerciais e elaborar modelos económicos apropriados para os futuros serviços retalhistas baseados na desagregação do acesso ao lacete local. Ora, no caso vertente, a oferta de referência não preencheu esta exigência de informação dos operadores alternativos.

29

Assim, apesar das exigências fixadas pelo quadro regulamentar pertinente (v. n.os 7 e 8, supra), a oferta de referência não fornece informações de base sobre a localização dos pontos de acesso físicos e sobre a disponibilidade dos lacetes locais em partes bem determinadas da rede. Os operadores alternativos tiveram acesso a estas informações apenas a pedido, mediante o pagamento de uma taxa, nos cinco dias a contar da data de entrada em vigor de um acordo de confidencialidade com a Slovak Telekom, e somente após a constituição de uma garantia bancária. A Comissão considera, em substância, que estas exigências atrasaram indevidamente e dificultaram a comunicação das informações pertinentes aos operadores alternativos e, desta forma, dissuadiram os referidos operadores de aceder aos lacetes locais da Slovak Telekom.

30

Mesmo em caso de acesso mediante pedido, a Comissão considera que as informações comunicadas pela Slovak Telekom eram insuficientes. A Slovak Telekom não comunicava, designadamente, nenhuma informação sobre a disponibilidade dos seus lacetes locais, embora estas informações fossem fundamentais para permitir que os operadores alternativos elaborem atempadamente os seus modelos económicos e determinem o potencial comercial da desagregação. A Comissão considera que a Slovak Telekom devia ter comunicado não só a lista dos repartidores principais e dos recursos similares, mas também a descrição da sua cobertura geográfica, informações sobre as séries de números telefónicos servidos por essas centrais, a utilização efetiva dos cabos (em percentagem) para as tecnologias DSL, o grau de implantação do equipamento de modulação por código de pulso (pulse code modulation ou PCM) referente aos cabos ligados aos diferentes repartidores principais, os nomes ou funções dos repartidores e a forma como são utilizados nas regulamentações técnicas e metodológicas da referida sociedade, ou, ainda, os comprimentos máximos dos lacetes locais homogéneos. Aliás, a Slovak Telekom estava bem ciente do problema causado aos operadores alternativos por estas condições de acesso às informações e pelo âmbito limitado destas. A Comissão refere igualmente que, embora só em maio de 2009 é que a Slovak Telekom publicou o modelo referente aos pedidos de desagregação a apresentar pelos operadores alternativos, a oferta de referência em matéria de desagregação previa, desde a origem, a imposição de sanções financeiras caso o pedido de acesso fosse considerado incompleto.

31

Em segundo lugar, nos termos da decisão impugnada, a Slovak Telekom reduziu, de forma injustificada, o alcance da sua obrigação em matéria de acesso desagregado aos seus lacetes locais.

32

Assim, em primeiro lugar, a Slovak Telekom excluiu indevidamente desta obrigação as linhas «passivas», ou seja, as linhas que, embora existissem fisicamente, não eram utilizadas. Ao agir desta forma, a Slovak Telekom reservou para si uma quantidade significativa de potenciais clientes que ainda não subscreviam os seus serviços de alto débito, embora servidos pela sua rede, e isto, apesar de o quadro regulamentar pertinente não prever qualquer limitação da obrigação de desagregação às linhas ativas e este mercado estar em pleno crescimento. A limitação aplicada pela Slovak Telekom não era, segundo a Comissão, justificada por qualquer razão técnica objetiva.

33

Em segundo lugar, a Slovak Telekom excluiu, de forma injustificada, da sua obrigação em matéria de desagregação, os serviços que qualificou de «serviços em conflito», ou seja, os serviços que eram suscetíveis de serem por ela propostos e que podiam estar em conflito com o acesso de um operador alternativo ao lacete local. Além do próprio conceito de serviços em conflito ser vago, a lista de tais serviços, estabelecida unilateralmente pela Slovak Telekom, era aberta e, por conseguinte, geradora de incerteza para os operadores alternativos. Esta limitação privou os operadores alternativos de um grande número de potenciais clientes, reservados à Slovak Telekom e, assim, retirados do mercado retalhista.

34

Em terceiro lugar, a Comissão salienta o caráter injustificado da regra imposta pela Slovak Telekom na oferta de referência, segundo a qual apenas 25 % dos lacetes locais contidos num cabo de múltiplos pares podem ser utilizados para a prestação de serviços de alto débito, a fim de evitar o parasitismo e as interferências. Esta regra não se justifica, na medida em que reveste um caráter geral e abstrato e não tem, assim, em conta as características dos cabos e a combinação concreta das técnicas de transmissão. A Comissão salienta, a este respeito, que a prática noutros Estados‑Membros demonstra a existência de alternativas a estas limitações de acesso abstratas e a montante, tais como o princípio de uma utilização do cabo a 100 % com a gestão a posteriori de todos os problemas concretos resultantes das interferências de espetro. Por último, a Slovak Telekom aplicou a si própria uma regra de utilização máxima do cabo de 63 %, menos estrita do que a por ela imposta aos operadores alternativos.

35

Por último, em terceiro lugar, a Slovak Telekom fixou na oferta de referência várias cláusulas e condições não equitativas referentes ao acesso desagregado aos seus lacetes locais.

36

A este respeito, em primeiro lugar, nos termos da decisão impugnada, a Slovak Telekom fez constar na oferta de referência cláusulas e condições não equitativas referentes à partilha de locais, definida nesta oferta como «o fornecimento de um espaço e do equipamento técnico necessários à colocação adequada do equipamento de telecomunicações do fornecedor autorizado para a prestação de serviços aos utilizadores finais do fornecedor autorizado através de um acesso ao lacete local». O obstáculo assim criado aos operadores alternativos resultava, mais especificamente, dos seguintes elementos: i) as condições estabeleciam um exame preliminar das possibilidades de partilha de locais que não era objetivamente necessário; ii) os operadores alternativos apenas podiam contestar a determinação da forma de partilha de locais decidida pela Slovak Telekom mediante o pagamento de encargos suplementares; iii) o termo do período de reserva após a notificação ao operador alternativo do parecer referente ao resultado do exame preliminar ou do exame detalhado, sem que tenha havido acordo sobre a partilha de locais, implicava que o procedimento de exame preliminar ou de exame detalhado devesse ser integralmente retomado; iv) a Slovak Telekom não se encontrava vinculada a qualquer prazo em caso de exames detalhados suplementares decorrentes das negociações e tinha o direito de retirar, sem explicação e sem consequências jurídicas, uma proposta de acordo de partilha de locais durante o período de aceitação da proposta pelos operadores alternativos nos prazos estabelecidos; v) a Slovak Telekom não se comprometia em implementar a partilha de locais numa data específica; vi) a Slovak Telekom impunha unilateralmente tarifas desleais e não transparentes para a partilha de locais.

37

Em segundo lugar, a Comissão salienta que, nos termos da oferta de referência, os operadores alternativos tinham de remeter previsões de pedidos de qualificação do lacete local com doze meses de antecedência para cada espaço de partilha de locais, mês após mês, antes de poder apresentar um pedido de qualificação para o acesso ao lacete local correspondente. Ora, a Comissão considera que tal exigência impõe aos operadores alternativos a apresentação de previsões num momento em que não conseguem avaliar as suas necessidades em termos de acesso desagregado. Mais, denuncia o facto de o não cumprimento das condições de previsão implicar o pagamento de penalidades, assim como o caráter vinculativo da obrigação de previsão e a falta de prazo de resposta, para a Slovak Telekom, a um pedido de qualificação em caso de não conformidade de um tal pedido com o volume previsional.

38

Em terceiro lugar, a Comissão considera que o procedimento obrigatório de qualificação, que devia permitir aos operadores alternativos determinar se um lacete local específico convinha para a tecnologia DSL ou qualquer outra tecnologia de banda larga que poderiam tencionar utilizar antes de efetuar uma encomenda firme de desagregação, era tal que esses operadores eram dissuadidos a solicitar um acesso desagregado aos lacetes locais da Slovak Telecom. Assim, admitindo a necessidade de verificar o caráter adequado dos lacetes locais para a desagregação ou as condições prévias essenciais para a desagregação de uma linha específica, a Comissão refere que a dissociação deste procedimento de qualificação do próprio pedido de acesso ao lacete local atrasou inutilmente a desagregação e originou custos adicionais para os operadores alternativos. Mais, vários aspetos examinados no âmbito do procedimento de qualificação apresentam um caráter supérfluo. A Comissão salienta ainda o caráter injustificado do prazo de validade limitado a dez dias da qualificação de um lacete local, após o qual um pedido de acesso já não podia ser apresentado.

39

Em quarto lugar, nos termos da decisão impugnada, a oferta de referência incluiu condições desvantajosas no que respeita às reparações, manutenção e conservação, devido, i) à falta de uma definição adequada dos «trabalhos planejados» e «não planejados» (ii) à falta de clareza da distinção entre «trabalhos não planejados» e simples «defeitos», suscetível de dar lugar a comportamentos injustificados por parte da Slovak Telekom (iii) aos prazos muitos curtos previstos para informar um operador alternativo de tais trabalhos e para transmitir esta informação junto dos seus clientes e, por último, iv) à transferência ao operador alternativo da responsabilidade pelas interrupções do serviço causadas por uma reparação quando este operador era considerado não cooperante.

40

Em quinto lugar, a Comissão considera desleais várias modalidades e condições em torno da garantia bancária exigida a qualquer operador alternativo que pretenda celebrar com a Slovak Telekom um acordo de partilha de locais e, no final, obter um acesso aos seus lacetes locais. Assim, antes de mais, a Slovak Telekom beneficia de uma margem de apreciação demasiada ampla para aceitar ou recusar uma garantia bancária e não está sujeita à observância de nenhum prazo a este respeito. Seguidamente, o montante da garantia, fixado em 66387,84 euros, é desproporcionado em relação aos riscos e custos incorridos pela Slovak Telekom. Tanto mais que a oferta de referência permitia à Slovak Telekom exigir uma multiplicação dessa garantia quando a ela recorria, podendo o montante inicial da garantia bancária ser multiplicado até doze vezes. Além disso, a Slovak Telekom tinha a possibilidade de recorrer à garantia bancária para cobrir não só a falta de pagamento dos serviços efetivos por ela fornecidos, mas também qualquer pedido de indemnização que pudesse ser por ela apresentado. Acresce que a Slovak Telekom podia acionar a garantia bancária sem ter de comprovar que tinha antes pedido ao devedor que pagasse, não podendo o devedor, além disso, opor‑se a esse acionamento da garantia. Por último, a Comissão sublinha que os operadores alternativos não beneficiam de nenhuma garantia comparável, embora possam sofrer perdas resultantes do comportamento da Slovak Telekom em matéria de acesso desagregado aos lacetes locais.

41

A Comissão conclui que estes aspetos do comportamento da Slovak Telekom, considerados conjuntamente, constituíram uma recusa por parte deste operador em fornecer um acesso desagregado aos seus lacetes locais.

b)   Compressão das margens dos operadores alternativos no âmbito do fornecimento de acesso desagregado aos lacetes locais da Slovak Telekom

42

Na segunda parte da sua análise do comportamento da Slovak Telekom, a Comissão regista a existência de uma compressão de margens causada pelo comportamento deste operador relativamente ao acesso desagregado aos seus lacetes locais, constitutiva de uma forma autónoma de abuso de posição dominante. Assim, a diferença entre os preços praticados pela Slovak Telekom para a concessão de tal acesso a operadores alternativos e os preços praticados em relação aos seus próprios clientes era negativo ou insuficiente para permitir a um operador tão eficaz como a Slovak Telekom cobrir os custos específicos que esta devia suportar para o fornecimento dos seus próprios produtos ou serviços no mercado a jusante, ou seja, o mercado retalhista.

43

Quanto a um cenário em que a carteira de serviços considerada inclui apenas os serviços de alto débito, a Comissão assinala que um concorrente igualmente eficaz teria sido capaz, através de um acesso desagregado aos lacetes locais da Slovak Telekom, de reproduzir a totalidade da oferta DSL a retalho da Slovak Telekom tal como a mesma evoluiu ao longo do tempo. Ora, a abordagem designada «período a período» (ou seja, o cálculo das margens disponíveis para cada ano no período compreendido entre 2005 e 2010), demonstra que um concorrente tão eficaz como a Slovak Telekom apresentava margens negativas e não podia, assim, reproduzir de forma rentável a carteira de serviços de alto débito proposta pela Slovak Telekom no mercado retalhista.

44

Quanto a um cenário em que a carteira analisada inclui serviços de telefonia vocal para além dos serviços de alto débito através de um acesso total ao lacete local, a Comissão conclui igualmente que um concorrente tão eficaz como a Slovak Telekom não teria podido, devido aos preços por esta praticados no mercado a montante de acesso desagregado, exercer de forma rentável atividades no mercado retalhista relevante no período compreendido entre os anos de 2005 e 2010. Assim, um concorrente igualmente eficaz não teria podido reproduzir de forma rentável, nesse mesmo período, a carteira proposta pela Slovak Telekom. Acrescentar a esta carteira de referência serviços multi‑play, disponíveis a partir do ano de 2007, não teria modificado esta conclusão.

45

Uma vez que nem a Slovak Telekom nem a recorrente apresentaram, durante o procedimento administrativo, uma justificação objetiva quanto ao seu comportamento de exclusão, a Comissão conclui que o comportamento da Slovak Telekom, no período em causa, deve ser analisado como uma compressão abusiva de margens.

3.   Análise dos efeitos anticoncorrenciais do comportamento da Slovak Telekom

46

A Comissão considera que estes dois tipos de comportamentos da Slovak Telekom, a saber, a recusa de fornecimento de um acesso desagregado ao lacete local e a compressão das margens dos operadores alternativos, eram suscetíveis de impedir que os operadores alternativos se baseassem num acesso desagregado com vista a entrar no mercado retalhista de massa (ou grande público) na Eslováquia, para os serviços de alto débito em posição fixa. Esses comportamentos tornaram, nos termos da decisão impugnada, a concorrência menos efetiva neste mercado, uma vez que não existia uma real alternativa rentável para os operadores concorrentes a um acesso grossista de alto débito de tecnologia DSL baseada na desagregação dos lacetes locais. O impacto do comportamento da Slovak Telekom sobre a concorrência foi ainda mais acentuado pelo facto de o mercado retalhista dos serviços de banda larga apresentar um forte potencial de progressão no período em causa.

47

A Comissão acrescenta, em substância, que, em conformidade com o conceito de «escala de investimento», este bloqueio do acesso à desagregação do lacete local privou os operadores alternativos de uma fonte de rendimento que lhes teria permitido realizar outros investimentos na rede, designadamente desenvolvendo a sua própria rede de acesso a fim de ligar os seus clientes diretamente à rede.

48

A Comissão conclui que o comportamento anticoncorrencial da Slovak Telekom no mercado de massa (ou grande público) dos serviços de alto débito em posição fixa na Eslováquia era suscetível de ter efeitos negativos sobre a concorrência e, tendo em conta a sua cobertura geográfica correspondente à totalidade do território da Eslováquia, pôde afetar o comércio entre os Estados‑Membros.

4.   Destinatários da decisão impugnada e coimas

49

Nos termos da decisão impugnada, a recorrente, durante todo o período em causa, não só estava em condições de exercer uma influência determinante sobre a política comercial da Slovak Telekom, como exerceu efetivamente esta influência. Uma vez que a recorrente e a Slovak Telekom fazem parte da mesma empresa, ambas são consideradas responsáveis pela infração única e continuada ao artigo 102.o TFUE, que é objeto da decisão impugnada.

50

No que respeita à sanção pela prática desta infração, a Comissão indica ter fixado o montante das coimas por referência aos princípios enunciados nas suas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2; a seguir «Orientações de 2006»).

51

Em primeiro lugar, a Comissão calcula o montante de base da coima, retendo 10 % do volume de negócios realizado pela Slovak Telekom no mercado do acesso desagregado ao lacete local e de alto débito a retalho para os serviços fixos no último exercício completo da sua participação na infração, no caso vertente, o ano de 2010, e multiplicando o número assim obtido por 5,33 a fim de ter em conta a duração da infração (cinco anos e quatro meses). O montante de base obtido no fim deste cálculo ascende a 38838000 euros. Trata‑se da primeira coima aplicada pela infração em causa e em relação à qual a Slovak Telekom e a recorrente são, nos termos do artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea a), da decisão impugnada, consideradas solidariamente responsáveis.

52

A seguir, a Comissão procede a um duplo ajustamento deste montante de base. Em primeiro lugar, a Comissão refere que, no momento em que foi cometida a infração em causa, a recorrente já tinha sido considerada responsável por uma infração ao artigo 102.o TFUE, devido a uma compressão das margens no setor das telecomunicações, na sua Decisão 2003/707/CE, de 21 de maio de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o [CE] (processos COMP/37.451, 37.578, 37.579 — Deutsche Telekom AG) (JO 2003, L 263, p. 9; a seguir «decisão Deutsche Telekom»), e que, na época em que esta decisão foi proferida, a recorrente já detinha 51 % das ações da Slovak Telekom e podia exercer uma influência determinante sobre esta. Por conseguinte, a Comissão conclui que, para a recorrente, o montante de base da coima deve ser aumentado de 50 % a título de reincidência. Em segundo lugar, a Comissão refere que o volume de negócios mundial da recorrente ascendia, em 2013, a 60,132 mil milhões de euros e que, para conferir à coima aplicada à recorrente um efeito suficientemente dissuasivo, há que aplicar ao montante de base um coeficiente multiplicador de 1,2. O produto deste duplo ajustamento do montante de base, ou seja, 31070000 euros, dá origem, em conformidade com o artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea b), da decisão impugnada, a uma coima distinta aplicada apenas à recorrente.

5.   Dispositivo da decisão impugnada

53

Os artigos 1.o e 2.o da decisão impugnada têm a seguinte redação:

«Artigo 1.o

1.   A empresa constituída pela Deutsche Telekom AG e pela Slovak Telekom a.s. cometeu uma infração única e continuada ao artigo 102.o do Tratado e ao artigo 54.o do Acordo EEE.

2.   A infração durou de 12 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2010 e consistiu nas seguintes práticas:

a)

dissimulação aos operadores alternativos de informações relativas à rede necessárias para a desagregação dos lacetes locais;

b)

redução do âmbito de aplicação das suas obrigações referentes à desagregação dos lacetes locais;

c)

fixação de modalidades e condições não equitativas na sua oferta de referência em matéria de desagregação relativamente à partilha de locais, qualificação, previsões, reparações e garantias bancárias;

d)

aplicação de tarifas não equitativas que não permitem a um operador igualmente eficaz, através do acesso grossista aos lacetes locais desagregados da Slovak Telekom a.s., reproduzir sem incorrer perdas os serviços a retalho oferecidos pela Slovak Telekom a.s.

Artigo 2.o

Para a infração referida no artigo 1.o, são aplicadas as seguintes coimas:

a)

uma coima de 38838000 euros à Deutsche Telekom AG e à Slovak Telekom a.s., solidariamente;

b)

uma coima de 31070000 euros à Deutsche Telekom AG.

[…]»

II. Tramitação processual e pedidos das partes

[Omissis]

70

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular total ou parcialmente a decisão impugnada, na parte que lhe diz respeito, e, a título subsidiário, anular ou reduzir as coimas que lhe foram aplicadas;

condenar a Comissão nas despesas.

