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Document 62012CJ0580

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 12 de novembro de 2014.
Guardian Industries Corp. e Guardian Europe Sàrl contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado do vidro plano no Espaço Económico Europeu (EEE) – Fixação dos preços – Cálculo do montante da coima – Tomada em consideração das vendas internas das empresas – Prazo razoável – Admissibilidade das peças processuais apresentadas com vista à audiência no Tribunal Geral.
Processo C‑580/12 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2363

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de novembro de 2014 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado do vidro plano no Espaço Económico Europeu (EEE) — Fixação dos preços — Cálculo do montante da coima — Tomada em consideração das vendas internas das empresas — Prazo razoável — Admissibilidade das peças processuais apresentadas com vista à audiência no Tribunal Geral»

No processo C‑580/12 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral da União Europeia nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, apresentado em 10 de dezembro de 2012,

Guardian Industries Corp., com sede em Dover (Estados Unidos),

Guardian Europe Sàrl, com sede em Dudelange (Luxemburgo),

representadas por F. Louis, avocat, H.‑G. Kamann e S. Völcker, Rechtsanwälte, mandatados por C. O’Daly, solicitor,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por A. Dawes e R. Sauer, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de dezembro de 2013,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de abril de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

Através do seu recurso, a Guardian Industries Corp. e a Guardian Europe Sàrl (a seguir, em conjunto, «Guardian») pedem a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual este negou provimento ao recurso destinado à anulação da Decisão C(2007) 5791 final da Comissão, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo COMP/39165 — Vidro plano) (a seguir «decisão controvertida»), na medida em que a mesma lhes diz respeito, e à redução do montante da coima que lhes foi aplicada nesta decisão.

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 1/2003

2

O Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 2003, L 1, p. 1), prevê, no seu artigo 23.o, n.os 2 e 3:

«2.   A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a)

Cometam uma infração ao disposto nos artigos [81.° CE] ou [82.° CE]; ou

b)

Não respeitem uma decisão tomada nos termos do artigo 8.o que ordene medidas provisórias; ou

c)

Não respeitem um compromisso tornado obrigatório por decisão tomada nos termos do artigo 9.o

A coima aplicada a cada uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infração não deve exceder 10% do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.

Quando a infração cometida por uma associação se referir às atividades dos seus membros, a coima não deve exceder 10% da soma do volume de negócios total de cada membro ativo no mercado cujas atividades forem afetadas pela infração da associação.

3.   Quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração.»

3

O artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003 dispõe:

«O Tribunal de Justiça conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada.»

As Instruções ao Secretário

4

As Instruções ao Secretário do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 5 de julho de 2007 (JO L 232, p. 1), conforme alteradas em 17 de maio de 2010 (JO L 170, p. 53, a seguir «Instruções ao Secretário»), enunciam, no seu artigo 11.o:

«1.   O secretário fixa os prazos previstos no Regulamento de Processo, de acordo com os poderes que lhe tenham sido delegados pelo presidente.

2.   As peças que deem entrada na Secretaria depois do termo do prazo fixado para a sua apresentação só podem ser aceites com autorização do presidente.

3.   O secretário pode prorrogar os prazos fixados, de acordo com os poderes que lhe tenham sido delegados pelo presidente; sendo caso disso, submeterá ao presidente propostas relativas à prorrogação dos prazos.

Os pedidos de prorrogação dos prazos devem ser devidamente fundamentados e apresentados em tempo útil antes do termo do prazo fixado. Só por motivos excecionais um prazo pode ser prorrogado mais de uma vez.»

Antecedentes do litígio e decisão controvertida

5

Decorre dos n.os 1 a 10 do acórdão recorrido que, na decisão controvertida, a Comissão considerou que as empresas Guardian, Asahi Glass, Pilkington e Saint‑Gobain participaram numa infração única e continuada ao artigo 81.o, n.o 1, CE que consistia na fixação dos preços no setor do vidro plano no Espaço Económico Europeu (EEE). No que diz respeito à empresa Guardian, a Comissão constatou a prática de uma infração no período compreendido entre 20 de abril de 2004 e 22 de fevereiro de 2005, tendo, a esse título, aplicado solidariamente uma coima num montante de 148 milhões de euros às sociedades Guardian Industries Corp. e Guardian Europe Sàrl.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

6

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de fevereiro de 2008, a Guardian Industries Corp. e a Guardian Europe Sàrl interpuseram um recurso destinado à anulação parcial da decisão controvertida e à redução da coima aplicada pela Comissão.

7

Em apoio dos seus pedidos de anulação, a Guardian invocou um fundamento único baseado em erros de facto relativos à duração da sua participação no cartel e à dimensão geográfica do mesmo.

8

Os pedidos de redução do montante da coima assentavam em três fundamentos. O primeiro visava retirar consequências do fundamento de anulação parcial da decisão controvertida. Através do seu segundo fundamento, a Guardian invocava a violação do princípio da não discriminação e do dever de fundamentação. O terceiro fundamento era, por sua vez, relativo a um erro de apreciação do papel da Guardian no cartel em causa e na violação do princípio da não discriminação.