71

A Comissão e a interveniente, Slovanet, concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

72

A recorrente invoca cinco fundamentos para sustentar tanto os seus pedidos principais, que visam a anulação total ou parcial da decisão impugnada, como os seus pedidos subsidiários, que visam a anulação das coimas que lhe foram aplicadas ou a redução do respetivo montante. O primeiro fundamento é relativo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 102.o TFUE no que diz respeito ao comportamento abusivo da Slovak Telekom e à violação dos direitos de defesa. O segundo fundamento é relativo a erros de direito e de facto no que respeita à duração do comportamento abusivo da Slovak Telekom. O terceiro fundamento é relativo a erros de direito e de facto na imputação à recorrente do comportamento abusivo da Slovak Telekom, com fundamento em que estas sociedades faziam parte da mesma empresa. O quarto fundamento é relativo a uma violação do conceito de «empresa» na aceção do direito da União e do princípio da individualização das penas, na medida em que a decisão impugnada aplica ainda e apenas à recorrente uma coima distinta, e a uma falta de fundamentação. Por último, o quinto fundamento é relativo a erros no cálculo do montante da coima aplicada solidariamente à Slovak Telekom e à recorrente.

A. Quanto aos pedidos, apresentados a título principal, que visam a anulação da decisão impugnada

73

Há que examinar sucessivamente os cinco fundamentos invocados pela recorrente e mencionados no n.o 72, supra.

1.   Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e de facto na aplicação do artigo 102.o TFUE no que respeita ao comportamento abusivo da Slovak Telekom e a uma violação dos direitos de defesa

74

O primeiro fundamento é constituído por três partes relativas, a primeira, a uma violação do artigo 102.o TFUE, na medida em que a Comissão concluiu pela existência de uma infração na aceção desta disposição sem apreciar o caráter indispensável das infraestruturas de telecomunicações em causa, a segunda, a uma violação do direito da recorrente a ser ouvida relativamente ao cálculo da compressão das margens e, a terceira, a erros no cálculo dos custos médios incrementais de longo prazo (a seguir «CMILP»).

75

Por outro lado, a recorrente refere subscrever, no âmbito do seu primeiro fundamento, a argumentação apresentada pela Slovak Telekom no seu recurso interposto, em 26 de dezembro de 2014, contra a decisão impugnada (processo T‑851/14). A recorrente alega igualmente, remetendo designadamente para o Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, EU:C:2013:29), que, se for julgado procedente um fundamento invocado no âmbito desse recurso, deve também beneficiar desse resultado no presente processo.

[Omissis]

b)   Quanto à primeira parte, relativa a uma violação do artigo 102.o TFUE, pelo facto de a Comissão ter concluído pela existência de uma infração na aceção desta disposição sem examinar o caráter indispensável das infraestruturas de telecomunicações em causa

81

Com a primeira parte do seu primeiro fundamento, a recorrente alega que a Comissão omitiu erradamente, na decisão impugnada, o exame do caráter indispensável do acesso à rede DSL de cobre da Slovak Telekom para o exercício de uma atividade no mercado retalhista dos serviços de alto débito na Eslováquia. A Comissão violou, assim, o princípio que resulta do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), segundo o qual uma recusa de fornecimento ou de acesso apenas constitui um abuso de posição dominante quando é suscetível de eliminar toda a concorrência no mercado derivado e os insumos em causa a montante são indispensáveis para o exercício da atividade a jusante. A aplicação deste princípio no caso em apreço não é posta em causa pela circunstância de o presente processo ser referente a uma recusa implícita de acesso e não, como no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), a uma recusa total de fornecimento. Com efeito, nenhuma razão justifica que a existência de um abuso devido a uma recusa implícita de acesso seja sujeita a requisitos de prova menos estritos do que a existência de um abuso devido a uma recusa total de acesso. A distinção efetuada nesse sentido pela Comissão assenta numa leitura errada dos n.os 55 e 58 do Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83). Além disso, conduziria ao resultado ilógico de que a demonstração da infração mais grave (ou seja, a recusa total de acesso) estaria sujeita a requisitos mais estritos do que os aplicáveis à infração menos grave (ou seja, a recusa implícita de acesso). A recorrente sublinha, relativamente a este último ponto, que pelo menos uma empresa obteve acesso aos lacetes locais da Slovak Telekom, o que teria sido excluído na presença de uma recusa total de acesso.

82

A recorrente alega também que esse requisito de prova não é atenuado pela circunstância de a Slovak Telekom estar sujeita à obrigação regulamentar de conceder aos fornecedores concorrentes um acesso desagregado ao seu lacete local, esta obrigação perseguindo outros objetivos e estando sujeita a outras condições do que o controlo a posteriori sobre a existência de um abuso na aceção do artigo 102.o TFUE. Essa obrigação, decretada em 2005 pela TUSR não é, aliás, suscetível de substituir o exame concreto do caráter indispensável do acesso aos lacetes locais da Slovak Telekom num momento ulterior. Ora, a Comissão omitiu a realização deste exame concreto no caso vertente, embora os mercados das telecomunicações estejam em constante evolução.

83

Além disso, a recorrente contesta o ponto de vista da Comissão segundo o qual, em substância, o princípio resultante do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não se aplica no presente caso, uma vez que a rede de telecomunicações em causa foi desenvolvida em condições de monopólio pelo Governo eslovaco. A Comissão não justifica o porquê desta circunstância lhe permitir concluir pela existência de um abuso de posição dominante, sem verificar o caráter indispensável do acesso à rede DSL de cobre da Slovak Telekom. A existência de um abuso devendo sempre ser apreciada independentemente das condições em que surge uma posição dominante, nenhuma razão justifica que antigos monopólios de Estado sejam sujeitos a um tratamento diferente do das outras empresas no âmbito da aplicação do artigo 102.o TFUE. A recorrente acrescenta que a rede DSL de cobre da Slovak Telekom tinha, originalmente, uma taxa de cobertura muito fraca e era de má qualidade, o que levou a Slovak Telekom, conforme resulta do considerando 891 da decisão impugnada, a investir em ativos de alto débito entre 2003 e 2010, ou seja, posteriormente à perda do seu monopólio.

84

De qualquer forma, o facto de vários fornecedores concorrentes terem conseguido entrar no mercado retalhista de alto débito a partir da sua própria infraestrutura demonstra que o acesso desagregado ao lacete local da Slovak Telekom não era indispensável ao desenvolvimento de ofertas concorrentes.

85

A Comissão contesta estas alegações.

86

A este respeito, segundo jurisprudência constante, incumbe à empresa que detém uma posição dominante uma responsabilidade especial de não lesar, através do seu comportamento, uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno (v. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 135 e jurisprudência referida), devendo, a este propósito, ser tida em conta a circunstância de tal posição ter a sua origem num antigo monopólio legal (Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 23).

87

É por esta razão que o artigo 102.o TFUE proíbe, nomeadamente, que uma empresa que detenha uma posição dominante leve a cabo práticas que produzam efeitos de eliminação dos seus concorrentes considerados tão eficazes como ela própria, reforçando a sua posição dominante através do recurso a meios diferentes daqueles que decorrem de uma concorrência pelo mérito. Nesta perspetiva, nem toda a concorrência pelos preços pode ser considerada legítima (v. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 136 e jurisprudência referida).

88

Foi decidido, a este respeito, que a exploração abusiva de uma posição dominante proibida pelo artigo 102.o TFUE é um conceito objetivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante que, num mercado em que, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido, têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base em prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (v. Acórdãos de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 17 e jurisprudência referida, e de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, EU:T:2009:317, n.o 140 e jurisprudência referida).

89

O artigo 102.o TFUE visa não só as práticas que causam um prejuízo imediato aos consumidores, mas igualmente aquelas que lhes causem prejuízo por obstarem o jogo da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 20 e jurisprudência referida, e de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 171).

90

O efeito sobre a situação concorrencial referido no n.o 88, supra, não respeita necessariamente ao efeito concreto do comportamento abusivo denunciado. Para efeitos de determinação de uma violação do artigo 102.o TFUE, há que demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante se destina a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é adequado ou suscetível de ter tal efeito (Acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 68; v., igualmente, Acórdãos de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, EU:T:2009:317, n.o 144 e jurisprudência referida, e de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 268 e jurisprudência referida).

91

Por outro lado, relativamente ao caráter abusivo de uma prática que conduza à compressão das margens, há que referir que o artigo 102.o, segundo parágrafo, alínea a), TFUE proíbe expressamente que uma empresa dominante imponha direta ou indiretamente preços não equitativos (Acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 25, e de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 173). A lista das práticas abusivas constante do artigo 102.o TFUE não sendo, porém, taxativa, a enumeração das práticas abusivas contida nessa disposição não esgota as formas de exploração abusiva de posição dominante proibidas pelo direito da União (Acórdãos de 21 de fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, EU:C:1973:22, n.o 26; de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 26, e de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 174).

92

No caso em apreço, importa precisar que a argumentação apresentada pela recorrente na primeira parte do primeiro fundamento refere‑se unicamente ao critério jurídico aplicado pela Comissão, na sétima parte da decisão impugnada (considerandos 355 a 821), com vista a qualificar uma série de comportamentos da Slovak Telekom ao longo do período em causa de «recusa de fornecimento». Em contrapartida, a recorrente não contesta a própria existência dos comportamentos constatados pela Comissão nesta parte da decisão impugnada. Conforme resulta dos considerandos 2 e 1507 da referida decisão, estes comportamentos, que contribuíram para a identificação pela Comissão de uma infração única e continuada ao artigo 102.o TFUE (considerando 1511 da decisão impugnada), consistiram, em primeiro lugar, numa dissimulação aos operadores alternativos de informações relativas à rede da Slovak Telekom, necessárias à desagregação do lacete local deste operador, em segundo lugar, numa redução pela Slovak Telekom das suas obrigações relativas à desagregação decorrente do quadro regulamentar aplicável e, em terceiro lugar, na fixação pelo referido operador de vários cláusulas e condições não equitativas na sua oferta de referência em matéria de desagregação.

93

Por outro lado, conforme foi confirmado pela recorrente na audiência, a primeira parte do primeiro fundamento não visa pôr em causa a análise do comportamento da Slovak Telekom, que constitui uma compressão das margens, efetuada pela Comissão na oitava parte da decisão impugnada (considerandos 822 a 1045 da decisão impugnada). Com efeito, no seu recurso, a recorrente não contesta que este tipo de comportamento constitua uma forma autónoma de abuso diferente da recusa de fornecimento de acesso e cuja existência não está, portanto, submetida aos critérios estabelecidos no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569) (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 75 e jurisprudência referida).

94

Assim, em substância, a recorrente acusa a Comissão de ter qualificado os comportamentos relembrados no n.o 92, supra, de «recusa de fornecimento» de acesso ao lacete local da Slovak Telekom sem ter verificado o caráter «indispensável» de tal acesso, na aceção do terceiro requisito estabelecido no n.o 41 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569).

95

Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou efetivamente que, para que a recusa de uma empresa em posição dominante de conceder o acesso a um serviço possa constituir um abuso na aceção do artigo 102.o TFUE, é necessário que essa recusa seja de natureza a eliminar qualquer concorrência no mercado por parte de quem procura o serviço, que essa recusa não possa ser objetivamente justificada e que o serviço seja em si mesmo indispensável para o exercício da atividade de quem o procura (Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner, C‑7/97, EU:C:1998:569, n.o 41; v., igualmente, Acórdão de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, EU:T:2009:317, n.o 147 e jurisprudência referida).

96

Por outro lado, resulta dos n.os 43 e 44 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), que, para determinar se um produto ou um serviço é indispensável para permitir a uma empresa exercer a sua atividade num mercado determinado, há que averiguar se existem produtos ou serviços que constituam soluções alternativas, mesmo que sejam menos vantajosas, e se existem obstáculos técnicos, regulamentares ou económicos suscetíveis de tornar impossível, ou pelo menos irrazoavelmente difícil, para qualquer outra empresa que pretenda operar no referido mercado, a criação, eventualmente em colaboração com outros operadores, de produtos ou de serviços alternativos. Segundo o n.o 46 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), para poder admitir a existência de obstáculos de natureza económica, deve, pelo menos, provar‑se que a criação desses produtos ou serviços não é economicamente rentável para uma produção a uma escala comparável à da empresa que controla o produto ou o serviço existente (Acórdão de 29 de abril de 2004, IMS Health, C‑418/01, EU:C:2004:257, n.o 28).

97

Porém, no caso vertente, uma vez que a regulamentação relativa ao setor das telecomunicações define o quadro jurídico que lhe é aplicável e que, deste modo, contribui para determinar as condições de concorrência em que uma empresa de telecomunicações exerce as suas atividades nos mercados em causa, a referida regulamentação constitui um elemento pertinente para a aplicação do artigo 102.o TFUE aos comportamentos adotados por essa empresa, nomeadamente para apreciar o caráter abusivo destes comportamentos (Acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 224).

98

Como a Comissão, acertadamente, alega, os requisitos relembrados no n.o 95, supra, foram estabelecidos e aplicados no âmbito de processos em que estava em causa a questão de saber se o artigo 102.o TFUE podia exigir à empresa em posição dominante que fornecesse a outras empresas o acesso a um produto ou a um serviço, na falta de qualquer obrigação regulamentar nesse sentido.

99

Esse contexto difere do do presente processo, em que a TUSR, por decisão de 8 de março de 2005, confirmada pelo diretor desta autoridade, em 14 de junho de 2005, impôs à Slovak Telekom de aceder a todos os pedidos de desagregação do seu lacete local considerados razoáveis e justificados, a fim de permitir aos operadores alternativos oferecerem, sobre essa base, os seus próprios serviços no mercado de massa retalhista (ou grande público) dos serviços de alto débito em posição fixa na Eslováquia (v. n.o 9, supra). Esta obrigação resultava da vontade das autoridades públicas de incentivar a Slovak Telekom e os seus concorrentes a investir e a inovar, assegurando, ao mesmo tempo, que a concorrência no mercado fosse preservada (considerandos 218, 373, 388, 1053 e 1129 da decisão impugnada).

100

Conforme exposto nos considerandos 37 a 46 da decisão impugnada, a decisão da TUSR, adotada ao abrigo da Lei n.o 610/2003, aplicava na Eslováquia a exigência de acesso desagregado ao lacete local dos operadores com poder significativo de mercado no mercado do fornecimento de redes telefónicas públicas fixas, prevista no artigo 3.o do Regulamento n.o 2887/2000. O legislador da União justificou esta exigência, no considerando 6 do referido regulamento, pela circunstância de que «[n]ão seria economicamente viável para os novos operadores duplicar toda a infraestrutura de acesso local em fio metálico do operador histórico num prazo razoável [, uma vez que a]s infraestruturas alternativas […] não oferecem de momento a mesma funcionalidade nem a mesma ubiquidade […]».

101

Assim, uma vez que o quadro regulamentar pertinente reconhecia claramente a necessidade de um acesso ao lacete local da Slovak Telekom, com vista a permitir a emergência e o desenvolvimento de uma concorrência eficaz no mercado eslovaco dos serviços Internet de alto débito, a demonstração, pela Comissão, de que tal acesso apresentava efetivamente um caráter indispensável, na aceção do último requisito estabelecido no n.o 41 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não era exigida.

102

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da recorrente segundo o qual a existência de uma obrigação regulamentar de acesso ao lacete local da Slovak Telekom não significa que este acesso deva igualmente ser concedido por força do artigo 102.o TFUE, uma vez que essa obrigação regulamentar ex ante persegue outros objetivos e está sujeita a outras condições do que o controlo ex post do comportamento de uma empresa dominante, ao abrigo do referido artigo.

103

Com efeito, para rejeitar este argumento, basta sublinhar que os elementos constantes dos n.os 97 a 101, supra, não assentam na premissa de que a obrigação da Slovak Telekom em conceder o acesso desagregado ao seu lacete local resulta do artigo 102.o TFUE, mas limitam‑se a salientar, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 97, supra, que a existência de tal obrigação regulamentar constitui um elemento pertinente do contexto económico e jurídico no qual se impõe apreciar se as práticas da Slovak Telekom examinadas na sétima parte da decisão impugnada podiam ser qualificadas de práticas abusivas na aceção desta disposição.

104

Aliás, a referência feita pela recorrente ao n.o 113 do Acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão (T‑271/03, EU:T:2008:101), com vista a sustentar o argumento relembrado no n.o 102, supra, não tem pertinência. O Tribunal Geral salientou, na verdade, no referido número, que as autoridades reguladoras nacionais atuam em conformidade com o direito nacional, o qual pode ter objetivos que são diferentes dos da política da União em matéria de concorrência. Este ponto do raciocínio visava fundamentar a rejeição pelo Tribunal Geral do argumento da recorrente invocado nesse processo, segundo o qual, em substância, o controlo ex ante das suas tarifas pela autoridade reguladora alemã das telecomunicações e correios excluía que o artigo 102.o TFUE pudesse ser aplicado a uma eventual compressão das margens resultante das suas tarifas para o acesso desagregado ao seu próprio lacete local. Este ponto era, assim, alheio à questão de saber se a existência de uma obrigação regulamentar de acesso ao lacete local do operador dominante é pertinente para apreciar a conformidade das suas condições de acesso com o artigo 102.o TFUE.

105

Decorre do acima exposto que não se pode acusar a Comissão de ter omitido demonstrar o caráter indispensável do acesso à rede em causa.

106

Há que acrescentar que esta acusação tão pouco poderia ser oponível à Comissão caso se devesse considerar que a recusa implícita de acesso em causa era abrangida pelas considerações do Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que não se pode inferir dos n.os 48 e 49 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), que as condições necessárias para determinar a existência de uma recusa abusiva de fornecimento, que era objeto da primeira questão prejudicial analisada nesse último processo, devem necessariamente aplicar‑se igualmente ao apreciar o caráter abusivo de um comportamento que consiste em sujeitar a prestação de serviços ou a venda de produtos a condições desvantajosas nas quais o adquirente poderia não estar interessado (Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 55). A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou que tais comportamentos poderiam, em si, constituir uma forma autónoma de abuso diferente da recusa de fornecimento (Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 56).

107

O Tribunal de Justiça indicou, por outro lado, que uma interpretação diferente do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), equivaleria a exigir, para que qualquer comportamento de uma empresa dominante se possa considerar abusivo no que respeita às condições comerciais desta, que estejam sempre preenchidos os requisitos necessários para determinar a existência de uma recusa de fornecimento, o que reduziria indevidamente o efeito útil do artigo 102.o TFUE. (Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 58).

108

Sobre este ponto, a recorrente sublinha, com razão, que a prática em causa no processo principal examinada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83), consistia unicamente, como resulta do n.o 8 desse acórdão, numa possível compressão das margens praticada pelo operador histórico sueco da rede telefónica fixa com vista a desencorajar os pedidos de operadores alternativos de acesso ao seu lacete local. Contudo, daí não se pode inferir que a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça sobre o alcance dos requisitos estabelecidos no n.o 41 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), seja limitada apenas a essa forma de comportamento abusivo e não abranja práticas não estritamente tarifárias como as que são examinadas no caso em apreço pela Comissão, na sétima parte da decisão impugnada (v. n.os 27 a 41, supra).

109

Com efeito, impõe‑se, antes de mais, constatar que, nos n.os 55 a 58 do Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83), o Tribunal de Justiça não se referiu à forma particular de abuso que constitui a compressão das margens de operadores concorrentes num mercado a jusante, mas antes à «prestação de serviços ou [à] venda de produtos a condições desfavoráveis nas quais o adquirente poderia não estar interessado», bem como às «condições comerciais» fixadas pela empresa dominante. Esta redação sugere que as práticas de evicção a que se fazia assim referência diziam respeito não só a uma compressão das margens, mas também a outras práticas comerciais suscetíveis de produzir efeitos de evicção ilícitos para concorrentes atuais ou potenciais, do tipo das que são qualificadas pela Comissão como recusa implícita de fornecimento de acesso ao lacete local da Slovak Telekom (v., neste sentido, considerando 366 da decisão impugnada).

110

Esta leitura do Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83), é corroborada pela remissão efetuada pelo Tribunal de Justiça, nesta parte da sua análise, para os n.os 48 e 49 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569). Estes números eram, efetivamente, consagrados à segunda questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça nesse processo e não eram referentes à recusa pela empresa dominante em causa no litígio no processo principal de dar acesso ao seu sistema de distribuição domiciliária ao editor de um jornal diário concorrente, analisada no âmbito da primeira questão, mas sim à eventual qualificação de abuso de posição dominante de uma prática que teria consistido, para essa empresa, em submeter um tal acesso à condição de o editor em causa lhe confiar, simultaneamente, a execução de outros serviços, tais como a venda nos quiosques ou a impressão.

111

A este respeito, não pode ser acolhido o argumento da recorrente segundo o qual, em substância, a aplicação no caso vertente do raciocínio seguido nos n.os 55 a 58 do Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83) conduziria ao resultado ilógico de que a demonstração de uma recusa implícita de fornecimento seria mais fácil do que a duma recusa pura e simples de fornecimento, quando este último tipo de comportamento constitui uma forma mais grave de abuso de posição dominante. Com efeito, basta referir que este argumento se baseia numa premissa errada, a saber, que a gravidade de uma infração ao artigo 102.o TFUE, que consiste na recusa de uma empresa dominante em fornecer um produto ou serviço a outras empresas, depende unicamente da sua forma. Ora, a gravidade de tal infração é suscetível de depender de inúmeros fatores independentes do caráter explícito ou implícito da referida recusa, tais como a extensão geográfica da infração, o seu caráter intencional, ou ainda os seus efeitos no mercado. As Orientações de 2006 confirmam esta análise quando referem, no seu ponto 20, que a apreciação da gravidade de uma infração ao artigo 101.o ou 102.o TFUE é feita caso a caso para cada tipo de infração, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes do caso.

112

Por último, importa recordar que, no n.o 69 do Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83), o Tribunal de Justiça salientou que o caráter indispensável do produto grossista pode ser pertinente para apreciar os efeitos de uma compressão das margens. Todavia, no caso em apreço, impõe‑se constatar que a recorrente invocou a obrigação da Comissão em demonstrar o caráter indispensável do acesso desagregado ao lacete local da Slovak Telekom apenas para sustentar a sua alegação segundo a qual a Comissão não aplicou o critério jurídico adequado quando da sua apreciação das práticas examinadas na sétima parte da decisão impugnada (v., por analogia, Acórdão de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 182), e não com vista a pôr em causa a apreciação pela Comissão dos efeitos anticoncorrenciais das referidas práticas, efetuada na nona parte da referida decisão (considerandos 1046 a 1109 da decisão impugnada).

113

Quanto à referência feita pela recorrente ao n.o 79 da Comunicação relativa à orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo [102.o TFUE] a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante (JO 2009, C 45, p. 7), esta não é pertinente no caso em apreço.

114

Com efeito, por um lado, como salienta legitimamente a Comissão, a distinção feita no referido número entre uma recusa pura e simples e uma «recusa implícita» de fornecimento não é acompanhada de qualquer precisão sobre os critérios jurídicos pertinentes que permitem concluir, em ambas as hipóteses, pela existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE. Por outro lado e de qualquer forma, esta comunicação indica que tem por único objetivo definir as prioridades que orientam a ação da Comissão na aplicação do artigo 102.o TFUE aos comportamentos de exclusão por parte de empresas dominantes, e não determinar o direito aplicável (v. n.os 2 e 3 da comunicação).

115

Tendo em conta o acima exposto, há que concluir que a qualificação dos comportamentos da Slovak Telekom, examinados na sétima parte da decisão impugnada, de práticas abusivas na aceção do artigo 102.o TFUE não pressupunha que a Comissão estabelecesse que o acesso ao lacete local da Slovak Telekom era indispensável ao exercício da atividade dos operadores concorrentes no mercado retalhista dos serviços de alto débito fixo na Eslováquia, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 96.

116

Resulta do acima exposto que a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

a)   Quanto à segunda parte, relativa à violação do direito da recorrente a ser ouvida no que respeita ao cálculo da compressão das margens

117

Com a segunda parte do seu primeiro fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão violou duplamente o seu direito a ser ouvida na fase do procedimento administrativo.

118

Em primeiro lugar, a Comissão deu a conhecer à recorrente um conjunto de elementos novos numa reunião de informação que se realizou em 29 de setembro de 2014. Um documento intitulado «Cálculo da compressão das margens (resultados preliminares)»[Margin Squeeze Calculation (preliminary results)], comunicado à recorrente nessa reunião, revelava que a margem realizada pela Slovak Telekom em 2005 era positiva com base num cálculo das margens período a período (ano a ano). Este documento continha, por outro lado, valores a que a recorrente só teve acesso na reunião de informação. Por último, a Comissão manifestou, nessa reunião, a intenção de, por um lado, aplicar uma abordagem sobre vários períodos (ou plurianual) para o cálculo das margens entre 12 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2010 e, por outro lado, constatar, assim, uma margem negativa igualmente para o ano de 2005. Ora, esse anúncio surpreendeu tanto a recorrente com a Slovak Telekom, nenhuma delas tendo sugerido anteriormente tal método.

119

Na sequência de um pedido apresentado pela recorrente, esta foi informada pela Comissão, em 1 de outubro de 2014, de que podia comunicar a esta última as suas observações sobre esses elementos até 3 de outubro de 2014. Ora, uma vez que esta última data é feriado oficial na Alemanha, a recorrente dispôs de menos de dois dias úteis para apresentar as suas observações. Alguns dos valores utilizados para o cálculo revisto da compressão das margens tendo sido fornecidos pela Slovak Telekom na sua resposta à exposição dos factos e a recorrente não tendo tido acesso a mesma, a Comissão, por carta de 7 de outubro de 2014, autorizou a recorrente a consultar essa resposta e a formular sobre ela as suas observações até ao final do dia 9 de outubro.

120

Segundo a recorrente, esses prazos muito curtos privaram‑na, na prática, de qualquer possibilidade real de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre os elementos novos levados ao seu conhecimento em 29 de setembro de 2014, e isto, apesar de os referidos elementos terem sido tidos em conta na decisão impugnada. A recorrente sublinha que os dados numéricos apresentados pela primeira vez pela Comissão nessa data eram não só novos, designadamente devido à utilização dos CMILP, mas também complexos. Não lhe foi possível submeter esses novos dados numéricos à análise de economistas, o que, certamente, lhe teria permitido influenciar a apreciação pela Comissão da duração da compressão das margens objeto do inquérito.

121

Em segundo lugar, a recorrente acusa a Comissão de ter efetuado, na decisão impugnada, correções e ajustamentos nos dados fornecidos pela Slovak Telekom para o cálculo dos CMILP, sem, contudo, a ter previamente informado das suas objeções a esse respeito e, consequentemente, tendo‑a privado da possibilidade de fazer valer utilmente o seu ponto de vista.

122

A Comissão contesta estes argumentos.

123

Há que recordar que o respeito dos direitos de defesa na condução dos procedimentos administrativos em matéria de política da concorrência constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito é assegurado pelos órgãos jurisdicionais da União (v. Acórdão de 18 de junho de 2013, ICF/Comissão, T‑406/08, EU:T:2013:322, n.o 115 e jurisprudência referida).

124

Esse princípio exige que a empresa interessada tenha tido a possibilidade, durante o procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias alegados, bem como sobre os documentos considerados pela Comissão em apoio da sua alegação de existência de uma infração às regras da concorrência. Neste sentido, o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 prevê o envio às partes de uma comunicação de acusações. Essa comunicação deve enunciar, de forma clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento (Acórdão de 5 de dezembro de 2013, SNIA/Comissão, C‑448/11 P, não publicado, EU:C:2013:801, n.os 41 e 42).

125

Esta exigência é respeitada desde que a referida decisão não impute aos interessados infrações diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas considere factos sobre os quais os interessados tiveram oportunidade de se pronunciar no decurso do processo (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de maio de 2012, MasterCard e o./Comissão, T‑111/08, EU:T:2012:260, n.o 266, e de 18 de junho de 2013, ICF/Comissão, T‑406/08, EU:T:2013:322, n.o 117).

126

Todavia, o enunciado dos elementos essenciais nos quais a Comissão se baseia na comunicação de acusações pode ser feito de modo sucinto e a decisão não tem necessariamente de constituir uma cópia da comunicação de acusações, pois esta comunicação constitui um documento preparatório cujas apreciações de facto e de direito são de caráter puramente provisório (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de novembro de 1987, British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão, 142/84 e 156/84, EU:C:1987:490, n.o 70; de 5 de dezembro de 2013, SNIA/Comissão, C‑448/11 P, não publicado, EU:C:2013:801, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 24 de maio de 2012, MasterCard e o./Comissão, T‑111/08, EU:T:2012:260, n.o 267). São, assim, admissíveis aditamentos à comunicação de acusações efetuados à luz da resposta das partes, cujos argumentos demonstram que efetivamente tiveram a possibilidade de exercer o seu direito de defesa. A Comissão pode também, atendendo ao procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das acusações que formulou (Acórdão de 9 de setembro de 2011, Alliance One International/Comissão, T‑25/06, EU:T:2011:442, n.o 181). Consequentemente, até à adoção de uma decisão final, a Comissão pode, tendo nomeadamente em conta as observações escritas e orais das partes, abandonar algumas ou mesmo todas as acusações inicialmente formuladas contra elas, modificando a sua posição a favor das mesmas ou, pelo contrário, decidir acrescentar novas acusações, desde que permita que as empresas em causa tenham oportunidade de dar a conhecer o seu ponto de vista a esse respeito (v. Acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245, n.o 115 e jurisprudência referida).

127

Decorre do caráter provisório da qualificação jurídica dos factos feita na comunicação de acusações que a decisão final da Comissão não pode ser anulada pelo único motivo de as conclusões definitivas extraídas desses factos não corresponderem, de forma precisa, à referida qualificação provisória (Acórdão de 5 de dezembro de 2013, SNIA/Comissão, C‑448/11 P, não publicado, EU:C:2013:801, n.o 43). O facto de ser tomado em consideração um argumento avançado por uma parte no decurso do procedimento administrativo, sem que ela tenha podido exprimir‑se a esse respeito antes da decisão final, não pode constituir, enquanto tal, uma violação do seu direito de defesa, quando essa tomada em consideração não altera a natureza das acusações que lhes são dirigidas (v., neste sentido, Despacho de 10 de julho de 2001, Irish Sugar/Comissão, C‑497/99 P, EU:C:2001:393, n.o 24; Acórdãos de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, EU:T:2002:50, n.o 447, e de 9 de setembro de 2011, Alliance One International/Comissão, T‑25/06, EU:T:2011:442, n.o 182).

128

Com efeito, a Comissão deve ouvir os destinatários da comunicação de acusações e, sendo caso disso, ter em conta as suas observações que visam responder às acusações formuladas, alterando a sua apreciação, precisamente, para respeitar os seus direitos de defesa. Assim, deve ser permitido à Comissão especificar essa qualificação na sua decisão final, atendendo aos elementos que resultam do procedimento administrativo, com o fim de abandonar as acusações que se tenham revelado infundadas ou para organizar e completar, quer de facto, quer de direito, a sua argumentação em apoio das acusações que admitiu, contanto que, porém, considere apenas os factos sobre os quais os interessados tiveram a oportunidade de se pronunciar e lhes tenha fornecido, no decurso do procedimento administrativo, os elementos necessários para a sua defesa (v. Acórdãos de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 40 e jurisprudência referida, e de 5 de dezembro de 2013, SNIA/Comissão, C‑448/11 P, não publicado, EU:C:2013:801, n.o 44 e jurisprudência referida).

129

Por último, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, há violação dos direitos de defesa quando, em razão de uma irregularidade cometida pela Comissão, existe uma possibilidade de o procedimento administrativo por ela conduzido tenha podido levar a um resultado diferente. Uma empresa recorrente demonstra que tal violação existiu quando demonstra de forma bastante não que a decisão da Comissão teria tido um conteúdo diferente, mas sim que poderia ter assegurado melhor a sua defesa se não tivesse existido essa irregularidade, por exemplo, porque poderia ter utilizado em sua defesa os documentos cujo acesso lhe foi recusado durante o processo administrativo (v. Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, EU:C:2003:527, n.o 31 e jurisprudência referida, e de 24 de maio de 2012, MasterCard e o./Comissão, T‑111/08, EU:T:2012:260, n.o 269 e jurisprudência referida; Acórdão de 9 de setembro de 2015, Philips/Comissão, T‑92/13, não publicado, EU:T:2015:605, n.o 93).

130

É à luz destes princípios que, antes de mais, há que examinar o primeiro fundamento da recorrente, segundo o qual o seu direito a ser ouvida foi violado, uma vez que não pôde dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista, no decurso do procedimento administrativo, sobre os novos elementos levados ao seu conhecimento na reunião informativa organizada pela Comissão em 29 de setembro de 2014 e que foram tidos em conta na decisão impugnada. Esses elementos consistiam, em primeiro lugar, em novos valores referentes aos cálculos da compressão das margens da Slovak Telekom, em segundo lugar, na circunstância de a margem relativa ao ano de 2005 ser positiva com base num cálculo das margens período a período (ano a ano) e, em terceiro lugar, na intenção manifestada pela Comissão, na referida reunião, de aplicar ainda um método de cálculo das margens sobre vários períodos (plurianual) que lhe permite concluir pela existência de uma margem negativa igualmente no ano de 2005.

131

No que respeita aos dois primeiros elementos, por um lado, importa efetivamente salientar que, nos termos do considerando 1010 da decisão impugnada, as margens identificadas referentes ao ano de 2005 foram positivas em relação às três carteiras de serviços analisadas. O que contrasta com o cálculo da compressão das margens para o acesso ao lacete local da Slovak Telekom constante da comunicação de acusações e que revelava que a margem calculada referente ao mesmo ano era negativa (v. quadro 88 e considerando 1203 da comunicação de acusações). Por outro lado, é ponto assente que, na decisão impugnada, a Comissão não retomou o conjunto de valores utilizados para calcular a compressão das margens na comunicação de acusações e que esta alteração deu origem à identificação na referida decisão de margens diferentes das calculadas a título previsional nessa comunicação.

132

Todavia, conforme salienta, com razão, a Comissão nos seus articulados, sem ser contestada pela recorrente, essas alterações referentes aos cálculos da compressão das margens resultaram da tomada em consideração dos dados e dos cálculos fornecidos pela própria Slovak Telekom em resposta à comunicação de acusações. Assim, essa tomada em consideração aparece, designadamente, nos considerandos 910, 945, 963 e 984 da decisão impugnada. Por outro lado, resulta dos considerandos 946 (nota 1405) e 1000 da decisão impugnada que a Comissão teve em conta, quando da adoção da decisão, a atualização dos cálculos da compressão das margens fornecida pela Slovak Telekom na sua resposta à carta de exposição dos factos (v. n.o 21, supra).

133

Desta forma, no que respeita à sua apreciação da compressão das margens, a Comissão não alterou, na decisão impugnada, a natureza das acusações formuladas contra a Slovak Telekom e, extensivamente, contra a recorrente na qualidade de sociedade‑mãe, imputando‑lhes factos sobre os quais não tiveram a oportunidade de se pronunciar durante o procedimento administrativo. Com efeito, limitou‑se a ter em conta as objeções formuladas pela Slovak Telekom durante o referido procedimento com vista a adaptar e a completar a sua análise da compressão das margens constante da comunicação de acusações. Esta tomada em consideração visando precisamente satisfazer as exigências referidas no n.o 128, supra, o direito das partes a serem ouvidas durante o procedimento administrativo não requeria que lhes fosse de novo concedida uma possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre os cálculos da compressão das margens revistos antes da adoção da decisão impugnada.

134

No que respeita ao terceiro elemento referido no n.o 130, supra, relativo ao método de cálculo da compressão das margens sobre vários períodos (plurianual), há que sublinhar que, no n.o 1281 da sua resposta à comunicação de acusações reproduzido na contestação da Comissão, a Slovak Telekom opôs‑se à utilização exclusiva do método período a período (ano a ano), que tinha sido proposta pela Comissão na comunicação de acusações.

135

Com efeito, a Slovak Telekom alegou, em substância, que, no setor das telecomunicações, os operadores estudavam a sua capacidade em obter um rendimento razoável por um período mais longo do que um ano. Assim, sugeriu, designadamente, que o exame de uma compressão das margens fosse completado por uma análise sobre vários períodos, em que a margem total fosse avaliada sobre vários anos. Por outro lado, decorre do considerando 587 da resposta da recorrente à comunicação de acusações que esta aderiu a essa objeção.

136

Ora, como resulta do considerando 859 da decisão impugnada, a Comissão utilizou uma abordagem sobre vários períodos (plurianual) para ter em conta essa objeção e para determinar se essa abordagem alterava a sua conclusão segundo a qual as tarifas praticadas pela Slovak Telekom junto dos operadores alternativos para o acesso desagregado ao seu lacete local tinham conduzido a uma compressão das margens nos anos de 2005 a 2010.

137

No âmbito desse exame adicional, cujo resultado consta dos considerandos 1013 e 1014 da decisão impugnada, a Comissão identificou uma margem total negativa em relação a cada carteira de serviços, por um lado, para o período compreendido entre os anos de 2005 e 2010 (quadro 39 no considerando 1013 da decisão impugnada) e, por outro, para o período compreendido entre os anos de 2005 e 2008 (quadro 40 no considerando 1014 da decisão impugnada). A Comissão deduziu daí, no considerando 1015 da decisão impugnada, que a análise plurianual (sobre vários períodos) não alterava a sua conclusão quanto à existência de uma compressão das margens resultante de uma análise período a período (ano a ano).

138

Decorre do acima exposto que, por um lado, no âmbito da determinação de uma compressão das margens na decisão impugnada, a análise sobre vários períodos (plurianual) se verificou na sequência da objeção levantada pela Slovak Telekom na sua resposta à comunicação de acusações e à qual aderiu a recorrente, quanto ao método de cálculo das margens período a período (ano a ano). Por outro lado, a análise sobre vários períodos (plurianual) das margens para o acesso desagregado ao lacete local da Slovak Telekom teve, na decisão impugnada, por objetivo complementar a análise período a período (ano a ano) constante dos considerandos 1175 a 1222 da referida decisão, sem se substituir a esta última análise. Além disso, a análise adicional sobre vários períodos (plurianual) levou a Comissão a consolidar a sua conclusão quanto à existência de uma compressão das margens no mercado eslovaco dos serviços Internet de alto débito entre 12 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2010.

139

Por conseguinte, como sustenta em substância a Comissão, a análise sobre vários períodos (plurianual) não teve como consequência a imputação à recorrente e à Slovak Telekom de factos sobre os quais estas últimas não tiveram a oportunidade de se pronunciar durante o procedimento administrativo, alterando a natureza das acusações que lhes eram imputadas, mas apenas a realização de uma análise adicional da compressão das margens resultante das tarifas praticadas pela Slovak Telekom para o acesso desagregado ao seu lacete local, à luz de uma objeção levantada pela Slovak Telekom em resposta à comunicação de acusações.