9

O Tribunal Geral negou provimento à totalidade do recurso.

10

A título preliminar, pelos fundamentos expostos nos n.os 19 a 22 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes os pedidos invocados pela Guardian para contestar a admissibilidade de uma carta apresentada pela Comissão em 10 de fevereiro de 2012 (a seguir «carta de 10 de fevereiro de 2012»).

11

O Tribunal Geral julgou os pedidos de anulação da decisão controvertida pelos fundamentos expostos nos n.os 28 a 93 do acórdão recorrido improcedentes. Os pedidos de redução da coima foram julgados improcedentes pelos fundamentos expostos nos n.os 94 a 124 do acórdão recorrido.

Pedidos das partes

12

A Guardian pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral confirmou a decisão controvertida ao não admitir que fossem tomadas em consideração as vendas realizadas entre as sociedades do mesmo grupo (a seguir «vendas internas») para efeitos do cálculo das coimas aplicadas aos outros destinatários desta decisão;

reduzir em 37% o montante da coima que lhe foi aplicada;

anular o acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral julgou admissível a carta de 10 de fevereiro de 2012, declarar a referida carta inadmissível e, por conseguinte, desentranhar esta carta do processo;

reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada, no mínimo em 25%, para remediar o facto de o Tribunal Geral não ter respeitado o seu direito a um recurso jurisdicional efetivo num prazo razoável; e

condenar a Comissão nas despesas, incluindo as relativas ao processo no Tribunal Geral.

13

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

a título principal, negar provimento ao presente recurso;

a título subsidiário, julgar improcedente o pedido de redução da coima; e

condenar a Comissão nas despesas relativas ao processo em primeira instância e ao processo de recurso.

Quanto ao recurso da decisão do Tribunal Geral

14

Em apoio dos seus pedidos, a Guardian invoca três fundamentos que importa analisar por uma ordem diferente daquela por que foram apresentados.

Quanto ao fundamento relativo à violação do direito de ser julgado num prazo razoável

Argumentos das partes

15

A Guardian alega que a duração do processo no Tribunal Geral constitui uma violação do direito fundamental a um processo equitativo num prazo razoável, visado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), sendo que essa violação justifica uma redução do montante da coima que lhe foi aplicada pela decisão controvertida. A Guardian precisou, na audiência, que pretendia alterar os seus pedidos à luz dos acórdãos Gascogne Sack Deutschland/Comissão (C‑40/12 P, EU:C:2013:768), Kendrion/Comissão (C‑50/12 P, EU:C:2013:771) e Groupe Gascogne/Comissão (C‑58/12 P, EU:C:2013:770). A Guardian pediu assim ao Tribunal de Justiça que declarasse que o prazo em que o Tribunal Geral instruiu o processo em primeira instância era excessivo.

16

Depois de ter indicado, na audiência, que retirava as suas objeções quanto à admissibilidade do presente fundamento, a Comissão considera, quanto ao mérito, que uma redução do montante da coima não seria apropriada e convida o Tribunal de Justiça, sendo caso disso, a precisar os critérios que permitem determinar se houve violação do princípio do prazo razoável.

Apreciação do Tribunal de Justiça

17

Importa recordar que a violação, por parte de uma jurisdição da União, da obrigação, resultante do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, de julgar os processos que lhe são submetidos num prazo razoável deve ser punida mediante uma ação de indemnização intentada no Tribunal Geral, uma vez que essa ação constitui uma solução eficaz (acórdão Gascogne Sack Deutschland/Comissão, EU:C:2013:768, n.o 89).

18

Daqui decorre que um pedido destinado a obter a reparação do prejuízo causado pela inobservância, por parte do Tribunal Geral, de um prazo de julgamento razoável não pode ser submetido diretamente ao Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso, mas deve ser submetido ao próprio Tribunal Geral (acórdão Gascogne Sack Deutschland/Comissão, EU:C:2013:768, n.o 95).

19

Cabe então ao Tribunal Geral, competente por força do artigo 256.o, n.o 1, TFUE, pronunciar‑se, sendo caso disso, sobre esses pedidos de indemnização, decidindo com uma formação diferente da que decidiu o litígio que deu origem ao processo cuja duração é criticada e aplicando os critérios definidos nos n.os 91 a 95 do acórdão Gascogne Sack Deutschland/Comissão (EU:C:2013:768).

20

No entanto, dado que no caso vertente é manifesto que o Tribunal Geral violou de forma suficientemente caracterizada a sua obrigação de julgar o processo num prazo razoável, sem que as partes tenham de produzir elementos de prova a esse respeito, o Tribunal de Justiça pode constatar essa violação. No caso em apreço, a duração do processo no Tribunal Geral, concretamente cerca de quatro anos e sete meses, que inclui, em particular, um período de mais de três anos e cinco meses entre o fim da fase escrita, após a apresentação da contestação da Comissão, e a abertura da fase oral, não pode justificar‑se por nenhuma das circunstâncias próprias do processo que deu origem ao presente litígio.