140

Nestas circunstâncias, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 127 e 128, supra, o direito da recorrente a ser ouvida não exigia que a Comissão, antes da adoção da decisão impugnada, lhe desse a possibilidade de formular novas observações sobre a análise da compressão das margens para o acesso desagregado ao lacete local da Slovak Telekom baseada sobre vários períodos. Há que sublinhar que uma solução diferente seria incompatível com a jurisprudência referida no n.o 127, supra, porquanto equivaleria a impedir que a decisão impugnada contivesse elementos sobre os quais as partes não tiveram especificamente a possibilidade de se pronunciar no decurso do procedimento administrativo, e isto, mesmo quando tais elementos não alteram a natureza das acusações que lhes são imputadas.

141

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da recorrente segundo o qual, em substância, o método de cálculo da compressão das margens aplicado pela Comissão no âmbito desse exame adicional não corresponde ao método proposto pela Slovak Telekom na sua resposta à comunicação de acusações e pretensamente baseado na prática decisória da Comissão, tendo esta última utilizado, no caso vertente, a análise sobre vários períodos (plurianual) com o objetivo de aumentar a duração da infração.

142

Por um lado, este argumento assenta numa leitura errada da decisão impugnada na medida em que, na sequência da análise período a período (ano a ano), a Comissão já tinha concluído que um concorrente tão eficaz como a Slovak Telekom não podia, entre 12 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2010, reproduzir de modo rentável a carteira retalhista da Slovak Telekom que inclui os serviços de alto débito (considerando 1012 da decisão impugnada). Resulta nomeadamente do considerando 998 da decisão impugnada que, segundo a Comissão, a existência de uma margem positiva entre agosto e dezembro de 2005 não obsta a que esse período seja incluído no período de infração sob a forma de uma compressão das margens, dado que os operadores consideram a sua capacidade em obter rendimentos por um período mais longo. Por outras palavras, a Comissão determinou a duração da prática que resultou na compressão das margens com base na abordagem período a período (ano a ano) e a abordagem sobre vários períodos (plurianual) foi utilizado apenas a título suplementar.

143

Por outro lado e de qualquer forma, decorre da jurisprudência referida no n.o 128, supra, que o respeito do direito da recorrente a ser ouvida impunha apenas que a Comissão tivesse em conta, com vista à adoção da decisão impugnada, a crítica referente ao método de cálculo das margens apresentada pela Slovak Telekom em resposta à comunicação de acusações e partilhada pela recorrente (v. n.o 135, supra). Em contrapartida, este direito não implica de forma alguma que a Comissão deva necessariamente chegar ao resultado que a recorrente aspira ao aderir à crítica submetida pela Slovak Telekom, ou seja, a verificação da inexistência de qualquer compressão das margens entre 12 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2010.

144

A título exaustivo, isto é, mesmo admitindo que a Comissão fosse obrigada a dar especificamente à recorrente a possibilidade de ser ouvida sobre os elementos relembrados no n.o 130, supra, antes da adoção da decisão impugnada, há que constatar que essa exigência foi respeitada. Com efeito, é certo que os prazos concedidos pela Comissão à recorrente para formular as suas observações sobre esses elementos eram particularmente curtos. Porém, daí não se pode deduzir que a privavam de qualquer possibilidade de ser utilmente ouvida a este respeito, tendo em conta, primeiro, o estádio muito avançado do procedimento administrativo em que teve lugar a reunião de 29 de setembro de 2014, ou seja, mais de dois anos e quatro meses após o envio da comunicação de acusações e, segundo, o elevado grau de conhecimento do dossiê que é razoável considerar que a recorrente tinha adquirido naquele momento.

145

A primeira alegação da segunda parte do presente fundamento deve assim ser julgada improcedente.

146

Há que julgar igualmente improcedente a segunda alegação, pela qual a recorrente sustenta que a Comissão violou o seu direito a ser ouvida ao não lhe permitir fazer valer utilmente o seu ponto de vista, no decurso do procedimento administrativo, sobre as correções e os ajustamentos, realizados na decisão impugnada, dos dados fornecidos pela Slovak Telekom para o cálculo dos CMILP.

147

A este respeito, é certo que, na decisão impugnada, a Comissão não teve integralmente em consideração os novos dados referentes ao cálculo dos CMILP fornecidos pela Slovak Telekom na sequência do envio da comunicação de acusações. Esta constatação pode, designadamente, ser deduzida dos considerandos 910, 945 e 963 da decisão impugnada. Todavia, por analogia com o raciocínio seguido no n.o 143, supra, a Comissão não é obrigada a ouvir de novo as partes quando tenciona não considerar na sua decisão final o conjunto das objeções por elas formuladas em resposta à comunicação de acusações, salvo se implicar a alteração da natureza das acusações que lhes são imputadas.

148

A circunstância referida no número anterior não tendo tido por efeito alterar os principais elementos de facto e de direito sobre os quais assentavam as acusações imputadas à recorrente durante o procedimento administrativo, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser integralmente julgada improcedente.

b)   Quanto à terceira parte, relativa a erros no cálculo dos custos médios incrementais de longo prazo (CMILP)

149

Na terceira parte, a recorrente acusa a Comissão de não ter calculado corretamente os CMILP da Slovak Telekom, isto é, os custos que este operador não teria de suportar se não tivesse proposto os respetivos serviços. Com efeito, o relatório de consultoria, apresentado pela Slovak Telekom em anexo à sua resposta à comunicação de acusações (a seguir «relatório de consultoria»), propunha ajustar os ativos da Slovak Telekom ao nível de um operador eficaz que concebesse uma rede de forma otimizada com vista a satisfazer a procura atual e futura (a seguir «ajustes de otimização»). Ora, a Comissão não procedeu, finalmente, a tais ajustes. Mais especificamente, a Comissão não aceitou proceder à substituição dos ativos existentes pelos seus equivalentes modernos (modern asset equivalent). Também não teve em conta a diminuição dos ativos com base na capacidade atualmente utilizada. Esta abordagem é criticável pelo facto de a Comissão ter, aliás, aceitado uma reavaliação dos ativos da Slovak Telekom na decisão impugnada, de o ajustamento proposto no relatório de consultoria se basear nos custos históricos deste operador e não nos custos de um concorrente hipotético e de esses custos deverem ser apreciados por referência a um concorrente eficaz. Mais, a recorrente sublinha que o cálculo dos CMILP constante do relatório de consultoria teve em consideração uma capacidade de reserva suficiente para a Slovak Telekom e, contrariamente ao que alega a Comissão, não teve como referência um concorrente plenamente eficaz. Segundo a recorrente, sem este erro de cálculo, a Comissão teria necessariamente concluído pela existência de margens superiores, até mesmo positivas para determinados anos, devido a uma reavaliação para baixo dos CMILP.

150

A Comissão contesta esta argumentação.

151

No que respeita aos argumentos aduzidos pela recorrente, antes de mais, há que referir que a Slovak Telekom propôs, na sua resposta à comunicação de acusações, baseando‑se no relatório de consultoria, um método que assenta na contabilidade de custos correntes, através da estimativa dos custos a jusante para o período compreendido entre 2005 e 2010 com base nos dados a contar do ano de 2011 (considerando 881 da decisão impugnada). Em especial, a Slovak Telekom sustentou, nessa resposta, que era necessário, aquando do cálculo dos CMILP, por um lado, reavaliar os ativos e, por outro, ter em conta as ineficiências da sua rede para a oferta de alto débito. No que diz respeito, nomeadamente, à tomada em consideração dessas ineficiências, a Slovak Telekom propôs que se proceda a ajustes de otimização, a saber, em primeiro lugar, a substituição dos ativos existentes pelos seus equivalentes modernos, mais eficientes e menos onerosos (modern asset equivalent), em segundo lugar, a manutenção, tanto quanto possível, da coerência tecnológica e, em terceiro lugar, a diminuição dos ativos com base na capacidade atualmente utilizada por oposição à capacidade instalada.

152

Nos seus próprios cálculos dos CMILP, a Slovak Telekom ajustou assim o custo de capital dos ativos e os respetivos valores de amortização nos anos de 2005 a 2010, bem como as despesas de exploração dos referidos ativos, em função do fator de ajuste médio ponderado calculado pelo autor do relatório de consultoria para o ano de 2011 (considerando 897 da decisão impugnada). A Slovak Telekom alegou que os ajustes de otimização sugeridos refletiam a capacidade de reserva identificada nos elementos da referida rede, a saber, os ativos retirados desta última por não serem objeto de um uso produtivo, mas que ainda não tinham sido vendidos por esse operador (considerando 898 da decisão impugnada).

153

No entanto, a Comissão recusou proceder a estes ajustes de otimização na decisão impugnada.

154

Em primeiro lugar, no que respeita à substituição dos ativos existentes pelos seus equivalentes mais modernos, a Comissão referiu, no considerando 900 da decisão impugnada, que essa substituição não podia ser admitida, dado que equivaleria a ajustar os custos sem proceder a um ajuste adequado das amortizações. A Comissão remeteu nesta matéria para os considerandos 889 a 893 da decisão impugnada, nos quais manifestou dúvidas quanto ao ajuste, tal como tinha sido proposto pela Slovak Telekom, dos custos dos ativos para o período compreendido entre 2005 e 2010 sugerido pela Slovak Telekom. Além disso, a Comissão considerou, no considerando 901 da decisão impugnada, que uma tal substituição dos ativos existentes não era conforme ao critério do concorrente igualmente eficaz. Com efeito, a jurisprudência confirmou que o caráter abusivo das práticas tarifárias de um operador dominante é, em princípio, determinado em relação à sua própria situação. Ora, no caso em apreço, o ajustamento dos CMILP sugerido pela Slovak Telekom era baseado num conjunto de ativos hipotéticos e não nos mesmos ativos que os detidos por este operador.

155

Em segundo lugar, relativamente à tomada em consideração da capacidade excedentária das redes com base na capacidade «atualmente» utilizada, a Comissão salientou, no considerando 902 da decisão impugnada, em substância, que, uma vez que os investimentos assentam numa previsão da procura, é inevitável que, no âmbito de uma análise retrospetiva, certas capacidades permaneçam por vezes inutilizadas.

156

Nenhuma das alegações formuladas pela recorrente contra esta parte da decisão impugnada pode ser acolhida.

157

Em primeiro lugar, é sem razão que a recorrente sustenta que existe uma contradição entre, por um lado, a recusa dos ajustes de otimização dos CMILP e, por outro, a aceitação, no considerando 894 da decisão impugnada, da reavaliação dos ativos proposta pela Slovak Telekom. A recorrente nem tão‑pouco pode alegar na réplica que a Comissão deveria ter aceitado os ajustes de otimização propostos pela Slovak Telekom pelo facto de, como para a reavaliação dos ativos, a Comissão não dispor de custos históricos fiáveis no que se refere aos ajustes de otimização.

158

Com efeito, a reavaliação dos ativos era baseada nos ativos detidos pela Slovak Telekom em 2011. No que diz respeito a esta reavaliação e conforme resulta dos considerandos 885 a 894 da decisão impugnada, a Comissão sublinhou que não dispunha de dados que refletissem melhor os custos incrementais dos ativos de alto débito da Slovak Telekom para o período compreendido entre 2005 e 2010. Por esta razão, a Comissão incluiu, na análise da compressão das margens constante da decisão impugnada, a reavaliação dos ativos existentes da Slovak Telekom que esta propôs. Porém, a Comissão especificou que a referida reavaliação era suscetível de resultar numa subestimação dos custos dos ativos a jusante.

159

Em comparação, conforme resulta do considerando 895 da decisão impugnada, os ajustes de otimização propostos pela Slovak Telekom consistiam em corrigir os ativos ao nível aproximativo de um operador eficaz que constrói uma rede ótima adaptada para satisfazer uma futura procura baseada nas informações «de hoje» e as previsões da procura. Estes ajustes assentavam numa projeção e num modelo de otimização de rede e não numa estimação que reflita os custos incrementais dos ativos existentes da Slovak Telekom.

160

Daqui resulta que os ajustes de otimização, em geral, e a substituição dos ativos existentes pelos seus equivalentes mais modernos, em especial, tinham um objeto diferente da reavaliação dos ativos proposta pela Slovak Telekom. Por outro lado, a tomada em consideração, pela Comissão, da reavaliação dos ativos existentes proposta pela Slovak Telekom, devido à falta de outros dados mais fiáveis sobre os CMILP deste operador, não pressupunha de forma alguma que a Comissão aceitasse necessariamente os ajustes de otimização dos CMILP. A Comissão podia assim tratar de forma diferente, por um lado, a substituição dos ativos existentes pelos seus equivalentes mais modernos e, por outro, a reavaliação dos ativos proposta pela Slovak Telekom.

161

Em segundo lugar, não se pode acompanhar o entendimento da recorrente quando contesta a conclusão constante do considerando 901 da decisão impugnada, segundo a qual os ajustes de otimização levam a calcular os CMILP com base nos ativos de um concorrente hipotético e não em função dos ativos do operador histórico em causa, a Slovak Telekom.

162

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a apreciação da licitude da política de preços aplicada por uma empresa dominante, à luz do artigo 102.o TFUE, pressupõe, em princípio, fazer referência a critérios de preços baseados nos custos suportados pela empresa dominante e na sua estratégia (v. Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 41 e jurisprudência referida; Acórdão de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 190; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, T‑271/03, EU:T:2008:101, n.o 188 e jurisprudência referida).

163

Em especial, quanto a uma prática tarifária conducente à compressão das margens, a utilização de tais critérios de análise permite verificar, em conformidade com o critério do concorrente igualmente eficaz acima referido no n.o 87, se essa empresa teria sido suficientemente eficaz para oferecer sem prejuízo as suas prestações retalhistas aos clientes finais, se tivesse previamente de pagar os seus próprios preços grossistas pelas prestações intermédias (Acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 42, e de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 191; v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 201).

164

Essa abordagem é tanto mais justificada quanto está igualmente em conformidade com o princípio geral da segurança jurídica, uma vez que tomar em conta os custos da empresa dominante lhe permite, atendendo à especial responsabilidade que lhe incumbe por força do artigo 102.o TFUE, apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos. Com efeito, se uma empresa dominante conhece os seus próprios custos e tarifas, em princípio, não conhece os dos seus concorrentes (Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 202; de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 44, e de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 192).

165

O Tribunal de Justiça especificou, sem dúvida, nos n.os 45 e 46 do Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83), que não é de excluir que os custos e os preços dos concorrentes possam ser pertinentes ao examinar a prática conducente à compressão das margens. Todavia, resulta desse acórdão que só quando não for possível, tendo em conta as circunstâncias, tomar como referência os preços e os custos da empresa dominante, se deverá examinar os dos concorrentes no mesmo mercado, o que não foi alegado pela recorrente no caso em apreço (v., por analogia, Acórdão de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 193).

166

No presente caso, por um lado, a substituição dos ativos existentes pelos seus equivalentes mais modernos visava ajustar os custos dos ativos, retendo o valor dos ativos «atuais», sem, contudo, proceder a ajustamentos adequados das amortizações (considerando 900 da decisão impugnada). Esta substituição levou a calcular a compressão das margens com base em ativos hipotéticos, isto é, ativos que não correspondem aos detidos pela Slovak Telekom. Os custos referentes aos ativos da Slovak Telekom foram assim subavaliados (considerandos 893 e 900). Por outro lado, tomar em consideração a capacidade excedentária das redes em função da sua capacidade «atualmente» utilizada teria tido por resultado excluir os ativos da Slovak Telekom que não são objeto de um uso produtivo (v. n.o 152, supra).

167

Por conseguinte, à luz dos princípios acima referidos nos n.os 162 a 165, a Comissão pôde concluir, sem cometer qualquer erro, que os ajustes de otimização dos CMILP propostos pela Slovak Telekom teriam levado, no cálculo da compressão das margens, a se afastar dos custos incorridos por este operador entre 12 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2010.

168

Por último, não se pode acompanhar o entendimento da recorrente quando sustenta que, na decisão impugnada, a Comissão violou o princípio segundo o qual o exame de uma compressão das margens deve basear‑se num concorrente eficaz, quando referiu, em substância, que era inevitável que certas capacidades permanecessem por vezes inutilizadas (considerando 902 da decisão impugnada). Com efeito, resulta dos princípios acima referidos nos n.os 162 e 163 que a análise de uma prática tarifária conducente à compressão das margens consiste, em substância, em determinar se um concorrente tão eficaz como o operador dominante pode oferecer sem prejuízo os serviços em causa aos clientes finais. Assim, essa apreciação não se faz por referência a um operador perfeitamente eficaz perante as condições do mercado na altura dessa prática. Ora, se a Comissão tivesse aceitado os ajustes de otimização relacionados com as capacidades excedentárias, os cálculos dos CMILP da Slovak Telekom teriam refletido os custos relacionados com uma rede ótima correspondente à procura e imune às ineficiências da rede deste operador, ou seja, os custos de um concorrente mais eficaz do que a Slovak Telekom. Por conseguinte, no caso vertente, embora esteja assente que uma parte dos ativos pertinentes da Slovak Telekom tenha permanecido inutilizada entre 12 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2010, a Comissão pôde, sem cometer qualquer erro, incluir esta parte dos ativos, isto é, a capacidade excedentária, no cálculo dos CMILP.

169

Resulta do acima exposto que a terceira parte do primeiro fundamento, bem como este fundamento na íntegra devem ser julgados improcedentes.

2.   Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito e de facto no que respeita à duração do comportamento abusivo da Slovak Telekom

170

Com o seu segundo fundamento, a recorrente sustenta, subscrevendo a argumentação apresentada sobre este ponto pela Slovak Telekom no processo T‑851/14, que a decisão impugnada enferma de um erro manifesto de apreciação e viola os princípios da igualdade de tratamento e da segurança jurídica na medida em que conclui pela existência de uma infração a contar de 12 de agosto de 2005. Baseia‑se, a este respeito, em três alegações. Com a sua primeira alegação, a recorrente invoca, em substância, que a Comissão considerou erradamente que a recusa implícita de acesso ao lacete local teve início em 12 de agosto de 2005, isto é, na data em que a Slovak Telekom publicou a sua oferta de referência. Com as suas segunda e terceira alegações, a recorrente sustenta, em substância, que a Comissão concluiu erradamente pela existência de uma compressão das margens ao longo do ano de 2005.

a)   Observações preliminares

[Omissis]

172

Em segundo lugar, quanto ao mérito, importa, antes de mais, recordar que, conforme foi sublinhado no n.o 90, supra, para provar um abuso de posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE, basta demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou que o comportamento é suscetível de ter esse efeito. Assim, embora a prática de uma empresa em posição dominante não possa ser qualificada de abusiva quando não haja o menor efeito anticoncorrencial no mercado, em contrapartida, esse efeito não tem de ser necessariamente concreto, bastando a demonstração de um efeito anticoncorrencial potencial (v. Acórdão de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão, C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.o 112 e jurisprudência referida).

173

Mais, conforme resulta da jurisprudência referida no n.o 89, supra, as práticas que prejudiquem o jogo da concorrência, por exemplo, impedindo ou retardando a entrada de concorrentes no mercado, são abrangidas pela proibição prevista no artigo 102.o TFUE, mesmo quando não causam um prejuízo imediato aos consumidores.

174

No presente caso, a violação do artigo 102.o TFUE verificada pela Comissão consistiu, nos termos do considerando 1497 da decisão impugnada, em diversas práticas da Slovak Telekom constitutivas de uma recusa de fornecimento do acesso desagregado ao seu lacete local e numa compressão das margens dos operadores alternativos no âmbito deste acesso. As práticas que resultaram numa recusa de fornecimento consistiram, em primeiro lugar, numa dissimulação aos operadores alternativos de informações relativas à rede da Slovak Telekom, necessárias à desagregação do lacete local, em segundo lugar, numa redução pela Slovak Telekom das suas obrigações relativas à desagregação decorrente do quadro regulamentar aplicável e, em terceiro lugar, na fixação por este operador de várias cláusulas e condições não equitativas na sua oferta de referência em matéria de desagregação (v. n.o 92, supra).

175

Além disso, a Comissão referiu, nos considerandos 1507 a 1511 da decisão impugnada, que essas diversas práticas faziam parte de uma mesma estratégia de exclusão desenvolvida pela Slovak Telekom, destinada a restringir e falsear o jogo da concorrência no mercado retalhista para os serviços de alto débito fixo na Eslováquia e a proteger os rendimentos e a posição deste operador no referido mercado. Daí concluiu que essas práticas, das quais a recorrente devia também ser considerada responsável na qualidade de sociedade‑mãe da Slovak Telekom, faziam parte de um mesmo plano global destinado a restringir a concorrência e constituíam, assim, uma infração única e continuada (considerando 1511 da decisão impugnada).

176

No caso vertente, conforme confirmou na audiência, a recorrente não põe em causa esta qualificação de infração única e continuada no seu recurso. Em contrapartida, com o seu segundo fundamento, contesta a conclusão constante do considerando 1184 da decisão impugnada, segundo a qual esta infração única e continuada teve início em 12 de agosto de 2005, data em que a Slovak Telekom publicou a sua oferta de referência em matéria de desagregação do acesso ao seu lacete local.

177

Sobre este ponto, a Comissão rejeitou os argumentos apresentados pela Slovak Telekom no decurso do procedimento administrativo, segundo os quais, designadamente, a infração que lhe era imputada não podia ter iniciado aquando da publicação da sua oferta de referência, uma vez que esta constituía unicamente um contrato‑quadro que descrevia as condições de acesso ao lacete local e pressupunha, assim, negociações com os operadores alternativos interessados nesse acesso, e a recusa de fornecimento só podia verificar‑se em caso de frustração dessas negociações. A este respeito, a Comissão sublinhou, no considerando 1520 da decisão recorrida, que tinha demonstrado o caráter não equitativo de várias modalidades e condições previstas na oferta de referência para a obtenção por um operador alternativo de um acesso desagregado ao lacete local da Slovak Telekom. Considerou que a oferta de referência, que visa aplicar a obrigação regulamentar de desagregação, devia, desde o início, conter modalidades e condições equitativas.

178

Mais, a Comissão rejeitou, no considerando 1521 da decisão impugnada, o argumento da recorrente segundo o qual a prática que consiste numa compressão das margens pela Slovak Telekom não podia ter iniciado antes de 1 de janeiro de 2006, uma vez que não se verificou qualquer margem negativa em 2005. Por um lado, remeteu para a sua análise, constante do considerando 998 da decisão impugnada, segundo a qual essa circunstância não infirmava a existência de uma compressão das margens entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, visto que, em substância, nenhum operador alternativo teria decidido entrar no mercado em causa na sequência de uma análise prospetiva de rendimento referente a um período tão curto. Por outro lado, sublinhou que a referida circunstância não podia, de qualquer forma, influir sobre a duração da infração, uma vez que esta é composta igualmente por outras práticas com as quais constitui uma infração única e continuada.

179

É à luz destas observações preliminares que cumpre examinar, por um lado, a primeira alegação invocada pela recorrente e relativa ao facto de a Comissão ter erradamente considerado que a recusa implícita de acesso ao lacete local iniciou em 12 de agosto de 2005 e, por outro, as segunda e terceira alegações, relativas, em substância, a erros cometidos pela Comissão quando concluiu pela existência de uma compressão das margens ao longo do ano de 2005.

b)   Quanto à fixação em 12 de agosto de 2005 do início da recusa implícita de acesso ao lacete local da Slovak Telekom

180

Com a sua primeira alegação, a recorrente sustenta que a oferta de referência se limitou a fixar um quadro, que não podia, por si só, resultar numa compressão das margens, mas devia ser completado por negociações individuais com potenciais candidatos ao acesso desagregado ao lacete local. Ora, essas negociações deram origem, na prática, a condições mais favoráveis para os referidos candidatos. Mais, só se pode verificar uma recusa de fornecimento no caso de essas negociações se tornarem infrutíferas. Sobre este ponto, a decisão impugnada não se mostra conforme à prática decisória da Comissão, citando a recorrente, a este respeito, as Decisões C(2004) 1958 final, de 2 de junho de 2004 (processo COMP/38.096 — Clearstream) (a seguir «decisão Clearstream»), e C(2011) 4378 final, de 22 de junho de 2011 (processo COMP/39.525 — Telekomunikacja Polska) (a seguir «decisão Telekomunikacja Polska»). A procura limitada de acesso desagregado aos lacetes locais da Slovak Telekom explica‑se, designadamente, pela circunstância de alguns operadores alternativos terem considerado mais vantajoso entrar no mercado recorrendo ao acesso de alto débito ou desenvolvendo as suas próprias infraestruturas locais.

181

A Comissão, apoiada pela interveniente, contesta esta argumentação.

182

A este respeito, é ponto assente que o presidente da TUSR, por decisão de 14 de junho de 2005, impôs à Slovak Telekom o fornecimento de um acesso desagregado ao seu lacete local em condições equitativas e razoáveis e que foi para cumprir esta obrigação que a Slovak Telekom publicou, em 12 de agosto de 2005, uma oferta de referência em matéria de desagregação (v. n.os 9 e 10, supra).

183

Por outro lado, a recorrente não contesta a descrição do teor da sua oferta de referência efetuada na secção 7.6 da decisão impugnada («Cláusulas e condições não equitativas de ST»), nos termos da qual a Comissão concluiu, no considerando 820 da referida decisão, que as cláusulas e condições desta oferta foram fixadas de forma a tornar o acesso desagregado ao lacete local inaceitável para os operadores alternativos.

184

Ora, resulta desta parte da decisão impugnada que as práticas abusivas que aí foram qualificadas pela Comissão de «recusa de fornecimento» resultavam, essencialmente, da própria oferta de referência.

185

Assim, no que diz respeito, primeiro, à dissimulação aos operadores alternativos de informações referentes à rede da Slovak Telekom, necessárias à desagregação do lacete local, resulta, antes de mais, do considerando 439 da decisão impugnada que a Comissão considerou que a oferta de referência não continha as informações de base sobre a localização dos pontos de acesso físico e a disponibilidade dos lacetes locais em partes bem determinadas da rede de acesso. Por outro lado, nos considerandos 443 a 528 da decisão impugnada, a Comissão examinou, sem dúvida, as informações relativas à rede, fornecidas pela Slovak Telekom a pedido de um operador alternativo, na perspetiva de uma desagregação. Porém, decorre também desta parte da decisão impugnada que as modalidades de acesso a tais informações, consideradas pela Comissão como não equitativas e, portanto, dissuasivas para os operadores alternativos, resultavam da própria oferta de referência. A Comissão criticou, designadamente, o facto de, em primeiro lugar, a oferta de referência não ter determinado o alcance exato das informações referentes à rede que a Slovak Telekom colocaria à disposição dos operadores alternativos, especificando as categorias de informação em causa (considerando 507 da decisão impugnada), em segundo lugar, a referida proposta apenas prever o acesso às informações provenientes de sistemas de informação não públicos após a conclusão do acordo‑quadro sobre o acesso ao lacete local (considerando 510 da decisão impugnada) e, em terceiro lugar, a proposta subordinar esse acesso às informações referentes à rede da Slovak Telekom ao pagamento pelo operador alternativo de taxas elevadas (considerandos 519 e 527 da decisão impugnada).

186

Em segundo lugar, quanto à redução pela Slovak Telekom do alcance da sua obrigação regulamentar em matéria de acesso desagregado ao lacete local, resulta, antes de mais, dos considerandos 535 e 536 da decisão impugnada que a limitação desta obrigação apenas às linhas ativas (v. n.o 32, supra), imputada pela Comissão à Slovak Telekom, resulta do ponto 5.2 da parte introdutória da sua oferta de referência. Mais, resulta designadamente dos considerandos 570, 572, 577, 578 e 584 da decisão impugnada que é à luz do estipulado no anexo 3 da referida oferta de referência que a Comissão concluiu que a Slovak Telekom tinha excluído de forma injustificada os serviços em conflito da sua obrigação em matéria de acesso desagregado ao lacete local (v. n.o 33, supra). Por último, decorre do considerando 606 da decisão impugnada que a regra de limitação de utilização do cabo de 25 %, imposta pela Slovak Telekom para o acesso desagregado ao lacete local e considerada injustificada pela Comissão (v. n.o 34, supra), resulta do anexo 8 da oferta de referência.

187

Em terceiro lugar, quanto à fixação pela Slovak Telekom de condições não equitativas em matéria de desagregação relativamente à partilha de locais, previsões, reparação, manutenção, conservação, bem como à constituição de uma garantia bancária, resultaram todas, tal como demonstrado na secção 7.6.4 da decisão impugnada, da oferta de referência publicada por este operador em 12 de agosto de 2005. Assim, as cláusulas consideradas não equitativas pela Comissão constam dos anexos 4, 5, 14 e 15 da referida oferta para a partilha de locais (considerandos 653, 655 e 683 da decisão impugnada), dos anexos 12 e 14 para a obrigação de previsão pelos operadores alternativos (considerandos 719 e 726 a 728 da decisão impugnada), do anexo 5 para o procedimento de qualificação dos lacetes locais (considerandos 740, 743, 767, 768 e 774 da decisão impugnada), do Anexo 11 para as cláusulas e condições relativas às reparações, manutenção e conservação (considerandos 780, 781, 787, 790 e 796 da decisão impugnada) e dos anexos 5 e 17 para a garantia bancária exigida ao operador alternativo candidato ao acesso desagregado (considerandos 800, 802 a 807, 815 e 816 da decisão impugnada).

188

Daqui resulta que, mesmo admitindo que algumas destas modalidades de acesso pudessem ser passíveis de flexibilização no âmbito de negociações bilaterais entre a Slovak Telekom e os operadores candidatos ao acesso, o que a recorrente se limita a afirmar sem qualquer prova que o sustente, a Comissão concluiu com razão que a oferta de referência, publicada em 12 de agosto de 2005, podia ter dissuadido a contar desta data a apresentação de pedidos de acesso por operadores alternativos, devido às cláusulas e condições não equitativas constantes da mesma.

189

Nessas circunstâncias, a Comissão não cometeu qualquer erro ao considerar que a Slovak Telekom tinha, devido às modalidades de acesso constantes da sua oferta de referência publicada em 12 de agosto de 2005, comprometido a entrada de operadores alternativos no mercado retalhista de massa (ou grande público) para os serviços de alto débito em posição fixa na Eslováquia, a despeito da obrigação que recaía sobre ela neste sentido por força da decisão da TUSR, e que este comportamento era assim suscetível de ter tais efeitos negativos na concorrência a contar desta data (v., nomeadamente, considerandos 1048, 1050, 1109, 1184 e 1520 da decisão impugnada).

190

Esta conclusão não é contrariada pela alegação da recorrente, formulada na réplica, segundo a qual a procura limitada dos operadores alternativos para obter o acesso desagregado ao lacete local da Slovak Telekom se explicava, por um lado, pela circunstância de o acesso grossista de alto débito [wholesale broadband access — (WBA) ou bitstream], oferecido através de produtos denominados «ISP Gate/ADSL Partner», representar para esses operadores uma alternativa interessante para entrar no mercado retalhista pelo facto de necessitar de investimentos sensivelmente menores e, por outro, pela preferência manifestada por alguns operadores alternativos em entrar no mercado através das suas próprias infraestruturas locais. Basta referir que esta alegação, pela qual a recorrente visa contestar de forma geral os efeitos anticoncorrenciais das práticas controvertidas, não é de todo fundamentada e não pode, portanto, pôr em causa a análise dos referidos efeitos efetuada pela Comissão nos considerandos 1049 a 1183 da decisão impugnada.

191

Aliás, a recorrente não tem razão quando contesta a data de início da infração considerada pela Comissão no caso vertente por referência ao entendimento adotado na decisão Clearstream e na decisão Telekomunikacja Polska. Com efeito, sem que seja sequer necessário determinar se essas decisões são suscetíveis de integrar o quadro jurídico pertinente para apreciar a legalidade da decisão impugnada, o que contesta a Comissão, basta referir que foram tomadas num contexto diferente do do presente processo e, portanto, não permitem determinar que a Comissão se afastou na decisão impugnada da sua prática decisória anterior.

192

Assim, relativamente à decisão Clearstream, basta sublinhar que esta decisão, contrariamente à decisão impugnada no caso em apreço, ocorreu num contexto caracterizado pela falta de qualquer obrigação regulamentar, para a empresa detentora da infraestrutura em causa, de conceder a outras empresas um acesso a esta infraestrutura e pela falta de obrigação imposta a esta empresa de publicar uma oferta de referência especificando as modalidades e condições de um tal acesso.

193

Relativamente à decisão Telekomunikacja Polska, é nela referido pela Comissão que o operador histórico em causa tinha abusado da sua posição dominante no mercado grossista polaco de acesso em alto débito e de acesso desagregado ao lacete local, ao recusar dar acesso à sua rede e fornecer produtos grossistas pertencentes a esses mercados para proteger a sua posição no mercado retalhista. Além disso, o contexto do processo Telekomunikacja Polska caracterizava‑se por uma obrigação regulamentar de acesso análoga à que recai sobre a Slovak Telekom no presente processo e pela exigência imposta ao operador de telecomunicações polaco em causa de publicar uma oferta de referência para o acesso desagregado ao seu lacete local. No entanto, resulta de uma análise pormenorizada da decisão Telekomunikacja Polska que a abordagem seguida nesta decisão não apresenta qualquer contradição com a retida na decisão impugnada. Com efeito, na decisão Telekomunikacja Polska, a Comissão salientou que a estratégia anticoncorrencial do operador dominante se tinha, essencialmente, materializado apenas no decurso das negociações com os operadores alternativos candidatos à obtenção de um acesso desagregado ao lacete local e de um acesso grossista aos serviços de alto débito do operador dominante. Assim, as condições não razoáveis de acesso resultaram das propostas de contratos de acesso feitas, pelo operador dominante em causa, no âmbito das negociações com os operadores alternativos. Por outro lado, o atraso no processo de negociação dos acordos de acesso não pôde, hipoteticamente, ser identificado logo aquando da publicação da primeira oferta de referência do operador dominante. Além disso, a limitação do acesso, pelo operador dominante, à sua rede desenvolveu‑se numa fase posterior à conclusão dos acordos de acesso grossista com os operadores alternativos. Ademais, a limitação do acesso efetivo às linhas de assinantes ocorreu após a obtenção, pelo operador alternativo em causa, de um acesso a um espaço de partilha de locais ou da autorização para a instalação de um cabo de correspondência. Por último, os problemas de acesso a informações gerais fiáveis e exatas, indispensáveis para os operadores alternativos tomarem decisões em matéria de acesso, manifestaram‑se em cada fase do processo de acesso à rede do operador dominante. Os comportamentos do operador dominante no processo Telekomunikacja Polska diferem, portanto, das práticas que são qualificadas de «recusa de fornecimento» pela Comissão na decisão impugnada, que, como decorre da análise constante dos n.os 184 a 189, supra, resultam, essencialmente, da oferta de referência para o acesso desagregado ao lacete local da própria Slovak Telekom. Estas diferenças justificam que, contrariamente à decisão Telekomunikacja Polska, em que o ponto de partida da infração ao artigo 102.o TFUE é fixado na data em que foram iniciadas as primeiras negociações de acesso entre o operador dominante em causa e um operador alternativo, isto é, vários meses após a publicação da primeira oferta de referência (considerando 909 e nota de rodapé 1259 da decisão impugnada), a Comissão reteve, no caso vertente, o 12 de agosto de 2005, ou seja, a data de publicação da oferta de referência, como data de início da recusa implícita de acesso ao lacete local.

194

A primeira alegação, relativa a um erro cometido pela Comissão ao ter considerado que a recusa implícita de acesso ao lacete local teve início em 12 de agosto de 2005, deve, portanto, ser julgada improcedente.

195

Há que acrescentar que a recorrente não contesta a qualificação de infração única e continuada feita pela Comissão, no que se refere ao conjunto de práticas mencionadas no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, a saber (a) a dissimulação aos operadores alternativos das informações sobre a rede necessárias para a desagregação dos lacetes locais; (b) a redução do âmbito de aplicação das suas obrigações referentes à desagregação dos lacetes locais; (c) a fixação de modalidades e condições não equitativas na sua oferta de referência em matéria de desagregação no que diz respeito à partilha de locais, qualificação, previsões, reparações e garantias bancárias; (d) a aplicação de tarifas não equitativas que não permitem a um operador igualmente eficaz, através do acesso grossista aos lacetes locais desagregados da Slovak Telekom, reproduzir sem incorrer perdas os serviços retalhistas oferecidos pela Slovak Telekom.

196

Nestas circunstâncias, e na medida em que a primeira alegação da recorrente, relativa a um erro cometido pela Comissão ao ter considerado que a recusa implícita de acesso ao lacete local teve início em 12 de agosto de 2005, foi julgada improcedente (v. n.o 194, supra), é com razão que a Comissão declarou que a infração única e continuada objeto da decisão impugnada teve início em 12 de agosto de 2005.

197

No entanto, esta conclusão não obsta a que o Tribunal Geral examine as segunda e terceira alegações invocadas pela recorrente e aprecie se o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da decisão impugnada deve ser parcialmente anulado, na medida em que refere que, no período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, a recorrente aplicou tarifas não equitativas que não permitiam a um operador igualmente eficaz, através do acesso grossista aos lacetes locais desagregados da Slovak Telekom, reproduzir sem incorrer perdas os serviços retalhistas oferecidos pela Slovak Telecom (V., por analogia, Acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão, T‑321/05, EU:T:2010:266, n.os 864 e 865 e n.o 1 do dispositivo).

c)   Quanto à existência de uma compressão das margens durante o ano de 2005

198

Com as suas segunda e terceira alegações, a recorrente sustenta, em substância, que a Comissão concluiu erradamente pela existência de uma compressão das margens durante o ano de 2005.

199

Com efeito, com a sua segunda alegação, a recorrente sustenta que a margem da Slovak Telekom durante o ano de 2005 foi positiva, independentemente do cenário contemplado. Uma vez que tal margem positiva implica, necessariamente, que os concorrentes tão eficazes como a Slovak Telekom não tenham sofrido qualquer perda em caso de entrada no mercado, a Comissão concluiu erradamente pela existência de uma compressão das margens durante esse ano. Mais, é inexato que uma decisão de entrada no mercado de um concorrente, em 2005, não fosse concebível para um período tão curto de quatro meses e meio. Com efeito, naquela altura, os valores referentes aos anos ulteriores não eram ainda, hipoteticamente, conhecidos e não podiam, portanto, influenciar essa decisão de investimento.

200

Com a sua terceira alegação, a recorrente sustenta que o método de cálculo das margens que incide sobre vários períodos (plurianual), que até então apenas tinha sido aplicado a título adicional e a favor da empresa em causa, permitiu à Comissão verificar artificialmente compressões de margens durante os anos anteriores aos anos em que tais compressões podem efetivamente ser verificadas. Porém, esse método não pode ser utilizado para prolongar uma compressão das margens no passado. Uma vez que nem a Slovak Telekom nem a recorrente podiam prever a evolução das tarifas após o ano de 2005, concluir que cometeram uma infração desde aquela época viola o artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003. A circunstância de a própria Comissão ter demorado vários anos antes de poder apresentar um cálculo sobre a compressão das margens demonstra que nem a recorrente nem a Slovak Telekom podiam ter consciência de que esta última estava a cometer um abuso sob a forma de tal compressão à época dos factos.