21

Decorre contudo das considerações expostas nos n.os 17 a 19, supra, que o fundamento relativo à violação do direito de ser julgado num prazo razoável deve ser julgado improcedente.

Quanto ao fundamento relativo à violação dos direitos de defesa e do princípio da igualdade de armas

Argumentos das partes

22

Este fundamento é dirigido contra os n.os 21 e 22 do acórdão recorrido, através dos quais o Tribunal Geral declarou admissível a carta que a Comissão lhe dirigiu em 10 de fevereiro de 2012.

23

Enviada no último dia útil antes da audiência, esta carta, de acordo com a Guardian, enuncia pela primeira vez a posição da Comissão a respeito das modalidades de cálculo do montante da coima. Esta carta continha elementos novos e foi apresentada sem autorização prévia do Tribunal Geral e sem justificação.

24

A Guardian sublinha que, apesar de esta carta ter sido apresentada extemporaneamente, o Tribunal Geral, no n.o 22 do acórdão recorrido, declarou‑a admissível tendo em conta, por um lado, o seu «conteúdo» e, por outro, o «facto de ter sido transmitida [à Guardian], que, por conseguinte, [pôde] apresentar [as suas] observações a este respeito na audiência». A Guardian considera que esta apreciação é contrária ao artigo 11.o, n.o 3, das Instruções ao Secretário.

25

O princípio da igualdade de armas e o respeito do princípio do contraditório exigem que os debates na audiência se limitem aos elementos dos autos que puderam ser debatidos por escrito. A mera possibilidade de ser ouvido durante a audiência a propósito dos articulados apresentados extemporaneamente não permite observar o respeito dos direitos de defesa. Em conformidade com a sua jurisprudência na matéria, o Tribunal Geral devia ter julgado inadmissível a carta de 10 de fevereiro de 2012 (acórdãos Solvay/Comissão, T‑30/91, EU:T:1995:115, n.os 83 e 101; BASF/Comissão, T‑175/95, EU:T:1999:99, n.o 46; e AstraZeneca/Comissão, T‑321/05, EU:T:2010:266, n.o 27).

26

A Guardian alega que o n.o 22 do acórdão recorrido não contém nenhuma fundamentação que permita reconhecer as razões pelas quais a referida carta foi julgada admissível, nomeadamente atendendo ao seu conteúdo.

27

Consequentemente, considera que deve ser anulada a decisão do Tribunal Geral de juntar ao processo a carta de 10 de fevereiro de 2012, constante do referido n.o 22, e convida o Tribunal de Justiça a declará‑la inadmissível.

28

A Comissão sustenta que este fundamento é inoperante. Com efeito, não tendo a Guardian demonstrado que, na falta da carta de 10 de fevereiro de 2012, o Tribunal Geral teria chegado a uma conclusão diferente quanto ao montante da coima que foi aplicada a esta empresa, este fundamento é irrelevante.

29

De qualquer modo, segundo a Comissão, o referido fundamento não é procedente. Alega que, devido à sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral pode ter em conta elementos factuais apresentados extemporaneamente, sob reserva do respeito do princípio do contraditório. Ora, este foi respeitado no caso em apreço, na medida em que a Guardian pôde exprimir‑se quanto ao conteúdo da referida carta na audiência, tendo, no entanto, escolhido não o fazer. A Comissão observa que a Guardian dispunha de um prazo de três dias antes da audiência para comentar esta carta ou para pedir ao Tribunal Geral para apresentar observações escritas ou para adiar a audiência.

Apreciação do Tribunal de Justiça

30

Importa recordar que o princípio do respeito dos direitos de defesa constitui um princípio fundamental do direito da União. Seria violar esse princípio fundar uma decisão judicial em factos e documentos de que as próprias partes, ou uma delas, não puderam tomar conhecimento e sobre os quais, portanto, não estavam em condições de tomar posição (acórdão Snupat/Haute Autorité, 42/59 e 49/59, EU:C:1961:5, 156).

31

O princípio da igualdade de armas, que é um corolário do próprio conceito de processo equitativo e que tem por objetivo assegurar o equilíbrio entre as partes no processo, garantindo que qualquer documento apresentado ao Tribunal possa ser avaliado e contestado por qualquer parte no processo, implica a obrigação de oferecer a cada parte uma possibilidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo as suas provas, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário (acórdão Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.os 71 e 72).

32

Na sua carta de 10 de fevereiro de 2012, a Comissão pretendeu responder a uma carta que a Guardian dirigiu ao Tribunal Geral com vista à preparação da audiência e que dizia respeito ao cálculo da coima, e transmitir a este último certas indicações quantificadas nas quais se tinha apoiado para calcular o volume de negócios no mercado pertinente das quatro empresas destinatárias da decisão controvertida. A Comissão precisou, com base nestes elementos, que, caso o Tribunal Geral concedesse uma redução do montante da coima, esta redução não deveria exceder 30%.

33

É pacífico que a Guardian recebeu uma cópia desta carta em 10 de fevereiro de 2012. Dispôs, assim, de três dias para tomar conhecimento do seu conteúdo antes da audiência. Devido à natureza e ao conteúdo desta carta, esse prazo não pode ser considerado demasiado curto, e independentemente do facto de o Tribunal Geral não ter observado as disposições do artigo 11.o, n.o 3, das Instruções ao Secretário. Além disso, é pacífico que a Guardian não pediu ao Tribunal Geral para comentar esta carta por escrito nem solicitou um adiamento da audiência. Por último, durante a audiência, a Guardian pôde invocar os seus argumentos relativos quer à admissibilidade desta carta, quer ao seu conteúdo.

34

Resulta destes elementos que a Guardian não demonstrou que o Tribunal Geral violou os direitos de defesa ou o princípio da igualdade de armas ao não garantir que ela dispunha de um prazo suficiente para tomar conhecimento da carta de 10 de fevereiro de 2012 e apresentar a sua posição por escrito a esse respeito (v., por analogia, acórdão Corus UK/Comissão, C‑199/99 P, EU:C:2003:531, n.o 25).

35

Nessas condições, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao decidir, no n.o 22 do acórdão recorrido, que, «[a]tendendo ao conteúdo desta carta e ao facto de ter sido transmitida [à Guardian], que, por conseguinte, [pôde] apresentar [as suas] observações a este respeito na audiência, o documento em causa deve ser considerado admissível».

36

Consequentemente, este fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao fundamento relativo a uma violação do princípio da igualdade de tratamento e do dever de fundamentação

Argumentos das partes

37

A Guardian sustenta que o Tribunal Geral, nos n.os 104 a 106 do acórdão recorrido, violou o princípio da igualdade de tratamento. De acordo com a recorrente, o Tribunal recusou admitir, no momento do cálculo da coima, que as vendas internas devem ser tidas em conta ao mesmo título que as vendas a terceiros.

38

Assim sendo, o Tribunal Geral violou uma jurisprudência e uma prática decisória constantes, cuja razão de ser é a necessidade de evitar qualquer discriminação entre as empresas verticalmente integradas e as que o não são. Essa igualdade de tratamento impõe‑se à Comissão quer ao abrigo das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, do artigo 15.o do Regulamento n.o 17 e do n.o 5 do artigo 65.o [CA] (JO 1998, C 9, p. 3), quer das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações de 2006»).

39

A Guardian critica o Tribunal Geral por não ter exposto as razões pelas quais se afastou desta jurisprudência constante. Em sua opinião, o Tribunal Geral limitou‑se a afirmar, no n.o 104 do acórdão recorrido, que «a existência de um comportamento anticoncorrencial apenas ficou provada em relação às vendas a clientes independentes».

40

Além do facto de o Tribunal Geral ter desvirtuado a redação do considerando 377 da decisão controvertida, a referida afirmação é desprovida de pertinência. Importa pouco saber se o cartel também abrangia as vendas internas. Com efeito, segundo a Guardian, o aspeto crucial é que uma empresa verticalmente integrada pode retirar uma vantagem tanto da venda dos produtos visados pelo cartel como da venda de produtos dos quais aqueles são insumos. Segundo a Guardian, a Comissão nunca teria demonstrado a existência dessa vantagem e o Tribunal de Justiça admitiu que excluir as vendas internas significaria «necessariamente» beneficiar os produtores verticalmente integrados (acórdão KNP BT/Comissão, C‑248/98 P, EU:C:2000:625, n.o 62). Contudo, no n.o 105 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu que não ficou provado que as empresas verticalmente integradas tinham retirado essa vantagem concorrencial da infração.

41

Sendo a Guardian a única empresa não verticalmente integrada que participou na infração, considera que a única forma de restabelecer a igualdade de tratamento consiste em reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada em 37%, na medida em que essa percentagem corresponde à parte das vendas internas relativamente ao volume total das vendas efetuadas no mercado pertinente.

42

A Comissão considera este fundamento improcedente.

43

Em primeiro lugar, a Comissão defende que o Tribunal Geral não desvirtuou de forma alguma a decisão controvertida nem cometeu um erro de direito ao constatar que a infração apenas diz respeito às vendas a terceiros independentes. Considera, por conseguinte, que apenas essas vendas poderiam servir de base ao cálculo do montante da coima.

44

Em segundo lugar, a Comissão contesta a alegação de que a jurisprudência a obriga a ter em conta as vendas internas aquando do cálculo das coimas. Esta alegação assenta na ideia de que os produtores verticalmente integrados retiram necessariamente uma vantagem concorrencial nos mercados a jusante do mercado do cartel. Esta ideia é errada pois a existência de uma vantagem concorrencial baseada na execução de um cartel a montante depende de uma multiplicidade de fatores e deve ser casuisticamente apreciada.