201

A Comissão responde, relativamente à segunda alegação, que a pequena margem positiva que podia ter existido em 2005 não invalida a constatação de uma compressão das margens a contar de 12 de agosto desse mesmo ano. Com efeito, esta compressão impediu os concorrentes que entraram no mercado de amortizarem os seus investimentos relacionados com essa entrada. Mais, contrariamente ao que alega a recorrente, nenhum operador pretenderia entrar num mercado sem uma perspetiva razoável de rendibilidade por vários anos.

202

Por outro lado, a Comissão responde à terceira alegação, referindo que não foi de forma arbitrária que fixou o início da infração a 12 de agosto de 2005, mas devido à publicação nessa data da oferta de referência da Slovak Telekom e tendo em conta o período a contar do qual este operador tinha de desagregar o acesso aos seus lacetes locais. Quanto ao argumento relativo à violação do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão recorda que basta que uma empresa tenha conhecimento dos elementos de facto relativos ao abuso de posição dominante que lhe é imputado para estabelecer a sua responsabilidade nos termos do artigo 102.o TFUE. No presente caso, a Slovak Telekom sabia que um concorrente igualmente eficaz não tinha, desde 2005, qualquer possibilidade de realizar uma margem suficientemente positiva ao entrar no mercado. Contrariamente ao que afirma a recorrente, os custos de acesso no mercado grossista não foram, aliás, no essencial, controvertidos. Mais, a recorrente não explica por que razão o método sobre vários períodos (plurianual) apenas pode ser utilizado quando é vantajoso para a empresa dominante em causa.

203

Por último, a Comissão sustenta que, uma vez que demonstrou a existência de duas formas de abuso durante todo o período da infração, a eventual verificação da inexistência de uma compressão das margens em 2005 não implica, de qualquer forma, que o 12 de agosto de 2005 não possa ser considerado como data de início da infração. Aliás, tal verificação não iria proporcionar à recorrente qualquer vantagem.

204

A este respeito, há que recordar que a Comissão concluiu, com base na abordagem dita «período a período» (ano a ano), que a Slovak Telekom levou a cabo práticas de compressão das margens desde 12 de agosto de 2005. Com efeito, resulta do considerando 997 da decisão impugnada que, com base numa análise que incide sobre cada ano durante o período em causa, um concorrente igualmente eficaz que utilize o acesso grossista ao lacete local da Slovak Telekom apresenta margens negativas e não pode reproduzir de forma rentável a carteira retalhista de alto débito da recorrente. No considerando 998 da decisão impugnada, a Comissão especificou que o facto de ter havido uma margem positiva durante quatro meses em 2005 não infirma esta conclusão, dado que uma entrada durante quatro meses não pode ser considerada uma entrada numa base sustentável. Segundo a Comissão, os operadores consideram a sua capacidade em obter um rendimento razoável por um período mais longo, que se estende por vários anos (considerando 998 da decisão impugnada). Nesta base, a Comissão concluiu, no considerando 1012 da referida decisão, que, durante o período compreendido entre 12 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2010, um concorrente tão eficaz como a Slovak Telekom não podia reproduzir de forma rentável a carteira retalhista deste operador.

205

Todavia, conforme foi referido no n.o 162, supra, para apreciar a licitude da política de preços aplicada por uma empresa dominante, há que, em princípio, fazer referência a critérios de preços baseados nos custos suportados pela empresa dominante e na sua estratégia.

206

Em especial, tratando‑se de uma prática tarifária que conduza à compressão das margens, a utilização de tais critérios de análise permite verificar se esta empresa teria sido suficientemente eficaz para oferecer sem prejuízo as suas prestações retalhistas aos clientes finais, se tivesse previamente de pagar os seus próprios preços grossistas pelas prestações intermédias (v. n.o 163, supra, e jurisprudência referida).

207

Essa abordagem é tanto mais justificada quanto está igualmente em conformidade com o princípio geral da segurança jurídica, uma vez que tomar em conta os custos da empresa dominante lhe permite, atendendo à especial responsabilidade que lhe incumbe por força do artigo 102.o TFUE, apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos. Com efeito, se uma empresa dominante conhece os seus próprios custos e tarifas, em princípio, não conhece os dos seus concorrentes. Além disso, um abuso de exclusão afeta igualmente os potenciais concorrentes da empresa dominante, que poderiam ser dissuadidos de fazerem a sua entrada no mercado pela perspetiva de uma falta de rentabilidade (v. n.o 164.o, supra, e jurisprudência referida).

208

Daqui decorre que, para determinar os elementos constitutivos da prática de compressão das margens, a Comissão considerou, com razão, no considerando 828 da decisão impugnada, o critério do concorrente igualmente eficaz, que assenta na demonstração de que a empresa dominante não poderia exercer atividades rentáveis a jusante baseando‑se no preço grossista aplicado aos seus concorrentes a jusante e no preço retalhista aplicado pelo ramo a jusante desta empresa.

209

Ora, conforme resulta dos quadros 32 a 35 da decisão impugnada, a análise efetuada pela Comissão resultou, em todos os cenários considerados e como a própria admitiu no considerando 998 da referida decisão, numa margem positiva para o período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005.

210

Numa situação desse tipo, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na medida em que a empresa que detém uma posição dominante fixa os seus preços a um nível que cobre o essencial dos custos imputáveis à comercialização do produto ou ao fornecimento da prestação de serviços em questão, um concorrente tão eficaz como essa empresa terá, em princípio, a possibilidade de concorrer com estes preços sem incorrer em perdas incomportáveis a longo prazo (Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 38).

211

Daqui decorre que, durante o período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, um concorrente tão eficaz como a Slovak Telekom tinha, em princípio, a possibilidade de concorrer com este operador no mercado retalhista dos serviços de alto débito, contanto que lhe fosse concedido um acesso desagregado ao lacete local, sem incorrer em perdas incomportáveis a longo prazo.

212

O Tribunal de Justiça decidiu, sem dúvida, que, se uma margem for positiva, não é de excluir que a Comissão possa, no âmbito da apreciação do efeito de evicção de uma prática tarifária, demonstrar que a aplicação da referida prática podia, por exemplo, devido a uma redução da rentabilidade, tornar pelo menos mais difícil para os operadores em causa o exercício das suas atividades nesse mercado (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 74). Pode relacionar‑se esta jurisprudência com o artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003, segundo o qual, em todos os processos de aplicação do artigo 102.o TFUE, o ónus da prova de uma violação deste artigo incumbe à parte ou à autoridade que a alega, ou seja, no caso vertente, à Comissão.

213

Todavia, no caso em apreço, impõe‑se constatar que a Comissão não demonstrou na decisão impugnada que a prática tarifária da Slovak Telekom, no período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, tenha produzido tais efeitos de evicção. Ora, essa demonstração impunha‑se, mais especificamente, devido a presença de margens positivas.

214

A mera afirmação, no considerando 998 da decisão impugnada, de que os operadores consideram a sua capacidade em obter um rendimento razoável por um período mais longo, que se estende por vários anos, não pode constituir essa prova. Tal circunstância, admitindo que esteja demonstrada, assenta, com efeito, numa análise prospetiva de rendibilidade, necessariamente aleatória. Além disso, no presente processo, as referidas margens positivas surgem no início do período em causa, numa altura em que não se verificava ainda qualquer margem negativa. Nestas circunstâncias, há que considerar que o fundamento constante do considerando 998 da decisão impugnada não satisfaz a exigência resultante do princípio da segurança jurídica acima referida no n.o 164, segundo a qual uma empresa dominante deve poder apreciar a conformidade dos seus comportamentos com o artigo 102.o TFUE.

215

Pelo mesmo motivo, a verificação de margens negativas, pela aplicação da abordagem que incide sobre vários períodos (plurianual), não pode pôr em causa esta apreciação, uma vez que, no caso vertente, essa abordagem resultou nessa conclusão apenas por via de uma ponderação das margens positivas para o ano de 2005 com as margens negativas verificadas, respetivamente, para os anos de 2006 a 2010 (considerando 1013 da decisão impugnada) e os anos de 2006 a 2008 (considerando 1014 da decisão impugnada).

216

Além disso, no considerando 1026 da decisão impugnada, a Comissão considerou, com base em documentos de abril de 2005 elaborados pelo departamento jurídico da Slovak Telekom e referentes a uma estratégia de submissão da oferta de referência relativa ao acesso desagregado ao lacete local e aos preços do ULL, que esta última sabia, desde 12 de agosto de 2005, que os preços grossistas a nível do lacete local exerciam uma compressão das margens dos operadores alternativos.

217

No entanto, há que sublinhar que, tendo em conta a presença de margens positivas entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, a Comissão tinha uma obrigação especial no que se refere a prova dos efeitos de expulsão da prática de compressão das margens imputada à Slovak Telekom durante este período (v. jurisprudência acima referida no n.o 212).

218

Assim, a alegação da Comissão e os documentos invocados para sustentar a mesma não bastam para demonstrar o efeito de expulsão da prática de compressão das margens imputada à Slovak Telekom, e, por exemplo, uma redução da rentabilidade, suscetível de tornar pelo menos mais difícil para os operadores em causa o exercício das suas atividades no mercado em causa.

219

Aliás, os pontos 9 e 10 da decisão impugnada, consagrados aos efeitos anticoncorrenciais do comportamento da Slovak Telekom, não contêm qualquer análise dos efeitos da alegada prática de compressão das margens no período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005.

220

Por conseguinte, atendendo a uma jurisprudência assente segundo a qual a existência de uma dúvida no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração (Acórdãos de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, EU:T:2004:221, n.o 177, e de 12 de julho de 2011, Hitachi e o./Comissão, T‑112/07, EU:T:2011:342, n.o 58), há que considerar que a Comissão não fez prova de que a prática da Slovak Telekom conducente a uma compressão das margens teve início antes de 1 de janeiro de 2006. Uma vez que a decisão impugnada enferma, por conseguinte, de um erro de apreciação nesta matéria, não se mostra necessário analisar se este método viola também, conforme alega a recorrente, o artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003.

221

Tendo em conta o acima exposto, o segundo fundamento invocado pela recorrente deve ser parcialmente julgado procedente e o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da decisão impugnada deve ser anulado, na medida em que declara que, no período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, a recorrente aplicou tarifas não equitativas que não permitiam a um operador igualmente eficaz, através do acesso grossista aos lacetes locais desagregados da Slovak Telekom, reproduzir sem incorrer perdas os serviços retalhistas oferecidos pela Slovak Telekom.

[Omissis]

4.   Quanto ao quarto fundamento, relativo a uma violação do conceito de «empresa» na aceção do direito da União e do princípio da individualização das penas, bem como a uma falta de fundamentação

474

Com o seu quarto fundamento, a recorrente alega, numa primeira parte, que a decisão impugnada viola o conceito de «empresa» e o princípio da individualização das penas, na medida em que lhe aplica a título de reincidência e com fins dissuasivos uma coima de 31070000 euros, distinta da coima que lhe é aplicada solidariamente com a Slovak Telekom e, numa segunda parte, que a decisão impugnada enferma, nesta matéria, de falta de fundamentação.

475

Há que examinar, em primeiro lugar, a alegada falta de fundamentação e, em segundo lugar, a alegada violação do conceito de «empresa» e do princípio da individualização das penas.

d)   Quanto à alegada falta de fundamentação

476

Com a segunda parte do quarto fundamento, a recorrente acusa a Comissão de não ter indicado, na decisão impugnada, o motivo pelo qual deve suportar sozinha as majorações a título de reincidência e com efeito dissuasivo, e de ter, assim, violado o seu dever de fundamentação. Com efeito, a Comissão limitou‑se a estabelecer os fundamentos agravantes que justificam um ajustamento do montante de base da coima e, em seguida, a determinar que as majorações da coima deviam ser suportadas apenas pela recorrente. A decisão impugnada não permite à recorrente entender o motivo que justifica tal abordagem, tanto mais que a sua responsabilidade decorre, no caso vertente, apenas da circunstância de lhe ser imputada uma infração cometida pela sua filial Slovak Telekom. Quanto aos considerandos 1533 e 1535 da decisão impugnada citados pela Comissão no âmbito do presente processo, estes permitem, sem dúvida, concluir que o volume de negócios da recorrente é mais elevado do que o da Slovak Telekom. Porém, esses trechos da decisão impugnada não permitem compreender a razão pela qual a Slovak Telekom devia escapar à coima especificamente aplicada à recorrente.

477

A Comissão, apoiada pela interveniente, contesta esta argumentação.

478

Segundo jurisprudência assente, o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz da União exercer a sua fiscalização da legalidade desta decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a referida decisão é fundada ou se enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, EU:C:1983:313, n.o 14, e de 29 de fevereiro de 2016, Schenker/Comissão, T‑265/12, EU:T:2016:111, n.o 230).

479

No caso vertente, no que diz respeito à parte da coima aplicada apenas à recorrente e que reflete o aumento, pela reincidência, do montante da coima aplicada solidariamente à recorrente e à Slovak Telekom, resulta, sem ambiguidade, dos considerandos 1525 a 1531 da decisão impugnada que o referido aumento se justificou pelo facto de a recorrente, cuja responsabilidade pela infração em causa no presente processo pôde ser estabelecida, já ter sido punida por uma infração idêntica na decisão Deutsche Telekom. Ora, se esse trecho da decisão impugnada não expõe o motivo pelo qual apenas a recorrente devia ser obrigada a suportar as consequências dessa reincidência, com exclusão da Slovak Telekom, resulta implicitamente da referida decisão que este resultado se deve à circunstância de que apenas a recorrente foi considerada responsável pela infração em causa na decisão Deutsche Telekom e tinha, assim, sido destinatária desta decisão.

480

Relativamente à parte da coima aplicada apenas à recorrente e que reflete a aplicação de um coeficiente multiplicador de 1,2 com fins dissuasivos, a Comissão sublinhou no considerando 1533 da decisão impugnada, primeiro, que o volume de negócios mundial da recorrente ascendia, em 2013, 60,123 mil milhões de euros, segundo, que o valor das vendas dos produtos relevantes para a infração em causa representava menos de 0,067 % do volume de negócios e, terceiro, que a recorrente era responsável pela infração cometida pela Slovak Telekom. Daí concluiu a Comissão, nos considerandos 1534 e 1535 da decisão impugnada, que devia ser aplicada à recorrente, por força do ponto 30 das Orientações de 2006, uma coima mais elevada do que a coima de base aumentada em 50 % por causa da reincidência, a fim de assegurar um efeito suficientemente dissuasivo à referida coima. Embora essa passagem da decisão impugnada não exponha a razão pela qual o resultado da aplicação do coeficiente multiplicador de 1,2 não devia ser suportado também pela Slovak Telekom, resulta implicitamente do raciocínio seguido pela Comissão que esta abordagem era motivada pela circunstância de esta filial ter um volume de negócios significativamente mais baixo do que o da recorrente no momento da adoção da decisão impugnada, e que a coima de 38838000 euros apresentava assim, para a referida filial, um efeito suficientemente dissuasivo.

481

Assim, embora a fundamentação da decisão impugnada se revele sumária no que respeita à coima individualmente aplicada à recorrente, forneceu‑lhe uma indicação suficiente sobre o mérito da decisão impugnada nesta matéria e permitiu‑lhe, desta forma, contestar utilmente a sua validade. De igual modo, esta fundamentação permite ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão impugnada no que respeita à coima individualmente aplicada à recorrente.

482

A segunda parte do quarto fundamento, relativa a uma falta de fundamentação deve, assim, ser julgada improcedente.

e)   Quanto à violação do conceito de «empresa» na aceção do direito da União e do princípio da individualização das penas

483

Com a primeira parte do seu quarto fundamento, a recorrente refere que a coima específica que lhe foi aplicada na decisão impugnada resulta de duas circunstâncias consideradas pela Comissão na referida decisão, a saber, por um lado, a dimensão da empresa de que faz parte, que justifica, segundo a Comissão, a aplicação de um fator de multiplicação da coima de 1,2 e, por outro, a circunstância de já ter sido considerada responsável por uma infração idêntica na decisão Deutsche Telekom, que justifica uma majoração do montante de base da coima de 50 %. Ora, a recorrente sublinha que, na decisão impugnada, a Comissão a considerou responsável, não em razão da sua participação direta nos factos constitutivos da infração, mas devido às suas ligações com a Slovak Telekom. Mais, nos termos da decisão impugnada, a recorrente e a Slovak Telekom faziam parte da mesma empresa, não só durante todo o período da infração, como também na data em que foi proferida a decisão Deutsche Telekom, sendo detida desde 4 de agosto de 2000 pela recorrente a participação maioritária no capital da Slovak Telekom e tendo‑se mantida inalterada desde então a estrutura desta participação.

484

Tendo em conta essas circunstâncias, a recorrente sustenta que, ao lhe aplicar uma coima distinta, a Comissão violou o conceito de «empresa» do direito da União e o princípio da individualização das penas e das sanções. Este princípio exige, nos termos do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, que o montante da coima seja determinado em função, por um lado, da gravidade da infração individualmente imputada à empresa em causa e, por outro, da sua duração. Assim, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Comissão pode aplicar coimas diferentes apenas a empresas diferentes e não a diferentes sociedades quando estas fazem parte da mesma empresa. Com efeito, o princípio da individualização das penas não se aplica à relação interna entre diferentes pessoas coletivas que compõem uma empresa. Conforme confirma a prática decisória da Comissão, uma coima distinta só se justifica quando, do ponto de vista jurídico, a composição da empresa em causa evoluiu durante o período pertinente e que, por conseguinte, podem ser identificadas empresas diferentes. Uma vez que, no presente caso, tal não aconteceu, a Comissão não podia, sem violar o princípio da individualização das penas e das sanções, aplicar à recorrente uma coima mais elevada do que a aplicada a Slovak Telekom. Mais, sem prejuízo de evoluções na estrutura da empresa responsável pela infração, o limite máximo de 10 % previsto no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 devia ser calculado com base no volume de negócios global da empresa em causa. Quanto à reincidência, a recorrente sustenta que, uma vez que ela própria cometeu a infração punida na decisão Deutsche Telekom, não há que determinar se a Slovak Telekom já fazia parte da empresa responsável pela referida infração quando esta foi cometida. A única consideração pertinente nesta fase reside no facto de esta última empresa ter cometido esta infração e de a sociedade do grupo que cumpre punir fazer atualmente parte desta mesma empresa.

485

A recorrente acrescenta ainda, relativamente ao risco de reincidência, que, de qualquer modo, se podia considerar neste caso que a Slovak Telekom não só já fazia parte da empresa responsável pela infração punida na decisão Deutsche Telekom, como tinha conhecimento desta infração, tendo em conta à vasta publicidade de que beneficiou a decisão que a puniu. Quanto ao efeito dissuasivo, a recorrente salienta, em substância, que, seguindo o raciocínio da Comissão, tanto ela como a Slovak Telekom fazem parte da mesma empresa e que é, consequentemente, errado tirar argumento das suas diferentes dimensões para efeitos de cálculo do montante da coima.

486

Por último, a recorrente sustenta, a título subsidiário, que a Comissão não dispõe de uma margem de apreciação que lhe permita decidir livremente, sem razão objetiva, aplicar uma coima a uma sociedade de um grupo e não a outra sociedade do mesmo grupo. Ora, no caso em apreço, é inoportuno privilegiar a sociedade que praticou os factos constitutivos da infração e conceder um tratamento menos favorável à respetiva sociedade‑mãe, cuja responsabilidade é considerada a título meramente subsidiário.