45

De qualquer modo, a jurisprudência não proíbe, mas também não exige, que as vendas internas sejam tidas em conta (acórdãos KNP BT/Comissão, EU:C:2000:625, n.o 62; Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, EU:C:2006:328, n.os 102 e 103; Europa Carton/Comissão, T‑304/94, EU:T:1998:89, n.o 123; KNP BT/Comissão, T‑309/94, EU:T:1998:91, n.o 112; Lögstör Rör/Comissão, T‑16/99, EU:T:2002:72, n.o 358; Tokai Carbon e o./Comissão, T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, EU:T:2005:220, n.o 260; Daiichi Pharmaceutical/Comissão, T‑26/02, EU:T:2006:75, n.os 57, 63 e 64; e BST/Comissão, T‑452/05, EU:T:2010:167, n.o 82).

46

A Comissão indica que, em princípio, tem em conta as vendas internas quando dispõe de indícios suficientes para fundamentar a conclusão de que foi obtida uma vantagem concorrencial ou quando o cartel tem expressamente por objeto as vendas internas [Decisão da Comissão C(2010) 8761 final, de 8 de dezembro de 2010, no processo COMP/39.309 — LCD].

47

Contudo, existem casos em que não teve em conta as vendas internas [v. Decisões da Comissão C(2009) 7601 final, de 7 de outubro de 2009, no processo COMP/39.129 — Transformadores elétricos, e C(2011) 7436 final, de 19 de outubro de 2011, no processo COMP/39.605 — Vidro para tubos catódicos].

48

Em contrapartida, quando, como no presente litígio, nada indica com certeza que o cartel tinha igualmente por objeto as vendas internas ou que os participantes ativos a jusante beneficiavam de uma vantagem indireta, a Comissão considera que não pode ser legalmente obrigada a ter em conta as vendas internas. Impor essa obrigação a esta instituição limitaria o poder discricionário de que dispõe em matéria de coimas e poderia aumentar substancialmente o montante das mesmas sem que fosse necessário demonstrar que o cartel exerce efetivamente uma influência nas vendas internas ou nas vendas a jusante. Esta obrigação poderia provocar uma discriminação entre os diferentes participantes numa infração apenas em razão da forma da sua estrutura empresarial.

49

Segundo a Comissão, não há que considerar que ela própria deve sempre verificar se as vendas internas estão ligadas a uma infração, desde que adote uma abordagem coerente em relação a todas as empresas implicadas num mesmo cartel.

50

Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que a Guardian não foi de modo algum objeto de discriminação. Por conseguinte, considera que esta empresa não tem direito a nenhuma redução do montante da coima que lhe foi aplicada pela decisão controvertida. Ainda que a tomada em consideração das vendas internas pudesse ter conduzido à aplicação de coimas mais elevadas para os outros participantes no cartel, a mesma não pode justificar uma redução da coima aplicada à Guardian. O montante desta coima é adequado, proporcionado e conforme às orientações de 2006. Reflete o peso económico desta empresa na infração. Para garantir o efeito dissuasivo da coima, a Comissão recorda que aumentou o montante da coima aplicada à Saint‑Gobain em 30% para melhor refletir o facto de se tratar de um produtor verticalmente integrado.

Apreciação do Tribunal de Justiça

51

Deve recordar‑se que o princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral de direito da União, consagrado nos artigos 20.° e 21.° da Carta. Decorre de jurisprudência constante que o referido princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (v., nomeadamente, acórdão Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, C‑550/07 P, EU:C:2010:512, n.os 54, 55 e jurisprudência referida).

52

O n.o 2 do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003 estabelece que a coima aplicada a cada uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infração não deve exceder 10% do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.

53

A Comissão deve apreciar, para cada caso concreto e tendo em conta o contexto e os objetivos prosseguidos pelo regime de sanções instituído pelo Regulamento n.o 1/2003, o impacto que se procura obter sobre a empresa em questão, tendo nomeadamente em conta um volume de negócios que reflita a sua situação económica real durante o período no decurso do qual a infração foi cometida (acórdão Britannia Alloys & Chemicals/Comissão C‑76/06 P, EU:C:2007:326, n.o 25).

54

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, é permitido, com vista à determinação da coima, atender quer ao volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, ainda que aproximativa e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, quer à parte desse volume que provém das mercadorias objeto da infração e que, portanto, pode dar uma indicação da amplitude desta (acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, EU:C:1983:158, n.o 121; Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 243; e Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, EU:C:2006:328, n.o 100).

55

Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 atribua à Comissão uma margem de apreciação, limita, no entanto, o seu exercício, instituindo critérios objetivos que aquela deve respeitar. Assim, por um lado, o montante da coima suscetível de ser aplicada tem um limite quantificável e absoluto, sendo o montante máximo da coima aplicável a uma dada empresa determinável antecipadamente. Por outro lado, o exercício desse poder de apreciação está igualmente limitado pelas regras de conduta que a Comissão impôs a si própria, nomeadamente nas orientações de 2006 (v., neste sentido, acórdão Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.o 58).

56

Nos termos do ponto 13 das orientações de 2006, «[p]ara determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente […] com a infração, na área geográfica em causa no território do Espaço Económico Europeu (‘EEE’)». Estas mesmas orientações precisam, no seu ponto 6, que «a combinação do valor das vendas relacionadas com a infração e da sua duração é considerada um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na infração».

57

Daqui decorre que o ponto 13 das orientações de 2006 tem por objetivo fixar como valor‑base inicial para o cálculo da coima aplicada a uma empresa um montante que reflita a importância económica da infração e o peso relativo desta empresa na mesma. Por conseguinte, embora o conceito de valor das vendas visado no referido ponto 13 não possa, é certo, ser alargado de modo a englobar as vendas realizadas pela empresa em questão que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do cartel em causa, o objetivo prosseguido por esta disposição seria, no entanto, violado, se este conceito fosse entendido no sentido de que apenas visa o volume de negócios realizado com as vendas que foram comprovadamente afetadas por este cartel (acórdão Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, EU:C:2013:464, n.o 76).

58

Essa limitação teria, além disso, o efeito de minimizar artificialmente a importância económica da infração cometida por uma determinada empresa, uma vez que o simples facto de ter sido encontrado um número reduzido de provas diretas das vendas realmente afetadas pelo cartel conduziria à aplicação de uma coima sem relação real com o âmbito de aplicação do cartel em causa. Tal prémio ao segredo violaria igualmente o objetivo de prossecução e de sanção eficaz das infrações ao artigo 81.o CE, não podendo, por conseguinte, ser admitido (acórdão Team Relocations e o./Comissão, EU:C:2013:464, n.o 77).

59

De qualquer modo, importa sublinhar que a parte do volume de negócios global proveniente da venda de produtos objeto da infração é a que melhor reflete a importância económica desta infração. Não deve pois fazer‑se distinção entre as vendas a terceiros independentes e as vendas a entidades que pertencem à mesma empresa. Não ter em conta o valor das vendas desta última categoria significaria necessariamente beneficiar, sem justificação, as sociedades verticalmente integradas, permitindo‑lhes escapar a uma sanção proporcional à sua importância no mercado dos produtos objeto da infração (v., neste sentido, acórdão KNP BT/Comissão, EU:C:2000:625, n.o 62).

60

Com efeito, além do benefício que podem esperar retirar de um acordo de fixação horizontal de preços aquando das vendas a terceiros independentes, as empresas verticalmente integradas podem igualmente tirar partido desse acordo no mercado a jusante dos produtos transformados, na composição dos quais entram os produtos que são objeto da infração, e isto a dois títulos diferentes. Ou essas empresas repercutem os aumentos do preço dos insumos, resultantes do objeto da infração, no preço dos produtos transformados, ou não repercutem os referidos aumentos, o que equivale a conferir a esses mesmos produtos uma vantagem de custo relativamente aos concorrentes que obtêm os referidos insumos no mercado dos produtos objeto da infração.

61

É por essa razão que, como observou o advogado‑geral nos n.os 28 a 34 das suas conclusões, os Tribunais da União sempre julgaram improcedentes os fundamentos dos produtores verticalmente integrados que procuravam que as suas vendas internas fossem excluídas do volume de negócios que serve de base ao cálculo da sua coima (acórdão KNP BT/Comissão, EU:C:2000:625, n.o 62; v. igualmente acórdãos Europa Carton/Comissão, EU:T:1998:89, n.o 128; KNP BT/Comissão, EU:T:1998:91, n.o 112; Lögstör Rör/Comissão, EU:T:2002:72, n.os 360 a 363; e Tokai Carbon e o./Comissão, EU:T:2005:220, n.o 260).

62

Por último, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que da aplicação de métodos de cálculo diferentes para determinação do montante da coima não pode resultar uma discriminação entre as empresas que participaram numa mesma infração ao artigo 81.o CE (v. acórdão Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, EU:C:2012:479, n.o 58).

63

Como foi recordado no n.o 59 do presente acórdão, para efeitos da apreciação da parte do volume de negócios global proveniente da venda de produtos objeto da infração, não há que fazer distinção entre as vendas internas e as vendas a terceiros independentes. Daqui decorre que, para efeitos da determinação desse volume de negócios, as empresas verticalmente integradas estão numa situação comparável à dos produtores não verticalmente integrados. Estes dois tipos de empresas devem, pois, ser tratados de forma igual. Excluir as vendas internas do volume de negócios pertinente equivaleria a favorecer as primeiras, reduzindo o seu peso relativo na infração, em detrimento das outras, com base num critério sem relação com o objetivo prosseguido no momento da determinação desse volume de negócios e que consiste em refletir a importância económica da infração e o peso relativo de cada uma das empresas que nela participaram.