487

A Comissão contesta estes argumentos. Segundo ela, o simples facto de a recorrente deter 51 % do capital social da Slovak Telekom quando foi cometida a infração punida na decisão Deutsche Telekom, não significa que a Slovak Telekom pertencia à empresa que cometeu esta infração. A argumentação da recorrente procede, nesta matéria, de uma premissa errada, uma vez que a empresa responsável pelo abuso de posição dominante em causa na decisão Deutsche Telekom era apenas constituída por esta última sociedade, e não pela recorrente e pela Slovak Telekom. Ora, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão, quando sanciona uma infração ao direito da concorrência, dispõe de uma ampla margem de apreciação para ter em conta a situação distinta de sociedades dentro de um grupo. O Tribunal de Justiça nunca subentendeu que essa margem de manobra era limitada às situações em que a composição da empresa em causa teria evoluído.

488

Esta conclusão não é incompatível com o princípio da individualização das penas e das sanções, que implica apenas que o montante da coima deve ser determinado em função da gravidade da infração individualmente imputada à empresa em causa. Daqui resulta que a sanção aplicada às pessoas coletivas que constituem a empresa que cometeu a infração não pode ultrapassar o que se justifica à luz da mesma. Em contrapartida, não decorre do princípio da individualização das penas e das sanções que a Comissão é obrigada a aplicar a mesma coima a todas as pessoas coletivas que compõem a empresa em causa.

489

No caso em apreço, a Comissão fez uso da ampla margem de apreciação de que beneficia ao considerar que a Slovak Telekom, que é uma sociedade de dimensão relativamente pequena, não devia ser considerada responsável pelo pagamento da totalidade das coimas aplicadas. Pelo contrário, uma majoração com fins dissuasivos justificava‑se no caso da recorrente, uma vez que esta última é uma sociedade muito grande e que uma coima inferior não teria sobre ela qualquer efeito dissuasor. A Comissão sublinha, a este propósito, que, uma vez que a jurisprudência admite que é livre de não sancionar uma sociedade‑mãe ainda que pertença a uma empresa que violou o direito da concorrência da União, deve a fortiori poder, por razões objetivas, aplicar a uma sociedade pertencente a uma empresa responsável por tal infração uma parte apenas da coima global que daí resulta. De resto, a recorrente não apresentou nenhum argumento suscetível de demonstrar que a Comissão lhe aplicou ilegalmente a circunstância agravante da reincidência e a majoração com fins dissuasivos.

490

A Comissão salienta ainda que a presunção de influência determinante da recorrente sobre o comportamento da Slovak Telekom no mercado não se aplicou, nem quando foi cometida a infração que deu origem à decisão Deutsche Telekom, nem durante o período em que foi cometida a infração sancionada na decisão impugnada. Ora, na falta de prova concreta de que a Slovak Telekom e a recorrente já faziam parte da mesma empresa na época em que foi cometida a infração em causa na decisão Deutsche Telekom, a Comissão não podia majorar a coima aplicada à Slovak Telekom pela reincidência. Em contrapartida, uma vez que a recorrente era destinatária da decisão Deutsche Telekom, a Comissão entende que podia aplicar‑lhe uma majoração pela reincidência, sem que uma investigação mais aprofundada seja necessária a fim de determinar se essa formava com a Slovak Telekom uma mesma empresa à época da infração sancionada pela referida decisão. Quanto à majoração da coima com fins dissuasivos, a Comissão admite, sem dúvida, que também a poderia ter aplicado à Slovak Telekom, uma vez que esta última fazia parte da empresa responsável pela infração ao direito da concorrência punida no presente processo. Contudo, a Comissão sustenta que foi ao abrigo da ampla margem de apreciação de que dispõe, que pôde considerar mais apropriado não seguir essa abordagem.

1) Referência aos princípios

491

Antes de mais, há que relembrar que os autores dos Tratados escolheram utilizar o conceito de «empresa» para designar o autor de uma violação do direito da concorrência, suscetível de ser sancionado em aplicação do artigo 101.o ou 102.o TFUE (v. Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 46 e jurisprudência referida).

492

O direito da concorrência da União visa assim as atividades das empresas, abrangendo o conceito de «empresa» qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (v. Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 47 e jurisprudência referida). O conceito de «empresa», inserido neste contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (v. Acórdãos de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.o 64 e jurisprudência referida, e de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 48 e jurisprudência referida).

493

Assim, sempre que essa entidade económica viole as regras da concorrência, cabe‑lhe, segundo o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração (v. Acórdãos de 20 de janeiro de 2011, General Química e o./Comissão, C‑90/09 P, EU:C:2011:21, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida, e de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 49 e jurisprudência referida).

494

Além disso, para efeitos de aplicação e execução das decisões tomadas pela Comissão nos termos dos artigos 101.o e 102.o TFUE, é necessário identificar uma entidade dotada de personalidade jurídica que será destinatária da decisão que verifica e pune uma infração a uma destas disposições (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2014, Saint‑Gobain Glass France e o./Comissão, T‑56/09 e T‑73/09, EU:T:2014:160, n.o 312 e jurisprudência referida). Uma infração ao direito da concorrência da União deve, assim, ser imputada sem equívoco a uma pessoa jurídica, à qual poderão ser aplicadas coimas e será dirigida a comunicação de acusações (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2015, Comissão e o./Versalis e o., C‑93/13 P e C‑123/13 P, EU:C:2015:150, n.o 89 e jurisprudência referida; de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 50, e de 27 de março de 2014, Saint‑Gobain Glass France e o./Comissão, T‑56/09 e T‑73/09, EU:T:2014:160, n.o 312 e jurisprudência referida).

495

A este respeito, nem o artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003 nem a jurisprudência determinam qual pessoa coletiva ou singular a Comissão deve declarar responsável pela infração e sancionar através da aplicação de uma coima (v. Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 51 e jurisprudência referida).

496

Em contrapartida, o comportamento infrator de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determine de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplique no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (v. Acórdãos de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.os 58 e 72 e jurisprudência referida, e de 18 de janeiro de 2017, Toshiba/Comissão, C‑623/15 P, não publicado, EU:C:2017:21, n.o 45 e jurisprudência referida).

497

Nesse caso, nos termos de uma jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a sociedade‑mãe à qual foi imputado a conduta ilícita da sua filial é pessoalmente condenada por uma infração às regras de concorrência da União que se considera ter sido cometida pela própria, devido à influência determinante que exercia sobre a filial e que lhe permitia determinar o comportamento desta última no mercado (v. Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 56 e jurisprudência referida).

498

No entanto, sempre que a responsabilidade da sociedade‑mãe seja puramente derivada, ou seja, quando é incorrida pelo simples facto de uma das suas filiais ter participação direta na infração, essa responsabilidade tem origem na conduta ilícita da referida filial, que é atribuída à sociedade‑mãe atendendo à unidade económica que essas sociedades constituem. Por conseguinte, a responsabilidade da sociedade‑mãe depende necessariamente dos factos constitutivos da infração cometida pela sua filial aos quais a sua responsabilidade está inextricavelmente vinculada (Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 61).

499

É por este motivo que o Tribunal de Justiça especificou que, na situação em que a responsabilidade da sociedade‑mãe deriva inteiramente da responsabilidade da sua filial e na qual nenhum outro fator caracteriza individualmente o comportamento imputado à sociedade‑mãe, a responsabilidade desta não pode exceder a da sua filial (v. Acórdãos de 17 de setembro de 2015, Total/Comissão, C‑597/13 P, EU:C:2015:613, n.o 38 e jurisprudência referida, e de 19 de janeiro de 2017, Comissão/Total e Elf Aquitaine, C‑351/15 P, EU:C:2017:27, n.o 44 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 62).

500

É à luz destes princípios que deve ser examinada, em primeiro lugar, a parte da coima aplicada apenas à recorrente pela reincidência e, em segundo lugar, a parte da coima aplicada exclusivamente à recorrente a título dissuasivo.

2) Quanto à parte da coima aplicada apenas à recorrente a título de reincidência

501

Com a sua argumentação invocada no âmbito da primeira parte do quarto fundamento, a recorrente alega que, na medida em que deve ser confirmado que a sua responsabilidade pela infração em causa no presente litígio é puramente derivada, a Comissão não lhe podia imputar exclusivamente as consequências da reincidência resultante de infração idêntica e anterior, punida na decisão Deutsche Telekom, sem as imputar à Slovak Telekom.

502

Todavia, esta argumentação não pode ser acolhida.

503

É certo que, conforme salienta a recorrente, o Tribunal de Justiça declarou que os princípios do direito da União da responsabilidade pessoal pela infração e da individualização das penas e das sanções, que devem ser respeitados no exercício pela Comissão do seu poder punitivo em matéria de violação do direito da concorrência, apenas respeitam à empresa enquanto tal, e não às pessoas singulares ou coletivas que dela façam parte (Acórdão de 10 de abril de 2014, Comissão e o./Siemens Österreich e o., C‑231/11 P a C‑233/11 P, EU:C:2014:256, n.o 56).

504

Não é menos verdade que o princípio da individualização das penas deve ser conciliado com o princípio decorrente da jurisprudência referida no n.o 499, supra, segundo o qual determinados fatores que caracterizam individualmente o comportamento próprio da sociedade‑mãe podem justificar que lhe seja aplicada uma sanção mais pesada do que a resultante da imputação à referida empresa da infração cometida pela sua filial.

505

A este respeito, o Tribunal já declarou que, se a unidade do comportamento de uma empresa no mercado justifica que, em caso de violação das regras da concorrência, as diferentes sociedades que fizeram parte da empresa durante o período da infração sejam, em princípio, todas consideradas solidariamente responsáveis pelo pagamento do mesmo montante da coima, deve ser admitida uma exceção quando haja circunstâncias agravantes ou atenuantes e, de modo mais geral, circunstâncias que justificam uma modulação do montante da coima e que se verificam apenas em relação a algumas delas e não a outras. O Tribunal Geral concluiu daí que uma entidade, à qual não se aplica a circunstância agravante da reincidência, não pode ser considerada solidariamente responsável, com outra entidade em relação à qual se verifica esta circunstância, pela parte da coima que corresponde à majoração pela reincidência (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2014, Evonik Degussa e AlzChem/Comissão, T‑391/09, não publicado, EU:T:2014:22, n.o 271).

506

Assim, a circunstância agravante da reincidência pode constituir um fator que caracteriza individualmente o comportamento de uma sociedade‑mãe, justificando que a extensão da sua responsabilidade exceda a responsabilidade da sua filial da qual deriva inteiramente (v., neste sentido, Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, UTi Worldwide e o./Comissão, T‑264/12, não publicado, EU:T:2016:112, n.o 332).

507

No caso vertente, em primeiro lugar, a recorrente não contesta que era a única destinatária da decisão Deutsche Telekom e que a Slovak Telekom não foi considerada responsável pela infração punida nessa decisão.

508

Assim, a responsabilidade da recorrente estabelecida na decisão Deutsche Telekom, que, entretanto, se tornou definitiva, constitui um fator que caracteriza individualmente o comportamento que lhe é imputado no presente processo.

509

Em segundo lugar, é verdade que a Slovak Telekom já fazia parte do grupo Deutsche Telekom durante uma parte significativa da infração punida na decisão Deutsche Telekom e no momento da adoção dessa decisão, de que não é destinatária.

510

Todavia, resulta da jurisprudência que uma sociedade que não foi destinatária de uma decisão que declarou a existência de uma primeira infração ao direito da concorrência da União, mas o é de uma decisão que lhe aplica uma coima pela sua participação numa nova infração idêntica, apenas pode ver a sua responsabilidade acrescida por reincidência se a Comissão apresentar, nesta última decisão, uma exposição que permita a essa sociedade compreender em que qualidade e em que medida esteve envolvida na primeira infração (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de maio de 2013, Eni/Comissão, C‑508/11 P, EU:C:2013:289, n.o 129, e de 5 de março de 2015, Comissão e o./Versalis e o., C‑93/13 P e C‑123/13 P, EU:C:2015:150, n.o 98 e jurisprudência referida).

511

No caso em apreço, nenhum elemento sugere que a Slovak Telekom esteve implicada, a qualquer título, na infração punida pela Comissão na decisão Deutsche Telekom e que esta infração poderia ter‑lhe sido, assim, também imputada.

512

Nestas condições, se fosse acolhida à argumentação da recorrente segundo a qual a Comissão devia ter aplicado a circunstância agravante da reincidência à Slovak Telekom, isto equivaleria a tornar esta filial responsável pelo comportamento anterior da recorrente, sua sociedade‑mãe. Ora, o Tribunal de Justiça decidiu que não era possível imputar a uma sociedade o conjunto dos comportamentos de um grupo, se essa sociedade não estivesse identificada como sendo a pessoa coletiva que, enquanto líder do grupo, era responsável pela coordenação da ação do mesmo (Acórdão de 2 de outubro de 2003, Aristrain/Comissão, C‑196/99 P, EU:C:2003:529, n.o 98).

513

No presente caso, é ponto assente que a Slovak Telekom não era líder da empresa que cometeu a infração punida pela decisão Deutsche Telekom, esta última infração tendo sido diretamente cometida apenas pela recorrente. Assim, só a recorrente participou tanto na infração sancionada pela decisão Deutsche Telekom como na infração punida pela decisão impugnada no presente processo, o que caracteriza individualmente o seu comportamento.

514

Tendo em conta o acima exposto, há que concluir que a Comissão não cometeu qualquer erro ao majorar, na decisão impugnada, a título de reincidência, apenas a coima aplicada à recorrente.

3) Quanto à parte da coima aplicada apenas à recorrente a título dissuasivo

515

Há que relembrar que o conceito de «dissuasão» constitui um dos elementos a tomar em conta no cálculo do montante da coima. Com efeito, é jurisprudência constante que as coimas aplicadas em razão de violações dos artigos 101.o e 102.o TFUE, tais como previstas no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, têm por objeto reprimir os atos ilegais das empresas envolvidas, assim como dissuadir as empresas em causa e outros operadores económicos de violarem, no futuro, as regras do direito da concorrência da União. Ora, o nexo entre, por um lado, a dimensão e os recursos globais das empresas e, por outro, a necessidade de assegurar um efeito dissuasivo à coima não pode ser contestado. Assim, quando calcula o montante da coima, a Comissão pode tomar em consideração, nomeadamente, a dimensão e o poder económico da empresa em causa (v. Acórdãos de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 102 e jurisprudência referida, e de 5 de junho de 2012, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑214/06, EU:T:2012:275, n.o 142 e jurisprudência referida).

516

A tomada em consideração da dimensão e dos recursos globais da empresa em causa, a fim de assegurar um efeito suficientemente dissuasivo à coima, justifica‑se pelo impacto pretendido sobre a referida empresa, não devendo a sanção ser despicienda tendo em conta, nomeadamente, a capacidade financeira desta (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑214/06, EU:T:2012:275, n.o 143 e jurisprudência referida, e de 5 de fevereiro de 2014, Elf Aquitaine/Comissão, T‑40/10, não publicada, EU:T:2014:61, n.o 312 e jurisprudência referida). Assim, foi declarado, designadamente, que o objetivo de dissuasão que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima, só pode ser validamente alcançado se se considerar a situação da empresa no dia em que foi aplicada a coima (v. Acórdão de 5 de junho de 2012, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑214/06, EU:T:2012:275, n.o 143 e jurisprudência referida; v., neste sentido, Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Lucchini/Comissão, T‑91/10, EU:T:2014:1033, n.o 314 e jurisprudência referida).

517

Aliás, na medida em que uma empresa que dispõe de um volume de negócios muito elevado está em condições de mobilizar mais facilmente os fundos necessários ao pagamento da sua coima, a Comissão tem, conforme previsto do ponto 30 das Orientação de 2006, o direito de majorar, a esse título, a referida coima com vista a lhe assegurar um efeito suficientemente dissuasivo (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de maio de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, T‑299/08, EU:T:2011:217, n.o 253; de 6 de março de 2012, UPM‑Kymmene/Comissão, T‑53/06, não publicado, EU:T:2012:101, n.o 76 e jurisprudência referida, e de 6 de fevereiro de 2014, Elf Aquitaine/Comissão, T‑40/10, não publicado, EU:T:2014:61, n.o 352).

518

Mais, foi julgado que é o volume de negócios global da empresa em causa, que constitui uma indicação da sua dimensão e do seu poder económico, que é determinante para avaliar o alcance dissuasivo de uma coima para essa empresa (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, EU:T:2003:193, n.o 96 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 22 de maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão, C‑266/06 P, não publicado, EU:C:2008:295, n.o 120).

519

Nas circunstâncias do presente processo, antes de mais, há que sublinhar que a recorrente e a Slovak Telekom constituíam, conforme referido legitimamente pela Comissão, uma mesma unidade económica durante o período em causa e que a responsabilidade da recorrente pela infração, que foi objeto da decisão impugnada, é puramente derivada da responsabilidade da referida filial.

520

Seguidamente, há que relembrar que, certo, a jurisprudência admite que possa ser aplicada a uma sociedade‑mãe uma coima superior à da sua filial, mesmo que a responsabilidade da primeira seja puramente derivada da responsabilidade da segunda. Todavia, só assim é quando existe um fator que caracterize individualmente o comportamento imputado à referida sociedade‑mãe (v. jurisprudência referida no n.o 499, supra). Ora, quando, como no presente caso, para apreciar a gravidade da infração cometida pela empresa e calcular a coima que deve ser‑lhe aplicada, a Comissão se baseia no volume de negócios da filial, o volume de negócios da sociedade‑mãe, nem que fosse consideravelmente superior ao da filial, não é um elemento suscetível de caracterizar o comportamento individual da sociedade‑mãe na prática da infração imputada à empresa, a responsabilidade da sociedade‑mãe sendo, a este respeito, puramente derivada da responsabilidade da sua filial. Por outro lado, a mera verificação de um volume de negócios é um elemento de facto que não pode individualizar o comportamento da sociedade‑mãe. A Comissão não podia, portanto, para justificar a aplicação específica do coeficiente de dissuasão à recorrente, ter em consideração o seu volume de negócios.

521

Por último, não se pode acompanhar a Comissão quando invoca a margem de apreciação de que dispõe na fixação do montante das coimas que punem as infrações ao artigo 101.o ou 102.o TFUE. Com efeito, é verdade que, segundo a jurisprudência, o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 atribui à Comissão uma margem de apreciação nesta matéria. Todavia, esta disposição limita o exercício de tal margem de apreciação, instituindo critérios objetivos que aquela deve respeitar (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.o 55). Ora, faz parte de tais elementos objetivos o conceito de «empresa» a que se refere essa disposição e que deve, conforme referido no n.o 492, supra, ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas.

522

No caso vertente, a Comissão concluiu que a recorrente exercia uma influência determinante sobre a Slovak Telekom no período em causa e, por esse motivo, imputou a responsabilidade da infração que é objeto da decisão impugnada à unidade económica constituída por essas duas sociedades. Consequentemente, há que considerar que a abordagem da Comissão, que consistiu em fazer suportar à recorrente as consequências da aplicação de um coeficiente multiplicador de 1,2, não assenta em qualquer justificação objetiva.

523

Resulta do acima exposto que a Comissão violou o conceito de «empresa» do direito da União ao fazer recair sobre a recorrente, na decisão impugnada, o fator de multiplicação de 1,2 com fins dissuasivos.

524

O quarto fundamento deve, consequentemente e apenas nessa medida, ser julgado procedente e o artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea b), da decisão impugnada deve ser anulado pelo facto de aplicar à recorrente o fator de multiplicação de 1,2 com fins dissuasivos.