64

A este respeito, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 104 a 106 do acórdão recorrido:

«104

No caso em apreço, a Comissão considerou que os acordos anticoncorrenciais tinham por objeto as vendas de vidro plano a clientes independentes (considerando 377 da decisão impugnada) e, por isso, utilizou estas vendas para calcular o montante de base das coimas (considerando 41, quadro n.o 1, e considerando 470 da decisão [controvertida]). Por conseguinte, a Comissão excluiu do cálculo da coima as vendas de vidro plano destinado a ser transformado por uma divisão da empresa ou por uma sociedade do mesmo grupo. Uma vez que a existência de um comportamento anticoncorrencial apenas ficou provada em relação às vendas a clientes independentes, não se pode criticar a Comissão por ter excluído do cálculo da coima as vendas internas dos membros do cartel verticalmente integrados. Por outro lado, a Comissão também não pode ser acusada de não ter fundamentado a exclusão das referidas vendas do cálculo da coima.

105

Além disso, como alegou a Comissão, não ficou provado que os membros do cartel verticalmente integrados que forneceram os produtos em causa às divisões da mesma empresa ou às sociedades que fazem parte do mesmo grupo de empresas beneficiaram indiretamente do aumento de preço acordado nem que o aumento dos preços no mercado a montante se traduziu numa vantagem concorrencial no mercado a jusante do vidro plano transformado.

106

Por último, quanto ao argumento de que a Comissão violou o princípio da não discriminação ao excluir as vendas internas do cálculo da coima, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que tal tratamento seja objetivamente justificado (v. acórdão […] BPB de Eendracht/Comissão, T‑311/94, [EU:T:1998:93], n.o 309 e jurisprudência referida). No caso em apreço, na medida em que a Comissão considerou que os pactos anticoncorrenciais apenas visavam o preço do vidro plano faturado a clientes independentes, o facto de as vendas internas terem sido excluídas do cálculo da coima aplicada aos membros do cartel verticalmente integrados significa unicamente que situações objetivamente diferentes foram tratadas de forma diferente. Por conseguinte, a Comissão não pode ser acusada de ter violado o princípio da não discriminação.»

65

Ao decidir desta forma, o Tribunal Geral violou os princípios jurisprudenciais recordados nos n.os 52 a 62 do presente acórdão.

66

Nestas condições, o fundamento invocado pela Guardian em apoio do seu recurso, na medida em que é relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, deve ser julgado procedente, sem que o Tribunal de Justiça se tenha de pronunciar sobre este fundamento na parte relativa à violação do dever de fundamentação pelo Tribunal Geral. Por conseguinte, importa dar provimento ao recurso e anular o acórdão recorrido na medida em que julgou improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da não discriminação no que respeita ao cálculo do montante da coima e em que condenou a Guardian nas despesas.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

67

Em conformidade com o artigo 61.o, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. É o que acontece no caso em apreço. Com efeito, o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para proferir uma decisão sobre o recurso.

68

Importa contudo precisar o alcance da fiscalização do Tribunal de Justiça. O Tribunal Geral, pelos motivos expostos nos n.os 28 a 93 do acórdão recorrido, julgou improcedentes os pedidos de anulação da decisão controvertida. Uma vez que a Guardian não contestou essas apreciações no seu recurso, as mesmas tornaram‑se definitivas. Cabe pois ao Tribunal de Justiça analisar o litígio unicamente na medida em que diz respeito à violação do princípio da igualdade de tratamento e ao dever de fundamentação relativo ao cálculo do montante da coima, invocado em apoio dos pedidos destinados à sua redução.

69

O segundo fundamento invocado pela Guardian no seu recurso perante o Tribunal Geral, destinado a obter a redução do montante da coima, visa a reparação da desigualdade de tratamento resultante da exclusão das vendas internas para efeitos do cálculo dessa coima. Pelos motivos enunciados nos n.os 51 a 65 do presente acórdão, há que constatar que, ao proceder a essa exclusão, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento.

70

A este respeito, importa observar que resultava do n.o 41 da comunicação de acusações que, das quatro empresas destinatárias da decisão controvertida, a Guardian era a que dispunha da parte mais reduzida do mercado pertinente, avaliada entre 10% e 20%. A parte detida pela Saint‑Gobain, compreendida entre 20% e 30%, era a maior. Em contrapartida, na fase da decisão controvertida, esta ordem foi invertida, detendo então a Saint‑Gobain a parte mais reduzida do mercado, ou seja, entre 10% e 20%, e a Guardian a maior, concretamente, 25%, sem que, no entanto, a decisão controvertida explique as razões de uma tão importante alteração da base de cálculo da coima. A exclusão das vendas internas conduziu, portanto, à redução do peso relativo da Saint‑Gobain na infração, tendo correlativamente aumentado o da Guardian.

71

A este respeito, não pode ser acolhido o argumento da Comissão segundo o qual o montante da coima aplicada à Saint‑Gobain foi aumentado em 30% para melhor refletir o facto de se tratar de um produtor verticalmente integrado. Com efeito, segundo o considerando 519 da decisão controvertida, o aumento em causa foi aplicado à Saint‑Gobain para conferir um caráter suficientemente dissuasivo à coima, nomeadamente em razão da sua «grande presença no setor do vidro» e do «seu volume de negócios [que], em termos absolutos, é significativamente mais importante que o dos outros».

72

O segundo fundamento invocado pela Guardian perante o Tribunal Geral para obter a redução do montante da coima que lhe foi aplicada pela Comissão deve pois ser julgado procedente.

73

Cumpre assim decidir, no exercício da competência de plena jurisdição reconhecida ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, sobre o montante da coima que deve ser aplicada à Guardian (acórdãos Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 79, e Alliance One International/Comissão, C‑679/11 P, EU:C:2013:606, n.o 104).

74

Recorde‑se a este respeito que o artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 apenas prevê que, quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração. Além disso, decorre do n.o 2 deste mesmo artigo que a coima aplicada a cada uma das empresas que tenha participado na infração não deve exceder 10% do respetivo volume de negócios total, realizado durante o exercício precedente.

75

Embora caiba ao Tribunal de Justiça, no âmbito da sua competência de plena jurisdição na matéria, apreciar ele próprio as circunstâncias do caso em apreço e o tipo de infração em causa, a fim de determinar o montante da coima, o exercício de uma competência de plena jurisdição não pode implicar, no momento da fixação do montante das coimas, uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrários ao artigo 81.o, n.o 1, CE (acórdão Comissão/Verhuizingen Coppens, EU:C:2012:778, n.o 80).

76

No que respeita à redução do montante da coima, as partes discordam quer quanto ao seu princípio quer quanto à sua quantificação.

77

Em primeiro lugar, a Comissão considera que o facto de a tomada em consideração das vendas internas ter conduzido a coimas mais elevadas para os outros participantes no cartel não permite reduzir a coima aplicada à Guardian, circunstância que esta última contesta.

78

A este respeito, basta observar que, na medida em que o Tribunal de Justiça constatou a ilegalidade da decisão controvertida, pode, no exercício da sua competência de plena jurisdição, substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, anular, reduzir ou aumentar a coima (v. acórdãos Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, EU:C:2007:88, n.o 61, e Otis e o., EU:C:2012:684, n.o 62). Esta competência é exercida tendo em conta todas as circunstâncias de facto (v., neste sentido, acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 86 e jurisprudência referida). Por conseguinte, o argumento da Comissão acima referido deve ser julgado improcedente.

79

Em segundo lugar, as partes discordam quanto à taxa de redução a aplicar à coima para compensar a desigualdade de tratamento que resulta da exclusão das vendas internas do cálculo do montante da mesma. A Guardian considera, comparando os dados que figuram na decisão controvertida com os da comunicação de acusações, que importa reduzir este montante em 37%. A Comissão, na sua carta de 10 de fevereiro de 2012, considera que a redução não pode exceder 30%. Observa que os dados em que a Guardian baseia os seus cálculos incluem as vendas de determinados tipos de vidro que figuravam na comunicação de acusações, mas que não foram incluídos na decisão controvertida.

80

Nestas condições, atendendo a todas as circunstâncias de facto e de direito do caso em apreço, há que reduzir em 30% o montante da coima aplicada à Guardian no artigo 2.o da decisão controvertida e fixar esse montante em 103600000 euros.

Quanto às despesas

81

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

82

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, deste mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso ao abrigo do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

83

Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do referido Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

84

Tendo a Guardian obtido vencimento parcial, importa condenar a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância e ao recurso, metade das despesas efetuadas pela Guardian nesses dois processos. A Guardian suportará metade das suas próprias despesas relativas aos mesmos.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

 

1)

O acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), é anulado na medida em que julgou improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da não discriminação no que respeita ao cálculo do montante da coima solidariamente aplicada à Guardian Industries Corp. e à Guardian Europe Sàrl e em que condenou estas últimas a suportar as despesas.

 

2)

O artigo 2.o da Decisão C(2007) 5791 final da Comissão, de 28 de novembro de 2007, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo COMP/39165 — Vidro plano), é anulada na medida em que fixa o montante da coima solidariamente aplicada à Guardian Industries Corp. e à Guardian Europe Sàrl em 148000000 euros.

 

3)

O montante da coima solidariamente aplicada à Guardian Industries Corp. e à Guardian Europe Sàrl em razão da infração constatada no artigo 1.o da referida decisão é fixada em 103600000 euros.

 

4)

É negado provimento ao recurso quanto ao demais.

 

5)

A Comissão Europeia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância e ao processo de recurso, metade das despesas efetuadas pela Guardian Industries Corp. e pela Guardian Europe nesses dois processos.

 

6)

A Guardian Industries Corp. e a Guardian Europe Sàrl suportam metade das suas próprias despesas relativas aos referidos processos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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