5.   Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros no cálculo do montante da coima aplicada solidariamente à Slovak Telekom e à recorrente

525

Com o seu quinto fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu vários erros no cálculo do montante da coima que lhe foi aplicada solidariamente com a Slovak Telekom. Este fundamento, no âmbito do qual a recorrente declara subscrever os argumentos expostos pela Slovak Telekom no seu próprio recurso, subdivide‑se em duas partes, que importa examinar sucessivamente.

a)   Quanto à primeira parte, relativa a um erro manifesto de apreciação e a uma violação do princípio da igualdade de tratamento devido ao cálculo do montante da coima por referência ao volume de negócios da Slovak Telekom em 2010

526

A recorrente sustenta, numa primeira parte, que, ao calcular o montante de base da coima por referência ao volume de negócios realizado pela Slovak Telekom, em 2010, no mercado de acesso à desagregação do lacete local e no mercado retalhista dos serviços de alto débito oferecidos em posição fixa, a Comissão não só cometeu um erro manifesto de apreciação como violou também o princípio da igualdade de tratamento. Embora a decisão impugnada seja conforme, nesta matéria, ao ponto 13 das Orientações de 2006, resulta da prática decisória anterior da Comissão que esta regra não deve ser aplicada quando o volume de negócios realizado durante o último ano completo de participação na infração se afasta sensivelmente da média anual das vendas pertinentes durante os primeiros anos desta participação. No caso em apreço, o volume de negócios pertinente da Slovak Telekom aumentou 133 % entre 2005 e 2010. Tal aumento sendo significativo, o volume de negócios realizado durante o ano de 2010 não é, por si só, suficientemente representativo.

527

Nestas circunstâncias, segundo a recorrente, incumbia à Comissão calcular o montante de base da coima por referência ao volume de negócios anual médio realizado durante a totalidade do período de infração, ou seja, entre os anos de 2005 e 2010. Ao se afastar da sua prática decisória anterior pelo facto de o aumento do volume de negócios acima referido não ser exponencial, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento. Por último, a alegação da Comissão segundo a qual este aumento do volume de negócios se explica pelo pretenso comportamento abusivo da Slovak Telekom no mercado, resulta de uma simples especulação. Este aumento deveu‑se ao rápido crescimento dos mercados de alto débito durante o período da infração e não ao aumento da quota de mercado da Slovak Telekom no referido período.

528

A Comissão, apoiada pela interveniente, contesta estes argumentos.

[Omissis]

530

Quanto ao mérito, antes de mais, há que relembrar, relativamente a primeira parte do fundamento, que o artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 dispõe que, quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração.

531

Mais, há que recordar que, por força do ponto 13 das Orientações de 2006, «[p]ara determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente […] com a infração, na área geográfica em causa no território do Espaço Económico Europeu (“EEE”)» e que, para o efeito, «utilizará em princípio as vendas realizadas pela empresa durante o último ano completo da sua participação na infração».

532

Resulta, ainda, da jurisprudência que a parte do volume de negócios proveniente das mercadorias ou serviços objeto da infração é de natureza a proporcionar uma indicação correta da amplitude de uma infração no mercado em causa, uma vez que o volume de negócios realizado com os mesmos constitui um elemento objetivo que dá uma justa medida da nocividade dessa prática para o jogo normal da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2016, Portugal Telecom/Comissão, T‑208/13, EU:T:2016:368, n.o 236 e jurisprudência referida).

533

O ponto 13 das Orientações de 2006 tem, assim, por objetivo, tratando‑se de uma infração ao artigo 102.o TFUE, fixar como ponto de partida, para o cálculo do montante da coima aplicada à empresa em causa, um montante que reflita a importância económica da infração (v., neste sentido, Acórdãos de 11 julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 76; de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.o 57; e de 23 de abril de 2015, LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, C‑227/14 P, EU:C:2015:258, n.o 53).

534

Porém, há que salientar também que a autolimitação do poder de apreciação da Comissão resultante da adoção das Orientações de 2006 não é incompatível com a manutenção de uma margem de apreciação substancial desta instituição. Com efeito, as referidas orientações contêm diversos elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder de apreciação em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 1/2003, tais como interpretadas pelos órgãos jurisdicionais da União (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 96 e jurisprudência referida), ou até mesmo com outras regras e princípios do direito da União. Em especial, o próprio ponto 13 das Orientações de 2006 especifica que a Comissão deve «em princípio» utilizar as vendas da empresa em causa durante o último ano completo da sua participação na infração para o cálculo do montante da coima de base (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Samsung SDI e o./Comissão, T‑84/13, não publicado, EU:T:2015:611, n.o 214).

535

No caso em apreço, resulta dos considerandos 1490 a 1495 da decisão impugnada que, para determinar o montante de base da coima aplicada solidariamente à recorrente e à Slovak Telekom, a Comissão teve em conta as vendas realizadas por esta última durante o último exercício completo da sua participação na infração, ou seja, o volume de negócios realizado por este operador no mercado de acesso aos lacetes locais desagregados e do alto débito de retalho para os serviços fixos em 2010. A Comissão aplicou, assim, o ponto 13 das Orientações de 2006.

536

Ora, não se pode acompanhar o entendimento da recorrente quando sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não se afastar desta regra no caso em apreço, a despeito do forte aumento do volume de negócios da Slovak Telekom no período em causa.

537

Com efeito, por um lado, se a recorrente alega que, durante os anos de 2005 a 2010, o volume de negócios pertinente da Slovak Telekom aumentou 133 %, passando de 31184949 euros para 72868176 euros, não apresenta, porém, qualquer elemento suscetível de demonstrar que este último volume de negócios, realizado no último ano civil completo da infração, não constituía, no momento em que a Comissão proferiu a decisão impugnada, uma indicação da sua verdadeira dimensão, do seu poder económico no mercado e da amplitude da infração em causa.

538

Por outro lado, não se pode acompanhar a recorrente quando acusa a Comissão de ter violado, no presente caso, o princípio da igualdade de tratamento, ao se afastar da sua prática decisória anterior pelo facto do referido aumento do volume de negócios não ser exponencial.

539

A este propósito, é sem dúvida exato que o respeito do princípio da igualdade de tratamento, que se opõe a que situações comparáveis sejam tratadas de modo diferente ou a que situações diferentes sejam tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objetivas, se impõe à Comissão quando esta aplica uma coima a uma empresa por infração às regras da concorrência, como a qualquer instituição no conjunto das suas atividades (Acórdãos de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, T‑360/09, EU:T:2012:332, n.o 261, e de 9 de setembro de 2015, Philips/Comissão, T‑92/13, não publicado, EU:T:2015:605, n.o 204).

540

Porém, resulta de uma jurisprudência constante que a prática decisória anterior da Comissão não pode servir de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência e que as decisões relativas a outros processos têm caráter meramente indicativo no que diz respeito à eventual existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, tendo em conta que é pouco verosímil que as circunstâncias propícias às mesmas, como os mercados, os produtos, as empresas e os períodos em causa, sejam idênticas (v. Acórdão de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P e C‑137/07 P, EU:C:2009:576, n.o 233 e jurisprudência referida; Acórdãos de 16 de junho de 2011, Heineken Nederland e Heineken/Comissão, T‑240/07, EU:T:2011:284, n.o 347, e de 27 de fevereiro de 2014, InnoLux/Comissão, T‑91/11, EU:T:2014:92, n.o 144).

541

Assim, as decisões anteriores da Comissão em matéria de coimas só podem ter relevância à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço (v. Acórdãos de 13 de setembro de 2010, Trioplast Industrier/Comissão, T‑40/06, EU:T:2010:388, n.o 145 e jurisprudência referida; de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, T‑360/09, EU:T:2012:332, n.o 262 e jurisprudência referida; e de 9 de setembro de 2015, Philips/Comissão, T‑92/13, não publicado, EU:T:2015:605, n.o 205 e jurisprudência referida).

542

Ora, no caso em apreço, a recorrente não apresentou nenhum elemento suscetível de demonstrar que os dados circunstanciais dos processos referentes às decisões anteriores que invoca, ou seja, a decisão Telekomunikacja Polska, a Decisão C(2010) 8761 final, de 8 de dezembro de 2010 (processo COMP/39.309 — LCD — Liquid Crystal Display) e a Decisão C(2009) 5355 final, de 8 de julho de 2009 (processo COMP/39.401 — E.ON/GDF), são comparáveis aos do presente caso. Com efeito, a recorrente limita‑se a citar estas três decisões, salientando que as empresas em causa tinham registado um forte aumento do seu volume de negócios ao longo do período da infração e que a Comissão tinha utilizado, em cada caso, o volume de negócios anual médio das referidas empresas para calcular o montante de base da coima.

543

De qualquer modo, há que referir que os aumentos dos volumes de negócios verificados nos períodos de infração em causa nestas três decisões eram significativamente mais elevados do que no caso vertente. Assim, a Comissão especificou nos seus articulados que o aumento líquido do volume de negócios verificado no considerando 896 da decisão Telekomunikacja Polska ascendia, durante todo o período da infração, mais de 3000 %. Por outro lado, em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, a Comissão especificou na audiência que, durante todo o período das infrações em causa, os aumentos pertinentes ascendiam, por um lado, 521,58 % num primeiro mercado e 422,65 % num segundo mercado relativamente à infração punida na Decisão C(2010) 8761 final e, por outro, 261 % relativamente à infração punida na Decisão C(2009) 5355 final.

544

Resulta do acima exposto que, tendo em conta, no presente caso, o volume de negócios realizado pela Slovak Telekom no ano que terminou em 31 de dezembro de 2010, ou seja, o último ano completo de participação na infração, e dando, assim, cumprimento a regra que foi por ela estabelecida no ponto 13 das Orientações de 2006, a Comissão não excedeu os limites do seu poder de apreciação em matéria de fixação do montante das coimas.

545

A primeira parte do quinto fundamento deve, assim, ser julgada improcedente.

f)   Quanto à segunda parte, relativa a um erro de cálculo resultante da inclusão do ano de 2005 no período da infração

546

Numa segunda parte, a recorrente alega que, uma vez que o ano de 2005 foi incluído erradamente no período de infração, é indevidamente que o referido ano é tido em consideração para efeitos de cálculo do montante de base da coima que lhe foi aplicada solidariamente com a Slovak Telekom.

547

A Comissão conclui pela rejeição desta argumentação, uma vez que, segundo ela, o ano de 2005 foi devidamente incluído no período de infração.

548

Resulta das considerações acima expostas nos n.os 172 a 196, em resposta ao segundo fundamento, que a Comissão não cometeu qualquer erro ao concluir que a oferta de referência publicada pela Slovak Telekom, em 12 de agosto de 2005, podia dissuadir, a contar desta data, a apresentação de pedidos de acesso desagregado ao lacete local deste operador por operadores alternativos, devido às cláusulas e às condições não equitativas que constavam da mesma, e que, consequentemente, a Comissão pôde concluir legitimamente que a infração única e continuada objeto da decisão impugnada tinha começado nessa data.

549

Em contrapartida, ainda em resposta a este segundo fundamento, o Tribunal Geral considerou que o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da decisão impugnada devia ser anulado, na medida em que refere que, no período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, a recorrente aplicou tarifas não equitativas que não permitiam a um operador igualmente eficaz, através do acesso grossista aos lacetes locais desagregados da Slovak Telekom, reproduzir sem incorrer perdas os serviços retalhistas oferecidos pela Slovak Telekom (v. n.o 221, supra).

550

Resulta de tudo quanto precede que o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da decisão impugnada deve ser anulado, na medida em que refere que, no período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, a recorrente aplicou tarifas não equitativas que não permitiam a um operador igualmente eficaz, através do acesso grossista aos lacetes locais desagregados da Slovak Telekom, reproduzir sem incorrer perdas os serviços retalhistas oferecidos pela Slovak Telekom. Consequentemente, com base ainda nos fundamentos adotados nos n.os 515 a 524, supra, o artigo 2.o da decisão impugnada deve também ser anulado, na medida em que se refere à recorrente. Os pedidos de anulação da decisão impugnada devem, no mais, ser julgados improcedentes.

B. Quanto aos pedidos, formulados a título subsidiário, com vista à supressão ou à redução do montante das coimas aplicadas à recorrente

551

A recorrente pede ainda ao Tribunal Geral, a título subsidiário, a supressão ou a redução do montante das coimas que lhe foram aplicadas pela decisão impugnada.

552

Há que referir, a este respeito, que, segundo jurisprudência constante, a fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE implica que o juiz da União exerça uma fiscalização, tanto de direito como de facto, da decisão impugnada à luz dos argumentos invocados pela recorrente e que este tenha o poder de apreciar as provas, de anular a referida decisão e de alterar o montante das coimas (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 86 e jurisprudência referida; de 26 de janeiro de 2017, Duravit e o./Comissão, C‑609/13 P, EU:C:2017:46, n.o 30 e jurisprudência referida, e de 27 de março de 2014, Saint Gobain Glass France e o./Comissão, T‑56/09 e T‑73/09, EU:T:2014:160, n.o 461 e jurisprudência referida).

553

A fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que é reconhecida ao juiz da União no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, em conformidade com o artigo 261.o TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da punição, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (Acórdãos de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 63, e de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑389/10 P, EU:C:2011:816, n.o 130; v., igualmente, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Duravit e o./Comissão, C‑609/13 P, EU:C:2017:46, n.o 31 e jurisprudência referida).

554

Ora, importa sublinhar que o exercício desta competência de plena jurisdição não equivale a um conhecimento oficioso e que o processo nos órgãos jurisdicionais da União é contraditório. Assim, com exceção dos fundamentos de ordem pública que o juiz tem o dever de suscitar oficiosamente, é à recorrente que compete, em princípio, suscitar fundamentos contra a decisão impugnada e apresentar elementos de prova que alicercem estes fundamentos (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 213 e jurisprudência referida).

555

É à luz destes princípios que cumpre apreciar se o montante das coimas aplicadas pela Comissão na decisão impugnada deve ser alterado.

556

Em primeiro lugar, há que salientar que a argumentação apresentada pela recorrente para sustentar os seus pedidos subsidiários, com vista à supressão das coimas que lhe foram aplicadas ou à redução do seu montante, não se distingue da que foi apresentada para apoiar os seus pedidos de anulação. Nestas circunstâncias, há que rejeitar as alegações invocadas para sustentar este pedido subsidiário que já foram rejeitadas na parte em que se destinavam a apoiar os pedidos de anulação.

557

Em segundo lugar, conforme resulta dos n.os 204 a 221, supra, a Comissão não provou que a prática que conduziu a uma compressão das margens levada a cabo pela Slovak Telekom começou antes de 1 de janeiro de 2006 e, consequentemente, o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da decisão impugnada deve ser anulado, na medida em que diz respeito à recorrente e inclui na infração única e continuada uma compressão das margens que teria sido praticada entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005.

558

Quanto à repercussão deste erro no montante de base da coima a que está obrigada solidariamente a recorrente, o Tribunal Geral entende, no exercício do seu poder de plena jurisdição, que se deve reduzir a proporção das suas vendas pertinentes retida pela Comissão e fixá‑la em 9,8 % em vez de 10 %. Tendo sido realizado pela Slovak Telekom, no último ano completo de infração, um volume de negócios pertinente de 72868176 euros, o montante que deve servir para o cálculo do montante de base da coima a que está obrigada solidariamente a recorrente é de 7141081,20 euros. O montante de base desta coima corresponde à multiplicação do referido montante por um coeficiente de 5,33, que reflete a duração da infração, e deve, assim, ser fixado em 38061963 euros.

559

Em terceiro lugar, há que retirar as consequências da conclusão, efetuada no n.o 523, supra, segundo a qual a Comissão violou o conceito de «empresa» do direito da União, ao fazer recair unicamente sobre a recorrente, na decisão impugnada, o fator de multiplicação de 1,2 com fins dissuasivos, para ter em conta a dimensão e o poder económico da empresa considerada responsável pela infração em causa. Com efeito, este erro implica recalcular o montante da coima distinta aplicada à recorrente com vista a fazer recair sobre ela as consequências da reincidência verificada pela Comissão na decisão impugnada. Esta coima, que representa 50 % do montante de base da coima a que está obrigada solidariamente a recorrente antes da aplicação do coeficiente multiplicador de 1,2, deve, assim, ser fixada em 19030981 euros.

560

Em quarto lugar, no processo que deu origem, na presente data, ao Acórdão Slovak Telekom/Comissão (T‑851/14), o Tribunal Geral decidiu que a Comissão cometeu um erro ao declarar que, no período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro 2005, a Slovak Telekom tinha levado a cabo uma prática de compressão das margens. Consequentemente, o Tribunal Geral anulou parcialmente o artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, bem como o seu artigo 2.o, na medida em que dizem respeito à Slovak Telekom, e reduziu o montante da coima aplicada à Slovak Telekom nos termos do artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea a), dessa decisão.

561

Neste caso, o Tribunal Geral retirou as mesmas consequências do erro acima mencionado no n.o 560 (v. n.os 557 e 558, supra). Assim, a recorrente não pode utilmente pedir ao Tribunal Geral de retirar, no presente processo, as consequências do Acórdão Slovak Telekom/Comissão (T‑851/14) proferido na presente data. O pedido formulado pela recorrente com fundamento no Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, EU:C:2013:29), deve, assim, ser julgado improcedente.

562

Por conseguinte, o montante da coima a que é solidariamente obrigada a Deutsche Telekom é fixado em 38061963 euros e o montante da coima que é unicamente aplicada à Deutsche Telekom é fixado em 19030981 euros. O pedido de supressão da coima ou de redução do seu montante é, no mais, julgado improcedente.

IV. Quanto às despesas

563

Por força do disposto no artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Mais, nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal Geral pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

564

No caso em apreço, a Comissão e a interveniente foram parcialmente vencidas. Porém, a recorrente não requereu a condenação da interveniente nas despesas, mas apenas a condenação da Comissão.

565

Nestas circunstâncias, há que condenar a recorrente a suportar quatro quintos das suas próprias despesas e quatro quintos das despesas da Comissão e da interveniente, em conformidade com os seus pedidos. A Comissão suportará um quinto das suas próprias despesas e das da recorrente. A interveniente suportará um quinto das suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

 

1)

O artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da Decisão C(2014) 7465 final da Comissão, de 15 de outubro de 2014, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (processo AT.39523 — Slovak Telekom), é anulado, na medida em que declara que, no período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, a Deutsche Telekom AG aplicou tarifas não equitativas que não permitiam a um operador igualmente eficaz, através do acesso grossista aos lacetes locais desagregados da Slovak Telekom, a.s., reproduzir sem incorrer perdas os serviços retalhistas oferecidos pela Slovak Telekom.

 

2)

O artigo 2.o da Decisão C(2014) 7465 final é anulado, na medida em que fixa o montante da coima a que é solidariamente obrigada a Deutsche Telekom em 38838000 euros e o montante da coima que é unicamente aplicada à Deutsche Telekom em 31070000 euros.

 

3)

O montante da coima a que é solidariamente obrigada a Deutsche Telekom é fixado em 38061963 euros e o montante da coima que é unicamente aplicada à Deutsche Telekom é fixado em 19030981 euros.

 

4)

É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 

5)

A Deutsche Telekom suportará quatro quintos das suas próprias despesas, quatro quintos das despesas da Comissão Europeia e quatro quintos das despesas da Slovanet, a.s.

 

6)

A Comissão suportará um quinto das suas próprias despesas e um quinto das despesas apresentadas pela Deutsche Telekom.

 

7)

A Slovanet suportará um quinto das suas próprias despesas.

 

Van der Woude

Gervasoni

Madise

Da Silva Passos

Kowalik‑Bańczyk

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de dezembro de 2018.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

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